sábado, 22 de dezembro de 2012

A história de Maurício Einhorn se confunde com a história da harmônica no Brasil


Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Cezar Fernandes e Eugênio

 Maurício Einhorn é uma enciclopédia viva. São muitas informações armazenadas em uma só cabeça. Portanto não estranhe se no meio de uma resposta ele se lembre de alguma outra coisa que não tem nada a ver com a pergunta e desvie do assunto. 
Por causa disso, a entrevista que era pra durar meia hora, durou duas. Umas das coisas que me levou a demorar tanto pra publicar. Entrevistar é muito prazeroso. Transcrever, nem tanto.
Só não demorou mais porque uma equipe de TV estava esperando para gravar, mas deu azar de estar atrás de mim. E só paramos quando sua esposa interveio.
Autor de temas clássicos da bossa e da música brasileira como Sambop, gravada em 1959 por Claudete Soares no LP Nova Geração em Ritmo de Samba; Estamos aí (parceira com Durval Ferreira e Regina Werneck), gravada por Leny Andrade; Tristeza de Nós Dois (parceira com Durval Pereira e Bebeto); Batida Diferente, Nuvem e Clichê (também com Durval Pereira), "SamBlues" (com Durval Pereira e Regina Werneck) e muitas outras.
Tocou com Vitor Assis Brasil em e atuou em várias gravações de Chico Buarque, Claudete Soares, Gilberto Gil, e participou de diversas trilhas sonoras. Tornou-se uma lenda viva no instrumento.
Em Rio das Ostras, onde essa entrevista foi realizada, Maurício apresentou todos esses temas com uma banda composta por Kiko Continentino ao piano, Clalton Salles (Neguinho) bateria e percussão e Jefferson Lescowich no contrabaixo acústico. Nem a chuva torrencial molhou o prazer de ouvir o gênio do instrumento em ação.




Eugênio Martins Júnior – Você herdou de seus pais a afinidade pela harmônica. Então, desde criança está envolvido com o instrumento. Nunca praticou outra atividade na vida a não ser a música?
Maurício Einhorn – Tive várias outras atividades. Fiz fretes com Kombi, trabalhei em loja de móveis em Niterói e no Rio de Janeiro, trabalhei em loja de tecidos pra cortinas, fui gerente da drogaria Silva Araujo nos anos 60 e simultaneamente gaitista. Comecei a vida profissional de músico em 1947, aos 15 anos. Fiz tudo isso simultaneamente, ganhando cachês e exercendo outras atividades, até que em 1971 assumi a música.

EM – Até então não dava pra viver da música?
ME – Não dava. Até a pessoa adquirir um conveniente status em qualquer ramo, tem primeiro que plantar, se dedicar, e nem sempre a recompensa vem. É preciso ter um pouco de sorte e precisa estar escrito que a pessoa vai deslanchar, como se diz. Isso acontece em todas as profissões e não é diferente na música. Uns brilham mais que outros e nem tudo é gratificação, é dinheiro. Há coisas, como por exemplo, essa noite aqui em Rio das Ostras, tocar pra um público apanhando chuva. A chuva molhando todas as minhas gaitas e ninguém arredou o pé. Não há uma sensação mais gratificante. Eu não me dou o direito de me sentir estrela. Não. Aquela quantidade de pessoas, oito, dez mil que saíram de suas casas, isso não tem preço. Aí que entra aquela verdade quando dizem que os músicos não se pertencem. Nós pertencemos mais ao mundo, ao público, ao aplauso. Não tem coisa melhor, é a adrenalina do músico.

EM – Quando foi o seu primeiro trabalho profissional?
ME – Foi nas Gaitas Hering, patrocinadores de um programa exclusivo de gaita na rádio Tupi, em 1947, ao lado de um gaitista chamado Manoel Xisto (Fred Willians). Sem eu saber, meio que meu professor, aprendi com ele a dar aulas para crianças de 3 a 6 anos vendo seu método. É uma soma na vida da gente, nos sentirmos úteis, deixar para os outros as coisas que a gente aprende. Ele era um dos representantes da gaita do tempo de Edu da Gaita, um pouco mais velho. Tinha oito anos a mais do que eu que sou de 1932. O Edu da Gaita, que merece uma menção especial aqui, foi o pioneiro na gaita no Brasil, estudou Moto Perpétuo onze anos, apresentou-se, mas não teve a repercussão mundial que mereceu. Deveria, por que é um fato inédito tocar uma peça difícil pra violino, do Paganini, em harmônica de boca. Edu é uma referência. Assim como é o Stênio (Mattos, organizador do Rio das Ostras Jazz e Blues) no mundo do jazz. Também sou grato à Aninha, esposa do Mauro Senise, que me indicou pra estar aqui. E ao trio do Kiko Continetino que ensejou essa cozinha maravilhosa de ontem à noite.

EM – Aproveitando a deixa. Fale sobre os músicos que o acompanharam.
ME – Tenho afinidade com uns quatro ou cinco grupos. A gente procura tocar sem genialidade. Na hora que estou improvisando, o cara se coloca como acompanhante. Eu paro e ele tem o momento dele. Eu não me sinto liderando. O quarteto sou eu mais o trio do Kiko, com ele próprio ao piano. O Clalton Salles (Neguinho), na bateria e percussão, e o Jefferson Lescowich no contrabaixo acústico. É muito prazeroso, assim como é tocar com o Alberto Chinelli, o Luiz Alves e João Cortez. Dois baixistas tocam com o Kiko, o Luiz Alves e o Jefferson. E outros eventualmente.


EM – Quais as referências do Maurício Einhorn quando começou a tocar choro e jazz na harmônica cromática no Brasil. Ou não havia, teve de criar uma linguagem própria?
ME – Tinha algumas referências. Ouvia muito Jacob do Bandolim, mas me influenciei muito mais com o Valdir Azevedo por afinidade, com quem eu toquei. Embora já atuasse como profissional há dois anos, toquei como calouro no programa Pescando Estrelas de Arnaldo Amaral, com o locutor que viria a ser o representante de samba e mulatas e shows para turistas, Osvaldo Sargentelli. Ele era o interlocutor entre eu e o público. Anunciava o próximo calouro e lá vinha eu. Se não me falha a memória era na Rádio Clube do Brasil, no Cine Arte Trianon, na Av. Rio Branco.

EM – E qual era o repertório?
ME – Era o que saia do forno. Eu estudava feito um tarado em casa pra tocar na gaita músicas que eram de cavaquinho. Assim como o Hamilton de Holanda, que é um gênio, no bandolim. E o Gabriel (Grossi), é uma espécie de Hamilton de Holanda na gaita. É outro louco, meu ex aluno, en passant. Toca muito.

EM – Mas gostaria de voltar na questão das referências. Você falou no choro...
ME – Desculpe, eu esqueci. É que são tantas informações e todas prazerosas. Ouvi Verdi, As Quatro Estações, Bach. Há peças de Bach que eu curto muito, mas nunca toco em público. Acho que não tenho o direito de “jazzificar” peças de gênios daquela época que são eternos. Como por exemplo, a Ária da Quarta Corda em Ré, Jesus Alegria dos Homens, coisas de trezentos e muitos anos passados. Bach tinha muitos filhos, quatorze ou quinze se não me engano. Além disso, tinha outros filhos que eram os acordes. É um precursor inesquecível e eterno. Estamos em 2012 e ainda apreciamos a obra de Bach. Bem, nossas influências contemporâneas, como já disse, é Jacob e Valdir Azevedo, música brasileira. Cantores, Orlando Silva, Francisco Alves, a Rádio Nacional, a orquestra de Radamés Gnattali, o maestro Chiquinho, o saudoso Chiquinho do Acordeão. Tive a oportunidade de estar com ele em diversas gravações em estúdio. Junto com Sebastião Tapajós, que é um artista do violão clássico e popular que vive lá em Santarém. Compus com ele umas quarenta músicas, quinze gravadas e as outras vinte e cinco são inéditas. Estou dando outras abordagens, mas não esqueci o que você perguntou. A gente vai selecionando e ficando com poucas metas de repertório e estilo. Então, fui definindo a minha preferência. Aprendi a desenvolver chorinhos na harmônica. Como exemplo, Odeon de Ernesto Nazareth. Ouvi Villa Lobos, mas me afinei com executantes de choro. Ouvi coisas antes do choro, como o maxixe, que contribuiu com a formação do samba. Li enciclopédia de Jorge Guinle sobre jazz. Me vi mencionado em livros de jazz no exterior, coisa de uns quinze anos pra cá. Compensa muito. Não estou me exibindo, é que é muito gratificante, depois de tantos anos dedicados à música ver que meu nome não passou despercebido. Entra num somatório. Isso até me emociona.

