sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Décadence sans elegance


Texto: Eugênio Martins Jr
Foto: Fundação Arquivo e Memória

Em seus melhores dias, o Cine Teatro Coliseu recebeu grandes artistas como Bidu Saião, Nijinski e Carmem Miranda. Nos piores, abrigou proxenetas, pederastas e rufiões. A fina flor da marginália do centro da cidade na decadente década de 80. Atraídos pelo movimento em torno do teatro, que na época exibia filmes pornográficos, de kung-fu e sessões de streap-tease, faziam a vida ali mesmo, na entrada do Coliseu, em seus corredores escuros e impregnados pelo odor do mofo e urina que saíam do local onde um dia havia sido um banheiro.

O expediente da vagabundagem começava ao meio-dia e terminava às onze da noite — o tempo em que duravam as sessões— mas era o suficiente para que todos os tipos de golpes, ou pelo menos boa parte deles, fossem aplicados nos freqüentadores mais incautos.

O “golpe do baralho” era o mais comum entre eles. O golpista colocava três cartas lado a lado e em cima de um jornal dobrado em quatro partes. Mostrava as cartas para a audiência, que nunca era menos de dez pessoas, e depois colocava as cartas com a face virada para baixo. Trocando-as de lugar rapidamente, o malandro desafiava um dos curiosos a acertar onde estava uma determinada carta. Claro que o golpista nunca atuava sozinho e era aí que entrava a malandragem.

Ele mandava um comparsa escolher uma carta e este sempre acertava, levando a grana e atiçando a cobiça de quem assistia. A aposta valia dinheiro, relógio e correntinha. Se o otário percebesse que estava sendo enganado, a confusão era certa e um terceiro envolvido entrava em cena. Ele tumultuava a roda de jogo enquanto o cara das cartas dava no pé.

“Fica na tua garoto”, me advertiam os malandros, após eu ter presenciado o golpe ser aplicado diversas vezes. Nem precisa falar que eu nunca dei com a língua nos dentes. Pelo menos até agora.

O “abraço amoroso” era outro golpe bastante aplicado pelas prostitutas da rua Brás Cubas. Nas portas dos inferninhos elas chamavam: “Vem cá, vem. Vem fazer neném”. O pedestre, se achando muito esperto, ficava por ali embaçando, tomando o tempo da prostituta. Só que enquanto ele passava a mão pelo corpo da mulher acabava ficando sem a carteira. O mané só ia perceber que havia sido roubado depois de algum tempo.

Tudo isso acontecia ali, na porta do Coliseu, enquanto lá dentro a molecada via os filmes do Bruce Li ou do Bruce Le, sósias piorados do verdadeiro Bruce Lee, ou se acabavam na punheta vendo os filmes de sacanagem.

Durante as sessões, o Coliseu era o lugar perfeito para a prostituição dos viados do Centro. Nessa época, o teatro pertencia a eles e o escurinho do cinema vinha bem a calhar.

Os “pontos” eram nos corredores laterais que levavam aos banheiros e, se conseguissem alguém para o programa, nem precisavam sair do cinema, era só subir as escadas e usar camarotes que ficavam abandonados. Perfeito para Fassbinder filmar.

De vez em quando, lá nos camarotes superiores, alguém triscava um isqueiro e logo o cheiro de maconha impregnava o cinema. Nessas horas, alguém sempre gritava: “Aí não é lugar de sem-vergonhice não, ô fariseu”. A audiência caía na gargalhada, mas a sessão prosseguia na normalidade.

Durante a noite, a fauna do Cine Coliseu se misturava com o pessoal que freqüentava o Forrobodó, a casa de shows instalada no segundo andar e que entre as principais atrações sempre contava com Amado Batista ou Ovelha. Dentro da madrugada, o forró rolava solto reunindo no mesmo ambiente trabalhadores braçais, malandros e as putas que faziam ponto na esquina das avenidas São Francisco e Senador Feijó, as mais feias da cidade.

De todas as praças do Centro, a José Bonifácio era a que mais reunia os personagens de Plínio Marcos, Jean Genet, Steinbeck e tantos outros escritores que retrataram a vida pungente das ruas. Em uma extremidade, o Coliseu e o Forrobodó, na outra, a da São Francisco com a Senador Feijó, barra pesadíssima.

Mas, como diz o ditado, alegria de pobre dura pouco e a chegada mortal da Aids em Santos acabou fechando a Disneylândia.  O “movimento” da rua General Câmara caiu levando a reboque o do resto da cidade. O Coliseu da sacanagem fechou as portas.

Um de seus outros dois concorrentes, o Cine Fugitive, na avenida João Pessoa, teve ainda uma breve sobrevida, mas também acabou fechando. O outro, o Cine Júlio Dantas, ainda na ativa, diversificou os negócios instalando uma sexshop bem na entrada.

Primeiro ano iluminado


Texto: Eugênio Martins Jr
Foto: Divulgação

Poucas cidades do país têm o privilégio de possuir um teatro igual ao Coliseu, tanto em tamanho quanto em importância histórica. É claro, existem teatros maiores e mais modernos, mas o charme do Coliseu é justamente o oposto. Mesmo assim, um teatro com mil e duzentos lugares impõe respeito.

Além dos importantes teatros municipais do Rio de Janeiro e São Paulo, o Teatro Coliseu de Santos pode ser colocado na mesma categoria dos tradicionais São Pedro, em Porto Alegre (RS); Arthur Azevedo, São Luís (MA); Santa Isabel, em Recife (PE); Da Paz, em Belém (PA) e o magnífico Amazonas, em Manaus.

Como repórter e produtor cultural tive o privilégio de participar de algumas etapas em seu primeiro ano de funcionamento. Após tão polêmica e demorada reforma. Durante todo o ano de 2007 o Coliseu recebeu diversas atrações nacionais e internacionais. Algumas memoráveis.

A beleza da arquitetura externa também foi valorizada com uma iluminação de fachada que realça ainda mais suas belas formas.

Em sua estréia, na noite de 25 de janeiro de 2006, o teatro recebeu a Orquestra Sinfônica Municipal de Santos, com regência do maestro titular Luiz Gustavo Petri e da pianista Beatriz Alessio como solista. A inauguração também contou com a participação do grupo de seresta Alma Brasileira.

Além da Sinfônica de Santos, a música erudita também foi representada pela Bachiana Chamber Orchestra, com regência de João Carlos Martins; a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo, com a participação especial da solista Regina Elena Mesquita e a regência do maestro Abel Rocha; Orquestra Albert Einstein, Orquestra Jazz Sinfônica e Solistas CPFL.

O primeiro grande nome da MPB a chegar foi o cantor, violonista e compositor Toquinho, acompanhado de sua banda. A apresentação do dia 4 de fevereiro marcou o 40º aniversário da carreira do músico e lançamento de seu DVD.

No dia 8 de fevereiro, foi a vez de Bibi Ferreira. Visivelmente emocionada, a cantora e atriz lembrou duas de suas passagens pelo teatro santista: a primeira quando veio com a companhia de teatro de seu pai, Procópio Ferreira, ainda criança. A segunda, já como atriz de renome com o espetáculo Gota D'Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes.

A fama se espalhou e a cantora Gal Costa escolheu Santos para lançar Hoje, na época, seu mais recente CD, partindo daqui para uma turnê internacional. Entre um dos poucos comentários da cantora, um elogio: "Esse teatro é muito bonito, ainda bem que ele existe".

O grande show que não aconteceu foi com o cantor, compositor e violonista João Bosco, que cancelou sua apresentação poucos dias antes. Um pouco antes do cancelamento tive a oportunidade de conversar com o cantor e ele, já conhecendo a fama do teatro, me fez diversas perguntas sobre o Coliseu.

A lista continua com os músicos Guilherme Arantes, Oswaldo Montenegro, Ivan Lins, Zeca Baleiro e Luiz Melodia e os atores Reynaldo Gianecchini, Antonio Fagundes, Murilo Benício e Marisa Orth, entre outros.

A apresentação do cantor e guitarrista norte-americano Eric Gales marcou a estréia do projeto Jazz, Bossa & Blues e foi a primeira atração internacional do novo Coliseu. Com o publicitário Cássio Laranja produzi esse show em parceria com a Secretaria de Cultura de Santos. o Show de abertura foi do guitarrista santista Mauro Hector.

Os próximos shows internacionais também foram produzidos por mim e pelo Cássio, parceiro musical que mantém no rádio, há 20 anos, um dos programas de jazz mais antigos do país, o Digital Jazz. Foram os shows dos guitarristas John Pizzarelli e Stanley Jordan, em 18 e 29 de novembro respectivamente.

Na apresentação de John Pizzarelli, aconteceu um dos momentos mais marcantes de todo ano: o coro em uníssono entre público e cantor na versão do artista para Garota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Quem esteve lá sabe do que eu estou falando.

O guitarrista Stanley Jordan foi a terceira atração internacional do ano. Acompanhado pelos músicos brasileiros Ivan Conti (bateria) e Dudu Lima (baixo), apresentou Mercy, Mercy, Mercy, All the Children, Eleanor Rigby e uma genial versão para Insensatez - também de Tom e Vinicius - o guitarrista mostrou por que é considerado um dos maiores inovadores em seu instrumento.

Enfim, no balanço final, foi um ótimo primeiro ano de uma nova vida. Esperamos poder ver e fazer mais. Bravo, Teatro Coliseu!

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Living Blues solta lista com melhores de 2008/09


A mais recente edição da Living Blues Magazine traz a lista dos melhores do blues de 2009. Considerada a bíblia do blues nos Estados Unidos, todos os anos a publicação promove o Living Blues Awards cujos participantes são escolhidos pela crítica especializada e leitores da revista. Confira os vencedores abaixo:

Votação dos leitores

Artista de blues do ano
Buddy Guy (homem)
Marcia Ball (mulher)

Melhor álbum de 2008 (lançamento)
Buddy Guy – Skin Deep - Silvertone

Melhor álbum de 2008 (gravação histórica)
Vários Artistas – Boogie Woogie And Blues Piano – Mosaic Records

Melhor DVD de blues
M For Mississippi – Broke And Hungry Records, Cat Head Delta Blues & Folk Art, Mudpuppy Recordings

Guitarrista mais admirado
B.B. King

Gaitista mais admirado
Charlie Musselwhite

Tecladista  mais admirado
Marcia Ball

Performer mais admirado
Buddy Guy

Cantor de blues mais admirado
Irma Thomas

Lista dos críticos

Artista do ano
Honeyboy Edwards (homem)
Koko Taylor (mulher)

Melhor cantor de blues
Buddy Guy

Guitarrista mais admirado
Lurrie Bell

Gaitista mais admirado
Charlie Musselwhite

Tecladista mais admirado
Pinetop Perkins

Baixista mais admirado
Bob Stroger

Baterista mais admirado
Kenny Smith

Músicos mais admirados
Big James Montgomery (sopro)
Sanley Dural Jr. aka. Buckwheat Zydeco (acordeon)

Melhor performer
Lil’ Ed Williams

O retorno do ano
Eddy Clearwater

Artista que merece atenção
John Dee Holeman

Melhores álbuns de 2008

Álbum do ano
B.B. King – One Kind Favor - Geffen

Lançamento/ Soul sulista
Johnny Rawls – Red Cadillac – Catfood Records

Lançamento/ Melhor debut
Elmore James Jr. – Daddy Gave Me The Blues – JSP Records

Lançamento/ Blues contemporâneo
Kenny Neal – Let Life Flow – Blind Pig Records

Lançamento/ Blues tradicional e acústico
Honeyboy Edwards – Roamin’ And Ramblin’ -  Earwig Records

Relançamento/ Pré-guerra
Various Artists – Boogie Woogie And Blues Piano – Mosaic Records

Lançamento/ Pós-guerra
Howlin’ Wolf – Rockin’ The Blues - Live In Germany 1964 – Acrobat Records

Melhor DVD
M For Mississippi – Broke And Hungry Records, Cat Head Delta Blues & Folk Art, Mudpuppy Recordings

Produtor do ano - Lançamento
T-Bone Burnett – B.B. King – One Kind Favor - Geffen Records

Produtor do ano - Relançamento
Bob Koester – Delmark Records

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Novos Timbres


Texto: Eugênio Martins Júnior
Foto: Alex Almeida

Desde os anos 50, a guitarra e o contrabaixo elétrico fazem a trilha sonora de diferentes gerações. De lá pra cá, esses instrumentos sofreram algumas mudanças, incorporando elementos mais modernos, de acordo com cada época. Mesmo assim, poucos projetistas ousaram excluir a madeira em suas confecções.

