sexta-feira, 29 de junho de 2018

Vanessa Collier é o futuro do blues


Recentemente, em uma entrevista ao Chicago Defender, publicada em dia 20 de junho de 2018, James Yancy Jones, conhecido como Tail Dragger, afirmou que os jovens negros não se interessam mais pelos blues e que se não fossem os jovens brancos o gênero centenário criado pelos afro-americanos no sul dos Estados Unidos já estaria morto.
Uma declaração e tanto, que só não foi foi contestada, ainda, porque saiu da boca de um dos grandes do Chicago sound.
Tail Dragger, cantor de 77 anos, é considerado um dos últimos remanescentes dessa tradição secular, atuou com Howlin’ Wolf, o próprio blues.
Vanessa Collier é uma jovem que teve o contato com a música desde cedo. Graduada na Berklee College, a prestigiosa escola de música em Boston, enveredou pelo blues e seus derivados ainda na escola e nunca mais parou.
Em dois discos gravados, Heart Soul Saxophone e Meeting My Shadow, Vanessa mostra que veio para deixar sua marca. Ainda é cedo dizer se essa menina elogiada por Buddy Guy vai permancer na história.
Entre as certezas, a de que é  compositora de mão cheia, grande instrumentista – é saxofonista -  e tem uma bela voz.
Indicada a algumas premiações, entre elas Blues Music Awards, creditadas aos seus dois trabalhos que possuem variedade de estilos, reflexo do tempo passado com o eclético Joe Louis Walker, Vanessa talvez seja o melhor exemplo da afirmação de Dragger.
Recentemente, em uma parceria com Fred Sunwalk e a banda Dog Brothers, esteve no Brasil para alguns shows: 26 e 27 de maio, festival de Paraty; 29 de maio, Vila Dionísio (Ribeirão Preto) e 30 de maio, Bourbon Street (São Paulo). 

Texto: Eugênio Martins Júnior
Foto: Vanessa Collier divulgação



Eugênio Martins Júnior – Vou começar perguntando com uma música de Buddy Guy: Qual foi a primeira vez que escutou um blues?
Vanessa Collier – A primeira vez que toquei blues simplesmente amei. Estava na sexta série, tinha uns 11 anos e toquei um blues de doze compassos em um aquecimento com uma banda de jazz antes de uma apresentação. Improvisávamos todas as manhãs antes da escola e desde então passei a amar isso.

EM – Os Estados Unidos possuem muitos saxofonistas lendários. É impossível dizer quantos. Quem você ouviu para moldar o teu som?
VC – Ouço estilos musicais diversos e penso que todos eles me ajudaram a moldar o meu som. No que diz respeito aos saxofonistas, adorei Cannonball Adderley na primeira vez que o ouvi. Ele é tão soul e bluesy mesmo fazendo jazz ou bebop! Coltrane, Jeff Coffin, até mesmo Ella Fitzgerald me ajudaram a ver que qualquer instrumento é apenas a voz humana tocada através dele. Uma das minhas maiores influências foi o meu professor, Chris Vadala. Amei seu som doce no saxofone e fiquei impressionada ouvindo alguns de seus conceitos durante nossas aulas. Ele me inspirou com sua paixão e amor pelo saxofone e pela música.

EM - Você é uma jovem que poderia estar tocando música pop e talvez ganhar muito dinheiro, mas preferiu mostrar seu ponto de vista sobre os blues, essa música centenária. Me fale sobre isso.
VC – Acredito fortemente que o dinheiro não faz você feliz, mas conexões, ser sincero, honesto e real sim. Blues é a música mais honesta, verdadeira e a espinha dorsal de toda a música. Mesmo grande parte da música pop tem raízes profundas no blues. Escolhi fazer a música que me atraiu desde o começo e continuo a explorar tudo o que tem a oferecer. É uma jornada de aprendizagem ao longo da vida, adoro aprender e crescer. O blues permite que você cresça e expresse cada emoção com honestidade. Faz todo mundo feliz também porque todos nós podemos nos conectar a ele, não importa a idade ou a circunstância. É verdadeiramente universal e nos mostra que somos todos iguais no coração.

EM - Mas você faz uma mistura poderosa entre blues, soul e funk que não deixa ninguém com seus quadris parados.
VC - Obrigado! Mais uma vez, acho que o blues foi a raiz de tudo, gerou os movimentos do funk e a soul music. Sempre fui atraída por James Brown, Otis Redding, Ray Charles, Bonnie Raitt e muitos outros. Amo muito a música e tudo isso vive na câmara do groove do meu coração, então eu apenas toco tudo que amo.