EM – O Brasil hoje conta com uma profusão de gaitistas, tanto na gaita diatônica, quanto na cromática. Como você vê o florescimento do instrumento?
ME – Concordo. Vou resumir isso em duas palavras de minha parte:  missão cumprida. E não me queixando, “missão comprida”. Porque é uma lista de muita gente que me deu a honra de ter captado a minha experiência. Espero que não só como músico. Mas também lições de vida. Toquei com o Nelson Aires, muito importante. Tive vários ídolos na gaita bem antigos, Borrah Minevich. Segundo uma contracapa de um LP de dez polegadas, Borrah Minevich falava que meio mundo toca harmônica e meio mundo gostaria de tocá-la. É um exagero, mas faz algum sentido. Ele fez uma participação em um filme chamado Always In My Heart, cuja composição é de Ernesto Lecuona. Um filme inesquecível com Kay Francis e Walter Houston, pai do diretor John Houston.




EM – (risos) Então, e como você vê essa profusão de gaitistas? Muitos influenciados pelo blues.
ME – É verdade. Isso é uma coisa natural, porque no século dezenove o jazz sofreu influências bastante perceptíveis oriundas da África, assim como o nosso samba. O choro foi influência da Europa, da música francesa e outras origens. Mas o maxixe, o samba, a bossa nova a base é a África. Os cantos dos negros africanos geraram a improvisação, seja cantando, ou em batuques, na comunicação, via tronco de árvores. Verdadeiros telegramas sonoros da época. Geraram interesse na América e no Brasil. E o Brasil por sua vez capturou influências norte-americanas do jazz. Na minha infância, nos bailinhos, costumava dançar ao som de orquestras de Tommy Dorsey, com um crooner chamado Frank Sinatra, que viria ser famosíssimo, tanto na música quanto no cinema. Ouvia outros cantores, como o Bing Crosby. Eu estava em Friburgo com meus pais e havia um sucesso de 78 rotações que se chamava Bahia, Na Baixa do Sapateiro, cantado pelo Bing Crosby. Do outro lado era You Belong to My Heart, em espanhol, Só Lamente Una Vez. Eu tinha 13 anos de idade, em 1945, e já fiquei fã do Bing Crosby, a voz de tenor. Em seguida o Frank Sinatra jovem já fazendo sucesso. As jovens rasgando sua roupa como aqui no Brasil rasgavam a roupa do Cauby Peixoto. O preço da popularidade. Isso tudo foi formando as minhas preferências. Ouvia também as orquestras de jazz. Em 1950 ainda ia servir o exército no forte de Copacabana, quando ouvi a orquestra de Stan Kenton, Maynard Fergunson, o trompete mais agudo do mundo. E os arranjadores da banda do Kenton. Tudo isso faz parte do meu acervo. Às vezes eu tenho de te pedir pra me interromper e me perguntar de novo que eu esqueço... (risos).

EM – Não tem problema. Nós temos espaço.
ME – Eu sou assim. Preciso assimilar pra compensar a dificuldade de leitura. Eu fui testado pelo Idris Bodriaux que pra mim é um dos sax alto mais importantes do mundo. E que me testou com cinco ou seis páginas, escreveu as divisões, e eu cantarolei tudo. Respondi ritmicamente tudo correto, mas tenho barreiras, tenho limitações. Mas também tenho uma ânsia de citar as coisas. Vi filmes importantíssimos. Não tenho muita paciência pra ler. Já folheei enciclopédias. Biografias de músicos como Charlie Parker, que é o gênio da música popular de todos os tempos, e alguns que fizeram a escola Charlie Parker, como Phil Woods e principalmente Cannonball Adderley. Tive a honra de ter músicas gravadas por ele, junto com o Bossa Rio, Sérgio Mendes. Sérgio que foi muito importante, toquei com ele no Bottle’s bar, no Beco das Garrafas.

EM – Você pegou o início da Bossa Nova, fale sobre isso.
ME – Peguei nascendo e compus muitas músicas na bossa nova e músicas chamadas de samba jazz. Mais do que bossa nova. Tenho umas bossas como Batida Diferente, com o saudoso Durval; Sambop, Estamos Aí, Tristeza e Nós Dois. Sambop foi carro chefe da Leny Andrarde e Estamos Aí também, mas quem gravou primeiro foi Claudete Soares, xará da minha esposa. Acho eu que a Claudete Soares teve um papel importantíssimo e devido à mudança dos valores musicais de todos os países acho que ela foi um pouco injustiçada. Omitida no tempo. Porque os gostos, os modismos, as roupas e a música não podia ser exceção.    

EM – Mas a boa música nunca morre.
ME – Aí é que está. No fundo eu queria dizer isso, no fundo a música nunca morre. Fiquei amigo do Tom Jobim, tenho de citar alguma uma coisa em gratidão ao Tom. Um dia ele me ligou e perguntou como se soletrava o meu sobrenome, aí eu disse pra ele e perguntei porque. Ele disse que a Ella Fitzgerald gravou na América Um Abraço em Tom, até comprei o importado porque ele disse que ia citar o meu nome, o gaitista chamado foi o Toots Thielemans que eu conheço desde 1962. Me perguntaram ali no café se eu conhecia o Toots e eu disse: “Eu só conheço o Toots Thielemans”. Conheço quinhentos gaitistas, mas o que me toca mais, que me influencia é o belga. Daí o Tom me perguntou se eu gostaria de me corresponder com ele e eu disse que não acreditava. E ele: “Mas é o que vai acontecer, me dá o teu endereço”. Depois de um mês recebo uma carta, primeira de mais de duzentas, inúmeros telefonemas e troca de discos. Ficou sendo um irmão meu da harmônica com dez anos a mais. Ele está com noventa anos e na ativa.

EM – Essa ia ser a minha próxima pergunta, mas tudo bem.
ME – (risos) Eu não sabia, não estou vendo o teu papel. O Toots foi uma paga tão grande quanto vai ser agora o Kenny Barron, outro ídolo. O Oscar Peterson veio ao Brasil e eu fui lá com oito capas pra ele autografar, tocando com Joe Pass, mas ele autografou só duas e ele me disse: “Maurício I’m sorry, I’m tired. I need to sleep a little bit. Two is enough?”. Eu disse mais do que isso. Depois de cinco anos fui ao Teatro Municipal, onde ele tocava sozinho e contei a história e ele me perguntou se eu havia levado as outras seis pra ele autografar.




EM – Só pra voltar um pouco no Toots Thielemans, ele completou noventa anos agora em abril e eu vi uma entrevista com ele em Nova Iorque e estava tocando Retrato em Branco em Preto de uma forma maravilhosa, daquele jeito. Gostaria que você falasse sobre a paixão do Toots pela música brasileira. Vocês conversavam sobre isso?
ME – Na época que ele gravou com a Elis eu estava com a loja de discos no Edifício Condor lá no Largo do Machado, e em uma das duzentas cartas que nós trocamos ele me disse que estava com a Elis e seus rapazes. Ele tratava os músicos assim e o Roberto Menescal escreveu e a Elis também. A Elis conheceu antes de mim, eu falava muito dele, mas não nos conhecíamos pessoalmente, isso foi em 1967/68. Não tenho certeza se a gravação foi na Suécia para a Philips. Em seguida, veio outra carta do Toots e a Elis escreve: Morra de Inveja”. Tenho isso tudo em uma pasta, documentado. São os prazeres da vida de músico.

