quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A capital brasileira do Jazz e do Blues


Texto Eugênio Martins Júnior
Foto: Cezar Fernandes

Entre os dias 10 e 14 de junho, Rio das Ostras, cidade localizada no litoral do Rio de Janeiro, foi sede de um dos maiores festivais de música do Brasil: o Rio das Ostras Jazz e Blues. Como em todos os anos, os locais das apresentações estavam lotados e nem a chuva diminuiu a freqüência nos três palcos montados em diferentes pontos da cidade: na Lagoa do Iriry, e nas praias Costazul e Tartaruga.

Mais uma vez a direção do evento acertou ao misturar nomes desconhecidos do grande público – os grupos Rudder e Bad Plus com participação da cantora Wendy Lewis, e Jason Miles com DJ Logic – com atrações consagradas, como o grupo de jazz fusion Spyro Gyra e os blueseiros John Paul Hammond e Coco Montoya. Nessa sétima edição, atingido pela tal crise econômica, o festival recebeu treze atrações. As nacionais foram Orquestra Kuarup, Duofel, Ari Borger, Jefferson Gonçalves Blues Band, Pau Brasil, Big Time Orchestra e Dixie Square Band.

São três palcos ao ar livre. Os shows começam às 14 horas, na Lagoa do Iriry, passam pela Praia da Tartaruga, às 17 horas, e terminam de madrugada, no Palco Costazul. Uma média de cinco shows por dia. Sem confusão, sem correria e sem aperto.

Segundo o organizador do evento, Stênio Mattos, que visita três vezes por ano eventos semelhantes na Europa e dos Estados Unidos para escolher as atrações do Rio das Ostras Jazz e Blues, o festival no balneário carioca só perde em tamanho para o tradicional festival de New Orleans, que esse ano completou 40 anos. “Mesmo com todas as dificuldades conseguimos manter o nível do evento. A crise afetou em cheio os principais patrocinadores de eventos culturais. Para se ter uma idéia, o Tim Festival que era o nosso principal rival, no bom sentido é claro, não aconteceu esse ano no Brasil. Até o tradicional JVC Jazz Festival, que acontece todos os anos em Nova Iorque, foi cancelado. Um diferencial é que buscamos patrocínios em empresas locais, o que nunca havia acontecido”, revela Stênio.

De acordo com o produtor, entre 500 e 600 pessoas estão diretamente envolvidas no festival. O orçamento esse ano foi de R$ 1,2 milhão. Desse montante, cerca de R$ 400 mil foram usados para pagar os cachês artísticos. Do custo total, a Prefeitura de Rio das Ostras bancou metade.

Para o prefeito de cidade, Carlos Augusto, não fazer o festival não é uma opção. Diz que se não fosse o momento econômico ruim pelo qual o país e o mundo atravessam, o custo da prefeitura teria baixado. “O festival já é uma marca da cidade, tanto que leva seu nome. Mesmo com a perda de arrecadação de royalties do petróleo de 63%, o que representa mais da metade da arrecadação do município, continuaremos a investir no evento. Ele tem o mesmo peso do que a saúde ou obras de estrutura. Pra nós, o Rio das Ostras Jazz e Blues representa a socialização da cultura. Nossas escolas municipais contam com programas voltados ao ensino da música, teatro e dança. Além disso, o pólo universitário da Universidade Federal Fluminense, instalado aqui, possui um curso de Produção Cultural e outro de Lutheria”, lembra Augusto.

Ainda segundo o prefeito, a rede hoteleira de Rio das Ostras conta com três mil leitos que ficam 100% ocupados na semana do evento, e alguns moradores ainda alugam suas casas durante o final de semana. “O Rio das Ostras Jazz e Blues já faz parte do calendário turístico e os esforços das Secretarias de Turismo e Educação estão voltados nesse sentido. Antes do festival chegar, Rio das Ostras vivia brigando com Itaipava e Búzios por visibilidade”, recorda. Para o ano que vem, os planos da prefeitura e da organização do festival é estender as atrações até a badalada Búzios e ainda até Brasília, sempre com a marca Rio das Ostras.

Para assegurar o sucesso do evento, Stênio conta que um mês após o encerramento de cada festival, a equipe já começa a trabalhar na sua próxima edição. Para ele, o maior prazer de construir um evento desse porte é ver um sonho realizado. O mais doloroso são as discussões com o prefeito sobre a liberação de verbas. Mas ambos sabem que têm de chegar a um acordo, pois até a venda de imóveis na cidade foi incrementada após a chegada do festival.

Festival democrátio - Durante os dias do evento, tudo na cidade e na boca do povo gira em torno dele. Não é raro presenciar animadas conversas entre artistas e fãs nos locais dos shows, num clima totalmente informal. Só mesmo em um festival como o de Rio das Ostras, onde público, produção, imprensa e artistas convivem por cinco dias no mesmo local, poderia acontecer uma cena como a que será descrita a seguir.

