segunda-feira, 27 de julho de 2020

Eric Assmar e o legado do blues da Bahia

Eric Assmar (Sesc Santos - 19/01/13)

Texto e fotos: Eugênio Martins Júnior

Em uma das vezes que estive com o blueseiro baiano Álvaro Assmar ele me perguntou: 
- “Você já ouviu meu filho tocar?. Rapaz, o garoto está num nível muito alto. Não é por que é o meu filho não, tá?”. 
-Sei, “respondi”.
Dois anos depois tive a oportunidade de ouvir e ver Eric Assmar tocando de verdade, em uma gig com o próprio Álvaro, aqui no Sesc Santos. 
Logo depois conheci seu primeiro álbum, o Eric Assmar Trio com temas cantados em inglês e português com a guitarra como protagonista, num conjunto em formato de power trio.
Gravado em 2011, em Salvador, no estúdio Em Transe, o CD conta com 11 temas compostos pelo prórpio Eric e apresentados por Rafael Zamaeta (baixo) e Thiago Gomes (bateria). Álvaro Assmar aparece na produção e no violão em Hanna.
Mesmo tocando blues, os ares musicais da “Roma Negra” fazem bem a qualquer artista. A matriz musical é a mesma, a África. Gosto de citar isso em várias entrevistas que faço com os gringos, orgulhoso das dezenas de ritmos espalhadas pelo continente Brasil.
Orgulhoso também em saber que meus dois livros Blues – The Backseat Music serviram como material de pesquisa  para uma tese de doutorado sobre música construída por Eric Assmar. 
Eis aqui mais uma entrevista. Com um dos talentos que já está na cena há um tempo, mas só agora começa a colher os frutos do trabalho, toda uma geração de blueseiros nativos que inclui, Tiago Guy, Fillipe Dias, Pedro Bara, Leo Duarte, Simi Brothers, Bia Marquese, Bidu Sous e tantos outros.


Eugênio Martins Júnior - Como foi a tua infância musical na Bahia? Com o axé e os batuques de Salvador da porta pra fora e o blues da porta da rua pra dentro.
Eric Assmar – Sendo filho de um músico de blues e um fã de rock clássico, absorvi muito dessa influência ainda na infância. Meus pais se separaram quando eu ainda era muito guri, não vivi na mesma casa que o meu pai durante a infância, mas sempre estivemos juntos e tomei muito gosto pelo rock and roll, começando por Beatles, Black Sabbath, Deep Purple, Zeppelin, Hendrix, esses clássicos. A guitarra me fascinava. Via na figura do guitarrista algo como um super-herói, alguém com superpoderes. Gostava muito de músicas que traziam a guitarra como instrumento de destaque. Curtir esse tipo de rock antigo era algo um pouco "fora da curva" pra um guri soteropolitano nascido em 1988, mas acredito que o ambiente com o qual você convive regularmente tende a influenciar bastante essa coisa do gosto musical na infância (no meu caso, a família). A cultura baiana, de um modo geral, é riquíssima, com tradições ligadas a religiões de matriz africana que também são oriundas da diáspora negra africana, tal como aconteceu com o blues nos Estados Unidos. Tenho orgulho de ter nascido e crescido em Salvador, sou um apaixonado por essa cidade, que percebo como um lugar de muita diversidade. Existem "tribos" musicais muito variadas, inclusive uma história de muitos artistas de rock incríveis, que vieram de Salvador e se tornaram referências em âmbito nacional.

EM – A gente percebe que o teu pai era um blueseiro clássico e você já vai um passo além. Mais puxado pro blues rock. Gostaria que falasse sobre isso. 
EA - Acho que vem por conta de um caminho que talvez seja comum a muitos músicos de blues brasileiros: tive o primeiro contato com o blues diluído em canções de rock ou em versões de clássicos blueseiros gravadas por nomes do rock. É um pouco aquela coisa de primeiro descobrir Clapton, Stones e Led Zeppelin, para depois perceber que muitas daquelas canções, na realidade, são de autoria de Robert Johnson, Muddy Waters, Willie Dixon, etc. Me tornei um grande fã do formato power trio. Me fascina a ideia de ouvir uma massa sonora gorda vindo apenas de três caras tocando. Grupos como o Cream, Jimi Hendrix Experience, Band Of Gypsys, Grand Funk Railroad, SRV & Double Trouble são referências que curto bastante e me inspiraram a formar o Eric Assmar Trio, em 2009. O grupo acabou tomando mais esse caráter "bluesrocker" por conta dessas inspirações e acredito que pela minha maneira de compor. Procuro ser o mais espontâneo possível, tocar a música que tá no coração e na mente.