O luthier santista Gennaro Ricardo Ferreira, dono da marca Güller, quebrou essa regra sagrada -pode-se até dizer, mais do que uma regra, um verdadeiro dogma. A ousadia teve preço. Ao mostrar uma de suas guitarras em uma loja de São Paulo, o vendedor soltou um torpedo na direção de Gennaro: "Aqui nós não vendemos brinquedos. Não estou interessado", conta o projetista, que compara a tecnologia dos instrumentos antigos à dos automóveis antigos. "Não se pode comparar um carro da década de 50 com um carro projetado e construído hoje".

Em três anos de pesquisa, Gennaro inovou em tudo. Não somente substituindo a madeira por uma espécie de liga de materiais sintéticos, tornando os instrumentos mais leves, como redesenhando todas as suas formas.

"Meu material, uma mistura de polímero com fibras, possui muitas vantagens sobre a madeira, uma delas é a resistência. O braço do meu instrumento não empena de jeito nenhum. Pode até cair no chão que não sofrerá maiores danos. Além disso, eles são 30% mais leves do que os instrumentos tradicionais", diz o luthier, que se orgulha de nunca ter comprado um instrumento industrializado na vida.

Para Gennaro, o uso de materiais sintéticos é o futuro na confecção dos instrumentos. "Além de ser de fácil manuseio, o material sintético preserva a natureza. Devido à legislação ambiental, está cada vez mais difícil arranjar madeiras nobres como o jacarandá e a imbuia preta, próprias para a confecção de instrumentos".

O design também é moderno, privilegiando o equilíbrio e a funcionalidade. Em um instrumento musical, isso quer dizer melhor performance. Um bom exemplo é o recorte do "cuteway", aquelas duas curvas do corpo da guitarra ou do baixo, onde é encaixado o braço. Em um instrumento Güller, o músico pode explorar com maior facilidade e precisão as escalas naquela região do braço.

Mas o luthier diz que tudo isso não teria sentido se o som fosse semelhante ao de outra guitarra. Para chegar aos timbres que julgou ideal, Gennaro desenvolveu dentro no corpo de seus instrumentos camadas acústicas que proporcionam mais sustain - que pode ser entendido como a maior ma sustentação de uma nota. "Isso foi o que mais demorou. Não adiantaria nada eu inventar um instrumento com um timbre parecido com de outro". Uma particularidade do material usado é que ele possui a mesma densidade da madeira, facilitando o manuseio na hora de esculpir as partes desejadas, mas não possui veios e nem emendas. Essas imperfeições atrapalham a vibração do som no corpo do instrumento, influindo diretamente no sustain. "A minha guitarra standard tem 20% mais volume que as outras. Meu instrumento não é melhor nem pior, mas diferente".

Ele diz ainda que existe somente uma marca no mundo que fabrica guitarras de plástico. "As guitarras Palmer são de plásticos, mas são ativas, o som não é natural, é sintetizado. A minha guitarra é passiva, ou seja, o som é dela mesmo".

Vida dedicada à música - Talhado na noite santista, Gennaro é músico há 40 anos. Foi um dos primeiros a tocar guitarra nas bocas de Santos, porta de entrada destes instrumentos no Brasil na época e que eram trazidos dos "States" pelos marinheiros.

Paralelo à vida musical, foi dono de indústria de moldagens plásticas, mas é administrador de formação e não químico. De tanto montar e desmontar instrumentos, acabou virando luthier autodidata. Trabalha sozinho em sua fábrica em Santos, fazendo guitarras e contrabaixos personalizados. Seus baixos são os únicos com captadores móveis que se ajustam ao timbre desejado. Trata-se de uma inovação mundial.

Enquanto não incrementa sua produção, o luthier santista divulga a sua marca pela internet e faz contato com as grandes marcas de guitarra pelo mundo. Sua tecnologia já está patenteada. Mais uma vez, Santos está na vanguarda.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Kurt Cobain, duas visões sobre um ídolo controverso


Por Eugênio Martins Jr

“Sabe qual foi a última coisa que passou pela cabeça de Kurt Cobain antes de morrer…? Uma bala”. A piada infame foi proferida pelo escritor Stephen King poucos dias após o líder da banda de rock Nirvana ser encontrado morto em sua casa em Seattle. Os Estados Unidos ainda estavam em choque com a tragédia. King, o rei dos romances de suspense e humor negro, perdeu a simpatia de milhares de fãs, mas não perdeu a piada.

A verdade é que ninguém perdeu a oportunidade de faturar em cima da morte de Kurt. Milhares de páginas de jornais, revistas e centenas de matérias de televisão foram dedicadas à morte do artista. Para usar termos do mundo da música: amplificaram, distorceram e reverberaram o assunto ao máximo. Aqui no Brasil existia uma tal revista Showbiz que, volta e meia, dava um jeito de colocar Kurt na capa.

Nunca consegui entender porque tanta badalação em cima de uma banda de rock que havia lançado apenas dois discos bons, que foram Bleach (1989) e Nevermind (1991). Os outros, convenhamos, eram meia boca.

A desculpa de que as bandas de rock da época não eram tão boas quanto o Nirvana não cola. Poderiam não ter a mesma pegada punk/pop do que as porradas Smells Like Teen Spirit, Lithium, Stay Away, Territorial Pissings possuíam, mas esquecer de propósito R.E.M., Sonic Youth, Pixies, Screaming Trees, Mudhoney e Red Hot Chili Peppers é, no mínimo, falta de responsabilidade.

O R.E.M. era a preferida do próprio Kurt, o Mudhoney era a banda do elétrico guitarrista e cantor, Mark Arm, que está até hoje na ativa e lançando bons discos; e os Red Hot Chili Peppers foram os responsáveis por Uplift Mofo Party Plan (1987), Mothers Milk (1989), One Hot Minute (1995) e Blood Sugar Sex Magic (1991), um dos discos mais vendidos e mais bacanas dos anos noventa.

No mais, ser bom ou ruim no mundo pop é muito relativo. Em várias entrevistas, o próprio Kurt já dava mostras de insatisfação com o som da banda. Dizia não agüentar mais se “esgoelar” todas as noites e tal.
Sobra dizer que, o que os outros conjuntos de rock não tinham, era um front man com pinta de galã rebelde como era Kurt Cobain. Com olhos azuis e cabelos loiros ligeiramente despenteados, encarnava uma espécie de rebeldia juvenil de uma década que estava começando. A indústria cultural precisa de ícones para vender produtos.

Mas espera aí, esse visual também não era novidade. Nos anos 1970, a cantora Debbie Harry já havia encarnado o personagem. A ex-playmate, front woman do Blondie também usava os cabelos cuidadosamente despenteados e fazia cara de enfado para as câmeras muito antes do líder no Nirvana.

Como Kurt, tinha talento de sobra. Além de tantas outras músicas bacanas, ver e ouvir Debbie cantar Sunday Girl em francês era, é, e sempre será, uma delícia. Se ela tivesse morrido naquela época certamente teria virado uma lenda como Kurt. Mas não morreu. Ficou velha, engordou e o Blondie, que também gravou alguns discos legais, passou para a história do rock como mais uma banda entre tantas. O mesmo teria acontecido com o Nirvana se Kurt estivesse vivo hoje, gordinho, calvo e sem o mesmo fogo criativo.

Ao enfiar um cano de uma espingarda na boca e puxar o gatilho, Kurt, automaticamente, foi promovido de ídolo da música a mártir de toda uma geração, e o Nirvana o conjunto divisor de águas do rock. Ele deve ter tido lá seus motivos, não estou aqui para discutir o que leva uma pessoa a cometer suicídio.

Assisti ao famoso show do Nirvana no festival Hollywood Rock, em janeiro de 1993, em São Paulo, e não achei nada demais. Aliás, me perdoem as viúvas do Nirvana, achei uma bosta. Kurt entrou chapado e a certa altura os integrantes da banda trocaram de instrumentos e tocaram musicas que não eram deles. A apresentação não durou nem uma hora. No Rio de Janeiro foi pior, Kurt cuspiu várias vezes nas câmeras da Rede Globo - que transmitia o festival ao vivo - e ainda mostrou o pênis e se masturbou. Simplesmente ridículo. Melhores foram os outros shows do festival: L7, Alice in Chains e Red Hot Chili Peppers.

O que sobrou de tudo isso é que até hoje as pessoas à volta de Kurt brigam por seus espólios musicais e pela posse da verdade sobre sua vida. Sua mulher, Courtney Love, acabou com o conjunto Hole. Participou de alguns filmes de Hollywood e frequentemente aparece nas colunas de fofoca de maneira nada positiva. O baixista do Nirvana, Krist Novoselic, formou as bandas Eyes Adrift e Flipper, nada demais. Casou pela terceira vez, aprendeu a pilotar avião e virou ativista político. Dave Grohl fundou e está até hoje com o ótimo Foo Fighters, responsável por colocar nas paradas de sucesso mais músicas do que o próprio Nirvana.

Para Stephen King o castigo veio a cavalo, ou melhor, de automóvel. Em 1999, sofreu um acidente que quase lhe custou a vida. Foi atropelado em uma tarde de junho, enquanto caminhava por uma estrada do Maine. O autor de Carrie, a Estranha, A Hora da Zona Morta, Christine e tantos outros romances de suspense e humor negro que viraram best sellers e filmes, ficou muito ferido — teve um pulmão perfurado, fraturas múltiplas na perna direita, além do couro cabeludo lacerado e a bacia fraturada. Ele ainda guarda seqüelas do acidente — não é mais capaz de permanecer sentado por longos períodos. Tenho certeza que Courtney Love quando soube do atropelamento de King, lembrou da piada e caiu na gargalhada.

Por Guilherme Meduza

Costuma-se contar a história das artes por meio de seus movimentos pendulares, em recortes que enfatizam características por contraste e cria-se a impressão de homogeneidade entre movimentos e épocas, ignorando matizes importantes. E é isso que é preciso fazer para entender esse personagem e a sua importância.

O que era os EUA e o mundo na passagem para os anos 1990 e nos primeiros anos dessa década? Quem não recorda das cenas da CNN mostrando a primeira guerra no Golfo Pérsico, onde só era possível enxergar brilhos incandescentes verde-limão a cruzar uma tela preta; a perseguição ao carro de O.J. Simpson por Los Angeles; a AIDS matando ícones pops; a queda do Muro de Berlin e o ostracismo da discussão política bipolar?

No rock, as bandas de Los Angeles dominavam a cena com seus cabelos de poodle, suas letras sobre bebidas, mulheres, drogas e os famosos quebra-quebras em hotéis. Eles encaravam o personagem do roqueiro, pura imagem construída de fama, antes mesmo de serem famosos. Sobrava laquê, faltava profundidade, e muitos dos adolescentes tinham suas dores órfãs de uma canção.

A vida e morte de Kurt Cobain é fruto dessa época. É o início de uma revolução da relação da mídia com seus objetos, uma intensificação na invasão de privacidade que tem O.J. e o suicídio de Cobain como marcas. A derrocada do bloco comunista e a ascensão do neoliberalismo esvaziou as questões macro, como políticas, sociais e econômicas e possibilitou uma intensificação do pessoal e interno como público. Nessa mesma época o rap começa a mudar de polaridade, a diluir o discurso social e político para, aos poucos, chegar ao o que é hoje: a autopromoção por meio de bens, carros e mulheres.

O fim da guerra ideológica e de imagem faz desaparecer naquele momento não apenas a figura do jovem americano bem sucedido, mergulhado na abundância yuppie de Wallstreet. Mas também aqueles seduzidos por outro tipo de fartura, como o LA rock way of life, em que a diversão, as conquistas e os porres, embora opostos aos valores morais americanos, eram também sinais de abastança.

A maneira de ser jovem que desponta com o grunge, fortemente apoiado pela MTV, não se identifica com esses modos de vida, e constrói a imagem do “desencanado”, como a de um outsider semelhante ao que os beatniks e os hippies fizeram, porém com estéticas muito distintas. Isso pode ser percebido para além da moda, como por exemplo, com a preocupação técnico-musical dos dois estilos: a cena grunge – com raríssimas exceções - tinha como marca a despreocupação do punk, diferentemente da geração anterior, que era muito ligada à técnica musical apuradíssima. O grunge era a explosão caótica cheia de sentimentos e falta de esperança no futuro, algo de dentro para fora, justamente a antítese do hard rock do final dos anos 1980.