EM – E a história com o presidente João Figueiredo? É verdade que ele era gaitista amador? Vocês chegaram a tocar juntos?
ME – Era. Tocamos na Granja do Torto, em Brasília. Um fato curioso é que ele tinha toda uma segurança pronta para garantir a integridade do presidente. Então, eu tinha uma pasta com umas quinze gaitas, uma das quais uma Honner que o Toots se apaixonou pelo som, mas vinte por cento era o meu sopro mesmo, e ele me perguntou se eu vendia aquela gaita. Eu não sou mercenário, não ia vender uma gaita para o meu ídolo e disse que a gaita era dele. E eu carreguei no meio daquelas que eu tinha lá, e eu acabei presenteando o presidente com a gaita que o Toots me deu. Aí ele disse para tocarmos juntos e tocou alguma coisa gaúcha, típica, não sei se ele era do sul. Ele tocou uma toada que eu nunca havia ouvido. E eu como tinha tarimba de conjunto de gaita, sabia secundar, fazer acompanhamento e soou muito bem. Na hora que eu peguei uma gaita pra dar pra ele os seguranças já colocaram a mão na arma prontos para me fuzilar. Existe isso, isso acontece toda hora, você vê que o Ronald Reagan quase morreu, quem morreu foi o segurança. O Papa também. Uma pessoa muito exposta tem de ter segurança. Então, quando eles viram tratar-se de uma gaita acabaram relaxando.

EM – E ele tocava bem?
ME – Tocou razoavelmente bem pra um amador. A dona Dulce estava presente. E comigo havia uns trinta, o Carlos Galhardo estava lá. Jair Rodrigues, muita gente. Alguns já subiram.

EM – Você já tocou com grandes nomes da música. Elizete Cardoso, Maria Bethânia, Toots Thielemans, Jim Hall, Ron Carter, só para citar alguns. Gostaria que citasse dois ou três momentos emocionantes nessa trajetória. 
ME – Todos me emocionam. Gravei Bárbara com o Chico Buarque. Fiz agora, dia 29 de maio, oitenta anos e comemorei tocando com Alberto Chimelli, Luiz Alves, João Cortês, piano, baixo e bateria, respectivamente. No Teatro Vanucci, Shopping da Gávea. Teve uma canja inesperada com a Leny Andrade cantando Lamento, de Pixinguinha e Vinícius. Então, todos esses momentos são medalhas conquistadas. Agora, o momento mais gratificante da minha vida, você quer me perguntar?

EM – Quero, qual foi?
ME – Foi quando o meu pai me assistiu aos 13 anos na Escola Nacional de Música. Tem um retrato do evento, é uma montagem, em cima estou com meu companheiro já falecido chamado Manoel Lastermarcher com a gaita simples, não a diatônica, tocando gaita caseira, a Rapsódia Húngara N° 2 de Lizt. E bisando com Sweet Grand Canion de Grouya, se não me falha a memória. Ele era o solista e eu fazia o acompanhamento. A outra foto, tirada do auditório da Escola Nacional, em 1945, eu tinha 13 anos e ainda não pegava gaita de chave, ou cromática. Foi a primeira vez que meu pai veio me prestigiar e na foto ele está ao lado da minha mãe. A segunda vez eu estava no Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro, próximo ao monumento dos pracinhas, tocando como membro do quinteto do Victor Assis Brasil com ele ao piano, além do saxofone ele tocava piano, identifiquei meu pai de costas. Havia mais de seiscentas pessoas o local lotado. Eu pedi pra sair que meu pai estava lá e isso para mim era um fenômeno. Ele me disse pra sair e voltar em dois minutos e quinze pra fechar a suíte. Aí eu fui apertar a mão de meu pai e ele me puxou já com lágrimas nos olhos e me disse: “Maurício, eu me equivoquei quando disse pra você ter um anel de grau no dedo. Peço que você me perdoe”. Ele falava que se eu fosse gaitista como ele a minha mãe ia penar muito. Falava pra eu tocar gaita só como hobby, não por profissão.


EM – E Você conseguiu voltar dois minutos e quinze depois?
ME – Voltei correndo, afoito, sem fôlego e segurando as lágrimas porque estava emocionadíssimo. Todas foram pagas, mas essa foi a maior paga. Senti que estava no caminho certo. Ontem depois do show vieram falar comigo, pedir autógrafo e isso é maior do que qualquer cachê. A vida é ver o teu pai dizer que estava enganado e que você é bom demais.

EM – Entrevistei Flávio Guimarães e ele me disse que o senhor chamava a gaita diatônica de porrinhola...
ME – O negócio é o seguinte. Foi assim que meu colega do Liceu Franco brasileiro apelidou, Túlio Jardim, tomara que esteja vivo e se estiver deve estar com uns oitenta também, passamos um tempo sem nos ver e um dia ele me encontrou na rua e disse: “Eae Maurício, ainda tá tocando muita porrinhola”? E fazendo aquele gestual da mão, deslizando uma gaita na boca. Eu respondi: “Não, quem ta tocando porrinhola é a tua tataravó torta seu filho da mãe”. (risos). E eu nunca esqueci.
Agora, quando eu ouvi um ídolo dele e meu, pianista e gaitista, que agora me foge o nome, mas ele é importante porque o Flávio me sugeriu que tocasse com ele lá na Barra da Tijuca. Se eu não lembrar o nome, fico devendo essa informação. É um ídolo do Flávio. Ele ligou da casa dele e falamos uns dez minutos... Howard Levy era o nome dele. Toquei um tema que fiz ontem aqui, o Autumn Leaves. Quando ouvi o Howard Levy, ouvi uma faixa do baseada em um standard do Charlie Parker. E depois ouvi uma segunda, uma terceira e ouvi todas. Mas depois da terceira, isso é uma opinião minha não estou definindo nada, o timbre da gaita diatônica, na qual o solista faz artesanalmente os semitons, os bemóis, pro meu tímpano é cansativo. Porque é uma forçação de barra, o cara fabrica meio tom abaixo na marra. Quer dizer espremendo uma nota. Espremendo um sol bemol pra ele se tornar um fá sustenido. Ele espreme com a embocadura.

EM – Que é chamado de bend.
ME – Sim, o Bend. Você toca diatônica? É isso que enjoa depois de você ouvir várias faixas. Olha, colocando de lado a maestria do Howard Levy, hein? Eu não consigo ouvir muito o tocador de gaita diatônica, embora ela seja pioneira, as primeiras são de 1840/50 durante a guerra civil norte-americana. Vinte anos antes de Mathias Hohner se tornar o industrial número um da gaita. E ainda ficou até 1920. Por informações de gaitistas de São Paulo, fiquei sabendo que o Borrah Minevich, que nasceu em 1903 e que por volta de 1921 teria aproximadamente dezoito anos, foi o incentivador da gaita com chave que daria, igualmente ao piano, todas as notas, brancas naturais e pretas que são os sustenidos ou bemóis. Eu comecei tocando gaita caseira que meu pai e minha mãe já tocavam e se conheceram aqui no Brasil cada um tocando sua gaita de bolso. Cada um trazia uma gaita no bolso traseiro. Aos cinco anos ganhei uma gaita porque eu chantageei meu pai, não parava de chorar. Aos doze anos conheci um camarada chamado Luiz Albernaz Filho e ele me propôs uma gaita de chave média da Hohner, não sei se meu pai comprou ou ganhou. Eu matava aulas no colégio pra assistir ensaios de gaitistas. Dá tempo ainda?

