quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Jazz brasileiro leva um Grammy com Trio Corrente e Paquito D'Rivera

Texto: Eugênio Martins Júnior
Foto: Lucy Nicholson/Reuters

O grupo instrumental de São Paulo, Trio Corrente, composto por Fábio Torres (piano), Paulo Paulelli (baixos) e Edu Ribeiro (bateria), foi o vencedor da categoria melhor álbum de jazz latino na 56° edição do prêmio Grammy realizada no domingo nos Estados Unidos.
O Trio Corrente levou o gramofone dourado por Song For Maura, álbum gravado em parceria com o saxofonista cubano Paquito D'Rivera, vencendo La Noche Más Larga de Buika, Yo de Roberto Fonseca, Egg?n de Omar Sosa e Latin Jazz-Jazz Latin, de Wayne Wallace Latin Jazz Quintet.
Segundo Torres, a parceria nasceu em 2010 e a ideia de gravar um disco partiu do próprio Paquito. “Nosso produtor insistiu para juntar o grupo com o Paquito. A afinidade musical foi imediata e no jantar, após o primeiro show, o Paquito veio com a ideia de gravar um CD. Ele sempre adorou a música brasileira e disse pra nós que sempre quis gravar um disco com músicas brasileiras com um grupo daqui. Entre idas e vindas, conseguimos gravar o CD em outubro de 2012”.
Curiosamente, a grande imprensa nacional deu ênfase nas premiações dos músicos internacionais Daft Punk, Vampire Weekends e Lorde e falou muito pouco sobre o grupo. O que mostra que a música instrumental brasileira é mais respeitada fora do que dentro de casa.
Fabio Torres, que comparou a diversidade da música brasileira com a diversidade de espécies da Mata Atlântica, espera que o prêmio ajude a reverter esse quadro. “A diversidade da música brasileira acaba achatando a música instrumental, comercialmente falando. Espero que depois desse prêmio o mercado melhore. É um grão de areia, mas sabemos que faz a diferença”.  
Desde 1999, Torres e Paulelli integram o grupo de apoio da cantora e violonista baiana Rosa Passos, outra importante representante do jazz brasileiro.
Ao saber da premiação de seus protegidos, Passos, que costuma chamar Paulelli de “filhote” por causa das afinidades musicais entre ambos, postou uma mensagem em sua página em uma rede social: “Estou muito feliz e orgulhosa dos meus músicos Fábio Torres e Paulo Paulelli (meu filhote musical), que juntos com Edu Ribeiro, grande baterista e que eu já tive o privilégio de ser acompanhada, meu querido amigo e grande músico Paquito D’Rivera, ganharam ontem o maior prêmio da música no mundo, o Grammy Americano”.
Ela própria já havia sido indicada para o Grammy com seu álbum Romance. Para a cantora, teria sido motivo de orgulho se a categoria que o disco tivesse concorrido na mesma que Song For Maura, ou seja, “Melhor álbum de jazz latino” e não “Melhor álbum de pop contemporâneo brasileiro”, como quis a organização do evento.


domingo, 12 de janeiro de 2014

A linhagem de Michael Dotson é a dos guitarristas puro sangue de Chicago


Texto e fotos: Eugênio Martins Júnior

Michael Dotson é um homem maduro e músico calejado. Por isso não pega bem dizer que ele faz parte da nova geração do blues.
No entanto, poucas pessoas ouviram falar de seu nome por aqui. Só mesmo os iniciados conheciam o guitarrista, cantor e compositor de Chicago de pegada forte, mas elegante, quando esteve na oitava edição do festival Ilha Blues, em Ilha Comprida, litoral sul de São Paulo.
Dotson começou cedo. Seu primeiro contato com o blues foi no final dos anos 60, após assistir o velho Muddy Waters em um restaurante. O objetivo do show? Arrecadar fundos para a campanha de um político local.
Seus primeiros instrumentos foram a clarineta e o saxofone, mas aos 16 anos já podia ser encontrado tocando guitarra nas espeluncas de Chicago, onde foi profundamente influenciado por Otis Rush, Buddy Guy, Magic Slim, Junior Wells e Lefty Dizz.
No grupo de Magic Slim tocou por seis anos. A lista de participações em bandas de outros artistas do blues inclui ainda Aron Burton, George Baze, Liz Mandevile, Big Time Sarah, Little Mac Simmons, Jimmy Burns, Willie Kent, Big Jack Johnson, Billy Boy Arnold e Homesick James.
Estiveram ainda em Ilha Comprida, a lenda da harmônica James Cotton, o guitarristas Lurrie Bell e Eddie Taylor Jr, os tecladitas brasileiros Ari Borger e Adriano Grineberg, os gaitistas Big Chico e Jefferson Gonçalves, e os guitarristas Nuno Mindelis e Artur Menezes. Um verdadeira pajelança.
Essa entrevista só foi possível após a intervenção do produtor Adrian Flores, que agradeço aqui. Também ao produtor do festival, Oda Gomes, que me permitiu livre acesso aos artistas.