Essa também é a geração que sentiu a Aids de maneira mais arrasadora e desinformada, que teve limitada sua liberdade sexual, seja pelo medo da morte ou pela onda moralizante que a doença reforçou. Logo, o discurso sexual daquele rock se esvai junto. As drogas da moda também mudam: antes era a cocaína, a droga da festa e dos super-homens; agora a heroína, a opção pelo fugaz pico de prazer e o vício imediato na autodestruição solitária.

A explosão mundial de Nevermind, de 1991, não é apenas o último prego no caixão de uma fórmula de fazer rock que estava em alta no final dos anos 1980, mas é também o ressurgimento de um eu-lírico passional, cheio de defeitos e questões mal resolvidas, o que aproximava o Nirvana do público. Agora os ídolos se assemelhavam a eles, e a catapulta para a fama não os fazia serem melhores ou perfeitos, nem viverem um sonho em vida. Muito pelo contrário. Debaixo de drogas e fama, o líder do Nirvana queria desaparecer, como nas lendas sobre a morte de Elvis Presley e Jim Morrison, que para alguns fingiram seu próprio fim para sumirem no mundo.

Por ser mais real que os demais, Cobain se transformou em um ícone para os jovens que necessitavam de sinceridade para liberarem seus impulsos destrutivos ou autodestrutivos, e começou a ver sua vida assistida nos telejornais da noite e engolida pela fama que sempre negou. Cobain percorreu todos os passos dessa paixão, morrendo com um tiro na boca aos míticos 27 anos. Fez o que, no fundo, era o esperado. Quem é mito, querendo ou não, carrega consigo a tragédia como ato derradeiro e a eterna imagem de jovem.
Será que somos o superlativo desse tempo, só que sem um mito para se autodestruir no nosso lugar?


Izzy Gordon: sinônimo de bossa, samba e soul à brasileira



Texto: Eugênio Martins Jr
Foto: Lucas Santos


São raras as cantoras que acertam a mão logo no primeiro disco. Ainda mais quando a fórmula é dar nova roupagem para antigos clássicos. Algumas usam o “jeitinho” pra fazer sucesso de primeira e, geralmente, quebram a cara. Acontece.
Não é o caso de Izzy Gordon como o seu Aos Mestres com Carinho – Homenagem a Dolores Duran, lançado em 2006. Além de acertar na escolha do repertório, Gordon acertou na escolha dos músicos e dos arranjadores: Samuel Fraga e Eric Escobar. Ser filha de Dave Gordon, irmã de Tony e sobrinha de Dolores Duran, tem lá suas vantagens.
Atualmente, a cantora está de volta ao estúdio para gravar seu novo CD com 13 faixas, que espera lançar ainda esse ano.
Em passagem por Santos, no dia 13 de março de 2009, segundo show da série Mulheres Ao Vivo, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, Izzy Gordon concedeu essa entrevista exclusiva falando sobre sua carreira, suas interpretações e suas preferências musicais. A realização do evento foi do Projeto Jazz, Bossa & Blues, Revista Ao Vivo e Sesc Santos.

Eugênio Martins: Você vem de uma família musical, fale um pouco sobre esse ambiente, seu pai, mãe, irmão e sobre a sua tia ilustre, Dolores Duran.
Izzy Gordon: Bom, em casa, meu pai Dave Gordon, e minha mãe Denise Duran, irmã da Dolores, me proporcionaram um eterno aprendizado, porque a gente estava ali na cozinha, havia acabado de almoçar e sempre cantávamos uma música. Isso acontecia todos os dias, de segunda a sexta e não uma coisa de final de semana, somente nas reuniões da família. Então, ouvíamos muita música em casa. Meu pai trazia os amigos artistas pra casa. Era interessantíssimo ver o Jair Rodrigues, Simonal, Rita Lee, Tim Maia, entre tantos grandes. O meu pai e minha mãe são realmente meus professores. Eu não podia nem cantar no chuveiro, porque se desafinasse alguma coisa passava alguém dizia: “Ei acerta essa nota”. (risos).

EM: Dolores Duram morreu em 1959, você não chegou a conviver com ela, mas o que sua mãe contava pra você? Qual das duas era a mais nova?
IG: A minha mãe era mais nova do que a Dolores. Minha mãe sempre dizia que ela era uma pessoa extremamente alegre e divertida, fazia piada o tempo todo. Mas tinha seus momentos. Naquela época era uma tendência falar de dor de cotovelo e todo aquele romantismo rasgado. Minha mãe me contou que uma vez a Dolores estava em frente ao Hotel Glória com uma carteira em baixo do braço, passou um “trombadinha” e levou a carteira. Ela voltou pra encontrar a minha mãe, que perguntou por que ela estava rindo. Ela contou pra minha mãe que havia acabado de ser roubada e estava achando graça naquilo. Quer dizer, ela não levava nem isso a sério.

EM: É verdade que a gravação de Ribbon in the Sky, do Stevie Wonder, acelerou o processo para você se tornar cantora? Como ele te influenciou? A minha teoria é de que todas as pessoas teriam de ter direito à saúde educação e uma coleção de CDs do Stevie Wonder.
IG: (Risos). Ele é um grande talento. A gente fica sem palavras depois de ouvir o Stevie. Ouvir uma linha que ele escreve é uma coisa que transporta a gente. E eu vi isso nele, uma coisa espiritual, realmente.

EM: E qual o disco dele que você mais curte? Gosto muito do Talking Book e do Innervisions, mas tem um que não é muito conhecido que eu adoro, é o Hotter Than July.
IG: Eu gosto muito do Talking Book, mas adoro Happy Birthday, do Hotter Than July (cantarola).

EM: E do Curtis Mayfield, você gosta?
IG: Não ouço muito, mas também gosto. Eu ouço muito cantoras. Gosto muito da Jill Scott. Há uns quatro anos que eu ouço várias cantoras, mas acabo voltando. Compro quase tudo dela, apesar de não ser fácil achar as coisas dela nas lojas. Me identifico muito com o disco dela ao vivo porque gosto muito do palco e porque é uma coisa completamente diferente do trabalho em estúdio. Ela no palco é uma coisa que contagia.

EM: E essa baixista e cantora nova, a Esperanza Spalding? Eu não conhecia, quem me indicou ela foi a Rosa Passos.
IG: Também gosto muito. Quando você me perguntou antes o que eu ouvia lembrei na hora. A primeira vez que eu ouvi foi em um rádio, não lembro onde, pensei: “Meu deu que voz maravilhosa, que interpretação maravilhosa”. E eu também tenho a mania de prestar a atenção nos músicos e pensei: “Nossa que baixo”. Só depois fui saber que era ela que cantava e tocava baixo acústico (risos). É uma coisa mágica.

EM: Você curte blues?
IG: Muito pouco, curto mais o jazz.

EM: E das cantoras brasileiras atuais, quem chama a tua atenção?
IG: Não ouço direto uma cantora, gosto mais das compositoras. Mas as novas eu gosto da Vanessa Da Mata, ela é muito feliz interpretando as próprias músicas.

EM: E jazzista brasileira?
IG: Gosto muito da Badi Assad e da Rosa Passos. Também gosto da Mônica Salmaso, apesar de ela não ser jazzista. Vi um show dela e fiquei encantada. Tem muita cantora boa no Brasil.

EM: Com todas essas influências, como foi se escolher determinadas músicas no teu CD. No final das contas você decidiu que ia cantar as músicas da Dolores Duran.
IG: Misturei um pouquinho de jazz, R&B. Tentei fazer uma releitura ma maioria das músicas pra tentar atingir o público mais jovem, tanto que toca em uma rádio de rap lá em Jundiaí a minha versão para Estrada do Sol. Algumas baladas em São Paulo também tocam a minha música. O intuito foi o de mais pessoas conhecessem Dolores Duran. Na verdade essa homenagem à Dolores ia ser o meu segundo disco, mas como eu recebi essa proposta e seria mais fácil pra eu gravar resolvi fazer. Uma coisa foi de encontro à outra; divulgar a Dolores e trabalhar o meu nome artístico.

EM: Foi um ótimo disco de estréia. De treze músicas, só My Funny Valentine teve a participação de seu irmão, Tony Gordon, porque?
IG: My Funny entrou porque é uma música que a Dolores interpretou e foi muito elogiada pela Ella Fitzgerald. Disse que foi a melhor interpretação de My Funny que ela havia escutado. Aí eu tive a idéia de chamar o meu irmão porque ele gosta muito de cantar em inglês e foi uma maneira de unir a família, eu meu irmão e a Dolores.

EM: Você já está gravando seu segundo disco, o que vem por aí?
IG: Músicas inéditas, compositores amigos com quem eu trabalhei, já dividi palco, como o Lupa Mabuze e João Suplicy. Estou arriscando, tem uma composição minha. Estou esquecendo alguém? Espera aí. Tem uma cantora nova que eu acho muito boa, a Giana Viscardi, uma música dela que se chama Gata Lúcida.

EM: Eu escolhi algumas músicas do seu disco e queria que você comentasse, a primeira é O Negócio é Amar.
IG: Essa é interessantíssima, porque a Dolores pegou o começo da bossa nova. Parecia que ela já tinha essa idéia do que viria, esse estouro. Digo até em todos os níveis sociais e ela deixou essa letra que foi musicada pelo Carlos Lira. Eu tenho orgulho de cantar porque é uma música tão boa, tão interessante, com tudo a ver com o que ela vivia que era a época da dor de cotovelo.

EM: O Que é Que eu Faço?
IG: Como eu não tive contato com a Dolores Duran, eu imaginei uma história de amor na vida dela, então eu fiz uma ordem de músicas como se ela estivesse vivendo uma história de amor do começo ao fim. Na primeira música, O Negócio é Amar, ela fala que amar é legal, é muito bom, mas não a imaginei ligada à alguém. Em O Que é Que Eu Faço ela já está apaixonada. Com aquele amor que já estava ali tocando a alma, tocando o coração dela. Eu me sinto muito próxima a ela e assim vai.

EM: Estrada do Sol.
IG: Na ordem do que eu fiz no disco, ela já está curtindo o amor dela. Quando a noite terminava, porque ela cantava até de manhã, ela gostava de ir ao Mosteiro de São Bento, no Rio, ouvir o canto gregoriano dos padres. Então eu a imagino não de manhã, mas vendo a noite: “É de manhã vem o sol, mas os pingos da chuva que ontem caiu”.

EM: A Noite do Meu Bem.
IG: “Paz de criança dormindo”, não tem coisa mais divina. Foi perfeito, letra e música de Dolores Duran. É um momento sagrado, divinal, que vem a inspiração e ela escreve uma coisa tão maravilhosa. É quase sem comentários.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Brasil comemora 20 anos de blues


Texto: Eugênio Martins Jr
Foto: Divulgação

Ele nasceu da fusão do grito de dor, dos sussurros de amor e das canções de trabalho dos negros lá nos confins do estado do Mississipi, nos Estados Unidos. No começo, essencialmente rural, ganhou os estados do sul até expandir-se em todo o país e sempre quando é dado como morto ressurge ainda com mais força. Foi assim em Chicago, com Willie Dixon, Muddy Waters e Howlin’ Wolf, na década de 1940; Buddy Guy, Otis Rush e Magic Sam, nos anos cinquenta; na Inglaterra, com Eric Clapton, John Mayall e Rolling Stones, nos anos sessenta; e no Brasil com André Christovam, Blues Etílicos (foto) e Nuno Mindelis, na década de 1980.

Isso mesmo, no Brasil, o bom e velho blues está completando duas décadas e, ano após ano, ótimos músicos vêm se dedicando ao gênero, pequenos selos estão aparecendo e festivais acontecendo país afora. No entanto, a cena ainda não está forte, os principais fatores são a falta de casas noturnas, o pouco espaço nos principais meios de comunicação e própria força da música brasileira. Como pouca gente toca no assunto, o Mannish Blog vai fazer um balanço dessa história. Do ponto de vista dos protagonistas.

Na lembrança do guitarrista André Christovam, o show de B. B. King, em 1979, no Festival de Montreux, em São Paulo, foi o marco zero. Há quem diga que as sucessivas apresentações de Buddy Guy e Junior Wells, no 150 Night Club, bar do hotel Maksoud Plaza, em 1985, foi o evento que abriu os olhos dos brasileiros para o blues. Há ainda o advento do Festival Internacional de Blues de Ribeirão Preto, realizado em 1989, no Parque Cava do Bosque. O evento contou com as participações de Buddy Guy, Junior Wells, Albert Collins, Etta James, Magic Slim, André Christovam e Blues Etílicos.

