quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Ari “Hammond” Borger: a cara do piano blues do Brasil

Foto: Cezar Fernandes

Ele já tocou com Pinetop Perkins, Johnnie Johnson, duas das maiores lendas do piano blues, e Clarence “Gatemouth” Brown, além de ter aberto os shows de B.B. King no Brasil.
Entre os artistas brasileiros, o pianista e organista Ari Borger também já tocou e gravou com os principais nomes: Celso Salim, Flávio Guimarães, Blue Jeans, Igor Prado Blues Band, Fernando Noronha, Robson Fernandes são alguns.
Baseado nesse currículo pode-se dizer que Ari Borger é, no momento, o principal nome do piano blues no Brasil.
Seus dois shows no Festival de Rio das Ostras, entre 10 e 14 de junho desse ano, atestam isso. Com repertórios calcados no excelente CD AB4, lançado no ano passado, Ari e seu inseparável órgão Hammond, mais Celso Salim, na guitarra; Marcos Klis, no baixo acústico e Beto Zigler, na bateria; fizeram o público requebrar e consumir litros e litros de cerveja debaixo do sol carioca, que em alguns momentos, resolveu aparecer por lá.
Além das músicas de AB4, não poderiam faltar clássicos de Booker T. e de Jimmy Smith, dois grandes nomes do Hammond e duas de suas principais influências.
Em entrevista exclusiva ao Mannish Blog, Borger conta essa história de Hammond. Como foi que ele começou a gostar de um instrumento tão peculiar e estranho aos brasileiros, mas que o blueseiros adoram, e como está o movimento (palavra maldita) blueseiro nacional, se é que isso existe.

Eugênio Martins: Como você começou no blues e tocando Hammond, um instrumento pouco popular no Brasil ?
Ari Borger: Foi uma coisa espontânea mesmo, havia feito piano erudito e entre outras coisas comecei a ouvir blues e curtir pra caramba. O Hammond veio do blues. Comecei com o piano boogie, piano blues, mas já tinha ouvido antes, no Santana. Mas muita coisa tem Hammnond. Daí foi crescendo a vontade de conhecer melhor o instrumento.

EM: Mas como foi esse começo?
AB:
Lembro que em uns dois estúdios que eu fui gravar tinha o Hammond, um em São Paulo e outro no Rio e sempre que ia começava a fuçar e a gravar meio na raça.

EM: Começou a tocar de ouvido?
AB:
Mas a escala é a mesma o que muda é a técnica. O conhecimento do instrumento pra você “timbrar ele”, mas comecei de ouvido. Consegui comprar um depois.

EM: Como foi? É um pouco difícil achar um instrumento desses em boas condições?
AB:
É difícil. Um organista estava vendendo e eu descobri sem querer. Liguei pra ele perguntando se sabia quem tinha um pra vender e ele disse que interessava vender o dele, aí eu comprei. (risos).

EM: Que sorte, em São Paulo isso?
AB:
Não, ele é de Jacareí. É o Flavio Naves.

EM: E de quando que é esse instrumento?
AB:
Ele foi fabricado entre 1958 e 62.

EM: Qual é o modelo?
AB:
É um A 100. Tem três modelos de Hammond que são os mais legais de som, o B3, o C3 e o A 100. Esses três, por dentro, os mecanismos, os recursos que você tem pra timbrar são iguais só muda o móvel, a madeira. Só muda por fora. O B3 é o mais caro e o mais famoso, ele tem menos problemas pra pegar estrada. Ele já foi feito pra isso então todo mundo tinha, é o dobro do preço e é o que ficou mais famoso.

EM: E esse teu Hammond, como é que você carrega?
AB:
É difícil, mas quando dá eu carrego. Quando faço Sesc no estado de São Paulo eu levo, agora fora de São Paulo é muito difícil, porque caminhão sempre dá uma detonada, arranha, não tem jeito. No caso desse festival eu usei o “case” da empresa, mas na van eu não preciso.

EM: No Brasil os tecladistas mais requisitados pela galera do blues, e eu falo isso me referindo ao Hammond, são o Adriano Grineberg e você. Além de vocês dois, quem mais está se especializando nesse instrumento no Brasil?
AB:
A gente faz bastante coisa, mas tem o Flávio Naves que toca com o Nuno (Mindelis). Tinha o Alan, que tocava legal, do Big Alambik, mas faz tempo que eu não falo com ele. Tem um cara de Porto Alegre que toca bem, o Luciano Leães, que toca com o Fernando Noronha.

