terça-feira, 16 de julho de 2019

Terrie Odabi solta a voz contra as injustiças

Terrie Odabi e Fred Sunwalk

Texto: Eugênio Martins Jr
Foto: Carlos Calado

Nós, os santistas, sabemos muito bem o que significa a palavra Gentrificação. Nasci aqui e na cidade vivi nos últimos 52 anos, acompanhando suas mudanças políticas, econômicas e culturais.
E a gentrificação aqui imposta – sim ela sempre é vertical -  mostra que quando o poder econômico não tem compromisso com os menos favorecidos, eles sempre são empurrados às margens de tudo: moradia, educação, infra-estrutura, saúde, cultura.
A cantora e compositora Terrie Odabi entende do assunto. Baseada em Oakland, cidade do litoral da Califórnia com quase 400 mil habitantes, considerada uma das mais perigosas do Estados Unidos por causa das gangues, Odabi conta em uma de suas canções, Gentrification Blues, como a cara da população local foi mudando com a chegada dos endinheirados do Vale do Silício.
Essas mesmas pessoas passaram a reclamar às autoridades e exigir que os eventos locais não tocassem mais blues e gospel, como se isso fosse possível. 
Terrie Odabi deu uma resposta no estilo don’t mess with the blues. Escreveu uma música daquelas barulhentas. Nos dois sentidos, canção e letra. 
Os novos vizinhos parecem desconhecer a origem do blues que, desde o começo do século 20, é a própria expressão de uma história de opressão, êxodo e resistência. Não há a menor possibilidade de o blues desaparecer.
Os trabalhos de Terrie Odabi são cheios dessas histórias. 
O EP Evolution of the Blues (2014) mostra como a cantora mergulhou de cabeça estilo musical centenário e como a sua ascenção está sendo rápida. Gentrification Blues abre o CD My Blue Soul (2016), seguida de slows blues sobre relacionamentos e o gospel poderoso Wade In the Water, sempre com o suporte preciso do guitarrista e produtor Kid Andersen.  
Trazida ao Brasil pelo organista Flávio Naves, Terrie Odabi participou de dez shows em bares e festivais, sempre acompanhada por Bruno Falcão (baixo) Fred Barley (bateria), Fred Sunwalk (guitarra) e o próprio Naves. Em um deles, com muita simpatia, me concedeu essa entrevista.


EM - Como foi a tua infância e como chegou ao blues? 
TO – Cheguei tarde no blues. Não cantava blues até seis anos atrás. Cantei jazz, world music, R&B e achava que o blues era para as pessoas velhas porque era o que meus pais ouviam. Mas percebi que tinha alguma coisa a dizer. E que pessoas da minha geração estavam fazendo carreiras no blues. Pensei, “também posso fazer isso”.

EM - Você cantou na igreja?
TO – Não até os trinta anos. Também fui tarde para a igreja. Como outras cantoras, não cresci na igreja. 

EM - Conhecemos Oakland e San Francisco pela cena hippie dessas cidades. Mas Canned Heat, as duas bandas de Janis Joplin, Holding Company e Kozmic Blues e finalmente John Lee Hooker e Etta James também fizeram fama nessa área. Como está a cena blues de lá?
TO – É interessante. Há muitos grupos concentrados na península, em Redwood City, San Mateo, San Jose, em South Bay. As turnês de grandes artistas passam pelos clubes de San Francisco. O Greaseland, estúdio de um dos caras mais importantes do blues atual, Kid Andersen, está lá. Foi onde meu CD My Blues Soul foi produzido.  

EM - Você está sendo comparada a Etta James, o que é um pouco pesado. O que acha disso?
TO – Primeiro. Não pareço em nada com Etta James. Tenho uma voz única e que você não ouve frequentemente...