EM – Sim, todo tempo do mundo (risos).
ME – Minha mãe me levou na sapataria São Luiz, rua do Catete, 300, no Flamengo. Quase passando a rua Machado de Assis, onde havia ali o Café São Paulo. Café de coador, ainda não existia café expresso. Ali minha mãe chegou pra comprar um sapato e ela falou bem assim: “Dá um sapato pro meu filho que não merece”. O vendedor perguntou por que minha senhora? Era o Augusto, o gaita baixo do quinteto que havia lá, os filhos do dono da sapataria tinham um conjunto que se chamava Brodway Boys. Ela disse que eu não merecia porque só pensava em gaita e que estava de segunda época no colégio. Aí ele me pediu emprestado e me levou para os fundos da sapataria e debaixo da caixa registradora antiga, grande, prateada, abriu um gavetão com cinqüenta gaitas. De todos os tipos. Fiquei eletrizado ao ver aquilo. Eu perguntei se eles vendiam gaita lá e ele me falou do conjunto e perguntou se eu queria assistir o ensaio e disse pra trazer a minha gaita. Eu não fazia jazz, fazia firulas. Eles me chamaram de “caboclo enfeitador” porque eu fazia firulas o tempo todo, uma tendência pra fazer improvisação. Mas passei a fazer parte do conjunto. Ali tocou o Manoel que eu já fiz alusão da Escola Nacional de Música, o José de Barros Josuá, o Hélio, solista. O Augusto, o Juca. Todos do conjunto já estão falecidos. Viria aproveitar essa experiência com o Edu da gaita, que conheci nos corredores da Rádio Nacional treinando o Moto Perpétuo que seria exibido em disco em 1956. Quando casei em 67 me encontrei com o Edu e ele veio à minha casa e tocamos a noite inteira. Ele perguntou se eu conhecia o repertório e eu peguei um álbum com doze discos de 78 rpm, inclusive o Moto Perpétuo. Tocamos umas músicas do “Tio Sam” e ele me disse que ficou arrepiado: “O que é isso? Você sabe se situar em segundo plano. Você não é escravizado pelo ego de querer aparecer mais do que o outro”. Aí eu disse que tinha experiência em conjunto de gaita e ele ficou maravilhado. Tocamos das onze da noite até às seis da manhã do dia seguinte. A minha primeira mulher que trabalhava com os pais foi dormir...

EM – Ela não levava a vida na gaita.
ME – (risos) Oportuna essa. Ficamos lá feito dois tarados. Ele era o maior nome da gaita.




EM – E os gaitistas de blues, você tem contato?
ME – O Otávio Meireles Magalhães Castro, filho de um saudoso amigo baterista, o Everardo Magalhães Castro. O Jefferson toca em ambas as gaitas e está aqui no festival. O Flávio Guimarães, eles me presenteiam com os discos deles. Eu quando posso também. O Temístocles, que não foi aluno meu, mas é um luthier. O Isaías que trabalha mais de 30 anos na Vale do Rio Doce. O Rido Hora é um dos meus ídolos. Outro dia fui assistir o Gabriel Grossi com o Hamilton de Holanda.

EM – Aos 80 anos, há alguma coisa na música que ainda não fez e que gostaria de fazer?
ME – É pretensão, ambição, mas não é inveja dos músicos eruditos. Até hoje eu não tomei a decisão de tocar na gaita a Ária da 4° Corda em Ré, de Johan Sebastian Bach. O que eu acho que vai surpreender muita gente que pensa que eu toco somente música brasileira, bossa nova e jazz. (Nessa altura da entrevista acontece uma coisa surpreendente pra mim. O Maurício solfeja o tema em questão e seus olhos se enchem de lágrimas. Ele comenta que se emociona só em pensar em tocar). Isso é uma loucura de bonito. Isso é Deus. É a iluminação. Jesus Alegria dos Homens é outra coisa. Eu dou pra alguns alunos. Um dia coloquei um aluno meu, o Pedro Simões Flores Viana, apelido de Pepeu, que hoje é engenheiro mecânico, pra abrir um show meu em Campos. Eu, Nelson Aires e Arismar. Sem bateria. Coloquei o Pepeu pra abrir o show com essa peça, depois ele tocou Corcovado comigo na segunda voz.

EM – Há alguma coisa que eu esqueci de perguntar ou você esqueceu de falar? (risos)
ME – Sim, quero agradecer a oportunidade dessa entrevista, ao público que nos proporciona grandes momentos. Ao Stênio a colaboração do Jefferson, de me encontrar com o Romero Lubambo, conhecer Kenny Barron com que irei gravar no Rio, junto ao Rafael Barata (bateria), Lula Galvão (guitarra), Sérgio Barroso (contrabaixo) e o próprio Kenny ao piano.

sábado, 15 de dezembro de 2012

A casa de shows Via Funchal fecha as portas



A Via Funchal, uma das mais importantes casas de shows do Brasil vai fechar suas portas amanhã de maneira melancólica. A última apresentação musical que aconteceria hoje, dia 15 de dezembro, com a cantora Norah Jones, foi cancelada devido a morte de seu pai, o músico indiano Ravi Shankar. Ela já estava no Brasil quando recebeu a notícia da morte.
Por ironia, a casa que tem 14 anos e abrigou mais de 1.500 shows, terá como última atividade um evento de luta, o Fair Fight.
No início de 2013, o lugar de 15 mil metros quadrados de área construída na Vila Olímpia, será demolido para a construção de um empreendimento imobiliário.
"Tudo na vida é um ciclo, e o do Via Funchal acabou", diz Jorge Maluf, sem revelar o valor que irá receber pela venda. O ex. dono da casa afirma que estará no ramo de produção de shows, mas também não conta qual será o primeiro artista que vai tentar contratar após o fechamento do lugar. "Vou pensar nisso depois. Primeiro, vou tirar uns três meses de férias."
Com o fim da Via Funchal, outras casas como Espaço das Américas, Via Marquês e A Seringueira, brigam agora pelas atrações nacionais e principalmente internacionais que normalmente seriam reservadas à casa.
"Acredito que o fechamento do Via Funchal não afetará muito o mercado em 2013, pois há novas casas surgindo", diz Carlos Konrath, diretor da Opus Promoções, que levaria a Porto Alegre, na quarta, o show que Norah Jones faria neste sábado em São Paulo, no Via.
Gladston Tedesco, sócio do Tom Brasil, grupo que é proprietário do concorrente HSBC Brasil, lembra também do fechamento do Citibank Hall, no início de 2012: "Lamentamos profundamente o fechamento de casas como o Via Funchal e Citibank Hall. Equipamentos culturais como estes têm vida própria, independem do dono e são importantes para o desenvolvimento das cidades e das pessoas."
Jorge Maluf abriu o Via Funchal em sociedade com o irmão Cássio em setembro de 1998. O primeiro espetáculo foi uma apresentação do Ballet de Tóquio. Nestes 14 anos, artistas estrangeiros de todas as épocas e gêneros, entre eles, Chuck Berry, ZZ Top, Jeff Beck, BB King, Buddy Guy, Queen, R.E.M., Joe Cocker, Bob Dylan e tantos outros se apresentaram na casa.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Morre o músico que popularizou a música da Índia, Ravi Shankar


O músico indiano Pandit Ravi Shankar morreu ontem, terça-feira 11, em San Diego, na Califórnia.
Shankar sofria com problemas respiratórios e cardíacos desde 2011, que o levaram a submeter-se na quinta-feira passada a uma cirurgia para substituir uma válvula cardíaca.
"Embora a operação tenha sido bem-sucedida, a recuperação acabou sendo difícil demais para o músico de 92 anos", disseram os médicos.
O artista, que morava no sul da Califórnia, era casado com Sukanya Rajan e tinha duas filhas - a cantora Norah Jones e Anoushka Shankar Wright -, três netos e quatro bisnetos.
"Infelizmente, apesar dos esforços dos cirurgiões e dos médicos que cuidaram dele, seu corpo não foi capaz de suportar o esforço da operação. Estivemos ao seu lado quando morreu", declararam a mulher e a filha Anoushka.
Destaque em Woodstock - Shankar se tornou um ícone do movimento hippie ao colaborar com os Beatles na década de 1960 e difundiu a influência indiana na música ocidental. Ele esteve em Woodstock em 1969 e participou do álbum de 1971 de George Harrison "Concert for Bangladesh". Foi nomeado ao Grammy de 2013.
Autoridades indianas classificaram Shankar como "um tesouro nacional" ao confirmar a morte do músico à agência AP. Descrito por George Harrison como "o padrinho da World Music", Shankar difundiu a milhões de fãs de música clássica, jazz e rock a tradição antiquíssima da música indiana.
Harrison aprendeu com Shankar a dominar a cítara, instrumento de cordas tradicional da Índia, em sua casa na Inglaterra e depois em Kashmir e na Califórnia. Harrison tocaria o instrumento em músicas como Within You Without You e Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band.
Shankar se tornou um ícone da contracultura e tocou com diversos astros do rock e em festivais como Monterey Pop Festival e Woodstock.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Big Chico lança o DVD gravado em Buenos Aires no Clube do Blues de Santos