EM: Como anda a tua agenda? Dá pra viver tocando Hammond no Brasil?
AB:
Ano passado toquei muito, porque foi o ano que eu lancei o disco. Então quando é o ano de lançamento você trabalha legal, mas depois cai um pouco, com todo mundo acontece isso. Aí você fica dependente de festival e Sesc, porque bar paga muito pouco. Tem uma galera que faz bar, mas eu não faço, tenho outros meios pra ganhar a grana, entendeu? Há cinco anos eu faço o happy hour do Hotel Renaissance, em São Paulo, sempre das seis às nove. É um trio com baixo acústico, piano e bateria. Aí rola evento. Então, dessa maneira dá pra viver tocando Hammond aqui.

EM: Ou tem de lançar disco todo ano?
AB:
Disco não dá dinheiro. O disco é o cartão de visita para vender os shows. Mas o piano tem um campo de trabalho grande que não é o campo de show. São eventos que a galera te conhece e chama.

EM: Mas não dá pra fazer essa quebradeira que vocês fazem com o blues como estão acostumados.
AB:
Cara, eu toco no Renaissance e toco de tudo, não me sujeitaria a tocar New York, New York. (risos). Quando é show a gente faz porrada mesmo, mas nos outros lugares a gente também faz todos esses grooves só que na manha e é legal, porque aprende a segurar a onda.

EM: Pelo que você toca a gente vê que as tuas influências vão de Booker T. a Billy Preston. Qual foi a fonte que você bebeu?
AB:
Porra, Billy Preston e bom pra caramba. Jimmy Smith também. Olha só, se for para dar nomes é Jimmy Smith, Lonnie Smith, o Billy Preston e o Medeski. No Hammond são esses.

EM: Como está a carreira fora do Brasil?
AB:
Fora do Brasil gravei o meu primeiro CD, o Blues da Garantia, quando morei em New Orleans.

EM: Quanto tempo você morou lá?
AB:
Morei um ano na casa de um cara que vinha tocar no Brasil e ele disse que a hora que eu quisesse ir tinha lugar na casa dele.

EM: Você tocava na noite? O que prendeu lá com relação ao blues que não poderia ter aprendido aqui?
AB:
Sim, tocava na noite lá. De modo geral nos Estados Unidos é que lá tem muito lugar pra tocar, tem muito festival, muito instrumento barato. Para os caras que tocam blues é muito melhor morar lá, sem dúvida, tem muito campo de trabalho.

EM: Você tem vontade de voltar a morar lá por causa da música? O blues feito no Brasil ainda é marginalizado. Isso não te desanima?
AB:
Dá um pouco de frustração. Tenho vontade de voltar, sim. Na época que eu fui, em 1996, estava no meu primeiro casamento, com filho pequeno e eu ainda sou cidadão americano por parte da minha mãe que é americana, então se eu quiser morar lá legalmente eu moro. Falei isso hoje no café da manhã pra um amigo, se eu fosse sozinho eu me arrancava. Hoje estou com quase quarenta anos, filhos de dois casamentos (risos), criei raízes.

EM: É possível morar seis meses lá e seis meses aqui?
AB:
É, mas teria de ficar um tempo lá antes, fazer todos os contatos, conhecer as pessoas, pegar as “gigs”, é como aqui, não dá pra chegar e querer tocar sem conhecer ninguém.

EM: Vou fazer a pergunta padrão: Há uma cena blueseira no Brasil?
AB:
Cara, uma cena existe. Agora, lugares com estrutura pra tocar são poucos. Hoje em dia a molecada toca muito melhor do que quando eu comecei. Pra você arrumar um baixista e um batera era muito difícil. Os caras não sabiam. Hoje há vários bateras e baixistas bons, então, uma cena tem.

EM: E essa discussão de cantar em inglês ou em português, o que você acha disso?
AB:
Acho que soa melhor em inglês o que não impede de fazer letra bacana em português, acho que fica legal pra caramba. Não tem de ter regras o importante é ficar bom. O que eu acho é que em português é mais difícil ficar bom, mas é um desafio a mais para quem quer compor em português. É mais fácil soar bem em inglês, mas em música não existem regras.

EM: O que achou dos teus shows no festival? Gostou?
AB:
Pô, gostei pra caramba! Os dois shows foram ótimos. O da Lagoa do Iriry a galera endoidou, o público fica mais perto do palco. Ficas mais solto.

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