Maestro Spok
Texto e fotos: Eugênio Martins Júnior
Frevo, maracatu de baque solto (interiorano) e maracatu de baque virado (urbano), coco, caboclinho, baião, ciranda. Mais que um estado brasileiro, Pernambuco é um estado de espírito.
E todas essas manifestações ganham visibilidade nacional no carnaval, o que não quer dizer que não aconteçam o ano inteiro no estado de espírito pernambucano.
Em sua passagem por Santos, em 04 de abril, o Maestro Spok explicou as formas de frevo e revelou estar “muito feliz” por poder tocar o frevo com seu quinteto fora do carnaval.
Criador da SpokFrevo Orquestra, o saxofonista Inaldo Cavalcante de Albuquerque (Spok), conversou comigo poucos minutos antes de subir ao palco da comedoria do Sesc Santos. A entrevista não saiu como eu queria porque foi realizada na correria entre a passagem de som e o show, mas consegui fazer algumas perguntas do meu roteiro para mostrar um pouco dessa cultura maravilhosa que vem lá do estado de espírito de Pernambuco.
Mas não tem problema, cheguei antes da passagem de som começar e só em ver e ouvir a lenda da percussão brasileira, Mestre Adelson Silva, tocar sua bateria já valeu a viagem.
Para quem quiser conhecer mais sobre os ritmos de lá, recomendo outras duas entrevistas desse blog:
Cordel do Fogo Encantado:
https://mannishblog.blogspot.com/2017/09/tambores-de-arcoverde-11022006.html
Amaro Freitas:
https://mannishblog.blogspot.com/2019/10/o-novo-jazz-da-capitania-de-pernambuco.html
Eugênio Martins Júnior - Como foi a sua infância musical?
Maestro Spok – Minha infância musical foi com meu pai e minha mãe, porque dei uma sorte de meu pai ser um boêmio, apaixonado pelas manifestações culturais. Demos a sorte de morar em uma rua onde passavam as manifestações pernambucanas, frevo, maracatu, troças, blocos, maracatu de baque solto, caboclinhos, pífanos, todas. No São João também. Meu pai tinha uma quadrilha junina. Então o universo do sertão pernambucano, nordestino estava sempre tocando na minha casa. Na época do carnaval minha casa era enfeitada e meu pai colocava os discos de carnaval. Lembro muito de Nelson Ferreira, Levino Ferreira, Claudionor Germano, Expedito Baracho. No São João e durante o ano, Luiz Gonzaga, os poetas populares, os repentistas, que são meus grandes ídolos. Então tudo isso estava presente. Minha infância foi assim.
EM – Isso já te encaminhou para a música?
MS - Não tinha intenção de ser músico. Meu sonho era ser poeta popular um repentista, mas no ginásio, na escola polivalente, entrei em uma sala de música o que me impactou. Com 14 anos consegui um saxofone. Com 16 fui para o Recife estudar no centro de atividade musical. E comecei a conviver com os mestres do frevo. Um instrumentista de sopro e percussão é logo jogado às ruas para trabalhar. Para ganhar os primeiros cachês. Passei a trabalhar com os mestres e os cantores locais.
De lá conheci artistas que trabalhavam fora de Pernambuco, como Antônio Nóbrega, Alceu Valença, Elba Ramalho e fui tocando com eles. Com o Antônio Nóbrega descobri que podíamos fazer nosso próprio trabalho. E montamos uma orquestra com o objetivo de tocar choro, Orquestra Tabajara, clássicos norte-americanos como Glenn Miller, Duke Ellington, os arranjos que conseguíamos. Depois com a mesma orquestra começamos a nos dedicar ao frevo, enxergar essa força.
Mestre Adelson Silva
EM – A força da música brasileira.
MS – Sim. Com o tempo gravamos nosso primeiro disco. As pessoas começaram a ouvir, os produtores se interessaram e passaram a nos convidar e estamos até hoje realizando vários sonhos. Tocando fora do carnaval, inclusive. Antes só se tocava frevo no carnaval. Com a orquestra pra cá estamos trabalhando e falando sobre frevo durante o ano todo. Como hoje, por exemplo.
EM – Assim como o Maracatu o frevo assume várias formas. Gostaria que falasse sobre isso.
