Por Eugênio Martins Jr
A verdade é que ninguém perdeu a oportunidade de faturar em cima da morte de Kurt. Milhares de páginas de jornais, revistas e centenas de matérias de televisão foram dedicadas à morte do artista. Para usar termos do mundo da música: amplificaram, distorceram e reverberaram o assunto ao máximo. Aqui no Brasil existia uma tal revista Showbiz que, volta e meia, dava um jeito de colocar Kurt na capa.
Nunca consegui entender porque tanta badalação em cima de uma banda de rock que havia lançado apenas dois discos bons, que foram Bleach (1989) e Nevermind (1991). Os outros, convenhamos, eram meia boca.
A desculpa de que as bandas de rock da época não eram tão boas quanto o Nirvana não cola. Poderiam não ter a mesma pegada punk/pop do que as porradas Smells Like Teen Spirit, Lithium, Stay Away, Territorial Pissings possuíam, mas esquecer de propósito R.E.M., Sonic Youth, Pixies, Screaming Trees, Mudhoney e Red Hot Chili Peppers é, no mínimo, falta de responsabilidade.
O R.E.M. era a preferida do próprio Kurt, o Mudhoney era a banda do elétrico guitarrista e cantor, Mark Arm, que está até hoje na ativa e lançando bons discos; e os Red Hot Chili Peppers foram os responsáveis por Uplift Mofo Party Plan (1987), Mothers Milk (1989), One Hot Minute (1995) e Blood Sugar Sex Magic (1991), um dos discos mais vendidos e mais bacanas dos anos noventa.
No mais, ser bom ou ruim no mundo pop é muito relativo. Em várias entrevistas, o próprio Kurt já dava mostras de insatisfação com o som da banda. Dizia não agüentar mais se “esgoelar” todas as noites e tal.
Sobra dizer que, o que os outros conjuntos de rock não tinham, era um front man com pinta de galã rebelde como era Kurt Cobain. Com olhos azuis e cabelos loiros ligeiramente despenteados, encarnava uma espécie de rebeldia juvenil de uma década que estava começando. A indústria cultural precisa de ícones para vender produtos.
Mas espera aí, esse visual também não era novidade. Nos anos 1970, a cantora Debbie Harry já havia encarnado o personagem. A ex-playmate, front woman do Blondie também usava os cabelos cuidadosamente despenteados e fazia cara de enfado para as câmeras muito antes do líder no Nirvana.
Como Kurt, tinha talento de sobra. Além de tantas outras músicas bacanas, ver e ouvir Debbie cantar Sunday Girl em francês era, é, e sempre será, uma delícia. Se ela tivesse morrido naquela época certamente teria virado uma lenda como Kurt. Mas não morreu. Ficou velha, engordou e o Blondie, que também gravou alguns discos legais, passou para a história do rock como mais uma banda entre tantas. O mesmo teria acontecido com o Nirvana se Kurt estivesse vivo hoje, gordinho, calvo e sem o mesmo fogo criativo.
Ao enfiar um cano de uma espingarda na boca e puxar o gatilho, Kurt, automaticamente, foi promovido de ídolo da música a mártir de toda uma geração, e o Nirvana o conjunto divisor de águas do rock. Ele deve ter tido lá seus motivos, não estou aqui para discutir o que leva uma pessoa a cometer suicídio.
Assisti ao famoso show do Nirvana no festival Hollywood Rock, em janeiro de 1993, em São Paulo, e não achei nada demais. Aliás, me perdoem as viúvas do Nirvana, achei uma bosta. Kurt entrou chapado e a certa altura os integrantes da banda trocaram de instrumentos e tocaram musicas que não eram deles. A apresentação não durou nem uma hora. No Rio de Janeiro foi pior, Kurt cuspiu várias vezes nas câmeras da Rede Globo - que transmitia o festival ao vivo - e ainda mostrou o pênis e se masturbou. Simplesmente ridículo. Melhores foram os outros shows do festival: L7, Alice in Chains e Red Hot Chili Peppers.
O que sobrou de tudo isso é que até hoje as pessoas à volta de Kurt brigam por seus espólios musicais e pela posse da verdade sobre sua vida. Sua mulher, Courtney Love, acabou com o conjunto Hole. Participou de alguns filmes de Hollywood e frequentemente aparece nas colunas de fofoca de maneira nada positiva. O baixista do Nirvana, Krist Novoselic, formou as bandas Eyes Adrift e Flipper, nada demais. Casou pela terceira vez, aprendeu a pilotar avião e virou ativista político. Dave Grohl fundou e está até hoje com o ótimo Foo Fighters, responsável por colocar nas paradas de sucesso mais músicas do que o próprio Nirvana.
Para Stephen King o castigo veio a cavalo, ou melhor, de automóvel. Em 1999, sofreu um acidente que quase lhe custou a vida. Foi atropelado em uma tarde de junho, enquanto caminhava por uma estrada do Maine. O autor de Carrie, a Estranha, A Hora da Zona Morta, Christine e tantos outros romances de suspense e humor negro que viraram best sellers e filmes, ficou muito ferido — teve um pulmão perfurado, fraturas múltiplas na perna direita, além do couro cabeludo lacerado e a bacia fraturada. Ele ainda guarda seqüelas do acidente — não é mais capaz de permanecer sentado por longos períodos. Tenho certeza que Courtney Love quando soube do atropelamento de King, lembrou da piada e caiu na gargalhada.