EM - Usei uma plataforma de crowdfunding para publicar meu primeiro livro e vi que você também está usando para lançar um CD. No passado artistas procuravam rótulos como apoio. Por outro lado, o crowdfunding nos torna os donos do nosso trabalho. Gostaria falasse sobre isso.
VC – Fui atrás de alguns selos e percebi que não serviriam pra mim. Uma das coisas que aprendi na faculdade foi encontrar uma maneira de fazer quase tudo sozinha. Com a gravação com qualidade de estúdio se tornando mais acessível e o avanço tecnológico, é muito mais fácil e muito mais barato produzir, lançar e promover um registro por conta própria. Esse modelo permite que você mantenha todas as suas gravações masters, publicando e mantendo sua integridade e independência, decidindo o tipo de artista que quer ser. Você não precisa ser rotulado por uma gravadora que tem uma visão limitada de seu talento artístico. Acho que artistas bem sucedidos, com longevidade, têm seu próprio nicho e estão fora das normas. O crowdfunding permite que tudo isso aconteça e as pessoas que já amam e apóiam sua música e sua carreira podem ter um papel ativo nela. O crowdfunding permite que você construa e aumente sua comunidade e promova uma aproximação profunda com o público, pois cada uma dessas pessoas faz parte da jornada ao seu lado. É incrível construir essa espinha dorsal, esse suporte. Tenho relações especiais com os fãs através das campanhas de crowdfunding que tenho realizado e sou imensamente grato a cada uma deles porque não teria tido tanto sucesso.

EM - Há alguns meses, Joe Louis Walker tocou em uma casa de shows em São Paulo e eu estive lá e fiz uma boa entrevista com ele. Gostaria que você falasse sobre o tempo que passou tocando com esse grande artista.
VC – Joe Louis Walker tem sido um dos meus mentores. Tive meu primeiro teste da estrada com Joe tocando principalmente na costa leste e também uma turnê de um mês na Turquia, que foi uma das melhores em que já estive. Joe é um artista que poderia estar no centro da cena blueseira se ele quisesse, mas vem de um background gospel, soul, funky, rock e muito mais, então ele toca todos os estilos. Com ele toquei tudo o que amo. Também aprendi percussão, fiz backing vocals, além de tocar saxofone. Sua banda é sempre ótima e ele tem um grande conhecimento histórico, musical e grandes histórias da estrada. Sempre aprendo algo novo quando estou com ele. Esse um ano e meio de turnê foi uma introdução musical maravilhosa e memorável, me apaixonei desde o início.

EM – Como começou a parceria com Fred Sunwalk and the Dog Brothers? Você conhece a cena brasileira de blues?
VC - Fred falou comigo e com meu empresário sobre vir tocar no Brasil. Daí assisti a um vídeo com Fred and the Dog Brothers tocando Blues Everyday. Ele estava no meio da multidão fazendo slide com uma garrafa de cerveja que alguém havia lhe dado. Pensei: “Esse cara é incrível! Eu quero ir!” Então vim para um festival e passei algum tempo com sua família, incluindo os Dog Brothers e suas famílias e apenas senti que era minha segunda casa. A cultura brasileira é muito mais calorosa e aberta do que os americanos típicos. Por exemplo, os americanos acham estranho abraçar quando você conhece alguém, mas parece que no Brasil, abraços são bem-vindos! Eu encontrei alguns artistas como Igor Prado e Alvaro Kapaz, que são da mesma escola. Aprendo mais sobre a cena do blues brasileiro cada vez que venho.



EM – Você chegou a tocar com Marcos Valle? O que acha da música brasileira?
VC - Toquei em uma banda como suporte a Marcos Valle. Conhecia muito Jobim e Gilberto porque essa é a música brasileira no mundo do jazz e a qual fui apresentada, mas descobri que já conhecia muita música de Marcos Valle. Simplesmente amo a música brasileira que ouço, porque para mim, há sempre muita paixão e ternura. Sempre com groove e melodia, mas a melodia sempre flutuando sobre o groove. É animada, sensual e fascinante e eu a amo por isso.

EM – Você ensina música para jovens estudantes?
VC - Tenho ensinado desde 2005. Fui convidada para ensinar um aluno da sexta série no verão, antes de eu mesma entrar na nona série e fiquei muito nervosa. Ensino os fundamentos e os princípios da boa produção sonora, já que isso é o mais importante. Tenho cerca de 30 a 35 alunos por ano. Desde que me formei na faculdade em 2013, lecionando três dias por semana. Desde então tenho aprendido técnicas de ensinar arte para alunos mais jovens. Sempre trabalho para inspirá-los e ajudá-los a encontrar sua própria voz e forma de expressão e espero que eles também apliquem o que eu ensino fora da sala de aula.

EM – Fale-me sobre Heart Soul Saxophone e Meeting My Shadow.
VC – Heart, Soul Saxophone foi meu primeiro disco e reúne algumas de minhas músicas favoritas, juntamente com algumas das primeiras que escrevi. Tongue Tied, The Run Around, Keep It Saxy, e a cover I Can’t Stand The Rain são algumas das minhas favoritas desse registro. Meeting My Shadow é meu segundo disco e amo suas composições. When It Don't Come Easy é uma música premiada como melhor letra e Posioned The Well, Whisky e Women, Two Parts Sugar são algumas das minhas composições favoritas. Este disco também apresenta Laura Chavez na guitarra, que é uma de minhas guitarristas e pessoas favoritas. E estou super empolgada para lançar meu novo álbum Honey Up na próxima semana. São nove originais e uma de minhas favoritas, Love Me Like A Man. É um disco bem New Orleans, funk e até um pouco de blues e rock. Amo esse álbum de cima a baixo.

Entrevista Tail Dragger:
https://chicagodefender.com/2018/06/20/what-has-happened-to-the-blues/


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