terça-feira, 13 de maio de 2025

Houve as Nossas Canções conta as histórias de José Simonian

 

O camisa 10, José Simonian (ensaio Gilberto Mendes 100 Anos)

Texto e fotos: Eugênio Martins Júnior

A música instrumental é uma arte abstrata. Mas não é porque não possuem letras ou poesias elaboradas que os temas instrumentais não contam histórias. 
Deve ser difícil cambiar sentimentos em notas. Transformar frases musicais que narram cenas ou ideias. Porque ainda há ainda a possibilidade de o receptor ter uma interpretação totalmente diferente do transmissor. 
Entrar na sala de trabalho do José Simonian é conhecer um pouco de sua história. 
Na parede recheada de fotos, uma espécie de wall of fame pessoal, com dezenas de imagens coloridas e descoloridas, o visitante se encontra com o Luizinho 7 cordas, Roberto Sion, Teco Cardoso, Guinga, Antonio Eduardo, e outros parceiros de tantas viagens.
José Simonian é multi-instrumentista, compositor, arranjador, professor e músico ecumênico aqui de Santos 
Ouvi Ouvi do Brasileiro, seu primeiro trabalho, na época do lançamento, final dos anos 90. Aqui em Santos a galera da música instrumental sempre lançou muitos discos.
Também conheci – o som e pessoalmente – o seu parceiro acidental e amigo, o maestro Gilberto Mendes um pouco antes, por ocasião do Festival Música Nova, edição 1996. 
Três décadas depois, por ocasião do centenário de Giberto Mendes, produzi os quatro concertos em homenagem ao maestro com a participação do Simonian em todas as apresentações. Algumas das fotos dessa matéria são desses concertos. 
Na presente entrevista, Simonian conta suas histórias com Gilberto e com o amigo comum, o pianista Antonio Eduardo, com quem gravou um disco muito bacana, Amor Antigo, em 2015.
Olhando para o trabalho mais recente de Simonian, contempla-se uma paisagem de ritmos e estilos que revelam seu ecletismo. Em determinado momento da entrevista eu pergunto como ele soluciona o problema de todo saxofonista brasileiro: estar no meio do caminho entre a influência de Pixinguinha e John Coltrane. A resposta? Confere aí.


Eugênio Martins Júnior – Como foi a tua infância musical?
José Simonian – Minha primeira lembrança é do Guarujá. Passou uma fanfarra na minha rua e eu saí atrás tocando um bumbo. Tem até uma foto disso. A outra é a que cantei uma música no dia das mães. Mas lembrança afetiva mesmo foi quando descobri Dorival Caymmi aos dez anos. Algum personagem do Carlos Vereza apareceu assoviando O Mar. Lembrei que meus pais tinham uma enciclopédia da música popular com alguma coisa relacionada a isso. Comecei a escutar e a primeira coisa que me chamou a atenção musicalmente foi essa coisa do cancioneiro brasileiro. Lembro que tinha Ary Barroso, Caetano Veloso, Jorge Ben (jor). Cada fascículo era um personagem. 

EM – Como foi o caminho para se tornar músico e quando os sopros entraram na tua vida?
JS – A música fez parte da minha adolescência, mas nada com pretensões profissionais. Estudei no Tarquínio (Silva – escola secundária de Santos) e havia exatas, humanas e biomédicas. Optei por exatas e acabei fazendo um ano e meio de Engenharia. Foi quando ganhei uma flauta do meu pai e comecei a tocar sozinho. Procurar as coisas. E começou a sair som. Parei com a faculdade e comecei a estudar música seriamente. Já tarde, com 17 anos. Primeiro flauta doce e depois, a partir dos 20, segui na flauta transversal. 

