terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Atualmente Henry Butler é o maior representante da tradição do piano blues de New Orleans


Texto e fotos: Eugênio Martins Jr

Localizada no estado da Louisiana, colonizado pela França e que passou ao controle dos Estados Unidos em 1803, New Orleans é uma cidade sui generis por carregar toda uma tradição cultural e de costumes diferentes do resto do país.
A Louisiana possui em seu território o grande delta do rio Mississippi, ao qual boa parte da economia do estado está atrelada. Além de sofrer a influência dos ritmos do estado vizinho homônimo ao rio, sofre também a influência dos ritmos caribenhos. E é aí que a coisa engrena.
Henry Butler faz parte da tradição de pianistas de New Orleans que inclui Cousin Joe, Archibald Smiley Lewis, “Champion” Jack Dupree, Pinetop Perkins, Professor Longhair, Fats Domino, Dr. John e mais uma miríade de alquimistas das notas.
Nascido e criado na big easy, Butler começou a tocar nos clubes locais aos incríveis seis anos. Ao mesmo tempo que freqüentava a State School For the Blind, na vizinha Baton Rouge, tomava aulas de piano, bateria, saxofone barítono, e trombone de válvula. Mais tarde estudou com Cannonball Adderley e seu grupo de veteranos e também com George Duke. Mas sua grande influência é o clarinetista de jazz Alvin Batiste que o instigou a pesquisar a música de de John Coltrane e Charlie Parker.
Dono de uma discografia antológica com os álbuns Fivin’ Around, The Village, Orleans Inspiration, For All Seasons, Blues After Sunset, The Game Has Just Began e Voodoo Menz - esse último em parceria com o cantor e guitarrista pesquisador de afroritmos, Corey Harris - tornou-se uma lenda local.
Como diria Joseph Climber, a vida é uma caixinha de surpresas e Butler foi expulso de New Orleans pelo furacão Katrina em 2005. Cego de nascença, a tragédia fez com que o músico se afastasse da sua amada cidade em busca de uma melhor qualidade de vida.
As mãos grandes e voz forte contrastam com a gentileza no trato. Henry Butler foi um dos convidados da edição 2012 do Bourbon Street Fest, onde rolou Tipitinas, Let it Roll, Tee Na Na, C C Rider e outras coisinhas gostosas de se ouvir
Aproveitei para fazer uma entrevista com Vasti Jackson que o acompanhava na guitarra. Logo publico.  Agradeço a amiga Nane Cardoso que me colocou dentro do camarim do homem.




Eugênio Martins Júnior - Como Pinetop Perkins, Dr. John, Professor Longhair e outros, você é parte da grande tradição de pianistas de New Orleans. Gostaria que falasse sobre isso.
Henry Butler – Bem, sou considerado um dos últimos expoentes dessa tradição. Sou uma das poucas pessoas que conservam alguns artifícios musicais do repertório de New Orleans. Acho que sou apenas um estudante da música, toco no estilo New Orleans, jazz, be bop, post bop. Também tenho feito algum rock and roll e outras coisas.

EM – New Orleans é um estado que foi colonizado pelos franceses e é situada perto do Golfo do México sofrendo a influência dos ritmos do Caribe. Fale-me sobre o clima musical da cidade e sua infância.
HB – Quando criança era só sair de casa para ouvir muita música nos bares e clubes noturnos das redondezas. Além disso, podíamos ouvir as pessoas praticando em casa e ensaiando nas escolas de música. Havia música por todos os lados. Sofri muito essa influência. Você sabe, essas pessoas não se tornaram conhecidas nacionalmente, mas eram ótimos músicos locais. Provavelmente melhores do que muitos astros.

EM – Como você desenvolveu sua conhecida habilidade de improvisação?
HB – Meu primeiro modelo como um garoto cego foi Robert Eugene Powell que freqüentava a Louisiana State School To the Blind que ficava em Baton Rouge. Esse cara podia tocar música clássica, blues, jazz e outros estilos musicais. Naquela época estava na sexta ou sétima série, então quando me graduei viajei para o estado de Michigan e outros e vi que os músicos só tocavam um estilo e eu não sabia disso. Em New Orleans você tem de tocar todos os estilos porque é o único modo de ganhar a vida.