O show é na quinta-feira, 13 de dezembro, às 22 horas, no Studio Rock Café, na 12° edição do Clube do Blues de Santos. A produção é do Mannish Blog


O cara soma 15 anos de carreira dedicados ao blues destacando-se como um melhores gaitistas do país, com três discos gravados e agora um DVD. Tem uma relação estreita com Santos, em 2009 participou da primeira Mostra Blues e recentemente esteve no Tributo a Celso Blues Boy, evento cheio de feras do blues, no Sesc. Ambos com produção do Mannish Blog.
Big Chico sintetiza suas influências trazendo para o mesmo show o feeling e a linguagem do blues tradicional, a alma do groove e do funk-soul, além do swing do jump blues.
Nos principais festivais de jazz e blues nacionais e internacionais, dividiu o palco com ícones da harmônica e do blues mundial, entre eles, Rod Piazza, Keb Mo, Mark Hummel, Howard Levy, Deacon Jones, Johnny Rover, Rick Estrin, Mark Ford, entre outros.
Gravou seu terceiro CD “Big Chico - Blues Dream” na Califórnia, com uma banda que já acompanhou o mestre William Clarke.
Este CD é hoje um dos mais vendidos nos Estados Unidos pelo selo americano Pacific Blues Records, do renomado produtor Jerry Hall.
Como endorsee Hering, foi convidado pela empresa para representar o Brasil por duas vezes nos Estados Unidos na Namm (uma das maiores convenções de instrumentos musicais no mundo).
Big Chico já se apresentou nos mais renomados clubes de blues dos Estados Unidos, entre eles, B.B King's Blues Club em Hollywood, Martini Blues, Café Boogaloo, Baby & Ricky's Blues Bar, assim como na Argentina no Mr. Jones e no Brasil no Bourbon Street e circuito Sesc.
Em abril de 2009, Big Chico fez uma turnê pela Europa representando o Brasil como endorsee da empresa Hering Harmônicas, na maior convenção de fabricantes de instrumentos musicais do mundo a MUSIKEMESSE, em Frankfurt – Alemanha, e também se apresentou no Jazzkeller Pub e no Sexto Bluesharp Meeting Frankfurter, sendo um dos destaques do evento junto com grandes ícones da gaita na Europa, como Steve Baker e Brendan Power.



Serviço:

Clube do Blues de Santos
Próxima atração: Big Chico Blues Band
Data: Quinta-feira, dia 13 de dezembro
Horário: 22h (abertura da casa 20h)
Local: Studio Rock Café
Endereço: Av. Marechal Deodoro, 110 – Gonzaga - Santos
Preço: R$ 15,00


quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Expo Harmônica acontece nesse final de semana em São Paulo

Foto: Leandro Amaral


Os amantes da Harmônica, ou no popular, gaita de boca, ganham um final de semana totalmente dedicado ao instrumento, com workshops sobre técnicas de execução e manutenção, demonstração de equipamentos, exposições com harmônicas raras e atuais, microfones e acessórios históricos, além de quadros, itens de colecionadores, projeções de documentários e apresentações musicais.
É a primeira vez no Brasil que músicos, técnicos, lojistas, fabricantes e aficionados pela gaita poderão se encontrar em um só lugar, compartilhando ideias e demonstrando seus produtos em prol da divulgação e preservação da cultura da harmônica. Tudo acontece nos dias 08 e 09 de dezembro.
O ingressos custam R$ 30,00. Ingressos válidos para 1 (um) dia de evento.
Ingressos on line: www.harmonicamaster.com.br
A organização é da H-Unit.


PROGRAMAÇÃO:

Sábado dia 08
• Abertura da exposição: HARMÔNICAS, QUADROS, MICROFONES, AMPLIFICADORES e CURIOSIDADES
• Atração Musical: SERGIO DUARTE (demonstração Andy Cabos / Harmonica Master)
• Atração Musical com DAVID TANGANELLI (demonstração Burn Camiseter ia)
• Workshop de AMPLIFICAÇÃO DE HARMÔNICAS e HISTÓRIA DO BLUES (LUIZ FERNANDO LISBOA)
• Atração Musical: IVAN MARCIO (demonstração Bad Dog Amps)
• Atração Musical: JEFFERSON GONÇALVES
• Atração Musical: MILTON GUEDES
• Atração Musical: MARCIO MARESIA
• Atração Musical: Workshow “A HISTÓRIA DA GAITA” com os HARMÔNICOS

Domingo dia 09
• Workshop de IMPROVISAÇÃO E FRASEADO BLUES (Jefferson Gonçalves e Marcio Scialis)
• Atração Musical: IVAN MARCIO (demonstração Bad Dog Amps)
• Atração Musical com DAVID TANGANELLI (demonstração Burn Camiseter ia)
• Workshop “ORQUESTRAÇÃO COM GAITA” com BENÊ CHIRÉIA & HARMÔNICOS
• Atração Musical: SERGIO DUARTE (demonstração Andy Cabos / Harmonica Master)
• Atração Musical com INDIARA SFAIR
• Atração Musical: MARCIO MARESIA
• Atração Musical com BIG CHICO
• Atração Musical com BENEVIDES CHIRÉIA
• Atração Musical: HIPER HARP JAM SESSION

sábado, 24 de novembro de 2012

Grandes nomes do blues brasileiro pagam tributo a Celso Blues Boy com The Big Jam


O encontro com a Jam for a Dime, Big Chico, Fábio Brum, Giba Byblos, Guappo Sauerbeck, Igor Prado e Mauro Hector acontece na quinta-feira, dia 06 de dezembro, às 21h30, no Sesc Santos.
Todos os artistas doarão os cachês para o tratamento de saúde do cantor Ricardo Werther


Será um grande encontro do blues nacional. Uma Big Jam com os figurões que há anos carregam a bandeira do blues na terra do samba. A banda santista Jam for a Dime recebe os blueseiros Big Chico, Fábio Brum, Giba Byblos, Guappo Sauerbeck, Igor Prado e Mauro Hector em show tributo inédito ao cara começou a coisa toda, o mestre Celso Blues Boy.
Cada artista tocará uma de suas composições e acompanhará a Jam for a Dime em um tema de Celso Blues Boy. No final do show, todos sobem ao palco para uma grande jam.
Celso Blues Boy – Nasceu Celso Ricardo Furtado de Carvalho no Rio de Janeiro, em janeiro de 1956. Na década de 1970, com apenas 17 anos, começou a tocar profissionalmente com Raul Seixas, além de acompanhar Sá & Guarabira e Luiz Melodia. foi o Sá quem lhe deu o apelido de Celso Blues Boy, devido a sua loucura pelo B. B. King.
O músico é o autor de temas clássicos do blues/rock nacional, como Aumenta Que Isso Aí é Rock and Roll, Blues Motel, Fumando na Escuridão, Marginal, O Último Tango para Roy Buchanan, Nuvens Negras Choram, Que pecado Eu Fiz, Brilho da Noite e a mais recente, Por um Monte de Cerveja. Faleceu recentemente após perder a luta para um câncer na garganta.
Ricardo Werther - Cantor carioca é um dos maiores do gênero no país. Era integrante do extinto Big Allanbik, uma das bandas de blues mais importantes do Brasil. Além de Ricardo Werther, Big Gilson, Ugo Perrota (Blues Groovers) e Beto Werther (baterista, irmão de Ricardo) saíram de lá e estão na ativa até hoje. Após dez anos afastado da cena blueseira, gravou o excelente The Turning Point. Há dois anos luta contra uma doença grave que o impede de trabalhar.
Jam for a Dime - composta por Johnny Sapia (guitarras, e vocais), Filippe Dias (guitarras, violões e vocais), Gaylor Borges (contrabaixo e vocais) e Jefferson Rodrigues (bateria e percussão, é a banda oficial do Clube do Blues de Santos. A banda se dedica a composições de blues em português, revelando uma forma própria de escrever letras, semeando-as em um som orgânico, que flerta também com o funk, o soul e o rock, seguindo os passos do saudoso Celso Blues Boy.
Big Chico – Gaitista da segunda geração do blues nacional e um batalhador no cenário nacional e internacional. Gravou o CD Blues Dream nos Estados Unidos e acaba de lançar um DVD gravado na Argentina. Recentemente viajou pelo Brasil com a Lurrie Bell, uma lenda da guitarra.
Fábio Brum - Tem 22 anos de carreira. Participou do disco de 40 anos da maior banda de rock do país, a Made in Brasil. Tocou com Demétrius (O Ritmo da Chuva), Carlos Gonzaga (Diana) e Marcelo Nova. Atualmente, junto com o dramaturgo Mario Bortolotto, é integrante da banda Saco de Ratos. Bebe com Chico Sá e Marcelo Rubens Paiva.
Giba Byblos – É o guitarrista paulistano que usa a imagem tanto quanto o som em suas apresentações. Discípulo de Freddie King, Giba atua no circuito blueseiro divulgando o primeiro CD, My Duty, com seu show Talkin’ bout Chicago.
Guappo Sauerbeck – Cantor e gaitista exímio da banda de blues paulistana Caviars Blues Band, um verdadeiro dream team de músicos, Ney Haddad (baixo) Alaor Neves (bateria) e Mauro Hector (guitarra).
Igor Prado – Outro artista da segunda geração do blues nacional. É o guitarrista brasileiro de blues que mais investe no intercâmbio Brasil/Estados Unidos. Já acompanhou Lynwood Slim, James Wheeler, Junior Watson, Sax Gordon, Flávio Guimarães, Donny Nichilo e outros.
Mauro Hector – Guitarrista santista considerado um dos mais talentosos do país. Além de sua carreira solo que conta com três CDs gravados, Hector atua na Caviars Blues Band. Além disso é professor de guitarra dos mais requisitados e que coloca no mercado centenas de jovens blueseiros.