EM – É um instrumento muito versátil. Aproveitando o gancho, percebi que nesse teu disco mais recente, Houve as Nossas Canções, você gravou ritmos variados e com muito convidados. 
JS – Sim, esse trabalho tem essa profusão de estilos e de formações instrumentais, tem até o Coral Municipal de Santos em Rosário, uma música minha com o Paulo Maymone, encomendada pelo maestro Roberto Martins quando ele fez 70 anos. Ele convidou compositores de Santos para fazer músicas para o coral e essa foi a minha. Gravamos com uma orquestra sinfônica inteira. Tem duos com músicos conceituados da música instrumental, como Cuca Teixeira e Michel Leme. Talentos de Santos, todos os músicos da Orquestra Sinfônica da cidade. Duo com a pianista Rosana Civile. Tem o Antonio Eduardo tocando uma adaptação que fizemos para uma música do Gilberto Mendes. Colocamos uma bateria no baião Urubuqueçaba. Inauguramos o espaço Gilberto Mendes no Emissário (espaço esportivo e cultural de Santos), foi um arranjo para um regional de choro.

EM – É muita influência, né Simonian? Imagino que um músico de mente aberta sofre influência tanto do Pixinguinha quanto do John Coltrane.
JS – É uma misturada danada. É difícil abordar esse assunto. É mais você sentir mesmo. Quando vou fazer música não sei o que vai acontecer com todas essas influências.

Simonian e Denise Yamaoka

EM - Você gravou um disco com o Antonio Eduardo, o Amor Antigo. É um disco muito bonito. Gostaria que falasse sobre essa parceria.
JS – O Antonio é um personagem. É o principal pianista do Gilberto Mendes. E a gente fez muita bagunça em cima disso. Tínhamos bastante intimidade com ele e houve vários fatos pitorescos nesse disco. Em 2010 o Gilberto me encomendou um concerto para flauta para orquestra sinfônica. Daí fiz uma transposição para o piano e flauta e nós gravamos. E o Gilberto tem uma música chamada A Mulher e o Dragão que é lindíssima. E a gente meteu um jazz no meio. Ligamos para o Gilberto e perguntamos o que ele achava e ele disse: “Esse baixinho está virando um pianista de bar. Mas ficou bom, pode gravar”. Outro compositor que gravamos foi o Michel Lysight, um belga amigo do Antonio. É um cara muito bom. E o Gilberto com ciúme. “Esse baixinho aí é o único pianista no hemisfério sul que grava esse cara”. O Gilberto e o Antonio eram como pai e filho. Tem ainda a Adriana Bernardes cantando Entrelinhas, parceria minha com a Glorinha Veloso. Choro dos Meninos que foi feita para big band, mas que ganhou um arranjo para sax e piano. Saudades da Minha Voz, uma de minhas músicas mais antigas, de 1984. Esse disco tem bastante dessa mistura eu a gente estava falando. 

EM - Como foi participar dos concertos em homenagem aos 100 anos do maestro Gilberto Mendes?
JS – O Sesc, com sua estrutura, consegue mostrar esse lado não popular para as pessoas. De uma música mais elaborada, vamos colocar assim. Mostrando esse lado dele que é a música de câmara e coral. Participei dos recitais. E o Gilberto é um personagem de Santos. Vou muito ao cinema de arte ali no Gonzaga e em uma dessas ocasiões falei o nome dele e as pessoas que trabalhavam lá me contaram que Mendes era um a frequentador assíduo. Ele também ia ao baile da praia dançar. Um personagem atuante na cena cultural em vários sentidos e passou isso tudo para a música, Santos Futebol Music, que você já citou, Urubuqueçaba e outras. Era conhecido mundialmente por isso.  

EM – Já que você falou isso. De que forma a cidade de Santos interfere na tua música? Digo interfere porque percebo a influência que o mar, por exemplo, exerce na criação dos artistas daqui é muito impositiva. O mar de Santos se mete em tudo, na escrita, na música, na fotografia, nas artes plásticas. 
JS – Sim, fiz uma sinfonia para o Orquidário de Santos. Foi tocada no ano passado, no Teatro Municipal. Fiz um baião para o bonde turístico e quando inauguraram a nova linha me convidaram para tocar lá onde ficam os bondes. Com o projeto Tocando na Cidade me apresentei na Casa da Frontaria Azulejada, na Alfândega, na Pinacoteca Benedicto Calixto. Sem dúvida essa relação com a cidade é motivadora. 

EM – Inclusive você fez uma música para o teatro Coliseu, que nos anos 80 era um puteiro. O teu tema Noites de Coliseu é sobre essas noites?
JS – (gargalha). Nunca tive essa concepção. Mas é verdade, antigamente era mesmo, podia ter uma parte alusiva a essa época. O meu disco mais recente, cujas fotos do encarte foram feitas todas no Coliseu, foi lançado ano passado, ano do centenário do teatro. Até cogitamos lançar o disco lá, mas não deu certo porque o Coliseu está em reforma.

Antonio Eduardo

EM – O teatro Coliseu passa mais tempo em reforma do que funcionando. Em todas as administrações municipais nos últimos 30 anos. É uma vergonha.
JS – É, as obras não foram concluídas e acabamos não fazendo. Mas o tema era sobre as noites musicais. Lá ouvi muita orquestra sinfônica e fiz alguns shows. Com o show Mil Motivos homenageamos os chorões aqui de Santos, Zé Roberto, Orlando do Pandeiro. E Noites no Coliseu é um choro com flauta em sol e piano que fiz para essas noites memoráveis. Nunca tinha pensado pelo teu viés. (risos).

EM – Nesse teu show mais recente de jazz e bossa você falou sobre bastante sobre a viagem à Alemanha. Como se deu isso?
JS – O Marcos Fregnani, um dos meus primeiros professores de flauta, isso há quarenta anos, de vez em quando vem ao Brasil. Ele é músico erudito, toca em orquestra. No ano passado ele veio e disse que na universidade de sua cidade iria ter um festival e perguntou se poderia apresentar meu trabalho. É claro que concordei. Passou um tempo recebo um e-mail da diretora da universidade dizendo que quatro músicas minhas foram selecionadas para serem apresentadas com big bands e com músicos de câmara e que gostaria que eu fosse. Tive que me programar porque tenho a escola de música para administrar, mas acabei indo. Fiquei duas semanas. 

EM – Rodou por lá?
JS - Foi curioso porque cheguei lá numa terça e na quarta já teve ensaio. E na quarta a noite recebi uma ligação de um brasileiro me dizendo que iam tocar uma música minha em Hammelburg, cidade vizinha d a Nuremberg, onde eu estava. E ele me disse que se não quisesse ir não haveria problema porque iriam gravar. “É claro que eu vou, só me diz o que tenho que fazer pra chegar lá?” Pô, viajei 12 horas e estava do lado! 
Fui para a cidade e era uma big band, músicos de vinte e poucos anos tocando muito bem, dinâmica, articulação, afinação, improviso, a primeira parte tocaram Duke Ellington e a segunda música brasileira, João Donato, Guinga, Hermeto Pascoal e minha música. Uma que gravei no primeiro disco, com big band e mixei na própria Alemanha em 1998, quando fiz uma turnê lá. 

EM – Fez algum show?
JS – Sim, depois me levaram para jam sessions. Toquei choro, jazz, bossa, tudo. De Tico Tico no Fubá a jazz. Terça-feira e o bar lotado.

EM – Cheguei aqui na escola e estava rolando um heavy metal. O que vocês mais ensinam? Há um direcionamento para a música brasileira? 
JS – Não, ensinamos tudo. A escola faz trinta anos esse ano. Comecei dando aula nas casas das pessoas. Depois aluguei uma salinha e depois a escola. Foi crescendo. A escola é bem diversa em relação aos estilos musicais. Poderia abrir um conservatório, mas aí teria de restringir. Tem coisas específicas que não são interessantes para a maioria do público. Ficamos na linha popular, embora tenha choro bossa nova, jazz. Nosso programa vai de Bach a AC/DC.

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