Porém, foram os lançamentos de Água Mineral - o segundo do Blues Etílicos -, e Mandinga, disco de estreia de André Christovam, ambos em 1989, pela gravadora Eldorado, que começaram a mudar o curso da história.

Até então os registros fonográficos não eram nada animadores. A discografia internacional sempre foi pífia, quando não, calcada em coletâneas. A nacional dava pena. O disco mais conhecido é o Som na Guitarra, lançado em 1984, pelo guitarrista e cantor carioca Celso Blues Boy. Vinha com os sucessos Aumenta que isso aí é rock and roll e Blues motel. Ele foi o primeiro artista brasileiro a adotar a palavra blues no nome. O apelido foi dado por Luiz Carlos Pereira de Sá, da dupla Sá e Guarabira. A alcunha “Blues Boy” é uma homenagem a Blues Boy King, ou B.B. King. Outro disco conhecido é de uma banda paulistana chamada Ave de Veludo, também de 1984. Mas esse nem vale a pena comentar.

Segundo Christovam, Mandinga, Água Mineral, além do seu A Touch of Glass (1990), e San-Ho-Zay (1990), do Blues Etílicos, venderam mais de 40 mil cópias. “Juntos, os quatro venderam mais do que todos os discos de blues nacionais e internacionais lançados no Brasil até então”, revela.

O atual diretor artístico e produtor do Bourbon Street Music Club, em São Paulo, Herbert Lucas, que na época foi o produtor de Mandinga, conta que o disco foi o primeiro a ser lançado oficialmente por uma gravadora como disco de blues brasileiro. “Na verdade, nós estávamos no lugar certo na hora certa. Logo depois dos lançamentos desses dois discos aconteceu o Festival de Blues de Ribeirão Preto, organizado pelo produtor César Castanho e bancado pelo Governo do Estado. Quer dizer, aí o blues entrou na pauta”, lembra Lucas, um dos responsáveis por colocar o Brasil na rota.

Pelas suas contas, desde que começou como o diretor artístico do Bourbon Street, ele foi o responsável por cerca de 400 shows internacionais. Desses, 120 foram de blues. Os principais nomes do gênero dos últimos anos vieram ao Brasil pelas suas mãos: B.B. King, Buddy Guy, Ray Charles, Robert Cray, John Mayall, Etta James, Koko Taylor, Charlie Musselwhite e muitas outras atrações de Chicago e New Orleans. Entre os jazzistas, Nina Simone, Herbie Hancock, Diana Krall, Diane Schuur, Betty Carter, Jean Luc Ponty, David Samborn, Yellow Jackets, Stanley Clark, Maceo Parker; além dos grandes nomes da guitarra como Steve Vai, Mike Stern, Robben Ford e Steve Morse.

Dilema - Se nos anos 1980 a cena era forte, nos noventa não dá pra dizer o mesmo. André Christovam, autor de Confortável, que nada mais é do que uma versão de Built for Confort, de Howlin Wolf, afirma que os blueseiros brasileiros perderam a oportunidade de popularizar o gênero quando decidiram optar por cantar as letras em inglês. “Na época não tivemos alguém para direcionar isso. Num dia ruim o pessoal do blues tocava muito melhor do que qualquer um do rock em dia bom. Se tivéssemos tido essa visão, teríamos deixado todo mundo no chinelo. Eu mesmo não tive essa competência”, analisa.

Cantar em inglês ou português sempre foi o grande dilema dos blueseiros brasileiros. O guitarrista e produtor Big Joe Manfra fica no meio do caminho. “Cantar em português seria legal para fazer divulgação, mas onde, se não temos rádios que tocam blues. Alguém discute se o Sepultura deveria cantar em português? Seria legal se fosse a nossa realidade, mas em CD de blues não existe música de trabalho”, pontua.

Segundo Manfra, um lançamento chega ao mercado com duas ou três mil cópias e conforme vai acabando o artista reedita na base de mil cópias. O custo de produção varia entre 10 e 15 mil reais. “Antigamente lançávamos mil cópias de saída, mas hoje, com as vendas em loja e em shows, o número de CDs vendidos chega a cinco mil em dois anos”, revela. Nos shows, como a venda é direta, um CD custa quinze reais, no máximo vinte. Nas lojas, só o Divino sabe.

A Blues Time Records foi fundada em 2000, pouco depois de Manfra lançar seu primeiro CD, de maneira independente. O fato coincidiu com uma viagem do gaitista Jefferson Gonçalves aos Estados Unidos. “Ele chegou dizendo que lá fora todo mundo estava produzindo CDs de blues independentes”, conta Manfra. A sociedade deu certo e, desde então, o Blues Time se tornou o principal selo nacional do gênero, e vem arregimentando blueseiros brasileiros e estrangeiros. São mais de trinta títulos de conjuntos de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná.

Hit the road - Blueseiro brasileiro é como o Ronaldo Fenômeno, não desiste nunca. A teimosia de André Christovam o levou ao número 2120 da Michigan Ave, em Chicago, nada mais, nada menos, nos estúdios da Chess Records, a lendária gravadora de blues. “Fiz uma jam de 40 minutos no Buddy Guy Legends e o empresário do Buddy me disse que o entrosamento com os músicos estava tão bom que ele pagava pra gente entrar em um estúdio e gravar um disco, mas como eu já tinha grana para gravar um outro álbum foi mais fácil. Gravamos em duas semanas ao vivo no estúdio”, lembra.

Mais uma vez André foi o pioneiro, desta vez por ser o primeiro músico brasileiro a gravar um disco de blues fora do país. O intercâmbio continuou com a vinda dos músicos de Chicago ao Brasil para a turnê de lançamento de 2120 Sessions (1991). O time era Andrew Odon (vocal), Jerry Porter (bateria) e J.W. Willians (baixo). O vocalista Andrew Odon morreu um mês após o fim dessa turnê.

Outros dois discos que passaram para a história do blues nacional são Texas Bound (1996) e Blues on the Outside (2000), do angolano radicado no Brasil, Nuno Mindelis. Ambos têm a participação de Chris Layton (bateria) e Tommy Shannon (baixo), o “Double Trouble”, duo que acompanhava o guitarrista texano Stevie Ray Vaughan. Com eles, Nuno não só ganhou reconhecimento das platéias internacionais, mas também um apelido “The Beast”.

Fugindo da guerra civil em seu país, Mindelis veio parar no Brasil em 1976, aos 17 anos. Na bagagem, sua única arma era uma guitarra Gibson Les Paul que deixou os cariocas babando. “Comprei aquela Gibson com o dinheiro que juntei varrendo o chão de uma fábrica no Canadá. Quando cheguei ao Rio, a notícia se espalhou e uma vez veio um cara querendo me conhecer, disse que era de um grupo chamado Vímana. Até hoje eu não sei quem foi. Se foi o Lulu (Santos), o Lobão, ou o Ritchie”, lembra.

Duro e desterrado, Nuno foi obrigado a exercer outros ofícios até a música exigir toda a sua dedicação. Mas nem tudo foi espinho no caminho do blueseiro africano que adotou o Brasil como país. No tempo em que morou no Canadá, assistiu a lenda do blues Willie Dixon acompanhado por Roy Buchanan e a banda oficial de Muddy Waters. Além desse show, no Café Campus, em Montreal, ele conta que as apresentações de Richie Blackmore (Deep Purple), Frank Zappa e Weather Report ajudaram a formar a sua identidade musical.

Os dois desbravadores abriram o caminho para uma legião de músicos reivindicarem sua cota lá fora. Alguns, como o gaitista Robson Fernandes, dizem que tocar no estrangeiro nada mais é do que uma estratégia para aumentar o mercado para sua música. “Quero tocar lá fora para aumentar o meu número de shows e ganhar mais dinheiro. É claro que eu vou querer detonar, fazer um bom show, mas a idéia central é distribuir a música no mundo inteiro, como B.B. King fala no livro dele. É claro, o show tem de ser bom pra vender CD e voltar aos lugares”, afirma.

Além do lado financeiro, é natural que outros músicos busquem mesmo o gostinho de ser reconhecido na terra de Robert Johnson. O gaitista Big Chico, por exemplo, lançou o ótimo Blues Dream (2006), gravado na Califórnia, com a participação de Johnny Dyer e mais uma banda só com gringos.

O álbum foi editado pelo selo Chico Blues, do blueseiro que antes de chegar a São Paulo, nos anos 1970, era catador de algodão no sertão da Paraíba, e que nada tem a ver com o Big Chico, além da amizade. Chico Blues fundou um selo cujos sete títulos são distribuídos em convênio com o californiano Pacific Blues, do produtor Jerry Hall, e que possibilita maior visibilidade para os CDs da Prado Blues Band, Robson Fernandes e Big Chico de costa a costa, nos Estados Unidos.

Além desses, Igor Prado, autor do elogiado Upside Down (2007), está prestes a lançar um CD com a participação do cantor Lynwood Slim. Ivan Márcio, gaitista da Prado Blues Band, também está com um CD no forno gravado em Chicago. Big Gilson gravou Chrysalis (2007), com a participação do cantor The Wolf, na Inglaterra. Big Joe Manfra gravou um CD com Peter Madcat Ruth, Live in Rio (2005) e ainda editou Live at the Ark (2000), de Madcat e Flyin’ High (2001), de Jamie Wood e Johnny Rover. Ou seja, as coisas estão fluindo.

Além de músico e editor, Manfra também é um dos diretores de um dos maiores festivais de blues e jazz do país, o Rio das Ostras Jazz e Blues. O evento é realizado todos os anos no balneário carioca. No campo do blues, o festival já trouxe ao Brasil James Blood Ulmer, John Mayall, Michael Hill, Roy Rogers, Eddie C. Campbell, Big Time Sarah, Magic Slim e a maioria dos artistas nacionais. Além de Rio das Ostras, Búzios, Paraty, Guarujá, Guaramiranga, Garanhuns, São Paulo (Bourbon Fest) e muitas outras cidades do Brasil possuem seus festivais durante todo o ano.

Nelson Sargento representa a tradição do samba



Foto: divulgação

A aparência frágil entrega a idade avançada. Mas as aparências enganam. O senhorzinho de quase oitenta e cinco anos que está sentado à minha frente está em plena atividade física e intelectual. Compositor, cantor, ator, artista plástico e escritor, pode-se dizer que ele é um artista “multimídia”.
O termo ainda não existia quando o carioca Nelson Mattos foi morar no Morro da Mangueira com sua mãe, empregada doméstica e cozinheira. Aos 19 anos, com parceria e sob proteção de Alfredo Português, compôs o samba enredo Primavera, também chamado de As quatro estações do ano, considerado um dos mais belos de todos os tempos. Alcunhado Nelson Sargento, serviu o exército, pintou paredes e compôs sambas inesquecíveis, entre eles, Agoniza mas não morre.
Sargento integrou o conjunto A Voz do Morro, ao lado de Paulinho da Viola, Zé Kéti, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, José da Cruz e Anescarzinho. Entre seus parceiros de composição musical, estão Cartola, Carlos Cachaça, Darcy da Mangueira, João de Aquino, Pedro Amorim, Daniel Gonzaga, Rô Fonseca e o mais recente Agenor de Oliveira.
Em passagem por Santos para divulgação de seu mais recente trabalho musical, o CD Vesátil, Nelson Sargento concedeu uma entrevista exclusiva ao Mannish Blog pouco antes de entrar no palco do Sesc Santos.

Eugênio Martins: Qual a sua primeira lembrança do samba?
Nelson Sargento: Quando eu fui pra Mangueira, fui pra casa do Alfredo Português e lá freqüentava Cartola, Carlos Cachaça, Aluisio Dias, Geraldo Pereira, a nata do samba da Mangueira, e foi ali que eu fui tomando conhecimento do samba e outras coisas mais.

EM: O senhor criou onze filhos. Algum deles enveredou por lado artístico?
NS: Sete filhos naturais e quatro adotados. Tenho um filho artista plástico e o outro é ritmista. São os dois que estão ligados à arte. O músico é do conjunto DNA do Samba, composto com filhos de compositores. Tem o neto da Ivone (Lara), do Martinho (da Vila), neto do Joca da Portela, esse é o DNA do Samba.

EM: O nome é ótimo.
NS: É, condiz (risos).

