segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Com álbum solo de temas clássicos, Bia Marchese entra no blues nacional

 

Primeiro álbum solo de Bia Marchese

Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: arquivo Bia Marchese

Com canções escolhidas a dedo pela cantora Bia Marchese, Let Me In, seu trabalho de estreia, é um apanhado bacana de clássicos da canção norte-americana.Trata-se de seu primeiro álbum solo pelo selo Chico Blues,   com músicos que orbitam a cena blueseira do ABC e São Paulo. São eles, Leo Duarte (guitarra), Luciano Leães (piano e órgão), Denilson Martins (saxofones), Humberto Zigler (bateria e percussão) e Sidmar Vieira (tormpete). As produções, musical e executiva, são assinadas por seu marido, o baixista Rodrigo Mantovani, ativo colaborador do Chico Blues desde a época em que atuava com a Igor Prado Band. O CD teve uma participação especial de Wee Willie Walker em Nobody But You de Dee Clark.  Nos 14 temas, Bia desfila ao lado de nomes bem conhecidos por aqui – digo isso por causa da discografia disponível desde os anos 70 – como LaVern Baker, Fontella Bass e Big Mama Thornton. E outros nem tanto, os casos de Wynona Carr, Lil Johnson, Carol Fram, Christine Kittrell, Ann Cole, Hattie Burleson. Os caras soul também dão as caras. Mas em número menor, Pee Wee Crayton, Dee Clark, e os lendários Johnny Guitar Watson e Solomon Burke. A Bia também conta como estava sendo sua adaptação nos Estados Unidos antes da pandemia chegar na América do Norte. Logo quando mudou para Chicago com seu companheiro, o baixista Rodrigo Mantovani, quando este entrou para a banda de Nick Moss.



Eugênio Martins Júnior – Como foi a tua infância musical e quando você começou a cantar?
Bia Marchese – Minha infância foi de total contato com a música. Minha família é cheia de músicos, muitos não exerceram profissionalmente, mas a maioria sempre muito envolvida com música. As reuniões de família na minha vida eram basicamente uma roda cheia de gente, minha família é enorme (rs), fazendo um som. Todo mundo participava de alguma forma e, quem atrapalhasse falando alto ou qualquer coisa assim, levava cada bronca... (risos). Mas minha mãe é cantora e exerceu profissionalmente por muitos anos e, por incentivo dela eu canto desde sempre. Não sei dizer idade, mas desde minhas primeiras lembranças da infância. Me lembro de subir nos palcos com ela quando eu tinha uns seis anos e cantar músicas do Jackson 5. Morria de vergonha, mas amava!


EM -  E o blues e o soul, quando apareceram?
BM – O soul veio primeiro pra mim. Passei um muito tempo   da minha infância tentando imitar cantoras e cantores que constantemente me apaixonava. Nem sabia que aquilo era soul music, era só algo que me fascinava ouvir. Já o blues veio um tanto mais tarde. É claro que as coisas se misturam, e o blues e a soul music se mesclam em muitos pontos. Então, diria que o Blues, de forma mais consciente e num formato mais tradicional, entrou na minha vida por volta dos meus 18 anos.

EM - Você gravou um CD com alguns clássicos da soul music. Como foi a escolha desse repertório? Tem tanta coisa boa.
BM – Na verdade meu disco é uma mistura de blues, R&B , soul, ragtime e início do rock’n roll. Acho difícil dividir a música em estilos tão delineados. Como disse antes, determinados estilos musicais se misturam, modificam e influenciam um ao outro e, entre eles, existe uma conexão muito forte. Diria que o repertório do meu disco possui, na sua essência, uma unidade sonora que conecta aquilo que também pode ser separado, para funções mais didáticas, em estilos musicais. Já a escolha do repertório foi algo bem natural, sabe? Bem baseado naquilo que naquele momento eu estava conectada musicalmente. Mas, apesar de natural, não foi nada aleatória, foi muito bem pensada e, em algum nível, uma tentativa de homenagear aquilo que me desafia e me transforma musicalmente. Fora isso, pude contar com algumas maravilhosas sugestões do Rodrigo e Chico Blues na empreitada da escolha do repertório. Ah, fico feliz demais que tenha gostado do repertório.



EM – Essa galera do Igor e do Rodrigo era ligada ao jump blues e ao Chicago blues, mas de uma época pra cá deram uma virada pra soul music e o teu disco foi gravado nessa época, né? Teve esse influência do momento ou era uma coisa que você já pensava em fazer?
BM – Na verdade não. Minhas escolhas musicais e de repertório não tiveram influência do som que eles faziam. Apesar de eu ser uma grande admiradora do trabalho que eles fizeram juntos e ter afinidade por grande parte das escolhas musicais deles, não foi algo que teve influência nas minhas escolhas do disco. O disco foi resultado do que fui desenvolvendo ao longo dos anos.

EM – A produção foi do Rodrigo e os músicos que tocam são aquelas figurinhas carimbadas do blues nacional. Essa parte ficou com ele ou vocês fizeram juntos?
BM – Tudo que envolveu o disco, nós fizemos juntos e em parceria com o Chico Blues, até porque, eu não conseguiria não participar da produção do meu próprio disco. (risos)

EM – Ok. A pergunta foi burra mesmo.
BM – Mas, independente disso, o Rodrigo tem uma musicalidade surreal e, como produtor, ele vê detalhes e enxerga coisas que teriam certamente passado batido por mim. Tive muita sorte e aprendi coisa demais assistindo ele, tão de perto, como produtor musical. Quanto aos músicos, eu tenho um carinho absurdo por todos que fizeram parte desse projeto. Fora a qualidade musical de cada um, são pessoas que realmente tem lugar importante na minha vida.