EM – Você gravou dois CDs nesse formato. Gostaria que contasse a história desses álbuns e falasse um pouco sobre o trio 
EA - O trio surgiu quando recebi um convite do amigo João Carlos Guia, produtor de eventos, perguntando se eu toparia montar um trabalho solo para tocar blues com a minha cara, do jeito mais espontâneo pra mim. João já tinha um contato cotidiano comigo em minha atuação como músico em bandas ou sideman, antes disso, e foi um grande incentivador desse projeto solo. Convidei meus amigos Rafael Zumaeta (baixo) e Ricardo Ubdula (bateria), começamos tocando alguns covers de blues/rock e, aos poucos, fui compondo mais e, em 2012, lançamos o "Eric Assmar Trio", já com o amigo Thiago Gomes na bateria. O Ubdula mudou-se para o Canadá nessa época. Circulamos bastante promovendo esse primeiro trabalho, que foi gravado inteiramente ao vivo em estúdio, com produção minha e do meu pai (Álvaro Assmar). Minha ideia era um disco o mais cru possível, que desse ao ouvinte a sensação de estar ouvindo uma apresentação ao vivo, sem muitos overdubs. Em 2016, já com Thiago Brandão na bateria e vocais, lançamos o Morning, que é o segundo trabalho. Nesse disco, já fui mais para a coisa das canções, deixando fluir a inspiração do momento com composições que envolvem mais elementos. Também foi uma produção minha e do meu pai e, desde que foi lançado, circulei bastante com o Trio e sou muito grato por esses dois trabalhos. No momento, sigo produzindo o terceiro.

Eric e Álvaro Assmar (Sesc Santos)

EM – Há nove anos eu perguntei pro teu pai e agora vou perguntar pra você: como vê a cena blueseira nacional aí de cima, da Bahia? O que mudou em todo esses tempo?
EA - Vejo uma cena muito fértil, são muitos artistas fazendo blues em várias partes do país, inclusive aqui na Bahia. Os festivais também são muitos e são oportunidades bem legais de congregar artistas diferentes e, também, vejo neles um ótimo potencial de formar público. O blues não é um gênero tipicamente brasileiro, mas vejo que existe um nicho grande de pessoas que gostam dessa música, e até leigos que se surpreendem positivamente ao ouvir pela primeira vez e se apaixonam. Pessoalmente, gosto da ideia de poder contar a minha história fazendo blues do meu jeito, através das canções autorais e de releituras que façam sentido pra mim em determinado momento, mas acho que a criação e o fazer musical são livres, cada músico deve fazer aquilo que o faz sentir-se bem. Nesse sentido, considero a cena do blues no Brasil bastante diversa, você tem artistas de vertentes blueseiras muito diferentes produzindo novos materiais e alguns mais focados em covers. Imagino que a demanda de mercado, mais ligada ao entretenimento, possa ter alguma influência sobre esse aspecto, mas acho que as coisas podem coexistir, perfeitamente. Acho inclusive saudável que haja essa diversidade de propostas.

EM – Você é um dos poucos músicos que compõe letras em inglês e português. O teu primeiro CD foi dividido, mas no mais recente você preferiu as letras em inglês. 
EA - Isso. Tento deixar a ideia musical o mais livre possível. Quando componho, tem vezes em que as ideias vêm em inglês, enquanto em outras vezes elas vêm em português. Acredito que compor blues em português seja um pouco mais difícil, por conta da própria sonoridade do gênero não ter originalmente sido concebida na língua portuguesa, mas nós temos ótimos exemplos de grandes letras de blues ou de canções bluesy escritas em português, o que pode ser observado, por exemplo, em alguns trabalhos do André Christovam, do próprio Álvaro Assmar, além de grandes poetas do rock brasileiro como Raul Seixas, Renato Russo, Cazuza, etc. Eu gosto de exercitar as duas coisas, mas me agrada a ideia de deixar a criação o mais livre possível. Desde que me sinta representado por aquela canção e seja algo vindo do coração, o fato de ser em português ou inglês acaba sendo uma consequência com a qual não me importo muito.

EM - Você usou um dos meus livros para formular tua tese de música na faculdade. Gostaria que falasse como foi isso.
EA - Isso! Foi, na verdade, a minha tese do Doutorado em Música pela Universidade Federal da Bahia (PPGMUS/UFBA), que concluí em 2019. O trabalho é na área da Educação Musical e trata sobre o ensino da guitarra blues no Brasil, identificando perspectivas metodológicas de materiais de estudo publicados aqui no país, entre livros, videoaulas e cursos online, e propondo algumas possibilidades nesse sentido. Os depoimentos de artistas de blues brasileiros que constam em seus livros são referenciais preciosos, pois os próprios participantes dessa cena do blues nacional contam suas histórias e as maneiras como percebem esse cenário, além, claro, dos estrangeiros que estiveram por aqui. São materiais fundamentais para entender nuances do blues nacional a partir das diferentes perspectivas das próprias pessoas "de dentro" desse universo. No meu mestrado, que defendi em 2014, escrevi uma dissertação sobre a prática do blues em Salvador, identificando falas e sonoridades dessa cena a partir de entrevistas com treze participantes. Fui costurando diálogos com essas pessoas, falando do meu lugar de pesquisador, mas sendo também um músico atuante nessa mesma cena. Aprendo bastante com a escrita desses trabalhos e percebo que isso, também, me faz perceber minha própria atuação como músico de outra maneira. Sou muito grato por ter tido a oportunidade de cursar mestrado e doutorado, podendo imergir em temáticas ligadas ao blues, que é o que mais amo.


EM – Você herdou o programa do teu pai, o Educadora BLues. Como foi essa retomada? 
EA - Pois é, na verdade foi uma consequência inesperada. Em dezembro de 2017, meu pai sofreu um infarto fulminante e faleceu de repente, aos 59 anos. Ninguém esperava aquilo, foi uma circunstância absolutamente traumática e dolorosa. Eu tinha tocado com ele em uma sexta em Salvador, viajei para fazer dois shows fora no fim de semana (Ilhéus-BA no sábado e São Paulo no domingo), conversei com ele por whatsapp no domingo à noite e, na segunda de manhã já havia perdido meu maior ídolo, melhor amigo e confidente. Para além da tristeza enorme, me senti estimulado a fazer o que eu pudesse para honrar a memória do artista Álvaro Assmar. Tocar adiante os projetos que ele tinha e, através da minha música, dar continuidade a tudo o que ele me ensinou, com toda gratidão pelos anos de convivência com esse grande homem. Dentre os projetos dele que estavam em andamento, finalizei a produção do álbum "Family & Friends", que lançamos no segundo semestre de 2019 (sétimo CD da discografia dele) com uma temporada de shows bem legais, que contaram com a presença do meu padrinho André Christovam, grande amigo de Álvaro. Esses shows geraram um material audiovisual que produzi em parceria com a Cortejo Filmes, que foi exibido pela TVE Bahia e consta disponível no YouTube. Também está em andamento a escrita da biografia dele, pelo jornalista João Paulo Barreto, que deve ser lançada em breve. E além desses projetos, o programa Educadora Blues também havia ficado órfão, uma vez que desde 2003 o próprio Álvaro o produzia e apresentava, trazendo sempre lançamentos de blues no Brasil e no mundo. Na época de seu falecimento, essa foi uma grande preocupação, pois esse programa era motivo de um orgulho imenso para Álvaro. Um programa semanal dedicado ao blues na rádio pública da Bahia, no ar ininterruptamente por tanto tempo! Eu nunca tinha tido uma atuação profissional no rádio, só apresentei programas pontuais como convidado, falando do lugar de artista mesmo, mas sempre pesquisei álbuns e artistas de blues, paixão que herdei do meu pai e dividia muito com ele, também. Decidi topar o desafio e propus à coordenação da rádio e à direção do IRDEB (órgão estatal que administra a Rádio Educadora FM) que eu continuasse o programa. Eles adoraram a ideia e eu, então, fiz uma imersão em estudos nesse campo do rádio. Estudei bastante a maneira como Álvaro fazia os programas, desde padrões de locução, até níveis de mixagem/masterização, montagem geral do programa, etc. Contei com a preciosa ajuda de Washington Barbosa, profissional da Educadora com mais de 40 anos de carreira, com quem muito aprendi e ainda aprendo. Logo no mês de janeiro, fiz um passeio por toda a discografia de Álvaro, prestando um tributo ao pai do programa durante todo o mês. Em fevereiro, retomei a proposta de tocar os lançamentos no Brasil e no mundo. Tive e tenho tido uma aceitação maravilhosa dos ouvintes do programa, o que me deixa muito feliz. Já são dois anos e meio conduzindo essa missão, que representa algo especialíssimo pra mim e me dá uma sensação maravilhosa, de poder contribuir também por essa via para difundir o blues contemporâneo no estado da Bahia e, claro, quebrando essa fronteira com a transmissão online.