Realização: Sesc Santos
Produção: Mannish Boy Produções Artísticas

Serviço:

Show: Big Jam
Artistas: Jam for a Dime, Big Chico, Fábio Brum, Giba Byblos, Guappo Sauerbeck, Igor Prado e Mauro Hector
Data: quinta-feira, 06 de dezembro
Local: Sesc Santos
Endereço: Rua Conselheiro Ribas, 139 – Aparecida
Horário: 21h30
Ingressos: R$ 2,00, R$ 4,00 e R$ 8,00
Classificação: Livre

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

De Pagu a Patrícia – o último ato

Livro revela a produção cultural e jornalística de Patrícia Galvão nos seus últimos anos de vida



Texto: Márcia Costa

Nos anos 50 ela já não mais queria ser chamada de Pagu. Depois de trocar a militância política pela militância cultural e pelo jornalismo, Patrícia Galvão chega a Santos (SP) em 1954 para incendiar a cena, atuando como jornalista em A Tribuna, produzindo peças de teatro e eventos literários e difundindo a vanguarda. Esta história écontada no livroDe Pagu a Patrícia – o último ato (Dobra Editorial/Fundo de Cultura de Santos), da jornalista e pesquisadora Márcia Costa, cujo objetivo é revelar a intelectual por trás do mito.
O lançamento será realizado nos dias 05 de dezembro na Casa das Rosas, em São Paulo, e no dia 08 de dezembro na Pinacoteca Benedicto Calixto, em Santos, com debates e apresentações artísticas que vão lembrar a produção jornalística e cultural de Patrícia Galvão, cinquenta anos após sua morte, em 12 de dezembro de 1962, em Santos.
Não se trata de uma biografia, mas de uma contribuição para a História Cultural dos anos 50 e início dos 60. A pesquisa iniciou-se durante o curso de mestrado (2006-2008) em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo, onde Márcia Costa estudou a coluna Literatura, produzida por Patrícia em A Tribuna, e se estendeu com o estudo da relação de Patrícia com o teatro, registrada na coluna Palcos e Atores,eno levantamento dos fatos históricos que compuseram a cena cultural em Santos e no Brasil daquele período. O projeto do livro foi selecionado pelo Fundo Municipal de Cultura de Santos, que financia a publicação. A obra tem prefácio do compositor Gilberto Mendes, amigo de Patrícia, capa produzida pelo artista plástico Fabrício Lopez (xilogravura) e orelha assinada pelo escritor Flávio Viegas Amoreira.
No jornal A Tribuna Patrícia imprimiu as marcas do seu último ato, onde estão registradas a produção artística da época sob uma visão moderna e cosmopolita.A análise dos artigos de Patrícia e as entrevistas com testemunhas de época permitirama Márcianarrar a força de Patrícia na luta apaixonada pelo teatro, marcada pelaparticipação na vitoriosa campanha pela construção do Teatro Municipal, na criação da União de Teatro Amador de Santos, no apoio à realização de importantes festivais, no incentivo aos jovens talentos como Plínio Marcos, na formação de grupos amadores e na divulgação e na produção de peças de vanguarda, como Fando e Lis (Fernando Arrabal) eA Filha de Rappaccini (Octavio Paz).“Acoluna Literatura também mostra uma Patrícia antenada com as vanguardas da época, e serve de guia para se entender a literatura moderna nacional e internacional, onde ela já destacavaautores poucos conhecidos como Clarice Lispector e Fernando Pessoa, e onde traduziu nomes como Blaise Cendrars, Henry Heine ePaul Valéry”, diz a autora.
Pelo mundo da cultura – Para escrever suas colunas sobre literatura e teatro, Patrícia mantinha contato estreito com grandes artistas e intelectuais do período. No prefácio da obra o compositor Gilberto Mendes lembrao interesse dela pelaMúsica Nova, produzida por ele e Willy Corrêade Oliveira (autor da partitura da peçaA Filha de Rappaccnini). Por meio de visitas, correspondências, entrevistas, encontros, resenhas ou envio de livros, Márcia traçou um panorama de contatos de Patrícia Galvão que passava por Sábato Magaldi, Alfredo Mesquita, Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, Casais Monteiro, Cacilda Becker, Sérgio Milliet, Flávio de Carvalho, Lygia Fagundes Telles, Fernando Arrabal, Jean Paul Sartre, Eugène Ionesco, entre muitos outros citados pela jornalistaem a Tribuna.
O vasto material publicado por Patrícia no jornal (que então era editado por Geraldo Ferraz, parceiro amoroso e intelectual) e a sua própria prática no campo cultural se traduzem em verdadeiras aulas. “Ela discutiu o país por meio das vanguardas culturais e artísticas”, explica a autora.“Aprende-se muito com Patrícia Galvão, mulher generosa, forte e polivalente, intelectual por vezes ofuscada pelo mito”.
No blog http://depaguapatricia.blogspot.com.br/ o leitor tem acesso a textos jornalísticos de Patrícia Galvão e fotografias do contexto cultural da época. A partir do dia 05 de dezembro o livro poderá ser adquirido no site da Dobra Editorial http://www.portaleditora.com.br/ pelo valor de R$ 35,00.
Sobre a autora: Márcia Costaé jornalista e pesquisadora, graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), com atuação em veículos de comunicação, produção cultural e docência. Há dez anos dedica-se à pesquisa sobre imprensa, história e cultura e atualmente prepara doutorado sobre as relações entre comunicaçãoe arte.

Programação do lançamento

Dia 05 de dezembro, às 19h - Casa das Rosas, em São Paulo
Apresentação do evento: Flávio Viegas Amoreira.
Releitura de um texto jornalístico de Patrícia sobre o teatro com a atriz Marisa
Matos.
Debate com Márcia Costa, Geraldo Galvão, Terezinha de Almeida e Sérgio
Mamberti (nome a confirmar).
(Endereço: Av. Paulista, 37, Bela Vista).

08 de dezembro, às 16h - Pinacoteca Benedito Calixto, em Santos
Apresentação do evento: Flávio Viegas Amoreira.
Alice Mesquita (canto).
Performance O Jardim de Patrícia, do Núcleo de Pesquisa do Movimento –
Imaginário Coletivo de Arte (com Célia Faustino, Márcio Barreto, Marília
Fernandes, Maria Tornatore e Alessandro Atanes).
Debate com Márcia Costa, Geraldo Galvão, Lúcia Teixeira Furlani e Sérgio
Mamberti (nome a confirmar).
Tarso Ramos (piano).
(Endereço: Av. Bartolomeu de Gusmão, 15).