Eugênio Martins Júnior – Quando foi a primeira vez que você ouviu o blues?
Michael Dotson –
Provavelmente foi em uma arrecadação de fundos para campanha eleitoral no final dos anos 60, era o Muddy Waters que estava tocando. Eu tinha 10 ou 11 anos e não sabia o que era o blues, mas o engraçado é que eu já conhecia Buddy Guy, ele estava sempre pela vizinhança.

EM – O show foi no mesmo palanque em que o político faria o discurso?
MD –
Não era num palco, era um restaurante em Chicago. Eles alugaram o espaço e serviram um jantar às pessoas que pagaram um bom dinheiro e o político estava lá tentando se eleger.

EM – Você faz um som vigoroso, bem ligado a nossa época. Como você faz a conexão entre a tradição do blues e a modernidade?
MD –
Bem, não faço parte de uma nova cena. Pra mim é a mesma coisa. Voltando aos anos 60, especialmente aos pequenos clubes, os músicos se apresentavam de maneira selvagem. Tocavam alto e de forma selvagem. As pessoas bebiam muito, dançavam e enlouqueciam. Parecia rock and roll, mas não era. Era uma coisa que veio antes. Caras como Buddy Guy, Otis Rush e outros faziam isso. Podemos dizer que era um blues rock, mas pra mim é tudo a mesma coisa. Também gosto de country blues. Costumo dizer que o que eu faço é “houserocking music”. Musica para dançar, beber e se divertir.


EM – Uma pergunta que sempre faço quando me deparo com um artista que vem da grande cidade de Chicago é: Em seu ponto de vista, qual é a importância do blues para a cultura americana?
MD –
Bem, musicalmente e de outras formas, é a raiz de tudo. É uma música folclórica, mas expressa não apenas a tristeza ou insatisfação, mas também a felicidade e o desafio, você me entende? “As coisas estão indo uma merda pra mim agora, mas daqui pra frente tudo vai ficar legal e nada vai me parar”. Tenho uma teoria, o rock and roll, que nasceu do blues, está morto. Pra mim ele está morto realmente. E quanto mais ele se distancia do blues, mais ele desaparece. E o blues é eterno.

EM – O blues continua.
MD
– Sim, é a raiz.

EM – Uma vez Rod Piazza me disse que o blues era a música do banco de trás (backseat music) e que ela nunca seria a música da corrente principal (mainstrean), mas está sempre presente.
MD –
Não chamaria de música do banco de trás, mas de música folclórica. Quanto mais a vida muda, talvez para pior, a tensão pode te deixar louco e aí você vai precisar de uma coisa sólida e contínua e o blues é assim. Porque é uma expressão humana. Ele trata de todas as emoções que você passa na vida.

EM – Você conhece a música brasileira como o samba, o nosso blues?
MD –
Acredito que tenha ouvido algum samba, mas não sei identificar.


EM – Antes de tocar aqui você sabia que no Brasil existe uma cena de blues? E que muitos músicos vão regularmente tocar em Chicago e passar algum tempo aprendendo com os músicos de lá?
MD –
Sim, já ouvi falar nisso. Mas não posso dizer que conheço profundamente.

EM – O que você acha deles. Soam estranho para você que é de lá?
MD –
Não soam estranho. O blues é igual em todos os lugares, aqui ou no Japão.  

EM – Que equipamento você usa no palco?
MD –
Prefiro as telecasters com captadores single coil e em Chicago costumo usar amplificadores Super River. Que pra mim fazem o melhor som com as teles. Mas na estrada costumo usar os Fenders Twin.

EM – Quais as diferenças entre ser sideman e agora ter a sua própria banda?  
MD –
Ainda trabalho como sideman. Costumo tocar com a banda Mississippi Heat. Bem, acho que a diferença está na forma como você se expressa. Como sideman você é apenas mais um em cima do palco, você só precisa ficar na sua. Às vezes, se você aparece mais do que o artista principal pode rolar ciúme, especialmente sendo guitarrista. Quando está à frente de uma banda, você tem de ser um entertainer, mas não é fácil, você tem de aprender como fazer.

EM – Qual foi a lição mais importante que você aprendeu com o blues?
MD –
Acho que é o contato com as pessoas. Eu era tímido, honestamente ainda sou, mas estar no palco é uma relação diferente. Gosto de festejar com as pessoas. Fazê-las sentir-se bem.