EM – Seu primeiro trabalho solo, Fivin’ Around, é o encontro de um time dos sonhos, quero dizer, Charlie Haden, Billy Higgins and Freddie Hubbard. Conte como foram aquelas sessões de gravação. 
HB – Ohh, muito divertidas. Não via Billy Higgins por alguns anos e Charlie Haden conheci apenas um ano antes das gravações. Haden ficou tão fascinado com o que eu estava fazendo que me ajudou na hora de fazer um contrato com a gravadora. Fizemos algumas gigs com Pat Metheny. Billy Higgins é como um pai pra mim em alguns aspectos. Viajamos por toda Costa Oeste antes de gravarmos o disco e as coisas que estão lá nem são as melhores. Um dia, durante as sessões, o produtor mandou a gente parar dizendo que não íamos usar nada daquilo, ele era usuário de cocaína, ficamos puto e tivemos de gravar tudo de novo. Vou ser sincero, as coisas que foram publicadas estão boas, mas não foram as melhores que fizemos.      

EM – Vi o documentário The Music's Gonna Get You Through, onde você ensina música a jovens cegos e como lidar com as dificuldades. Gostaria que falasse sobre isso. 
HB – Comecei a fazer oficinas por todo o país. Em 1993 decidi que deveria trabalhar com jovens cegos. Convidei uma administradora e colocamos em prática um plano para fundar alguns campos esses adolescentes. Começamos em 1994 e foi um sucesso. Fizemos algo único até 96 quando minha mãe morreu e eu tive de voltar a New Orleans. Voltamos a fazer um campo lá entre 2003/05 quando o furacão Katrina destruiu as instalações. Então, eu também me mudei de New Orleans porque a minha casa também foi destruída pela tempestade.

EM – Você tem um lado artístico que poucas pessoas conhecem que é a fotografia. Quando e como você começou com esse trabalho?
HB – Comecei tirando fotos em 94 quando comecei a frequentar muitas exposições fotográficas, artes plásticas e de esculturas. Decidi que queria ter um maior entendimento sobre essas artes. O que as pessoas viam? Percebi que teria mais entendimento se começasse a tirar fotos eu mesmo. Se eu colocar uma fotografia em frente aos seus olhos você verá uma coisa. Se eu colocar a mesma fotografia em frente aos olhos de outra pessoa ela com certeza terá outra percepção. Tudo passa pelo seu desenvolvimento intelectual, pela sua cultura e pelo seu entendimento das cores. Cada cor representa uma freqüência, cada cor representa certas vibrações, cada cor representa certo nível de energia. Quando a energia muda, a cor muda.




EM – Como o furacão Katrina influenciou a sua vida e a sua música?
HB – Isso é fácil de responder. Minha casa foi destruída, a maioria das minhas gravações (masters) foram destruídas, minhas fotografias foram destruídas, perdi a maioria das minhas roupas, perdi meu piano, quase tudo. Mas todo desastre também traz mudanças e o Katrina me mostrou que não devo ser tão apegado aos bens materiais.

EM – E o festival. O que você está achando? Teve a oportunidade de andar por aí, conversar com as pessoas e ver as outras atrações?
HB – Adoro festivais, porque a maioria das vezes você houve pessoas que normalmente não teria oportunidade. Você sabe, a maioria dos músicos vive viajando e quando eles se juntam surgem muitas ideias boas. Novas propostas. Adoro viajar e tocar em países como o Brasil, onde a cultura é muito diferente da nossa. Adoro estudar sobre diferentes culturas e folclore dos países. Por isso estou feliz em estar aqui, não é a primeira vez que estou aqui, mas estou muito feliz e espero voltar logo.


2 comentários: