segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Dawn Tyler Watson a voz feminina do blues que vem do Canadá


Texto: Eugênio Martins Jr
Foto: Arve Reistad

Dawn Taylor Watson pode ser ouvida em dois formatos: em seu duo com o guitarrista Paul Deslauriers nos trabalhos En Duo e Southland e também com a Ben Racine Band, sua banda oficial, em Jawbreaker e Mad Love.
Em ambos, essa inglesa que cresceu no Canadá estudando artes dramáticas, apresenta a nova cara do blues que vem se espalhando pelo mundo, influenciando a música local por onde passa, mas também sendo infiltrado pelos ritmos locais e  interpretado por novos artistas. 
Seja qual for o formato que você escolher pra ouvir primeiro, e na real não faz diferença nenhuma, vai ouvir uma cantora que entrou de cabeça nessa história de cantar blues. Há outro caminho? 
Dawn viajou pelo sul em busca das raízes da música secular que conheceu já grande e foi impactada pela sua história. Esteve nos lugares emblemáticos e sentiu que apresentar essa forma de arte não é apenas um trabalho, mas uma verdadeira missão.
Quando se apresenta com voz e violão às vezes resvala ao pop e até ao romântico, não que isso seja ruim, Keb Mo o faz com grande conhecimento de causa.
Quando encontra a banda de Ben Racine os decibéis sobem e também a atitude. The canadian girl domina o palco e atiça o público com suas interpretações cheias de energia e malícia.
Como atriz, Dawn participou de três filmes. Estreou com Scanners II: A Força do Poder (1991), continuação do clássico horrorcore homônimo, Jack Paradise (Les Nuits de Montreal, 2004) e Sophie (2008).
Tenho tido a sorte de entrevistar novas cantoras que estão vindo ao país pelas mãos de artistas brasileiros. E mais do que isso, ver suas apresentações e ouvir a potência das suas vozes. 
A entrevista de Dawn é mais uma da série que inclui JJ Thames, Andrea Dawson, Terrie Odabi e Whitney Shay. Ela foi concedida no camarim do Bourbon Street Music Clube, antes de uma, do total de oito, apresentações, que Dawn Tyler Watson fez no  Brasil. Todas acompanhadas pela banda Tigerman do gaitista Marcelo Naves, com Leo Duarte (guitarra slide), Thiago Guy (guitarra) Raoni Bracher (baixo) e Jaderson Cardoso (bateria).


Eugênio Martins Júnior – Você nasceu na Inglaterra e cresceu no Canadá. Quando foi a primeira vez que ouviu o blues?
Dawn Tyler Watson – Acho que foi na universidade, quando mudei para Montreal. Já ouvia o blues na música pop, com The Doors e Rolling Stones. Não conhecia cantoras originais como Dinah Washington ou Billie Holiday. Conheci mesmo foi na universidade.

EM – Você aprendeu o que era o blues na universidade?
DTW – Sim, nas aulas de história do jazz.

EM - Como é a cena canadense de blues? Você a acompanha?
DTW - Está ficando forte. Particularmente em Quebec e também em Montreal. No International Blues Challenge, que acontece em Memphis, Tennessee, tivemos nos últimos três anos finalistas que são de Montreal. 

EM – Em um desses desafios você ganhou, não é isso?
DTW – Sim, ganhei em 2017, Paul Deslauriers pegou segundo lugar em 2016 e Angel Forest ficou entre os três primeiros em 2018. Não temos muitos festivais como nos Estados Unidos, mas há alguns festivais internacionais que são famosos, o de Montreal é um deles. Nesse momento estão filmando um documentário sobre os artistas de Montreal. 
EM – Todos se espantam quando dizemos que no Brasil há uma cena blueseira. 
DTW – Eu não sabia que havia uma cena como a do Brasil. Isso é maravilhoso.


EM - Tenho entrevistado cantoras de blues de todas as partes, sul, norte, Costa Oeste dos Estados Unidos e é a primeira vez que falo com uma cantora canadense. Mas me parece que todas tem uma característica parecida: são ecléticas no que fazem. Quero dizer, gostam de gravar todos os estilos, blues, jazz, soul, funk. E têm trazido temas do ponto de vista feminino ao blues. Gostaria que falasse sobre isso.
DTW – Acho maravilhoso. Certamente as mulheres têm aparecido mais. Vou usar de novo o exemplo do International Blues Challenge. Em 25 anos eu fui a segunda mulher a vencer. Depois disso outras duas mulheres chegaram entre os três primeiros lugares. A mídia local vivia repetindo isso, que mulheres de todo o mundo participavam, mas nunca ganhavam. Não era certo, não era justo, mas era um mundo dos homens. Como na música de James Brown. Você sabe.