EM – Como tem se virado nesses tempos de confinamento?
EA - Eu vinha fazendo uma tour em cidades de Minas Gerais com os meus amigos Andrade Brothers, Gustavo e Luiz Andrade, duas feras do blues mineiro, quando os rumores do agravamento da situação do Coronavírus no Brasil estavam chegando com força. Tocamos de quarta a sábado, shows muito bons e com ótima adesão de público, mas no domingo já retornaria a Salvador para tocar em praça pública, porém o evento foi cancelado e, por tabela, toda a minha agenda de shows foi, pouco a pouco, sendo cancelada. Situação comum a todos os artistas, não teve jeito e não houve tempo hábil pra ninguém se preparar. Foi de 100 a 0 da noite para o dia. Decidi intensificar minha atuação como professor de guitarra blues via Skype, continuei produzindo os programas Educadora Blues em home studio, tenho escrito e registrado muitas canções novas, passei a ser mais requisitado para gravações como guitarrista e cantor e, também, comecei a fazer lives e shows online monetizados. Tempos muito difíceis para quem trabalha com arte e eventos, de modo geral, mas pessoalmente tenho a sorte de poder trabalhar com diversas atividades dentro da música, que não somente os shows presenciais. A Internet é um meio absolutamente essencial, nesse sentido.

Eric e Álvaro Assmar (guitarra), Jê Lima (baixo) e Caio Dohogne (bateria) 
(Sesc Santos 19/01/13)

EM – Gostaria que falasse sobre o momento da cultura no Brasil. Quer dizer, perdemos o Ministério da Cultura que viabilizava muitos projetos espalhados pelo país, inclusive festivais de blues e jazz. Temos uma taxa de desemprego alta e ao mesmo tempo o Governo Federal enquadra a indústria do cinema nacional que gera milhões e emprega milhares de pessoas. Em apenas uma ano e meio trocamos cinco vezes o secretário de cultura. 
EA - Momento crítico e triste, sem sombra de dúvidas. Acho absolutamente lamentável que tenha ganhado tanta força um discurso reacionário, que posiciona os artistas como inimigos do povo e do poder público, quando na verdade a cultura é parte fundamental da engrenagem de qualquer sociedade e esses artistas representam esse povo, estão ali para dialogar com as pessoas. A perda do Ministério é algo deplorável e as consequências disso, infelizmente, já estão sendo sentidas por todo o setor da cultura no país, que movimenta profissionais de várias áreas e tem um peso enorme para a economia nacional, para além da questão da importância da cultura em si. Vejo essa situação com muita tristeza e torço para que os danos sejam os mínimos possíveis. Que em breve possamos ter dias melhores para a representação da cultura em âmbito estatal.

EM - A última é uma pergunta inevitável. Qual foi a principal lição que o velho blueseiro Álvaro te deixou?
EA - As lições foram várias, na verdade, mas me inspira muito a seriedade e comprometimento dele para com o blues e seus ideais. Era um cara incorruptível, de uma nobreza de caráter rara e de uma solidariedade fora do comum. Sempre estendeu a mão às pessoas e "abraçou" com toda generosidade vários artistas que estavam começando. Além de tudo isso, ele sempre falava sobre a importância de o artista "ser o seu maior fã". Essa autoestima é um componente fundamental para você guiar uma carreira musical e poder ser livre e sincero com sua expressão artística. Tenho isso como um mantra e procuro sempre pensar nesse sentido.

Eric Assmar (Sesc Santos - 19/01/13)

domingo, 26 de julho de 2020

O agitado Peter Green morre dormindo


Autor de temas clássicos como Black Magic Woman (sim, aquela música que não é do Santana), Green Manalishi (aquela que não é do Judas Priest), Oh Well e Albatross; um dos fundadores da banda inglesa Fleetwood Mac e um dos guitarristas mais importantes do blues/rock, Peter Green, morreu ontem, dia 25 de julho.
Com um timbre suave e compositor de mão cheia, o blueseiro Peter Green foi o arquiteto do som inicial da Fleetwood Mac nos anos 60 e início dos 70.
Conheceu o baterista Mick Fleetwood em 1965, mas em 1966, como muitos guitarristas ingleses, pelo menos os importantes, ingressou na Bluesbreakers de John Mayall.
De cara colocou duas composições no seu álbum de estreia, o A Hard Road, foram The Same Way e The Supernatural.
Só em 1967 Green se juntaria a Mick e Jeremy Spencer pra fundar a lendária Fleetwood Mac, entrando para a história da música mundial.
Após anos iniciais gloriosos com a banda, Peter voltou a se apresentar com John Mayall e a viver uma vida turbulenta. Diagnosticado com esquizofrenia, entrou e saiu de clínicas onde sofreu tratamentos com eletrochoque que o deixaram e estado semi letárgico. Também apresentou um histórico de posse de armas e ameaças a profissionais que trabalhavam próximos a ele.
Retomou sua carreira formando o Splinter Group gravando bons albuns. 
Após toda essa turbulência, Green morreu dormindo, em casa, aos 73 anos.

terça-feira, 7 de julho de 2020

Bidu Sous, a voz feminina do Vale do Paraíba


Texto: Eugênio Martins Jr
Fotos: Divulgação

Nos últimos anos tenho reparado que alguns dos jovens artistas que apareceram no mundo do jazz e do blues são oriundos de suas igrejas. Católicas e evangélicas. É a música achando seus caminhos.
Posso citar alguns aqui, o pianista de jazz  Amaro Freitas, lá da capitania de Pernambuco; os rapazes das Just Groove, que acompanham por todos os cantos o guitarrista Igor Prado; os jazzistas aqui da minha terra, André William (piano) e o Elizeu Custódio (baixo). 
Do vale do rio Paraíba, região prolífica para o blues nacional, veio a Bidu Sous que, desde menina se apresenta no coral de sua igreja, em Jambeiro, a meia hora de São José dos Campos.
Do vale do Paraíba, vem toda uma geração de blueseiros, Lancaster, Flávio Naves, Marcelo Naves, Fred Barley, Danilo e Nicolas Simi (os Simi Brothers)  e tantos outros. 
Nesse momento Bidu está trabalhando em seu CD solo, produzido por Lancaster, um dos guitarristas mais importantes da cena, criador de bandas que estão por aí fazendo barulho até hoje, Serial Funkers e Blues Beatles. Você já deve ter ouvido falar. 
E pelo que eu ouvi do disco Don't Wake Me Up Early até agora, a moça está no caminho do blues. Usa a voz a serviço da emoção e a determinação para fazer o que gosta.  A banda conta com caras da pesada, Adriano Grineberg (piano), Thiago Cerveira (gaita), Maurício Gaspar (bateria) e Raoni Brascher e Lucas Espildora. os dois últimos parte de sua banda. 
É assim mesmo. Quando você cisma com esse negócio de blues não há outra saída. Como dizia os irmãos Allman: “Ain’t but one way out baby, lord I just can’t out the door”. 
Bidu Sous representa uma cena musical que vem se renovando sempre. E, mais do que acumulando influências, misturando, renovando e criando afluentes onde os ritmos se encontram, no Mississippi e no Paraíba.