MS – O frevo de rua é aquele só instrumental, sem letra. Como o choro. O frevo de bloco, muito possivelmente no começo do século passado os seresteiros deram o início. Acredito que eles viam as manifestações do frevo de rua, orquestras encontrando com orquestras, blocos encontrando com blocos, e criaram uma coisa simples. Para você poder entrar ali com sua família, suas crianças. Então os seresteiros criaram uma nova modalidade, o frevo de bloco, o qual é bem mais lento, com sua poesia, o lirismo do nosso carnaval, a saudade dos belos carnavais. E é tradicionalmente cantado por mulheres. E o frevo canção, cuja orquestração é a mesma do frevo de rua com naipe de metais, naipe de palhetas, percussão, base, mas com letra.
EM - Mestre Salustiano, Banda de Pífanos de Caruaru, Antônio Nóbrega, Cordel do Fogo Encantado, Maracatu, Frevo, e sem contar Chico Science e nação Zumbi e Mundo Livre S.A. E mais recentemente o Amaro Freitas. Pernambuco não é um estado. É um estado de espírito.
MS – É verdade. Pernambuco é um estado onde várias manifestações culturais nascem. E com todas elas tive a sorte de ter convivido. E poder carregar esse espírito que fala alto dentro de mim. É importante para me fortalecer artisticamente e culturalmente. Estando perto disso me sinto mais seguro.
EM - E o frevo não remete somente ao Carnaval serve também para a festa junina.
MS – Não. Frevo não acontece na festa junina. É praticamente zero. Na festa junina o que acontece é cada vez menos o nosso São João. Por conta do que se toca hoje em dia. Do que se divulga. No carnaval ainda há uma resistência. Mas o São João está com as portas escancaradas para o que não é de Pernambuco. Pode estar com as portas abertas, mas não precisa escancaram tanto, né?
EM – Explica isso um pouco melhor.
MS – O forró autêntico, digamos assim, perde cada vez mais espaço para as duplas sertanejas, para a música que se toca no Brasil e no mundo. Isso é triste. Acho que devemos receber bem quem é de fora. Até porque a gente também quer ir pra fora e ser bem recebido. Mas temos que cuidar um pouco mais da nossa cultura. Não pode servir o melhor para quem vem de fora. Temos que servir o melhor para a gente também. Não adianta ter a postura “aqui quem vem de fora vai sentar na melhor poltrona, vai comer no melhor talher”. Não parceiro. E você abre a porta para quem quiser vir. Mas não pode deixar de cuidar das suas coisas. Coisas sagradas, para o futuro principalmente. Para as gerações.
EM - Esse ato de criar uma orquestra de frevo parece uma ação de colocar o frevo em um lugar grandioso, como fez o maestro Letieres com sua Orkestra Rumpilezz na Bahia e o Proveta com a Banda Mantiqueira, ou mesmo a Jazz Sinfônica de São Paulo, procede?
MS – Isso. Para ser sincero a orquestra surge por causa de três momentos. Uma a chegada em Recife de um saxofonista virtuose que eu não conheci. Mas ele gravou uns solos, uns improvisos de Vassourinha e eu cresci ouvindo isso. Mas ainda não tinha despertado para montar uma orquestra com maior liberdade. Outro momento foi uma gravação de Ninho de Vespa, de Dori Caymmi instrumental. Depois foi que conheci a poesia de Paulo César e me encantei. O casamento perfeito.
Tanto que gravamos um disco com esse nome, dada a importância desse tema na minha vida. E outro momento para que a orquestra surgisse foi a Mantiqueira.
EM – Sério? Eu não sabia. Citei sem querer.
MS – Vendo o que a Mantiqueira estava fazendo com o choro, o samba, a música brasileira. Numa apresentação que dei uma canja pensei que poderia fazer aquilo com a nossa música também. Porque o choro é uma música tão brasileira e o frevo também. Talvez as duas músicas instrumentais genuinamente brasileiras, que nascem de forma instrumental. Letieres já me disse, pena que ele não está mais entre nós, “fizemos a nossa orquestra por causa da que vocês fizeram com o frevo”. Disse que chegou naquele universo das matrizes africanas, a força de fazer. O importante é ter esse olhar, né? Isso tem que ir para as escolas.
EM – E eu citei essas duas orquestras sem saber o que você iria falar. De verdade.
MS – Mas aconteceu. O Letieres me contou isso e eu conto com a maior felicidade do mundo.