EM: Como a pintura entrou na sua vida? Quando foi que o senhor percebeu que também tinha esse talento?
NS: Eu era pintor de construção civil. Quer dizer, pular da parede pra tela foi um negócio fácil, porque a tela é muito menor do que a parede (risos). Eu não tinha segredo com tintas. Já lidava com tintas de várias qualidades. Fiz um quadro de massa plástica e mostrei ao (jornalista) Sérgio Cabral e ele disse que estava muito bom e que eu continuasse fazendo e eu estou fazendo até hoje. Foi em 1973.

EM: Nas suas telas tem o carnaval, tem a baiana, ou seja, o mesmo universo de personagens de seus sambas. A música já não é mais suficiente para o senhor como forma de expressão?
NS: Realmente eu boto na pintura o universo do samba que sai do meu subconsciente, mas eu não vejo a coisa por esse prisma. Quando eu comecei a pintar o tema já estava na minha cabeça. Por exemplo, eu fui favelado, então a favela já estava no meu subconsciente. Qual é a coisa importante na favela? O Samba. E quais são as coisas importantes do samba? A pastora, a baiana, o ritmista, o passista.

EM: Atualmente, qual das duas artes toma mais a sua atenção, pintar ou compor?
NS: Faço os dois com muita tranqüilidade. (risos).

EM: No seu CD, Versátil, há algumas parcerias. Gostaria que o senhor falasse sobre elas.
NS: Há dois parceiros que nesse disco já são falecidos. Há um parceiro bem vivo é o Agenor de Oliveira, estamos com cinco músicas nesse disco.

EM: Como são elaboradas essas composições em parceria?
NS: Não há uma fórmula. Se eu tenho alguma coisa eu digo: “Olha, eu tenho uma parte aqui”. E ele (Agenor) responde: “Tá bom, manda pra mim e vamos ver, ou eu vou aí e ma gente senta e ouve”. Normalmente, quando eu dou a primeira parte pra ele com música, ele me devolve a segunda com música.

EM: E pra você Agenor, como vê a parceria?
Agenor de Oliveira: Ele faz várias maldades comigo. Ele me dá a segunda parte de um samba pra eu poder fazer primeira parte. Às vezes ele me dá um pedaço de letra, ás vezes me dá uma letra inteira. Mas a coisa mais interessante não é nem a forma. O mais importante é a sintonia que a gente tem. É uma coisa que não dá pra explicar muito. Por que é uma coisa da sensibilidade, da identidade, da correspondência de sentimento e de intenção. Eu acho que parceria é mais difícil que um casamento, porque parceria você não mora junto, não depende um do outro, mas tudo que você faz tem de ser feito de uma forma que as pessoas saibam distinguir quem fez a letra ou quem fez a música. E o Nelson me deu essa oportunidade de trabalhar com ele, que também é um aprendizado.

EM: Com o passar do tempo a parceria vai ficando mais fácil ou é sempre difícil?
Agenor de Oliveira: A parceria tem um pré-suposto. Quer dizer, antes de você fazer música, já tem de haver uma parceria espiritual, vamos dizer assim. Tem que haver uma afinidade, se não houver você não faz música. Você pode pegar um excelente compositor, um excelente músico e às vezes não combina. A parceria pré-supõe um identidade. A gente viveu realidades e aprendizados diferentes, mas a gente tem alguma coisa na alma que sintoniza. Esse é o barato.

EM: O nome Sargento vem de sua época de soldado. Como era conciliar disciplina do quartel com a malandragem do samba?
NS: Servi de 1945 a 1949. No 1º Batalhão de Carros de Combate, do Exército, e nesse período eu fui soldado, cabo e sargento. Fui licenciado em 1949 e passei pra reserva no posto de 3º sargento. Reserva não remunerada. Ganhei uma repreensão porque entrei no quartel carregando um violão. No dia seguinte o boletim dizia: “O Sargento número 66, Nelson Mattos, por passar pelo portão das armas sobraçando um violão, fica repreendido”. (risos).

EM: Ficou na sua ficha?
NS: Ficou. Qualquer dia vou ver se consigo esse boletim (risos).

EM: Porque um espaço tão grande entre uma gravação e outra? É tão difícil gravar um disco pro senhor?
NS: Não, gravar é fácil. O difícil é tocar. Agora, fazer disco independente tem vantagens e desvantagens. Você faz um disco diferente, faz como você quer, como você deseja. Depois você tem um negócio que é o seguinte: prensagem e a distribuição. Aí a coisa começa a pegar. O Agenor é produtor fonográfico e ainda não ficou remediado (risos). Ele tem um selo, pô! Mais de sete títulos comerciais. Então a hora que eu fui fazer um disco, a idéia partiu dele de fazer um disco pela lei Rouanet. Aí conseguimos fazer.

EM: O que o Senhor acha desse pagode moderno? Eles têm espaço à vontade na mídia e gravam bem?
NS: Olha, partindo da premissa que música é linguagem universal, você tem de esbarrar com essas coisas. Porque há pessoas que querem ser diferentes e na hora da diferença ele mutila as coisas que já existem. E faz um marketing pra aparecer e aparece. É o que está acontecendo.

EM: Quer dizer, é uma diluição?
NS: Tem um compositor de Brasília que fez um samba que diz assim: “Quem não sabe tocar violão nem tambor, toca surdo, porque nesse mundo tem bobo pra tudo” (risos).

A capital brasileira do Jazz e do Blues


Texto Eugênio Martins Júnior
Foto: Cezar Fernandes

Entre os dias 10 e 14 de junho, Rio das Ostras, cidade localizada no litoral do Rio de Janeiro, foi sede de um dos maiores festivais de música do Brasil: o Rio das Ostras Jazz e Blues. Como em todos os anos, os locais das apresentações estavam lotados e nem a chuva diminuiu a freqüência nos três palcos montados em diferentes pontos da cidade: na Lagoa do Iriry, e nas praias Costazul e Tartaruga.

Mais uma vez a direção do evento acertou ao misturar nomes desconhecidos do grande público – os grupos Rudder e Bad Plus com participação da cantora Wendy Lewis, e Jason Miles com DJ Logic – com atrações consagradas, como o grupo de jazz fusion Spyro Gyra e os blueseiros John Paul Hammond e Coco Montoya. Nessa sétima edição, atingido pela tal crise econômica, o festival recebeu treze atrações. As nacionais foram Orquestra Kuarup, Duofel, Ari Borger, Jefferson Gonçalves Blues Band, Pau Brasil, Big Time Orchestra e Dixie Square Band.

São três palcos ao ar livre. Os shows começam às 14 horas, na Lagoa do Iriry, passam pela Praia da Tartaruga, às 17 horas, e terminam de madrugada, no Palco Costazul. Uma média de cinco shows por dia. Sem confusão, sem correria e sem aperto.

Segundo o organizador do evento, Stênio Mattos, que visita três vezes por ano eventos semelhantes na Europa e dos Estados Unidos para escolher as atrações do Rio das Ostras Jazz e Blues, o festival no balneário carioca só perde em tamanho para o tradicional festival de New Orleans, que esse ano completou 40 anos. “Mesmo com todas as dificuldades conseguimos manter o nível do evento. A crise afetou em cheio os principais patrocinadores de eventos culturais. Para se ter uma idéia, o Tim Festival que era o nosso principal rival, no bom sentido é claro, não aconteceu esse ano no Brasil. Até o tradicional JVC Jazz Festival, que acontece todos os anos em Nova Iorque, foi cancelado. Um diferencial é que buscamos patrocínios em empresas locais, o que nunca havia acontecido”, revela Stênio.

De acordo com o produtor, entre 500 e 600 pessoas estão diretamente envolvidas no festival. O orçamento esse ano foi de R$ 1,2 milhão. Desse montante, cerca de R$ 400 mil foram usados para pagar os cachês artísticos. Do custo total, a Prefeitura de Rio das Ostras bancou metade.

Para o prefeito de cidade, Carlos Augusto, não fazer o festival não é uma opção. Diz que se não fosse o momento econômico ruim pelo qual o país e o mundo atravessam, o custo da prefeitura teria baixado. “O festival já é uma marca da cidade, tanto que leva seu nome. Mesmo com a perda de arrecadação de royalties do petróleo de 63%, o que representa mais da metade da arrecadação do município, continuaremos a investir no evento. Ele tem o mesmo peso do que a saúde ou obras de estrutura. Pra nós, o Rio das Ostras Jazz e Blues representa a socialização da cultura. Nossas escolas municipais contam com programas voltados ao ensino da música, teatro e dança. Além disso, o pólo universitário da Universidade Federal Fluminense, instalado aqui, possui um curso de Produção Cultural e outro de Lutheria”, lembra Augusto.

Ainda segundo o prefeito, a rede hoteleira de Rio das Ostras conta com três mil leitos que ficam 100% ocupados na semana do evento, e alguns moradores ainda alugam suas casas durante o final de semana. “O Rio das Ostras Jazz e Blues já faz parte do calendário turístico e os esforços das Secretarias de Turismo e Educação estão voltados nesse sentido. Antes do festival chegar, Rio das Ostras vivia brigando com Itaipava e Búzios por visibilidade”, recorda. Para o ano que vem, os planos da prefeitura e da organização do festival é estender as atrações até a badalada Búzios e ainda até Brasília, sempre com a marca Rio das Ostras.

Para assegurar o sucesso do evento, Stênio conta que um mês após o encerramento de cada festival, a equipe já começa a trabalhar na sua próxima edição. Para ele, o maior prazer de construir um evento desse porte é ver um sonho realizado. O mais doloroso são as discussões com o prefeito sobre a liberação de verbas. Mas ambos sabem que têm de chegar a um acordo, pois até a venda de imóveis na cidade foi incrementada após a chegada do festival.

Festival democrátio - Durante os dias do evento, tudo na cidade e na boca do povo gira em torno dele. Não é raro presenciar animadas conversas entre artistas e fãs nos locais dos shows, num clima totalmente informal. Só mesmo em um festival como o de Rio das Ostras, onde público, produção, imprensa e artistas convivem por cinco dias no mesmo local, poderia acontecer uma cena como a que será descrita a seguir.

O cantor e guitarrista de blues John Hammond e sua mulher, Marla, seguiam um ritual todas as manhãs em que estiveram hospedados no hotel: sob o sol do Rio de Janeiro, bebiam café, fumavam cigarros e conversavam tranquilamente à beira da piscina. Músicos brasileiros e gringos, todos sem exceção, puxavam papo com o casal e ficam por ali, aproveitando a oportunidade de estar frente a frente com um dos maiores nomes do blues dos últimos 40 anos.

Foi numa dessas oportunidades, à beira da piscina, que consegui as entrevistas exclusivas para a Revista Ao Vivo com John Hammond e Coco Montoya. Também foi numa dessas oportunidades que o gaitista Jefferson Gonçalves e o multiinstrumentista Kleber Dias protagonizaram um dos momentos mais bacanas da sétima edição do festival: uma pequena jam session com os três músicos tocando How Long, o clássico de Leroy Carr. Jefferson na harmônica, Kleber no bandolim e Hammond cantando.

A coisa toda começou quando Jefferson presenteou o guitarrista com seu novo CD, Ar Puro (2008), e Kleber Dias aproveitou pra mostrar um bandolim construído por ele. De quebra, Jefferson ainda conseguiu com que Hammond passasse a ser representante da fabrica brasileira de gaitas Hering Harmônicas nos Estados Unidos. O veterano bluesman pirou no som da gaita desenvolvida especialmente pela fábrica e que conta com a assinatura de Jefferson Gonçalves.

Maratona de shows - Mesmo com uma chuva torrencial a partir da metade do show, no segundo dia do festival, foi a Jefferson Gonçalves Blues Band - ele de novo - que fez uma das grandes apresentações desse ano. O repertório, baseado em Ar Puro, roubou a cena no Palco Costazul, que tinha ainda como atrações o grupo Pau Brasil - que embora competente como sempre, não funcionou no palco grande e ao ar livre -, e Jason Miles com o DJ Logic.

Na lagoa, o tecladista Ari Borger, acompanhado pelo guitarrista Celso Salim, mostrou porque é considerado um dos maiores especialistas no órgão Hammond no Brasil. E o grupo Rudder levou seus grooves ao palco da Praia da Tartaruga, um dos locais para show mais bonitos do mundo.

Antes, porém, ainda no primeiro dia, a chuva não havia dado o ar da graça. E, além das presenças da Orquestra Kuarup - formada por jovens músicos da cidade - e dos violonistas do Duofel, a abertura, na quarta-feira, dia 10 de junho, contou até com lua cheia.

Na sexta-feira, dia 12, já debaixo de muita chuva, a banda Bad Plus empolgou em alguns momentos, principalmente quando subverteu os sucessos Lithium (Nirvana) e New Years Day (U2), mas foi pouco. Talvez não tenha sido acertada a opção de trazer a cantora Wendy Lewis. Se o Bad Plus, que tem personalidade, tivesse imprimido a quebradeira habitual teria se saído melhor. Ainda na terceira noite, o destaque iria para o blueseiro Coco Montoya não fosse a presença dos curitibanos da Big Time Orquestra quebrando tudo, num show totalmente rock and roll.

No show de sábado, na lagoa, a Jefferson Gonçalves Blues Band novamente arrebentou, mandando as clássicas Help the Poor, How Long, Crossroads, All Along the Watchtower, Room to Move e outras. À noite, os melhores momentos, sem dúvida, ficaram por conta de John Paul Hammond e sua banda. O tecladista Bruce Katz é um demônio no órgão Hammond B3. Considerado um dos maiores intérpretes de blues vivo, John Hammond apresentou tanto as clássicas Lonesome Train, Rollin’ and Trumblin’ e That’s Allright, como suas composições Push Comes to Shove e Eyes Behind Your Head.

Embora muitos torçam o nariz para o Spyro Gyra, por causa de seu jazz comercial, ao vivo os caras levantaram o público. A formação atual conta com Jay Beckenstein (sax) - único membro original -, Scott Ambush (baixo), Julio Fernandez (guitarra), Tom Schuman (piano) e Bonny B. (bateria).

O domingo foi das duas atrações principais: John Hammond, na lagoa, com sol, sempre acima da média; e Spyro Gyra, na Praia da Tartaruga. No balanço final, os brasileiros se saíram melhor.

A estrutura montada no local, chamada de cidade do Jazz e do Blues, localizada nas adjacências do palco principal, na praia de Costazul, contou com barracas com comidas e bebidas, CDs, camisetas e artesanato local em todas as noites do festival. Mais uma vez a organização do festival foi impecável.

Confira, na íntegra, as entrevistas com Coco Montoya e John Hammond neste blog.

Obs: O repórter viajou à convite da direção do festival.

O tradicional e o moderno se encontram na música do gaitista Robson Fernandes


Foto: Flávio Hopp

O gaitista Robson Fernandes já tocou com Nuno Mindelis, André Christovam e Flávio Guimarães, três dos grandes nomes do blues brasileiro. Com Danny Vincent, guitarrista argentino radicado no Brasil, tocou cinco anos e revela que aprendeu muito. “O grande segredo do blues é aprender a técnica e só depois tentar tirar as músicas de ouvido”. Mesmo assim, Robson diz que a verdadeira escola é ouvir os grandes mestres da gaita: Sonny Boy, Little Walter, Junior Wells, Walter Horton, James Cotton, Rod Piazza, Willian Clark, Kim Wilson, só para citar alguns.
Aclamado como uma das revelações da gaita blues no país, Robson Fernandes esta sempre em busca de um “fraseado diferente”, por isso seus discos são cheios de técnica.
O CD Cool, seu mais recente trabalho, traz nove temas compostos por Robson, cinco em parceria com Carlos Sander. Conta também com três versões: duas do bluesman de New Orleans, Smiley Lewis, e uma versão para It Ain’t Right, da lenda da gaita blues, Walter Jacobs, também conhecido como Little Walter.
Ele foi a segunda atração da série de shows promovidos pelo Projeto Jazz, Bossa & Blues, Revista Ao Vivo e o Sesc Santos, em abril, em comemoração aos 20 anos do gênero no Brasil. As outras foram Igor Prado Band, Caviars Blues Band c/ Mauro Hector e Big Chico Blues Band.

Eugênio Martins: Fale um pouco sobre o processo de gravação de seu mais recente trabalho, o CD Cool. Como foi a escolha dos músicos e dos temas?
Robson Fernandes: Toco com essa banda há três anos e é uma das melhores bandas que eu consegui formar. O batera já está comigo há quatro anos. Comecei a compor em fevereiro do ano passado, em junho e julho entramos no estúdio, e em novembro o disco estava pronto. Foi um processo bem rápido. Geralmente eu determino o disco e já faço naquele momento. Meu segundo disco, o Gumbo, demorou mais. As letras eram mais complicadas. Nesse disco as letras são mais fáceis, mas chamei um saxofonista da Califórnia, o Troy Jennings, chamei o Ari Borger, pra tocar piano, coloquei violinos. Na minha concepção é o melhor disco. É obvio que tem gente que prefere do timbre da gaita do primeiro disco e tal, mas isso é coisa de fã. Nos Estados Unidos e na Europa o Cool foi muito bem aceito. Aqui no Brasil ainda não coloquei nas lojas, mas estou vendendo bem nos shows.

EM: Como é essa trajetória inversa, ou seja, brasileiro exportando blues para os Estados Unidos.
RF: Eu tenho um selo que me distribui nos Estados Unidos a partir da Califórnia. É um selo chamado Pacific Blues, que inclusive distribui o Big Chico e o Igor Prado. Tem essa porta aberta que é muito legal, isso divulga muito o trabalho lá fora. O Myspace também atinge bastante gente. Recebo e-mail de pessoas de todos os lugares do mundo, Holanda, Suíça, Hong Kong, e tem gente que quer fazer aula comigo da China. Não tem como, vou dar aula por computador?

EM: Qual é o equipamento que você usa no palco?
RF: Eu toco com um Bassman, que é um amplificador da Fender valvulado com quatro falantes de dez (polegadas). No microfone uso elemento de cerâmica, mas nesse show eu vou usar um Shure CM da década de 70. Pluguei agora no final da passagem de som e achei que ficou melhor. As gaitas são da Hering, modelo Vintage.

EM: Existe uma cena brasileira blueseira?
RF: Existe. Eu toco em vários estados do Brasil. Com o Gumbo viajei, depois fui ao Programa do Jô, no Ronnie Von e me ajudou muito.

EM: O músico brasileiro se adapta muito fácil a outros estilos, criando o seu próprio. Um exemplo no teu instrumento é o Jefferson Gonçalves que eu gosto muito. Como você classifica o seu estilo?
RF: O meu disco é moderno e tradicional (risos). Mais tradicional do que moderno, trabalho as duas vertentes. Existe um pessoal que só toca tradicional, outro só toca moderno. Eu optei por essa mistura de estilos pra dar esse colorido. O Jefferson Gonçalves, por exemplo, tem um estilo completamente diferente do meu. Outro dia eu recebi um e-mail de um cara dos Estados Unidos falando exatamente dessa qualidade e capacidade que o músico brasileiro tem de absorver as influências de vários estilos musicais. É isso que eu estou procurando, desenvolver o meu estilo que, acredito, já ser diferente. Estou em busca de um fraseado característico meu, Robson Fernandes. Com esse processo você para de ouvir outros gaitistas. As minhas influências básicas são Sonny Boy (Willianson), Little Walter e Walter Horton. Eu não tenho influências brasileiras. Quando comecei a tocar eu determinei que não ouviria gaitistas brasileiros pra tentar fazer algo diferente.

EM: Você já tocou nos Estados Unidos?
RF: Ainda não, mas estou começando a tentar. Estou estruturando meu site, mas só tem textos em português, tenho de terminar a parte em inglês pra começar tentar festivais lá fora e mostrar a cara.

EM: Mostrar a cara para o gringo saber que o brasileiro sabe fazer blues? Rola essa necessidade de aprovação?
RF: Não, eu quero tocar lá fora pra aumentar o meu número de shows e ganhar mais dinheiro. A real total é a matemática. A música, pra mim, é a conseqüência de tudo o que eu toco. Antes eu pensava assim, mas agora não.

EM: Você não sonha em chegar a um lugar lá na gringa e a platéia pensar: “Pô, esse cara toca muito e é brasileiro”.
RF: É claro que eu vou querer detonar, fazer um bom show, mas a idéia central é distribuir a música no mundo inteiro. Como B.B. King fala no livro dele. É claro, o show tem de ser bom pra vender CD e voltar aos lugares. Tem show que não é bom, mas a maioria é e aí você volta pelo seu talento e pelo seu trabalho. Não é uma questão de você chegar lá e detonar, pra mim é uma questão matemática e financeira. Eu quero tocar bem, fazer um puta show, show business, pra galera, com presença de palco que não pode ser esquecida. É isso que faz com que você não seja esquecido. Foi aquilo que eu falei antes. Não adianta eu querer tocar no estilo do Jefferson. Como é que eu vou querer ser melhor? A mesma coisa é quando eu chegar lá. Vai ter um monte de caras tocando outras idéias, um toca jazz, outro funk, um outro blues tradicional. A globalização faz isso, faz com que você tenha que ser bom pra se manter no mercado, respeitando o estilo de todos, mas fazer bem aquilo que você está se propondo.

EM: Como está a agenda de shows no Brasil?
RF: Não sei os outros companheiros, mas pra mim está boa. Tem gente pessimista, quer dizer, não pessimista, porque não estão fazendo shows e só podem falar mal, né? Eu sinto que a música erudita, o blues e o jazz são cultura para o país e é mais difícil de chegar à população carente, então a gente tem menos público. Eu estou fazendo show por conta de alguns programas de TV, o show é bom, o boca a boca, acabou engrenando. Eu vou em todos os lugares, quero trabalhar, mostrar a minha cara.

EM: É difícil fazer um disco de blues no Brasil?
RF: É, mas acho que qualquer disco. Eu canto em inglês. Eu quero fazer um disco em português e vai ser uma mistura muito maior, não vai ser um disco de blues tradicional. Eu acredito que o blues tem de ser cantado em inglês. A linguagem casa mais fácil com o estilo musical, foi eles quem criaram, né? Mas a bossa nova eu já acho legal ser cantada em inglês.

EM: Qual foi o show de blues que você assistiu que foi o show da tua vida?
RF: Vários (risos). Depende da época. Em 1996 vi um show do Sugar Blue e fiquei louco. Um gaitista que toca rápido pra caramba e eu era fissurado por ele. Em 2005 vi o Rod Piazza. O show dele no Bourbon Street foi animal, o cara é muito bom, chorei quando ouvi uma música que lembrou a minha infância. Toco desde os 16 e tenho 33 anos. Aí eu ouvia no walkman, era ofice-boy, esse foi um dos melhores. De ofice-boy passei pra músico, não fiz mais nada na vida. Teve o do B.B. King também, você aprende muita malandragem com os caras. O tratamento com o público, a comunicação. Isso é muito importante.

EM: Você era ofice-boy? Como o blues entrou na sua vida?
RF: Morei cinco anos no nordeste escutava muito Led Zeppelin, Pink Floyd, Raul Seixas, reggae, lá tinha muito reggae. Quando voltei pra São Paulo a galera que me identifiquei foi a do surf, que ouvia reggae. Os amigos da minha rua ouviam samba, não que eu não goste, gosto muito, mas era um pagode moderno e eu não sou chegado. Gosto mais de samba tradicional. Não conseguia me identificar musicalmente com os meus amigos, a gente vem de família pobre, periferia, predominava o pagode. Tinha um programa de blues que passava às onze e meia da noite. Eu chegava da escola todo dia e escutava. E na escola tinha um cara com uma gaita diatônica. Ele havia comprado na galeria do rock e no outro dia eu fui lá e comprei uma. Cheguei em casa coloquei uma fita e fui tocar junto e não saía nada. Aí peguei a gaita e abri achando que estava quebrada e comecei a mexer nas palhetas. Cara, foi no primeiro dia que comprei a gaita, quebrei umas duas ou três palhetas. Aí eu comprei outra e vi que o problema era eu (risos).

EM: Você começou tocar só de ouvido?
RF: Passei nove meses tocando só de ouvido, mas acabei encontrando um professor que me ensinou técnica durante quatro meses. De lá pra cá venho estudando sozinho. Tive aulas com um guitarrista de jazz de teoria musical, harmonia e improviso. Com o Bocato, Lupa Santiago e aplico na minha música.

EM: Você ainda compra discos?
RF: Não, não compro mais CDs.