O cantor e guitarrista de blues John Hammond e sua mulher, Marla, seguiam um ritual todas as manhãs em que estiveram hospedados no hotel: sob o sol do Rio de Janeiro, bebiam café, fumavam cigarros e conversavam tranquilamente à beira da piscina. Músicos brasileiros e gringos, todos sem exceção, puxavam papo com o casal e ficam por ali, aproveitando a oportunidade de estar frente a frente com um dos maiores nomes do blues dos últimos 40 anos.

Foi numa dessas oportunidades, à beira da piscina, que consegui as entrevistas exclusivas para a Revista Ao Vivo com John Hammond e Coco Montoya. Também foi numa dessas oportunidades que o gaitista Jefferson Gonçalves e o multiinstrumentista Kleber Dias protagonizaram um dos momentos mais bacanas da sétima edição do festival: uma pequena jam session com os três músicos tocando How Long, o clássico de Leroy Carr. Jefferson na harmônica, Kleber no bandolim e Hammond cantando.

A coisa toda começou quando Jefferson presenteou o guitarrista com seu novo CD, Ar Puro (2008), e Kleber Dias aproveitou pra mostrar um bandolim construído por ele. De quebra, Jefferson ainda conseguiu com que Hammond passasse a ser representante da fabrica brasileira de gaitas Hering Harmônicas nos Estados Unidos. O veterano bluesman pirou no som da gaita desenvolvida especialmente pela fábrica e que conta com a assinatura de Jefferson Gonçalves.

Maratona de shows - Mesmo com uma chuva torrencial a partir da metade do show, no segundo dia do festival, foi a Jefferson Gonçalves Blues Band - ele de novo - que fez uma das grandes apresentações desse ano. O repertório, baseado em Ar Puro, roubou a cena no Palco Costazul, que tinha ainda como atrações o grupo Pau Brasil - que embora competente como sempre, não funcionou no palco grande e ao ar livre -, e Jason Miles com o DJ Logic.

Na lagoa, o tecladista Ari Borger, acompanhado pelo guitarrista Celso Salim, mostrou porque é considerado um dos maiores especialistas no órgão Hammond no Brasil. E o grupo Rudder levou seus grooves ao palco da Praia da Tartaruga, um dos locais para show mais bonitos do mundo.

Antes, porém, ainda no primeiro dia, a chuva não havia dado o ar da graça. E, além das presenças da Orquestra Kuarup - formada por jovens músicos da cidade - e dos violonistas do Duofel, a abertura, na quarta-feira, dia 10 de junho, contou até com lua cheia.

Na sexta-feira, dia 12, já debaixo de muita chuva, a banda Bad Plus empolgou em alguns momentos, principalmente quando subverteu os sucessos Lithium (Nirvana) e New Years Day (U2), mas foi pouco. Talvez não tenha sido acertada a opção de trazer a cantora Wendy Lewis. Se o Bad Plus, que tem personalidade, tivesse imprimido a quebradeira habitual teria se saído melhor. Ainda na terceira noite, o destaque iria para o blueseiro Coco Montoya não fosse a presença dos curitibanos da Big Time Orquestra quebrando tudo, num show totalmente rock and roll.

No show de sábado, na lagoa, a Jefferson Gonçalves Blues Band novamente arrebentou, mandando as clássicas Help the Poor, How Long, Crossroads, All Along the Watchtower, Room to Move e outras. À noite, os melhores momentos, sem dúvida, ficaram por conta de John Paul Hammond e sua banda. O tecladista Bruce Katz é um demônio no órgão Hammond B3. Considerado um dos maiores intérpretes de blues vivo, John Hammond apresentou tanto as clássicas Lonesome Train, Rollin’ and Trumblin’ e That’s Allright, como suas composições Push Comes to Shove e Eyes Behind Your Head.

Embora muitos torçam o nariz para o Spyro Gyra, por causa de seu jazz comercial, ao vivo os caras levantaram o público. A formação atual conta com Jay Beckenstein (sax) - único membro original -, Scott Ambush (baixo), Julio Fernandez (guitarra), Tom Schuman (piano) e Bonny B. (bateria).

O domingo foi das duas atrações principais: John Hammond, na lagoa, com sol, sempre acima da média; e Spyro Gyra, na Praia da Tartaruga. No balanço final, os brasileiros se saíram melhor.

A estrutura montada no local, chamada de cidade do Jazz e do Blues, localizada nas adjacências do palco principal, na praia de Costazul, contou com barracas com comidas e bebidas, CDs, camisetas e artesanato local em todas as noites do festival. Mais uma vez a organização do festival foi impecável.

Confira, na íntegra, as entrevistas com Coco Montoya e John Hammond neste blog.

Obs: O repórter viajou à convite da direção do festival.

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