Eugênio Martins Júnior – Como foi a tua infância musical?
Bidu Sous - Meu pai é violeiro, então eu cresci ouvindo música raíz, moda de viola. Ele sempre fazia umas rodas em casa com os amigos e sempre estava por perto. Sempre gostei de cantar. Lembro que na minha infância, uns 5 anos, nas nossas viagens de ônibus, eu ia cantando na viagem inteirinha, imaginava que a janela era um palco e ficava acenando pras pessoas na rua (risos)! 
Minha mãe ficava pedindo desculpas para os outros passageiros porque eu não parava nunca. Eles diziam: “deixa, ela tá cantando bonitinho". (risos) 
Quando comecei a catequese aos oito anos de idade já entrei pro coral da igreja. Só parei de cantar na igreja com 19 anos. Saí do coral e fui cantar na noite. (rs). Mas a música sertaneja e o coral da igreja foram minha grande escola.

EM – Na adolescência você cantava temas de sertanejo raiz na igreja? Conta essa história.  
BS – Eu e minhas irmãs montamos um coral gospel! Dividíamos as vozes, ficava muito bonito. E começamos a fazer paródia com os cânticos. Pegavamos uma música sertaneja famosa e colocávamos a letra das músicas da igreja. Começamos a chamar a atenção de muita gente, principalmente dos jovens e a missa começou a encher, eles gostavam de ouvir a gente. Mas aí uma das ajudantes do padre fez uma reclamação, disse que não era certo fazer aquilo com as músicas. Acabamos com o coral. Mas nossa técnica estava dando certo, levar os jovens pra igreja. (rs)

EM – E quando o blues entrou na tua vida e quando você decidiu se profissionalizar?
BS – O blues entrou na minha vida quando eu tinha uns 17 anos. Sempre gostei de conversar com pessoas mais velhas, nunca gostei do som que as pessoas da minha idade estavam ouvindo. Me lembro de ficar na marcenaria do meu avô com meus tios, ouvindo música e trocando idéia enquanto eles trabalhavam. E eles ouviam várias coisas, entre Janis Joplin, Roling Stones, Eric Clapton... e eu comecei gostar. Mas eu queria saber o que eles ouviram pra chegar naquele som, queria saber o que a Janis ouvia, o que os Stones ouviam. Foi assim que cheguei ao blues. Descobri Muddy Waters, Big Mama, entre outras coisas... e me apaixonei. Mas não sabia o que era “blues", não diferenciava o estilo musical. Pra mim era  um som, uma cadência que mexia mais comigo. 


EM – O Vale do Paraíba tem uma cena blues bem forte. Como isso te influenciou? Ou isso não aconteceu?
BS – É verdade. Essa cena e os músicos da região, renomados no Brasil inteiro, me influenciam, com certeza. Mas isso não aconteceu no início. Me lembro de ter visto um show da Irmandade do Blues (uma banda de SP) em São Francisco Xavier e fiquei maravilhada. Fui conversar com o guitarrista, que era o Edu Gomes, acho que ele nem lembra disso, mas fui pedir um conselho. Falei que queria cantar blues e queria saber o que eu poderia colocar no repertório. Ele me falou de Etta James, Koko Taylor, Nina Simone, Billie Holiday. Nunca cantei Nina Simone e Billie Holiday, mas ouvi bastante (rs). E mais tarde conheci o Lancaster Ferreira, um grande guitarrista de blues e produtor, que se tornou um grande amigo. Mas o gosto pelo blues já estava aqui. 

EM – Você está preparando o primeiro disco. O que podemos esperar dele? Teve algum fio condutor? Pelo menos nas três músicas que ouvi percebi que está bem puxado para o blues.
BS – Podem esperar um disco de blues (rs). Quando conversei com o Lan (Lancaster, produtor do disco) que queria gravar um disco, ele me perguntou:
- Você quer fazer um disco de sucesso ou fazer um disco de blues?
- Quero fazer um disco de blues.
- Ah bom! Se me dissesse que queria fazer um disco de sucesso eu não ia topar essa empreitada, porque o sucesso é imprevisível. Mas quando a gente faz o que a gente gosta, com alma, isso já nos trás o sentimento de realização, porque acreditamos naquilo de verdade. E ainda corremos o risco de fazer sucesso. Será o primeiro disco de blues tradicional lançado por uma mulher no Brasil.

EM – Você foi pega no meio dessa produção pela pandemia de Covid-19. Como afetou esse trabalho?
BS – Isso atrasou bastante o processo, porque estamos tomando todos os cuidados necessários, evitando proximidade etc. Então não podíamos gravar no estúdio, eu não podia ir na casa do Lan nem na casa de ninguém. Pra você ter uma ideia, o Lucas Espildora gravou os arranjos de slide em duas músicas com um celular da casa dele. Não tínhamos como esperar isso passar pra depois gravar. Depois você escuta e me diz o que achou. O menino é talentoso.

Bidu Sous e Lancaster

EM – Gostaria que falasse mais sobre a parceria com o Lancaster e sobre a banda que te acompanha.
BS – Agradeço a Deus por colocar pessoas como o Lan no meu caminho. Além de ser um grande músico, é uma grande pessoa. Um cara generoso e verdadeiro. Quando conheci o trabalho dele já fiquei fã de cara. Acompanhava nas redes sociais, ouvi muito o disco “Say Goodbye to Trouble". No  segundo show que assisti dele, ele já me convidou pra dar uma canja e a partir daí nos tornamos amigos. No disco, todas as músicas são autorais, compostas pelo Lan com co-autoria minha. Ele fez as letras e eu ajudei nas melodias. Mas as letras foram feitas baseadas no que ele conhece de mim. Hungry Woman, por exemplo, eu super me identifico. É que eu me alimento bem (rs). Mas esse processo de composição foi muito rápido. Quando começamos a compôr, em menos de duas semanas tinhamos todas as músicas. Foi uma conexão muito especial. Pra gravação no disco foi o Lan quem escolheu os músicos e eu fiquei muito feliz porque além de meus amigos, são pessoas que admiro muito. E por acaso, o baixista Raoni Brascher e o guitarrista Lucas Espildora, que gravou slide, fazem parte da banda que me acompanha hoje.

EM – Os festivais de blues e jazz no Brasil sobrevivem graças à Lei Rouanet e Sescs. E atualmente a cultura brasileira vem sofrendo um ataque sistemático do atual governo e essas duas frentes estão sendo muito afetadas com cortes e até uma certa marginalização. Qual a sua opinião sobre essa situação?
BS – Acho que isso é falta de informação de quem faz esse tipo de ataque. As pessoas tem preguiça de ler, de buscar a veracidade das coisas e se apegam em notas curtas e resumidas sobre muitos assuntos. O fake news que agrada é melhor que a verdade que derruba os argumentos. Ninguém vive sem arte.

EM – São tão poucas as mulheres blueseiras no Brasil. Você não escolheu um caminho fácil. Como encara isso?
BS – Já ouvi de muitas pessoas que deveria circular pelos vários estilos de música; pra não ficar presa a um rótulo; que o universo do blues é machista; que não ia durar se for só por nessa vertente; entre outras coisas. Mas é que eu só canto o que eu gosto. É assim que eu encaro. Não fico pensando em fazer um som “comercial", pra  abranger um público maior. Preciso gostar, sabe? Pode ser que isso mude um dia... mas me dou esse privilégio, de fazer o que gosto e eu gosto de blues. (rs).

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Morre Ennio Morricone aos 91


Morreu nessa madrugada, aos 91 anos, o compositor das trilhas sonoras de O FascistaPor um Punhado de Dólares; O Bom, o Mau e o Feio; Era Uma Vez no Oeste; Era Uma Vez na América; Os Intocáveis; Cinema Paradiso; Bastardos Inglórios, Os Oito Odiados, A Missão, e tantas outras que estão no imaginário nos amantes da sétima arte.
Se você assistiu alguns desses filmes e teve contato com a genialidade de Ennio Morricone, saiba que você é um previlegiado. Se não assistiu, corra e preste atenção nas belas composições que acompanham as imagens desses clássicos do cinema mundial. Elas vão te transportar para dentro da trama.
Ennio Morricone nasceu em Roma, onde se projetou para o mundo compondo e arranjando trilhas sonoras marcantes para filmes italianos e mais tarde para Hollywood. Fez mais de 500.
Curiosamente, não ganhou um Oscar pelas suas trilhas até 2016, mesmo tendo sido indicado cinco vezes ao prêmio. Somente em 2007 recebeu das mãos de Clint Eastwood, protagonista de alguns filmes cuja trilha era de Morricone, um Oscar pelo conjunto da obra. E em 2016, finalmente, levou o Oscar pelos Oito Odiados.
Morricone morreu em um hospital em Roma após ficar internado por complicações de uma queda em sua casa.