EM: Você “baixa” da internet?
RF: Tenho alunos que baixam pra mim

EM: Você gosta de ver seus discos baixados.
RF: Eu tenho um disco que o pessoal baixa. Eu não posso fazer nada, né? Deixa os caras baixar. É uma tristeza mas, por exemplo, a gente vai fazer um show hoje em Santos e pode ser que a gente consiga vender alguns CDs, dar autógrafos, quem comprar vai ter o negócio físico na mãos, vai colocar no seu carro, na sua casa. Eu tenho um monte de coisas em mp3 que os caras baixam pra mim e só toco no computador, mas eu não estudo nele. Não gosto. Estudo em um quarto com o som ligado, mas no computador eu não consigo.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Big Chico é blues soul e simpatia

Foto: Flávio Hopp

Essa entrevista do gaitista Big Chico encerra a série realizada com os blueseiros brasileiros que passaram por Santos, no mês de abril, em comemoração aos 20 anos de blues no Brasil. Os shows foram os seguintes: Igor Prado Band, 01/04; Robson Fernandes, 08/04; Caviars Blues Band, 15/04 e Big Chico Blues Band, 22/04.
A realização do evento foi do Projeto Jazz Bossa & Blues, Revista Ao Vivo e Sesc Santos. E o Sesc recebeu ainda, no dia 23/04, as apresentações de André Christovam e Heraldo do Monte.
Devido à simplicidade dos músicos e a paixão com que levam a bandeira do blues, os encontros se tornaram mais um bate-papo do que entrevistas formais e com Big Chico não poderia ser diferente. O cara ama o que faz e é muito gente fina.
Ele faz parte da nova geração do blues nacional e, assim como Igor Prado e Robson Fernandes, vem realizando vôos bem sucedidos fora do Brasil, tanto em excursões, como gravando CDs. A conversa aconteceu no dia 22/04, poucos minutos antes de Big Chico abrir seu show no Sesc Santos com um tema instrumental de arrasar. Baixo, bateria guitarra, gaita e voz.

Eugênio Martins: Gostaria que você falasse um pouco sobre seu começo artístico. Como foi parar no blues?
Big Chico:
Comecei a faculdade de engenharia civil em 93, foi o meu primeiro contato com a gaita, nunca tinha tocado. Um amigo meu tinha uma gaita, comprou, mas nunca tinha tocado também. Peguei emprestado dele e nunca mais devolvi. Depois de três anos já estava na estrada. Abrindo show do Flávio Guimarães, do Blues Etílicos. No fim acabei sendo músico profissional. Trabalhei com engenharia até 2001 e quando não deu mais parti pra música que é o que eu amo.

EM: Chegou a terminar a faculdade?
BC:
Tranquei no terceiro ano, faltaram mais dois, acabei partindo pra música.

EM: Onde você nasceu?
BC:
Eu venho de Jundiaí, mas nasci em Cananéia, no Litoral Sul, sou caiçara. (risos).

EM: Quem você ouvia quando começou a tocar gaita?
BC:
Meu primeiro contato com o blues foi com o Muddy Waters, com o James Cotton na gaita e o próprio Blues Etílicos. Não tinha muito material. Não tinha nem CD era vinil.

EM: Mas nos anos 90 já existia CD.
BC:
Mas eu não tinha condição de comprar. Essa época o CD estava começando a chegar. Eu tinha de gravar nas fitas cassetes e era a maior dificuldade pra estudar, tinha de ficar voltando. O grande lance aconteceu depois que eu conheci o Chico Blues que é um grande pesquisador e incentivador de São Paulo, inclusive apóia a gente com o selo de blues chamado Chico Blues Records.

EM: E quem não conhece acha que é a mesma pessoa.
BC:
Nós somos amigos é uma confusão saudável. Depois que eu o conheci a evolução foi bem mais rápida, comecei a ouvi mais gente. Me identifiquei muito com o Little Walter, que é um cara que eu amo e escuto até hoje. George Smith também, esse lance da cromática blues que eu também toco bastante. Ele é o gaitista que influenciou todos os outros da Califórnia: Rod Piazza, Wilian Clarke, Kim Wilson, Rick Estrin, esse pessoal. Em Chigao é o Little Walter, gosto também do Sonny Boy II (Rice Miller); gosto bastante do James Cotton, Junior Wells, Big Walter Horton. Gosto muito da gaita amplificada.

EM: Como você classifica o teu estilo com todas essas influências?
BC: Um pouco de Chicago e bastante da Califórnia. E também o soul, que também faz parte da minha cultura musical. Motown: Stevie Wonder Barry White, Marvin Gaye, Jackson Five, e Tim Maia. Eu tenho um trabalho que é voltado só para o Tim Maia.

EM: Como é isso?
BC:
É um trabalho que está dando certo e é muito bacana. São oito músicos na banda que se chama Big Chico Funk Club, é um tributo ao Tim Maia, com novos arranjos e com gaita. Todo mundo gosta do Tim Maia, né? É um som pra cima, desde a fase Racional. O pessoal curte e sempre sai dançando.

EM: Na passagem de som percebi que você usa dois amplificadores. Qual é o equipamento de palco?
BC:
Peguei essa influência do Rod Piazza, quando estive na Califórnia pela primeira vez. Vi o show dele em um bar e quatro ou cinco meses depois ele veio ao Brasil, ajudei na divulgação do show no Bourbon Street. Trabalhei como produtor. Ele usa dois amplificadores por causa do lance da cromática. Vem mais peso. A cromática exige que você toque com mais sutileza, por exemplo, não dá para você tirar bend da cromática, a não ser que tire as válvulas. Ela tem outra embocadura. Achei interessante dois amplificadores, um com reverb e outro com delay. Então dá essa sonoridade mais “gorda”, mais pesada. Mas não é para tocar alto, não. É pra fazer um som maior da cromática. Eu uso um Super Reverb 1971 e um Bassman que são preparados pra gaita. Microfone uso um Astatic JT-30 de cerâmica que dá um grave bacana. E a embocadura, misturo a “tongue block” com a limpa.

EM: E qual gaita que você usa?
BC:
Sou endorsee da Hering. Estive recentemente na Alemanha fazendo a Musikmesse com a Hering. É uma feira que dura uma semana e foi um sucesso. Participei de um encontro que teve em Frankfurt. Mais uma jam-session em um bar de jazz e um encontro de gaitistas. Fiz três shows.

EM: E aos Estados Unidos, quantas vezes você foi pra tocar?
BC:
Estive lá duas vezes. A primeira vez foi com a Hering também. E por meio do Johnny Rover, que é um grande amigo que eu conheci o Rod Piazza, o James Harman. Nessa primeira vez já rolou muita coisa bacana, toquei no bar do B.B. King, com Deacon Jones; fiz o Café Boogaloo, o Babe Rick’ Blues Bar. E na segunda, a convite do convite do batera do Rod Piazza, o Paul Fasulo, surgiu o CD Blues Dream, que foi mesmo um sonho de gravar com caras que eu tive contato em 2005, e em 2006 já estava voltando pra gravar. Foi uma benção de Deus, uma coisa que deu muito certo.

EM: Conta como foi a história do Blues Dream e do time que toca nesse CD.
BC:
É um time da pesada. O Paul Fasulo, na bateria, da banda do (Rod) Piazza. E também a banda do (Willian) Clarke, com o Rick Reed, no contra-baixo; Zach Zunis e John Marx, nas guitarras e o Rob Van, no piano e (órgão) Hammond. E também o Johnny Dyer, que é um lendário bluesman do Mississipi participa em duas músicas. Ele é distribuído nos Estados Unidos pelo selo Pacific Blues e está indo muito bem, é o segundo mais vendido. E na Europa pelo selo Roots CD na Inglaterra, o pessoal que é fã de gaita já tinha o CD.

EM: O Pacific Blues está acolhendo vários artistas brasileiros, abrindo um verdadeiro canal de entrada do blues brasileiro nos Estados Unidos.
BC:
Sim e quem tem feito essa distribuição com a gente é o Chico Blues. Além de mim o Robson Fernandes, a Prado Blues Band, Flávio Guimarães.

EM: Vou te fazer a mesma pergunta que fiz ao Robson Fernandes. O músico brasileiro manda bem em quase todos os gêneros e no blues não é diferente. Um dos motivos dos brasileiros irem aos Estados Unidos é pra mostrar aos gringos que nós também sabemos fazer blues, ou seja, buscar o reconhecimento?
BC:
Não, faço blues porque é uma filosofia de vida. Comecei a tocar por gostar e por ser uma música de lamento, ela mexe muito com sentimento e eu tenho uma paixão pela história do blues. Depois dele veio o jazz, o rock, o soul e a black music. Fico feliz por passar por esse “teste drive”, mas não fico preso a isso, acho que a gente tem de ser feliz com o que faz e é o que eu sei fazer na minha vida. E o soul também, no meu show você vai ouvir muito blues, mas também vai ouvir Marvin Gaye, James Brown.

EM: O teu blues é meio funkeado mesmo.
BC:
Tem bastante coisa de Maceo Parker, saxofonista que trabalhou com James Brown. Gosto muito de Fred Wesley, gosto de J.B.s (banda do James Brown), e Tim Maia na veia. Gosto também de acid jazz, do Soulive, Grant Green, Booker T. Também gosto muito do som do (órgão) Hammond.

EM: Tem público no Brasil para esse tipo de música?
BC:
Acho que tem, mas a gente precisa mais espaço. Lá fora também não é fácil. Acho que a gente tem de cavar. Eu faço até casamento (risos).
Quanto mais você for polivalente mais mercado vai ter. O meu blues é um blues contemporâneo, que tem essa influência sem querer misturar com outro tipo de música que eu sei que não vai dar certo. Sem se prostituir. Não vou misturar feijoada com maionese.

EM: Algumas gravações da gravadora Alligator, de Chicago, são bem funkeadas. E atualmente o blues tem também essa cara.
BC:
É claro, o Albert Collins, o Junior Wells, já fazia também.

EM: James Cotton, Lonnie Brooks.
BC:
Sim, a música negra tem essa possibilidade. Cresci nessa cultura dos bailes que era o Chic Show. Gostava de Jimmy Smith e Wes Montgomery cantando Got My Mojo Working.

EM: Eles chegaram a graver um disco juntos.
BC:
É e tudo são clássicos do jazz, da música negra, e a gente curtia sem saber. E hoje influencia na minha música. A gente toca Let’s Get It On (Marvin Gaye) e bota uma pilha no show, a galera pilha. É isso que dá o diferencial pra ganhar espaço. O trabalhador tem de trabalhar.

EM: E qual o tipo de música que você não gosta?
BC:
(pensativo) Acho que a música mal feita (risos).

EM: Pô, que político.
BC:
(risos) Acho que música artificial. Música sem emoção. Essa semana eu estava vendo na TV Cultura dois caras tocando uma música caipira, não lembro o nome, era uma moda de viola, a história do campo e tal. Isso me emociona pra caramba. Adoro a música brasileira, samba, bossa-nova. O samba verdadeiro, que veio do gueto. Não gosto de música apelativa, que faz mal às crianças, de pornografia. Acho que música mal feita traz negatividade.

EM: depois de tudo isso que você citou, o que você está escutando hoje?
BC:
Em casa tenho curtido muito Little Walter, Tim Maia, Jimmy Smith, e da Califórnia Rod Piazza, Willian Clarke. Mas o que eu escuto muito é Little Walter. Ele era muito avançado pra época dele. Foi um revolucionário do blues, foi o primeiro cara a usar amplificador.

EM: Mas na época dele todo mundo era revolucionário: Muddy Waters, Howlin’ Wolf, Buddy Guy, Earl Hooker, Willie Dixon, Elmore James, T. Bone Walker e outros tantos.
BC:
Todos eles eram desbravadores. Pavimentaram a estrada que a gente anda hoje.

EM: Você compra CD ou baixa na internet.
BC:
Eu compro. Não tenho paciência pra baixar e acho uma falta de respeito com o artista. Sou artista e dependo disso pra viver, não recebo nada de direito autoral. É legal comprar o CD e ter o encarte e tal.

EM: E uma pergunta que eu faço pra todos os blueseiros. Existe uma cena de blues no Brasil?
BC:
Existe, principalmente a gaita. Hoje nós temos duas fábricas de gaita no Brasil, a Hering e a Bends, temos ótimos gaitistas. Muito mais que alguns anos atrás e têm muitas bandas boas, o exemplo são as bandas que participam desse festival e dos festivais espalhados pelo Brasil e que o público aprecia. Não podemos dizer que estamos numa fase que está todo mundo indo, porque não é verdade, mas a gente vai conseguir chegar a um nível compatível ao público lá de fora.