EM – Talvez a comparação seja pela representatividade na cena local.
TO – Gosto de pensar o seguinte. Meu pai me mostrou a música de Etta James e eu realmente amo. Com o tempo passei admirar aspectos de sua carreira e me inspirar nela. Acho que ela deixou o seu espírito na área de San Francisco e talvez a minha abordagem seja como a dela. Adoro como ela selecionava o que cantava, mas não acho que pareço em nada com ela. (risos)


EM - My Blues Soul, seu álbum de estreia tem a produção de Kid Andersen. Como funcionou essa parceria?
TO – É muito fácil trabalhar com o Kid. Escrevi algumas músicas anos antes, mas quando mostrei ao Kid parece que ele entrou na minha mente e projetou o que eu esperava de cada canção. Ele toca vários instrumentos e é um mestre no que faz. Acho que fizemos um bom trabalho. 

EM - Houve um tempo em que blues e soul eram músicas de protesto. Uma banda de rock que vi fazer um protesto contundente contra a remoção de pessoas foi a nova iorquina Living Color em Open Letter to A Landlord. Você também escreveu sobre os problemas em sua vizinhança em Gentrification Blues. Gostaria que falasse sobre isso.  
TO – Pensei que estava escrevendo uma canção exclusivamente sobre a minha vizinhança em Oakland. O Vale do Silicone produz empregos de alto nível e traz pessoas com alto nível de escolaridade e muitas empresas se mudaram para San Francisco e Bay Area. Os proprietários sempre querem mais dinheiro, mas o que acontece é que a maioria das pessoas não trabalham nesses empregos com salários elevados. Eles acabam não tendo como viver no local onde nasceram. Eles não possuem suas próprias casas e algumas já passaram de um milhão de dólares, é uma média alta. Essa canção nasceu quando li uma matéria num jornal local sobre as pessoas que haviam mudado recentemente para o bairro estavam chamando a polícia para os frequentadores de uma igreja local que já estava lá a setenta anos. Já estávamos gravando o disco quando disse ao Kid que tinha escrito essa canção e ele disse “tudo bem, vamos fazer”. 

EM – É curioso, moro em uma cidade chamada Santos. E lá tem um bairro chamado Marapé que é o bairro do samba. De uns tempos pra cá a vizinhança tem mudado e está acontecendo a mesma coisa. Eles reclamam das manifestações culturais e querem acabar com isso. E a polícia está sempre disposta a intervir, é claro. 
TO – O que acho é que as pessoas que mudam para um local precisam tentar entender a cultura local e se esforçar para respeitar aquelas pessoas que já estavam lá. Eu cantei em um festival na Inglaterra e um rapaz veio para mim chorando e dizendo que aquilo também aconteceu com ele. Ou seja, isso acontece ao redor do mundo.


EM – Nesse momento em que você está no Brasil o Willie Walker também está fazendo uma série de shows por aqui. O que você acha disso? Quero dizer, os artistas de blues vindo tocar cada vez mais com jovens dedicados ao blues no Brasil?
TO – Me deixa muito feliz. Como uma afro-americana fazendo blues nos Estados Unidos nem sempre sou valorizada. Sinto-me bem ao ver como essas pessoas se dedicam a criar essa música. Você sabe, derrubando esses muros. E ver as pessoas no Brasil tocando e vindo aos shows em festival? Como afro-americana sinto que é um lugar onde posso ser o que sou.    

EM – É sua primeira vez no Brasil e esse é o sétimo show da turnê. O que está achando dos shows e dessa viagem?
TO – Uma coisa que eu amo sobre cantar é que eu adoro viajar. E gosto de ver como as pessoas vivem. Uma coisa boa sobre essa turnê é que viajamos muito de carro e pude conhecer diferentes locais do Brasil. Tenho sido tão bem tratada, estou tão honrada de estar aqui. A reputação dos brasileiros é conhecida. Todos que vêm tocar aqui falam sobre isso. A beleza das pessoas. De como gostam de música. 

EM – Teve algum contato com a nossa música?
TO – Ainda não. Mas sei que a música brasileira é muito tocada nos Estados Unidos. Sabia que nós temos carnaval em San Francisco?

EM – Brazilian carnival in San Francisco? Deve ser uma beleza. (risos)



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