As minas no rolê: Bia e Kate Moss

EM – Você passou por aquela fase de transição, o teu companheiro foi contratado por uma banda que toca muito no circuito blues, a Nick Moss Band. Já dá pra falar sobre uma adaptação, já que foram pegos pela Covid-19.
BM – Não foi uma transição simples sair do Brasil, mas, ao mesmo tempo, era um movimento que a gente já planejava fazer em algum momento pela vontade de viver e desenvolver certas coisas dentro do blues e também da música de forma mais ampla. A contratação do Rodrigo pela Nick Moss Band apareceu como uma oportunidade de fazer esse movimento. 
Mudamos pra Chicago um ano e alguns meses antes da COVID -19 e toda essa nova situação se instalar. Acho que foi um período bem intenso e a adaptação foi relativamente rápida. Pra mim, por ser um começo do zero, já que não fui com nenhum trabalho garantido, foi mais desafiante, mas as coisas foram fluindo e pude fazer alguns trabalhos musicais que foram incríveis pra mim. Sem contar a satisfação de toda uma vivência num contexto de tanta informação musical nova.

EM - Você acha que para a mulher é mais difícil? Quero dizer, ficar sozinha em casa enquanto o cara sai pra tocar?  
BM – Na verdade isso nunca foi uma questão na minha vida e tenho esperança que, algum dia, possa não ser mais uma questão na sociedade. Estar num relacionamento é uma opção que, pra mim, não tem ligação com nenhum tipo de dependência. Somos indivíduos antes de tudo. Então, eu diria que ninguém nessa relação fica sozinho esperando o outro voltar da gig. (risos). Se ele sair pra tocar, eu certamente estarei envolvida com meus projetos individuais, assim como, se eu sair pra tocar ele certamente estará envolvido com os dele. E esses momentos são tão bons quanto os momentos que estamos envolvidos no mesmo projeto ou trabalhando juntos. A ida pros EUA não foi uma decisão tomada em função de acompanhar o Rodrigo na sua entrada na Nick Moss Band, foi uma decisão que envolveu muitas outras coisas e interesses individuais de ambos dentro das oportunidades que essa mudança poderia proporcionar.

EM – Certamente cada um terá a sua vida e seus projetos. O que eu quis dizer é que as coisas poderiam ter ficado difíceis justamente pela falta de uma atividade inicial.   
Por outro lado, pode ser uma oportunidade. Você está arrumando um jeito de entrar no circuito, ou ainda é muito cedo? nTeve alguma experiência cantando na terra do blues?
BM - Olha Eugênio, eu admito que não sou uma pessoa que fica tentando entrar em circuitos, não tenho quase ímpeto nenhum de fazer propaganda de mim mesma e não faço contatos ou mantenho relações sociais pra fazer determinados trabalhos ou entrar em certos meios. Então, pra mim, entrar num circuito acontece só se for como consequência de um trabalho feito de forma mais natural, verdadeira, com uma qualidade que me traz satisfação e, no geral, com pessoas que tenho afinidade. Cada pequeno trabalho que faço tem um valor enorme pra mim e os circuitos vão acontecendo assim na minha vida. Sobre a experiência cantando na terra do Blues, sim, tive algumas bem maravilhosas, inclusive cantando no Legendary Rhythm & Blues Cruise. A convivência com Nick Moss e Kate Moss, que é também guitarrista, acabou nos fazendo conhecer muita gente do meio do Blues, o que também acelerou certas oportunidades. Eles foram sempre muito maravilhosos comigo.

Com o maridão, Rodrigo Mantovani e Dennis Gruenling

EM - Tem conseguido ir a alguns shows de blues? Nos locais legais de lá?
BM – Te falar que ir em shows de Blues foi o que eu mais fiz em Chicago, virei a louca dos shows, não perdia um. (risos)
Lá ainda tem uma cena de blues bem viva  rolando e muitas opções de lugares pra ir.

EM – Tem gravação à vista? Quer dizer, pós pandemia.
BM – Tenho sim. Nunca desejei tanto ter um estúdio em casa como nesse momento de pandemia. Seria lindo passar a quarentena dentro de um estúdio, né não? (risos). Mas sim, já estou trabalhando nas ideias do próximo disco e espero, em breve, começar a agitar isso.

EM – Você gravou uma música com o Willie Walker. Ele participou ao vivo da gravação? Como foi essa parada?
BM – Sim! Amo tanto que ele tenha gravado no meu disco. 
Não foi ao vivo, ele gravou num estúdio nos EUA e me enviou. Quando ouvi a gravação, pensei: “o que vou cantar depois disso?” (risos)
Ele era uma pessoa maravilhosa né? Não sei se você chegou a conhecê-lo, mas acabei ficando bem próxima, tanto do Willie quanto da esposa dele, e quando o convidei para gravar comigo essa canção, ele deu um sim com aquela risada maravilhosa e, então, gravamos.

Blues Music Awards 2019

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