Texto: Eugênio Martins Júnior
Foto: Marcos Rodrigues
Na passagem por Santos, dentro do Projeto Blues Ao Vivo, realizado pela Revista Ao Vivo, Projeto Jazz, Bossa & Blues e pelo Sesc, onde a banda se apresentou, os músicos autografaram CDs e DVDs, conversaram com o público e prometeram voltar em breve, assim que o próximo trabalho estiver nas lojas, o que não deve demorar. Segundo Igor Prado, o CD está quase pronto e deve sair no segundo semestre desse ano recheado de participações especiais.
Seguindo a linha dos álbuns anteriores, a banda aposta na busca dos timbres e ritmos clássicos, mas um pouco mais voltado ao jazz devido à entrada de Denílson. Essa entrevista exclusiva para o Mannish Blog foi realizada no dia do show em Santos, 1º de abril de 2009, mas Igor Prado garante que o que foi dito é tudo verdade.
Eugênio Martins Júnior: Fale um pouco sobre esse disco que está em fase final de produção.
Igor Prado: A gente acabou de gravar um disco com um cantor e gaitista das antigas, da Califórnia, que se chama Lynwood Slim. Acabamos de masterizar e vamos lançar no segundo semestre de 2009 por um selo americano. Queremos trazê-lo ao Brasil para os shows de lançamento e ano que vem a gente já tem também uma turnê engatilhada para a Europa. É um CD misturando blues, swing, jazz, explorando muito o saxofone por causa de um músico na banda, o Denílson Martins, que veio da escola do jazz. Então a gente faz aquela onda de blues/jazz, mas também tem bastante guitarra.
EM: E os convidados?
IP: Tem participações especiais do Donny Nichillo, um tecladista de Chicago que está morando em São Paulo, mas já tocou com Buddy Guy, Stevie Ray Vaughan, Carlos Santana. É ele quem faz o piano no disco.
EM: Esse CD foi gravado no Brasil?
IP: Foi gravado no Brasil no ano passado, em 2008, em São Paulo. Foi mixado em janeiro desse ano em Hollywood, na Califórnia, a terra do blues west coast.
EM: Já que você tocou no assunto, normalmente as bandas de blues brasileiras são influenciadas pelo blues/rock ou pelo blues de Chicago e o tipo de blues que vocês fazem é um blues muito influenciado pelo jazz. Como começou o interesse por esse som?
IP: Desde pequeno eu escuto muito rhythm and blues, meu pai tocava pra mim Chuck Berry, Little Richard e isso está perto de um blues mais “jazzy” do que um blues rock, um blues de Chicago ou um blues inglês. A gente adora jazz tradicional, swing, be bop e como montamos essa banda recentemente, com caras de jazz, estamos fazendo bem essa mistura. O Lynwood entrou como um crooner de swing mesmo, como se fosse uma big band. Tem o piano do Donny que também toca essa onda west coast, swing e rhythm and blues. Estamos indo muito para esse lado, começamos com a Prado com o lance da gaita, mas agora está entrando um saxofone e entrando um crooner americano. Um cara que foi um dos primeiros do jump blues da Califórnia, tem a mesma idade do Rod Piazza, ele é muito respeitado entre os caras da gaita de lá. Também é produtor. Ele produziu toda essa galera do jump blues dos anos 70: George Smith, Rod Piazza, Kim Wilson. É muita honra pra gente poder estar junto com esse cara, produzindo o disco e cantando.
EM: Além dessa pesquisa de ritmos, vocês também garimpam os instrumentos para soar como as bandas das antigas. Gostaria que você falasse um pouco sobre os instrumentos e sobre os equipamentos usados no palco e nas gravações.
IP: Esse lance que a gente faz 50% é o instrumento e 50% a forma que a gente toca. O Denilson, por exemplo, estuda como os caras tocavam nos anos 40, 50, a articulação dos caras, e isso influencia muito, não é só você ter o instrumento. Ano passado o Denílson comprou um saxofone da década de 30 e reformou. Eu uso a guitarra com captadores da época, eu tenho uma guitarra de 1959, isso ajuda muito nos timbres, mas é principalmente pesquisar a dinâmica que aqueles caras tocavam nos anos 50, que era muito mais baixo, não tinha PA alto, a concepção da banda era mais baixa. Não adianta querer tocar dando porrada. A música mudou muito nos anos 60 com a eletrificação dos amplificadores, eles ganharam mais volume. Antes era outro tipo de música, os caras tocavam em big bands nos anos 30 e 40 com 25 músicos sem “amplis”, imagina o contrabaixo acústico, imagina o batera, era muito mais técnico. Não que piorou ou melhorou a música, mas mudou a fórmula de fazer.