Veja também: http://mannishblog.blogspot.com.br/2009/12/o-resgate-de-pagu.html

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Mannish Blog manda uma exclusiva com Lurrie Bell, o filho do blues


Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Leandro Amaral

Lurrie Bell nasceu dentro do blues. É filho legítimo de Chicago e de Carey Bell, um dos principais gaitistas de blues da segunda metade do século passado. Atualmente, Lurrie é um dos principais guitarristas do gênero e um dos mais cultuados.
Mas nem sempre foi assim. Nas décadas 80 e começo de 90, apesar de gravar e trabalhar com regularidade, passou os anos lidando com as drogas a ponto de ter de pedir ajuda e ter de se afastar da cena por um período.
É autor dos antológicos álbuns solos Mercurial Son, Blues Had a Baby e Young Man’s Blues: Best of JSP Sessions 1989/90. Em parceria com seu pai, que sempre lhe deu a maior força, gravou Son of a Gun, Dinasty, Second Nature. Uma discografia de peso.
Além de seu pai, tocou com figuras chaves do gênero: Eddy Clearwater, Billy Branch, Koko Taylor, Big Walter Horton, Eddie C. Campbell, Mississppi Heat, Eddie Taylor (Big Town Playboy) e outros.
Em setembro de 2012 Lurrie veio ao Brasil pra divulgar The God Ain’t Got no Music, CD recém lançado e ótimo trabalho acústico e com músicas gospel.
O responsável pela turnê nacional foi o gaitista Big Chico, com quem Lurrie realizou meia dúzia de shows pelo Brasil. O show de abertura foi aqui em Santos, no Studio Rock Café, onde realizei a entrevista exclusiva para o Mannish Blog e produzi a gig.
Na entrevista, Lurrie fala sobre o amor por Deus e a música gospel, sobre algumas passagens ao lado de seu pai, uma verdadeira lenda do blues. Valeu Chico.



Eugênio Martins Júnior – Qual foi a principal lição que você aprendeu com Carey Bell, seu pai?

Lurrie Bell – Ouvir a minha alma. Olhar dentro de mim e sentir o blues fluindo na guitarra ou na harmônica ou qualquer instrumento que toque. Ele me disse: “Observe, ouça e aprenda”.

EM – E o cuidado com as letras. Você se considera um bluesman tradicional, um contador de história?
LB – Sim senhor. Cresci ouvindo os grandes do blues. Junior Wells, Lighting Hopkins, Eddie Taylor, Roy Johnson e Carey Bell, meu pai. Ouvi todos eles quando tinha cinco ou seis anos e eles me ensinaram como me apresentar tocando o blues. Eles viviam em minha casa. Sentava com meu pai que eu amava e criava a música mais bonita que há.

EM – Like father, like son?
LB – Sim, tentei seguir seus passos porque sempre acreditei no que ele estava fazendo com relação à música.


EM – Todos nós temos a curiosidade de saber como é conviver com todas essas lendas do blues. Quer dizer, pelo menos os fãs de blues. Conte como era essa convivência.
LB – Bem, eles estavam sempre por ali. Sempre prontos pra tocar blues. Eles gostavam do meu pai e ele tinha a sua banda. Onde eu morava, no West Side Chicago, Fifth Avenue, meu pai ensaiava no porão daquela casa e eu sentava lá e costumava ouvir a banda. Havia uma guitarra largada no chão bem à minha frente. E eu pegava aquela guitarra e costumava acompanhar a banda. Depois disso, nunca mais larguei ela no chão. Comecei a desenvolver meu próprio estilo de tocar blues.

EM – E qual desses músicos mais o influenciou?
LB – Eddie Taylor. Que por sua vez costumava tocar com Jimmy Reed. Tocou na maioria de seus discos. Esse cara tem um som maravilhoso.



EM – Você tocou com ele naquele tempo?
LB – Sim, trabalhamos juntos.

EM – Além dessa escola do blues, você tocou nas igrejas do sul. Como essa experiência influenciou sua música?
LB – Meus avós freqüentavam uma igreja em Lisman, no Alabama, cerca de 30 milhas de Meridian, no Mississippi. Eles me obrigavam ir a à igreja. Eu era jovem e eles me ensinavam a fazer o que era certo. Então eu ficava lá ouvindo o coro e o quarteto e tinha aulas sobre a bíblia e encontros onde cantávamos as canções e revivals. Aí comecei ir a igrejas diferentes do sul com o meu avô. Comecei a tocar guitarra para aquela gente. Virei um membro ativo. Sou muito religioso, acredito em Deus. Foi a primeira música que eu realmente amei e ela me influenciou. Aí meu pai me quis de volta. Porque eu nasci em Chicago, mas vivi no sul um bom tempo porque queriam que eu ficasse longe de problemas. Fora das ruas de Chicago. Mas sempre amei o Senhor. Os spirituals estão sempre no meu coração.

EM – Eles te mandaram para o sul porque você era uma criança problemática? (risos)
LB – Sim. Bem, crescendo no West Side de Chicago você arruma confusão mesmo não querendo. Você sabe, há muitos mal-entendidos. Pessoas fazendo coisas erradas nas ruas. Essa foi a principal razão pra eu ter sido mandado pro sul. E foi lá que eu aprendi muito sobre o gospel, country and western. Naquela época a música que vinha do sul era incrível, cara.

EM – Ouvir todas aquelas músicas religiosas o colocaram mais perto de Deus.
LB – Sim. Tenho 53 anos e deus me abençoou todos esses anos com meu talento. Com minha harmônica, minha guitarra, minha voz e meu jeito de cantar. Tenho viajado pelo mundo e continuo vivo porque Deus está comigo todos esses anos. E eu agradeço. Eu tenho um disco de música gospel chamado The Devil Ain’t Got No Music. Você tem de ouvi-lo.



EM – Sempre que alguém que eu entrevisto toca com alguém que é uma lenda do blues eu pergunto como era a pessoa e você tocou com Koko Taylor. Como ela era?
LB – Era uma das maiores vozes femininas do blues que eu ouvi na vida. Ela era incrível, cara. Ela tinha um estilo que eu nunca havia visto. Ela podia cantar o blues a noite inteira. Estive na Koko Taylor Blues Band por seis anos e viajamos pelo mundo todo. Nunca vou esquecer o que ela fez. Ela me colocou em sua banda e me mostrou tudo sobre como ser profissional. Conheci pessoas incríveis.

EM – Você gravou grandes discos com seu pai. Um dos que eu mais gosto é o Second Legend, um disco acústico. Como foi a escolha do repertório?
LB – Sobre aquele CD em particular, estávamos na Finlândia e o promotor da turnê nos pediu pra gravar um CD. As coisas estavam indo bem, a turnê foi um sucesso, as pessoas gostaram muito de nós. Eu e meu pai estávamos satisfeitos em relação ao nosso trabalho. Esse clima gerou Second Nature. Meu pai tem seu jeito de interpretar as canções e eu aprendi a tocar de ouvido. Ouvindo meu pai tocar e seguindo-o. Ele costumava sentar e ouvir muitos discos de blues quando morávamos em Chicago, artistas como Albert King, Little Milton, Lowell Fulson, Fenton Robinson. Era muito fácil tocarmos juntos qualquer música. A coisa fluía entre nós.

EM – Abrir o próprio selo é a melhor forma de controlar o seu trabalho?
LB – Sim. Se você tem seu próprio selo se sente melhor com relação ao seu trabalho. Se você é dono do selo, todos os direitos voltam pra você. Outras pessoas não terão o controle financeiro nem direitos sobre sua obra.