EM - Até que ponto sua experiência em atuar te ajuda no palco e na interpretação das canções?
DTW – Minha filosofia é a de que a cantora é a mensageira da canção. Se você só ouvir as palavras, mas não sentir o que ela quer passar você perdeu a mensagem. Gosto de canções que têm alguma coisa a dizer. Então, como atriz, tento passar aquela mensagem, mas pelo meu filtro. Um exemplo é Rien de Rien, interpretada por Edit Piaf. Aparentemente ela está muito triste e cheia de culpa. Quando eu a canto é de uma maneira forte. Eu não me arrependeu de nada. Hoje é um novo dia.  Sou feliz do jeito que a minha vida está. Não sei se estou tendo o entendimento certo porque não sou fluente em francês. Mas não me arrependo de nada porque o arrependimento não pode mudar nada. Você aprende com o passado e continua em frente. Esse foi um exemplo de como interpretar uma canção usando outra percepção. 

EM – Como cantora você também improvisa no palco como faz uma atriz?
DTW – Às vezes a licença artística te proporciona isso. Às vezes você torna a letra da música mais forte. Sou uma garota má, mas consigo ser uma garota muito má. (risos).

EM – Ben Racine Band e a banda que te dá suporte, inclusive tocando nos teus discos. Poderia nos contar a história dessa parceria?
DTW – É minha banda oficial. Às vezes colocamos outros elementos quando precisamos um teclado ou trompete. Trabalhar com ele é impressionante. Os caras da banda são ótimos músicos e mantêm minha arte em um ótimo nível. São fabulosos.


EM – A parceria com Paul Deslauriers rendeu a vocês dois álbuns. Gostaria que falasse sobre isso.
DTW – Como dupla fizemos muito sucesso. Viajamos pela Rússia, México, Ilhas do Caribe, Estados Unidos e todo o Canadá. Somos amigos e trabalhamos bem juntos. Há muita química. Trabalhamos dois anos antes de gravarmos um álbum. E gravar assim é muito fácil, porque além de mim e dele há apenas a figura do produtor. São só três pessoas. Com a banda já é diferente, são oito elementos. No meu álbum mais recente foram cinco sopros. No o duo os arranjos são feitos no máximo por duas pessoas. Com a banda há as participações nos ensaios. Você tem de sentir como as coisas soam juntas. Particularmente no álbum mais recente e até no primeiro, eu vim com algumas ideias inacabadas, vinha com a melodia, mas não com os acordes. Resolvemos só hora de tocar. 

EM – E tem a parte de que em duo os temas viram uma conversação entre você e seu parceiro.  
DTW – Sim, podemos considerar isso. Mas atuar em um palco também pode ser uma conversação com o público. É como fazer amor, tem de haver ação e reação. 

EM - Li que você passou uma temporada no sul, cantando e bares e festivais. Você atua em filmes, gosta de jazz, mas o blues roubou a tua alma. Gostaria que desse a tua impressão  sobre isso.
DTW – Boa pergunta. Nunca havia estado no sul antes. Fui a New Orleans, a Clarksdale, no Mississippi, passei pelas plantações de algodão, onde a minha mente se abriu. Ainda há muita pobreza, racismo e segregação, por lá. E você ainda pode ouvir muito blues por lá e ver que uma verdadeira forma de arte americana. Fico até arrepiada em falar nisso. Mudou a minha forma de cantar blues. E acima de tudo o meu respeito por ele. Sobre o que aquele povo passou para trazê-lo a nós. Você sabe, nós conhecemos a história da escravidão, mas quando você vai a campo, na trilha do blues, e vê todos aqueles monumentos. Vai na famosa encruzilhada e perto dali Sonny Boy Willianson está enterrado e você vê uma casa que foi queimada, onde um jovem negro foi brutalmente espancado, assassinado e seu corpo foi entregue a sua mãe. Me disseram que o caixão ia ser lacrado, mas a mãe disse não, que o caixão ia ficar aberto justamente para que as pessoas vissem o que aqueles homens haviam feito com o filho dela. Conheci onde nasceu a centelha dos movimentos civis com Rosa Parks e Martin Luther King. Foi muito profundo. 

EM – No Brasil passamos por coisas parecidas ainda hoje. Hoje será seu quarto show no país. Gostaria desse sua impressão sobre o Brasil. 
DTW – Bem, como sou estrangeira tenho sido muito protegida. Os rapazes tomam conta de mim. Tenho recebido muito amor dos fãs. Tocamos em Paraty, no Rio, e em Vila Velha. Ainda não vi muitas coisas dessa vez, mas já passei dez dias na Bahia e na Chapada Diamantina. É um país muito bonito. As montanhas que levam à Paraty. No caminho entre todos esses lugares vi algumas favelas, pessoas nas ruas, inclusive crianças. Ouvi falar sobre o seu governo pró armas, que estão ensinando crianças a atirar, o que pra mim é loucura. Lembre-se, sou canadense e lá no Canadá somos muito liberais sobre esse assunto. Mas o que posso dizer é que todos os países têm as suas lutas.

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