Por Guilherme Meduza
Costuma-se contar a história das artes por meio de seus movimentos pendulares, em recortes que enfatizam características por contraste e cria-se a impressão de homogeneidade entre movimentos e épocas, ignorando matizes importantes. E é isso que é preciso fazer para entender esse personagem e a sua importância.
O que era os EUA e o mundo na passagem para os anos 1990 e nos primeiros anos dessa década? Quem não recorda das cenas da CNN mostrando a primeira guerra no Golfo Pérsico, onde só era possível enxergar brilhos incandescentes verde-limão a cruzar uma tela preta; a perseguição ao carro de O.J. Simpson por Los Angeles; a AIDS matando ícones pops; a queda do Muro de Berlin e o ostracismo da discussão política bipolar?
No rock, as bandas de Los Angeles dominavam a cena com seus cabelos de poodle, suas letras sobre bebidas, mulheres, drogas e os famosos quebra-quebras em hotéis. Eles encaravam o personagem do roqueiro, pura imagem construída de fama, antes mesmo de serem famosos. Sobrava laquê, faltava profundidade, e muitos dos adolescentes tinham suas dores órfãs de uma canção.
A vida e morte de Kurt Cobain é fruto dessa época. É o início de uma revolução da relação da mídia com seus objetos, uma intensificação na invasão de privacidade que tem O.J. e o suicídio de Cobain como marcas. A derrocada do bloco comunista e a ascensão do neoliberalismo esvaziou as questões macro, como políticas, sociais e econômicas e possibilitou uma intensificação do pessoal e interno como público. Nessa mesma época o rap começa a mudar de polaridade, a diluir o discurso social e político para, aos poucos, chegar ao o que é hoje: a autopromoção por meio de bens, carros e mulheres.
O fim da guerra ideológica e de imagem faz desaparecer naquele momento não apenas a figura do jovem americano bem sucedido, mergulhado na abundância yuppie de Wallstreet. Mas também aqueles seduzidos por outro tipo de fartura, como o LA rock way of life, em que a diversão, as conquistas e os porres, embora opostos aos valores morais americanos, eram também sinais de abastança.
A maneira de ser jovem que desponta com o grunge, fortemente apoiado pela MTV, não se identifica com esses modos de vida, e constrói a imagem do “desencanado”, como a de um outsider semelhante ao que os beatniks e os hippies fizeram, porém com estéticas muito distintas. Isso pode ser percebido para além da moda, como por exemplo, com a preocupação técnico-musical dos dois estilos: a cena grunge – com raríssimas exceções - tinha como marca a despreocupação do punk, diferentemente da geração anterior, que era muito ligada à técnica musical apuradíssima. O grunge era a explosão caótica cheia de sentimentos e falta de esperança no futuro, algo de dentro para fora, justamente a antítese do hard rock do final dos anos 1980.
Essa também é a geração que sentiu a Aids de maneira mais arrasadora e desinformada, que teve limitada sua liberdade sexual, seja pelo medo da morte ou pela onda moralizante que a doença reforçou. Logo, o discurso sexual daquele rock se esvai junto. As drogas da moda também mudam: antes era a cocaína, a droga da festa e dos super-homens; agora a heroína, a opção pelo fugaz pico de prazer e o vício imediato na autodestruição solitária.
A explosão mundial de Nevermind, de 1991, não é apenas o último prego no caixão de uma fórmula de fazer rock que estava em alta no final dos anos 1980, mas é também o ressurgimento de um eu-lírico passional, cheio de defeitos e questões mal resolvidas, o que aproximava o Nirvana do público. Agora os ídolos se assemelhavam a eles, e a catapulta para a fama não os fazia serem melhores ou perfeitos, nem viverem um sonho em vida. Muito pelo contrário. Debaixo de drogas e fama, o líder do Nirvana queria desaparecer, como nas lendas sobre a morte de Elvis Presley e Jim Morrison, que para alguns fingiram seu próprio fim para sumirem no mundo.
Por ser mais real que os demais, Cobain se transformou em um ícone para os jovens que necessitavam de sinceridade para liberarem seus impulsos destrutivos ou autodestrutivos, e começou a ver sua vida assistida nos telejornais da noite e engolida pela fama que sempre negou. Cobain percorreu todos os passos dessa paixão, morrendo com um tiro na boca aos míticos 27 anos. Fez o que, no fundo, era o esperado. Quem é mito, querendo ou não, carrega consigo a tragédia como ato derradeiro e a eterna imagem de jovem.
Será que somos o superlativo desse tempo, só que sem um mito para se autodestruir no nosso lugar?
Ele não é propriamente um ícone pra mim - mas, sem sombra de dúvida, tem importante significado na musicalidade em minha vida.
ResponderExcluirabraço, boa matéria!
ps, se quiser pode ser meu seguidor no Apimentário, abraço.
Salve, Cristiano,
ResponderExcluirObrigado pelo comentário.
Quando apareceu, feito chuva de verão, com raios e trovoadas, o Nirvana deu uma lufada de ar puro no punk e no pop, não dá para negar.
Mas peraí, o punk e o pop já existiam, Iggy, Blondie, Pistols e afins.
Nirvana fazia bem o que eles já faziam antes.
abraço mermão
Eugênio Martins Jr