Texto: Eugênio Martins Jr
Foto: Fundação Arquivo e Memória
O expediente da vagabundagem começava ao meio-dia e terminava às onze da noite — o tempo em que duravam as sessões— mas era o suficiente para que todos os tipos de golpes, ou pelo menos boa parte deles, fossem aplicados nos freqüentadores mais incautos.
O “golpe do baralho” era o mais comum entre eles. O golpista colocava três cartas lado a lado e em cima de um jornal dobrado em quatro partes. Mostrava as cartas para a audiência, que nunca era menos de dez pessoas, e depois colocava as cartas com a face virada para baixo. Trocando-as de lugar rapidamente, o malandro desafiava um dos curiosos a acertar onde estava uma determinada carta. Claro que o golpista nunca atuava sozinho e era aí que entrava a malandragem.
Ele mandava um comparsa escolher uma carta e este sempre acertava, levando a grana e atiçando a cobiça de quem assistia. A aposta valia dinheiro, relógio e correntinha. Se o otário percebesse que estava sendo enganado, a confusão era certa e um terceiro envolvido entrava em cena. Ele tumultuava a roda de jogo enquanto o cara das cartas dava no pé.
“Fica na tua garoto”, me advertiam os malandros, após eu ter presenciado o golpe ser aplicado diversas vezes. Nem precisa falar que eu nunca dei com a língua nos dentes. Pelo menos até agora.
O “abraço amoroso” era outro golpe bastante aplicado pelas prostitutas da rua Brás Cubas. Nas portas dos inferninhos elas chamavam: “Vem cá, vem. Vem fazer neném”. O pedestre, se achando muito esperto, ficava por ali embaçando, tomando o tempo da prostituta. Só que enquanto ele passava a mão pelo corpo da mulher acabava ficando sem a carteira. O mané só ia perceber que havia sido roubado depois de algum tempo.
Tudo isso acontecia ali, na porta do Coliseu, enquanto lá dentro a molecada via os filmes do Bruce Li ou do Bruce Le, sósias piorados do verdadeiro Bruce Lee, ou se acabavam na punheta vendo os filmes de sacanagem.
Durante as sessões, o Coliseu era o lugar perfeito para a prostituição dos viados do Centro. Nessa época, o teatro pertencia a eles e o escurinho do cinema vinha bem a calhar.
Os “pontos” eram nos corredores laterais que levavam aos banheiros e, se conseguissem alguém para o programa, nem precisavam sair do cinema, era só subir as escadas e usar camarotes que ficavam abandonados. Perfeito para Fassbinder filmar.
De vez em quando, lá nos camarotes superiores, alguém triscava um isqueiro e logo o cheiro de maconha impregnava o cinema. Nessas horas, alguém sempre gritava: “Aí não é lugar de sem-vergonhice não, ô fariseu”. A audiência caía na gargalhada, mas a sessão prosseguia na normalidade.
Durante a noite, a fauna do Cine Coliseu se misturava com o pessoal que freqüentava o Forrobodó, a casa de shows instalada no segundo andar e que entre as principais atrações sempre contava com Amado Batista ou Ovelha. Dentro da madrugada, o forró rolava solto reunindo no mesmo ambiente trabalhadores braçais, malandros e as putas que faziam ponto na esquina das avenidas São Francisco e Senador Feijó, as mais feias da cidade.
De todas as praças do Centro, a José Bonifácio era a que mais reunia os personagens de Plínio Marcos, Jean Genet, Steinbeck e tantos outros escritores que retrataram a vida pungente das ruas. Em uma extremidade, o Coliseu e o Forrobodó, na outra, a da São Francisco com a Senador Feijó, barra pesadíssima.
Mas, como diz o ditado, alegria de pobre dura pouco e a chegada mortal da Aids em Santos acabou fechando a Disneylândia. O “movimento” da rua General Câmara caiu levando a reboque o do resto da cidade. O Coliseu da sacanagem fechou as portas.
Um de seus outros dois concorrentes, o Cine Fugitive, na avenida João Pessoa, teve ainda uma breve sobrevida, mas também acabou fechando. O outro, o Cine Júlio Dantas, ainda na ativa, diversificou os negócios instalando uma sexshop bem na entrada.
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