EM: E como o público de blues vê esse trabalho da Igor Prado, esse resgate. Um som diferente de tudo o que está rolando no Brasil?
IP: A gente mistura muito. Coloca rhytmn and blues, rock and roll dos anos 50, é legal dosar isso. A gente faz uma coisa pra frente, não tem nada “deprê”, não tem nada muito cabeça. É o jazz que os caras tocavam nos anos 50, mais pra galera dançar e não para os músicos de jazz. É música pra galera se divertir. Também é outra coisa que mudou na música, a partir dos anos 60 o jazz ficou muito cerebral, né? Virou música para músico ouvir, mas antes não as pessoas queriam se divertir, queria dançar e é o que a gente quer fazer.
EM: Uma música descompromissada, mas com qualidade?
IP: Exatamente, tanto que a galera do rock vai atrás dos nossos shows.
EM: Como começou a Igor Prado Band? Fale sobre essa formação atual?
IP: Começou comigo e com o Yuri Prado. Nós tocamos com a Prado Blues Band, mas a gente queria fazer uma coisa mais jazzy, mais misturada. Chamamos o Rodrigo Mantovani, que toca muito bem baixo elétrico e começou a estudar o lance do baixo acústico no blues, que também é diferente do baixista de jazz moderno tocando. Ele começou a tocar o acústico ouvindo os baixistas de blues. Já o Denílson nós vimos tocando e pensamos: “Opa, vai dar jogo aí”. E começamos os quatro, até lançar o disco. Tudo paralelo com a Prado.
EM: A Prado Blues Band acabou?
IP: Não, mas está dando um tempo porque o Marcinho, o gaitista, também está com um projeto solo de Chicago blues. Ele gravou um disco chamado “A Voz de James Cotton”, lá em Chicago o ano passado. Ele foi para um lado um pouco mais pesado e nós fomos para o lado do west coast blues.
EM: O que a gente tem visto nos últimos anos é que os músicos brasileiros têm ido cada vez mais aos Estados Unidos para pedir a benção aos gringos. Mesmo sendo um músico que se adapta fácil. Parece que o brasileiro quer esse aval dos blueseiros norte-americanos. Vocês já fizeram esse caminho, conte como foi esse processo.
IP: Há três anos um disco da Prado foi lançado por um selo da Califórnia chamado Pacific Blues. O produtor da Jamie Wood e do Johnny Rover, que é o Jerry Hall, e dono da gravadora, estava na casa deles quando eles tocaram o nosso primeiro disco e disseram que era uma banda brasileira que está começando. O cara gostou e mantivemos o contato até gravarmos o CD Blues and Swing, que teve a participação dos dois. Fizemos intercâmbio, adquirindo experiência. Em 2007 eu lancei lá o meu disco solo Upside Down que acabou sendo eleito pela Real Blues Magazine como o sétimo disco de blues do ano de blues tradicional. Deu maior “up” pra gente, na terra do blues (risos).
EM: Qual é a periodicidade que vocês viajam para os Estados Unidos? É muito difícil arrumar datas por lá?
IP: Mais ou menos uma vez por ano. Não é difícil, não. A gente está querendo fazer uma turnê com a banda inteira por lá. Na Europa já é o terceiro ano que a gente vai.
EM: Onde são os shows?
IP: Na Califórnia. Dividi o palco com o Lynwood Slim. Toquei com o batera que tocava com Little Richard, chamado Richard Inez. Toquei em uns quatro ou cinco bares lá nos Estados Unidos, no sul da Califórnia.
EM: E Chicago?
IP: Esse ano eu quero ir pra lá pra fazer alguns contatos. Quero ir ao festival que é na primeira semana de junho. São cinco dias de blueseira da pesada. Estou louco pra ir.
EM: E fora do eixo Rio-São Paulo, você conhece muita banda de blues. Acho que as mais conhecidas são o The Not Yet Famous Blues Band, de Goiás, e o Álvaro Asmar, da Bahia.