Publicada a mais nova composição de Gilberto Mendes

Em comum acordo com José Luiz Tahan, da Realejo Livros Edições, fiz uma série de entrevistas com o maestro Gilberto Mendes em seu próprio apartamento em Santos.
A idéia inicial era a de que essas entrevistas fossem compiladas em um livro contando a história e as histórias do velho maestro.
Quase caí de costas quando o próprio Gilberto me disse que já estava trabalhando em um livro de memórias a ser publicado em breve; pelas suas contas, até o final de 2008.
Tudo aquilo que me contava, estaria em seu livro: sua tão sonhada viagem ao Havaí; a dramática passagem por Praga, capital da Tchecoslováquia, bem na primavera das bombas russas; seu encontro com Tom Jobim no Rio de Janeiro e seus outros encontros musicais em várias cidades do mundo. Tudo.
Senti ali que meu trabalho estava terminado. Pois o que é que eu poderia contar sobre o maestro que ele mesmo não contaria muito melhor?
Com seu texto simples e direto, por isso mesmo elegante, o velho maestro começa Viver sua música – com Stravinsky em meus ouvidos, rumo à avenida Nevskiy (Edusp – Realejo Livros e Edições), lembrando suas influências recebidas dos musicais americanos, citando os standards e as canções de George Gershwin, Jerome Kern, Richard Rogers, assim como as grandes orquestras de Benny Goodman e Tommy Dorsey.
Além de apaixonado pela música popular da era de ouro do cinema, Gilberto conhece a matéria como poucos. Viver sua música… é um mar de citações cinematográficas que, às vezes, deixa o leitor um pouco tonto.
Mas é quando discorre sobre a música erudita e de vanguarda do breve século 20 – termo criado pelo historiador inglês Eric Hobsbawn, e usado de forma pertinente pelo jornalista Alessandro Atanes em sua resenha na revistapausa.blogspot.com – que o maestro entra no terreno sombrio ao gosto médio. (Já sei, podem malhar, que porra é essa de gosto médio?)
Passando um pouco da página 100 a leitura fica específica ao campo erudito. As citações passam a ser Pierre Boulez, Walter Gieseking, Wilhelm Kempf, Alfred Schnittke, Igor Kefalidi, Galina Ustvolskaya, e mais algumas dezenas de nomes. Sem esquecer os nacionais, como Marlos Nobre, Jorge Antunes, e os santistas Almeida Prado, Antonio Eduardo. Só para iniciados.
Mesmo assim, o relato de suas peripécias musicais não deixa de ser instigante. Nessa parte, Gilberto mostra como a música erudita brasileira vai bem lá fora. Aliás, melhor do que aqui, muito devido ao pouco espaço dado aos compositores e músicos que a mídia grande ama odiar.
Mais do que um livro de memórias, Viver sua música – com Stravinsky em meus ouvidos, rumo à avenida Nevskiy é a porta de entrada ao mundo da música de vanguarda conduzido por quem mais sabe desse assunto. Após lê-lo, é impossível não querer conhecer a avenida Nevskiy e toda sua música.
Não foi lá que aconteceu o assassinato mais famoso de São Petersburgo?

Em turnê no Brasil para treze apresentações, Stanley Jordan fala sobre meio ambiente, o poder da música e a eleição de Barack Obama

Foto: Leandro Amaral

A lista de exigências de Stanley Jordan para fazer um show conta com itens incomuns que revelam um pouco sobre a sua personalidade. Os alimentos, por exemplo, devem ser cozidos no vapor. Nada de carne vermelha ou fast food. Somente carne branca e legumes. Há também o pedido de pão integral, homus, saladas variadas e frutas frescas orgânicas que não devem ser cortadas antes da chegada do artista. Cai bem, ao final do show, uma sopa quente de legumes em pedaços e com pouco tempero.
Além dos equipamentos técnicos, Jordan exige uma bacia grande o suficiente para confortavelmente submergir as mãos; uma barra de sabão suave, não alérgico à pele e não perfumado artificialmente e água quente e fria ao lado do palco dez minutos antes do espetáculo para fazer seus exercícios.
Tudo faz parte de um ritual que o musico respeita à risca. Mais do que simples capricho, as exigências revelam a preocupação com seu próprio modo de vida. Seguindo a máxima “o homem é o que come”, Jordan dá seu exemplo. Com o lançamento do CD State of Nature (2008), pode-se dizer que faz o mesmo com sua arte. Em seu mais expressivo trabalho desde Magic Touch (1985), o guitarrista centrou suas composições na preservação do meio ambiente com o discurso na mesma via.
Às vezes, uma simples resposta se transforma em um verdadeiro tratado de questões ambientais, espirituais e filosóficas, como veremos nessa entrevista exclusiva concedida ao Mannish Blog, no dia 4 de dezembro de 2008, data de sua apresentação no Teatro Coliseu, em Santos, dentro do Projeto Jazz, Bossa & Blues. O show fez parte de sua 14ª turnê pelo Brasil, que dessa vez incluiu João Pessoa (PB), Rio de Janeiro, Salvador (BA), Recife (PE), Brasília, Porto Alegre (RS), Belo Horizonte e Ponte Nova (MG), São Paulo e Santos, totalizando 13 apresentações.

Eugênio Martins: O State of Nature possui um tema central que é como lidamos, ou como poderíamos lidar, com a natureza. Gostaria que você contasse como foi a escolha desse tema.
Stanley Jordan: State of Nature é uma reflexão sobre o relacionamento dos seres humanos com o mundo natural. Quando estava trabalhando no álbum pensei sobre questões que achei importantes e usei a música para ajudar a explorá-las. As perguntas que me vieram à mente foram: como, mesmo sabendo que estamos destruindo o meio ambiente, não mudamos nossa forma de agir? Como podemos ter uma relação mais harmoniosa e espontânea com a natureza sem ter de recorrer às leis ou intimidando as pessoas? Acredito que as pessoas irão escutar a música e também lerão os comentários na capa do CD. Tudo faz parte de um conceito, uma forma que encontrei para inspirá-las a fazer melhores escolhas.

EM: Qual sua visão particular sobre o assunto?
SJ: Na minha forma de ver temos basicamente dois grupos. O que acredita no progresso, na tecnologia, na capacidade da mente humana. Nesse novo futuro conseguiríamos controlar a natureza. O outro grupo é mais romântico. Quer uma volta ao passado, com menos intromissão da tecnologia. Acha que temos muita tecnologia, muita complexidade e que uma mudança deve acontecer na mente humana no sentido de centrar nossos valores na natureza. Em minha opinião, devemos apostar em uma combinação das duas perspectivas. Desde criança acreditei no desenvolvimento, mas dependendo do progresso acho que ele pode ser uma coisa ruim. Acredito que o melhor progresso que podemos adquirir é o conhecimento sobre o meio ambiente. Isso pode nos motivar a protegê-lo cada vez mais. Portanto, uma grande parte do problema também é deixarmos de ser preguiçosos. A questão principal é pensar da seguinte forma: como as minhas ações de hoje afetam o futuro do planeta?

EM: Quanto tempo levou para gravar o State of Nature?
SJ: Cerca de dois meses. Algumas músicas são um pouco mais antigas como Ocean Breeze, de 2000, que eu guardei para lançar no tempo certo. Durante a gravação estava na estrada, por isso algumas canções foram gravadas em diferentes lugares. Isso me deu a chance de trabalhar com músicos diferentes, em Nashville (Tennesse), Austin (Texas), no Rio de Janeiro. Também gravei em Nova Iorque, no Arizona e em três estúdios diferentes na Califórnia. Acho que cada um desses lugares me influenciou de maneira diferente.

EM: Nesse CD você gravou All blues, de Miles Davis, e Insensatez, de Tom e Vinicius. Como foi escolhido o repertório?
SJ: All blues é um pouco difícil de explicar porque a canção remete a um senso cósmico sobre a natureza, como se ela fosse um dos mistérios do universo. Um mistério da criação oferecido a todos. Insensatez tem um propósito específico. É uma canção de amor, mas também é sobre a nossa insensatez com relação à natureza. Vai direto ao ponto, cujo principal problema é a nossa falta de sensibilidade e de habilidade em lidar com isso. Por exemplo, somos incapazes de sentir compaixão pelos animais que comemos. Se sentirmos e expressarmos isso, poderemos nos tornar inconvenientes.

EM: O tema Song for my father é uma bossa nova e também uma música muito bonita. Há alguma relação com seu pai? Ele gostava de bossa nova?
SJ: Sempre fui muito atento aos diferentes sabores da black music. Acho que ela foi influenciada pela bossa nova, pela salsa. Nessa canção o propósito é mostrar o mistério da criação e co-criação e também homenagear meu pai, David Jordan. Quando eu me tornei pai, eu soube reconhecer o que ele fez por mim. E aprendi que preservar essa corrente eterna, e espero que seja eterna, é o melhor que podemos fazer.

EM: Em Shadow dance você saiu um pouco do seu estilo, a guitarra está muito mais rock do que jazz, com muita distorção. Fale um pouco sobre isso.
SJ: (risos) Bem, é um pouco do estilo que eu tocava antes de fazer jazz e também porque era sobre isso que se tratava a canção. Ela fala sobre sombras, mas sombras psicológicas. Sobre as coisas que não queremos encarar. Sobre as quais escondemos e acabamos criando neuroses. Como nossos insucessos afetam nossas vidas nos desconectando da nossa humanidade. Se pudermos aceitar isso, libertar essa sombra, também podemos levar uma vida mais harmoniosa com o mundo natural.

EM: Pra você a música é mais do que uma forma de entretenimento. Qual o efeito você acha que ela causa nas pessoas?
SJ: A música pode nos tocar em muitos níveis, porque nós podemos sentir suas vibrações. Quando ouvimos ou criamos música acontecem mudanças químicas em nosso cérebro. Acredito que ela ajuda o sistema imunológico na cura de doenças. Ela também nos ajuda emocionalmente e intelectualmente. A música nos ajuda a formar caminhos para a melhor interpretação de diferentes situações da vida.

EM: A primeira vez que você veio a Santos, em 2006, você fez uma apresentação especial para as crianças internadas na ala de oncologia na Santa Casa da cidade. Uma das músicas apresentadas foi All The children, tema de seu primeiro disco. Foi um momento emocionante, porque essa é uma bela música. Gostaria que você explicasse o significado dessa composição.
SJ: Essa é uma das razões de eu achar que a música pode ter um significado holístico. Por lidar com sentimentos os quais estamos envolvidos, a música pode ser a extensão dessa experiência. Nesse caso, a música celebra a importância de ser criança e de preservar essa infantilidade de uma maneira positiva. Mas ao mesmo tempo esse tema também possui elementos de tristeza, dor e sofrimento que muitas crianças passam no mundo atual. All the children faz essa combinação.

EM: Você já visitou o Brasil várias vezes. O que mais gosta no país e o que mais odeia?
SJ: Posso te dizer de cara o que eu mais odeio. É a hora de ir embora (risos). Oh, cara, preciso ficar mais tempo! É engraçado, porque eu me sinto em casa no Brasil. Gosto da música e das pessoas.

EM: O que você está ouvindo atualmente?
SJ: Quando estou trabalhando em um novo projeto eu fico muito focado no que estou fazendo. Na verdade não tenho muito interesse em ouvir outros músicos. Tenho mais interesse em desenvolver a música em que estou trabalhando.

EM: Qual sua relação com a música brasileira?
SJ: Como músico de jazz, fui exposto à bossa nova, que influenciou o jazz. Se você quer ser considerado um músico de jazz sério tem de aprender o que a bossa nova tem pra ensinar. Essa influência faz parte do repertório. Roberto Menescal, Tom Jobim puderam sentir essa reverência quando estiveram nos Estados Unidos.

EM: O que achou da eleição de Barack Obama?
SJ: Durante a eleição muitas pessoas que eu conheço trabalharam na campanha de Obama. Minha filha foi voluntária no dia da eleição. Todos tinham um sentimento positivo que alguma coisa boa estava para acontecer. E cada pessoa pensava: “o que eu posso fazer para ajudar Obama ganhar essa eleição?”. Eu sinto que é um momento significante. É o inicio de uma fase positiva. Temos hoje muitos problemas nos Estados Unidos na área econômica e acho que vão ficar piores antes de melhorar. Mas agora temos algo em que acreditar, por que nós sentimos que agora temos um presidente que irá nos ouvir. Nós nos sentimos muito mais envolvidos no processo de criação do nosso futuro.