IP: Cara, tem uma banda de blues do Sul, The Head Cutters, eles gravaram um disco tocando a onda de Chicago só que dos anos 50: Little Walter, Sonny Boy (Willianson), muito boa a banda.
EM: Com André Christovam, Nuno Mindelis, Blue Jeans e todas as bandas que vieram depois, dá pra dizer que existe uma cena blueseira no Brasil?
IP: Tem sim, tem uma galera nova mandando bala. A própria galera que vai tocar aqui, o Big Chico, o Róbson. Uns caras que estão com algum reconhecimento lá fora.
EM: Gostaria de voltar ao lance dos instrumentos. Como faz pra arrumar essas raridades?
IP: Tem duas formas, ou você vai buscar lá fora ou compra via E-Bay pelo correio e reza pra alfândega não parar e te cobrar quarenta por cento. (risos)
EM: Indo lá acaba saindo mais barato?
IP: Cara, lá é muito barato. Lá tem loja de amplificador cheio de pó, virado para a parede, a 900 dólares. Aqui no Brasil os caras querem oito, dez mil reais. Um absurdo. Às vezes vale mais a pena pagar a passagem de avião e trazer o equipamento.
EM: Conta essa história do saxofone, Denílson.
Denílson Martins: O Igor estava adquirindo um amplificador e eu aproveitei para escolher um sax pra mim. Estava vendo uns no E-Bay, uns “vintages” 1940, 60. Um amigo do Igor que estava fazendo esse intercâmbio falou que tinha uma loja perto da casa dele e disse que se tivesse alguma coisa legal ele vinha e dava um alô. Ele voltou com um monte de fotos de um Selmer Bluscher, de 1930, uma raridade. O dono da loja não sabia mais o que fazer com o sax, estava encostado. Na hora eu me decidi: “Vou pegar, quanto é que tá? Pode mandar.” Foi assim. Saiu U$1.400, mais os custos dos fretes e peso de bagagem, em quinze dias eu estava com o sax.
EM: Precisou de reforma?
DM: Não, ele já veio no grau. Completinho, sapatilhado. Veio sem boquilha, mas isso a gente compra em São Paulo.
EM: É esse instrumento que você vai tocar hoje?
DM: É esse mesmo, um vintage.
EM: Fale mais um pouco desse lance de você estudar o som que os caras faziam nos anos 40 e 50.
DM: Cada saxofonista ou músico tem a sua característica e quando você está aprendendo tem de ter a manha e o bom gosto de sacar qual você vai querer estudar. Você pode adquirir o jeito do Charlie Parker ou do Kenny G. Você tem de buscar um meio termo, também não pode ficar focado em um ou em outro. Hoje é um pouco difícil de achar a sua voz porque tudo já foi inventado.
EM: E quais são as suas principais influências?
DM: No blues é o Louis Jordan que, mesmo sendo um saxofonista de alto, tem essa característica de blues tradicional. No jazz moderno o John Coltrane. Tem o Coleman Hawkins, o Sonny Stitt, o Charlie Parker, Lester Young, uma lista enorme de gigantes.
EM: E você Igor, quais as suas influências?
IP: No swing é o Charlie Christian, o Tiny Grimes, que não é muito conhecido e tocava com o Charlie Parker. Barney Kessel, isso no jazz. No blues eu gosto de tudo, Otis Rush, Albert Collins, Buddy Guy, T. Bone Walker, Eddie Taylor, Pee Wee Crayton. Dos novatos eu gosto de um cara chamado Junior Watson, que tocava com o (Rod) Piazza. Esse cara tem uma característica própria. Ele toca as coisas refinadas de um jeito tosco, como se fosse o Albert Collins tocando um tema do Charlie Parker. O John Mayer também é legal, puta qualidade.
EM: Você conhece um guitarrista chamado Doyle Bramhall II, é americano?
IP: Porra, adoro? Toca igual a mim, com a (corda) “mi” pra cima, o braço invertido. Esse cara é muito bom. É uma onda diferente da minha, mas adoro; tocando e cantando.
EM: Vocês ainda compram CDs?
IP: Não, a gente é da geração de baixar discos (risos). É difícil a gente achar coisa que a gente gosta, pra comprar porque a gente gosta das coisas mais antigas. Temos amigos da Europa que trocam CDs com a gente.
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