EM – Os grandes nomes do blues estão ficando velhos ou morrendo. Como estará o blues daqui a 20 anos?
LB – Bem, espero estar vivo em 20 anos. Mas vou morrer tocando blues que pra mim é especial. Sinto o blues a cada minuto da minha vida, a cada segundo. Ele fala sobre a vida, sobre a história, sobre o hoje e sobre o amanhã. Daqui a 20 anos? Estarei velho, mas planejo tocar o blues até lá. É meu trabalho, eu divirto as pessoas com minha música. Deus me colocou aqui pra isso. Espero que a geração que estiver lá diga: “Lurrie Bell é legal”.

sábado, 27 de outubro de 2012

A tradição de Robert Johnson, Bukka White e Son House recebe "upgrade" com Roy Rogers


Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Cezar Fernandes

Bandas de metal farofa aposentem o circo com pilhas de Marshalls e toneladas de equipamentos, porque o som de vocês não é páreo para o dos três coroas da banda do Roy Rogers, os Rhythm Kings. Eles é que sabem fazer barulho de verdade.
Sim, o som de Rogers ainda remete à slide que vem lá dos primórdios do blues. Robert Johnson e Bukka White ainda ecoam em sua música, mas o que se ouve é o upgrade. Feeling e técnica levados às últimas conseqüências.
Após cinco shows de Roy Rogers, esse guitarrista ainda me surpreende. Assisti o primeiro show acústico aqui em Santos, nos anos 90. Outros dois em 2007, no festival de Rio das Ostras. As apresentações no festival foram tão importantes para o evento que a direção resolveu chamá-lo de volta em 2012.
Decisão certa. Desta vez Rogers levantou dez mil pessoas que já o conheciam e estavam esperando por ele em baixo de chuva. Shows como aquele não se vê todos os dias.
Nascido em Redding, na Califórnia, Rogers pode ser considerado um dos mais importantes representantes da slide guitar da atualidade.
Em sua extensa carreira de músico e produtor, atuou com nomes tão importantes quanto diferentes da música norte americana. Entre eles, Linda Ronstadt, Sammy Hagar, Bonnie Raitt, Ramblin’ Jack Elliot, Elvin Bishop, Carlos Santana e Stevie Miller.
Acompanhou John Lee Hooker, tocando e produzindo os seus discos até poder gozar ele próprio o status de grande nome do blues. Com Steve Ehrmann e Billy Lee Lewis, completa os Rhythm Kings, power trio dedicado ao mais áspero e barulhento som do mundo.
Em 2011 gravou o CD Translucent Blues com o cãozinho dos teclados da Califórnia, Ray Manzarek. Uma mistura de blues, rock e música de puteiro.
Após tudo isso, uma coisa pode-se afirmar: Se há slide guitar nos anos dois mil, sem dúvida e com certeza, ela se chama Roy Rogers.



Eugênio Martins Júnior – Quando a slide entrou na sua vida?
Roy Rogers – Foi com as gravações de Robert Johnson. Eu devia ter 14 ou 15 anos, lá pelos idos de 54 ou 55, já tocava guitarra. Então meu irmão mais velho trouxe pra casa um disco do Robert Johnson, da Columbia Records, chamado King of the Delta Blues. Esse disco passou a fazer parte do meu dia a dia. “O que é isso que ele está fazendo?”, “Que som é esse?”. Eu já tinha uma banda nessa época, mas tocávamos rhythm and blues.

EM – Apesar de ser um trio, sua banda faz um som poderoso, uma mistura entre música country com o blues moderno por assim dizer, e a técnica lembra muito os pioneiros do Mississippi. Gostaria que falasse um pouco sobre isso.  
RR - Aprendi a tocar com a afinação aberta como Son House, Bukka White e Mississippi Fred McDowell, mas o Robert Johnson foi o primeiro.
Não, talvez a primeira vez que ouvi a técnica de slide foi uma lap steel em uma música de Chuck Berry, provavelmente em Maybellene ou Deep Fellin’. Mas eu não toco lap steel.
Minha música é baseada na tradição, mas não é tradicional. Não quero ser tradicional. Minha música é sobre quebrar a tradição, ampliar e desenvolver os limites. Minhas influências vêm de muitos lugares, escuto todo tipo de música, por isso que o nosso ritmo é forte. É uma síntese. Veja, eu gosto do blues tradicional, especialmente a técnica. Acho que o que venho fazendo através dos anos é o desenvolvimento de um estilo. Não que eu fique pensando nisso, simplesmente exploro coisas novas. Não me considero tradicional no sentido comum do termo. Quero soar forte, alto, com energia. Isso é importante.

EM – Um de meus primeiros discos de blues foi The Hot Spot, trilha sonora do filme homônimo com você e John Lee Hooker. Como era o homem John Lee Hooker?
RR – Era um homem maravilhoso. Era bondoso, gentil e um cavalheiro. Se preocupava com a família e com as pessoas e suas vidas. Podemos dizer que a música era a sua vida e ele era apaixonado por ela. Ele era da tradição musical do Delta do Mississippi e mudou-se para Detroit e apesar de fazer parte dessa tradição ele desenvolveu algo diferente. Ele mudou com a eletrificação Boogie Chillum foi gravada em 1948 e era uma canção maravilhosa. Definia o que ele era. Tinha um estilo único. Só há um John Lee Hooker. Como homem ele ajudava as pessoas e viveu a vida igual à sua música, de uma maneira muito profunda. Muito filosófica. Você não poderia viver mais profundamente do que aquilo. Seja o que for que você toque, jazz, blues, samba brasileiro, não há a possibilidade de ir mais fundo do que aquilo. É isso que temos de perseguir em qualquer gênero que tocamos. Aquela profundidade.


EM – Você falou da mudança de John Lee pra Detroit e a mudança na sua música. Acho que a agitação das cidades grandes, o barulho, tudo isso influenciou a música. Muddy Waters passou pelo mesmo processo. 
RR – A amplificação apareceu. A guitarra passou a ser plugada em grandes amplificadores. Apareceram novas tecnologias, Les Paul, e os amplificadores eram usados em laps steel e nas velhas National Steel, esse tipo de coisa. As harmônicas também foram amplificadas. Então a tecnologia mudou muito mais do que hoje. Os caras vinham do meio rural onde não havia a amplificação e começaram a mudança explorando todas essas tecnologias. Juntou-se a isso a vida industrial das cidades grandes. Essa mudança ocorreu no fim dos anos 40. Os caras eram uma banda individual, podiam tocar alto. Inventaram o rythmn blues, o rock and roll, o rockabilly. Esse foi o começo, quando os caras plugaram os instrumentos.

EM – Lugar certo, tempo certo?
RR – É disso que se trata. John era como alguns daqueles caras de Chicago, só que ele passou um bom tempo em Detroit. Mas ele foi um dos caras que definiu um estilo. Quando John contava as suas histórias, ninguém podia imitá-lo. Naquela época a concorrência sempre arrumava um jeito de imitar outro artista que fazia sucesso, mas ninguém podia imitar John Lee Hooker.

EM – Na verdade não dá pra definir o som da trilha sonora de The Hor Spot. Foi uma impressionante reunião com você, John Lee Hooker, Taj Mahal e Miles Davis. Vocês chegaram a gravar juntos no estúdio?
RR – E ainda havia o Earl Palmer na bateria, Tim Drummond no baixo. Todos nós gravamos no estúdio, mas no trompete de Miles Davis fizemos overdubs. Ele ouvia o que nós gravávamos e respondia em cima.



EM – Fale sobre a parceria com Ray Manzarek pra gravar Translucent Blues.
RR – Tocamos juntos há uns seis ou sete anos atrás em uma jam e eu disse para Ray que aquilo poderia se tornar um duo. E ele disse que estava soando realmente bem. Tocamos e nos tornamos bons amigos. Estava criado o duo (risos). Ele continua tocando as coisas do The Doors com Robbie Krieger, mas nosso lance era outra coisa. Foi divertido e não desenvolvemos isso como uma banda. É uma colaboração em dueto. Então aconteceu o Translucent Blues e nós estamos felizes com o resultado. Fizemos um som novo juntos. O cara é um ícone do rock. Procurei sintetizar uma coisa nova na slide e Ray também fez coisas diferentes. Ele fez o que nunca havia feito com Robbie Krieger e eu o que nunca havia feito com minha banda. A resposta das pessoas tem sido boa porque elas não sabem o que esperar. Foi uma colaboração interessante. Elas pensam: “O que esses caras estão fazendo juntos?” Mas a música funcionou e você tem de explorá-la. Quando não rola cada um toma seu caminho. Gosto de fazer novas parcerias porque conheço novos sons. Podemos desenvolver coisas novas. Sou mais blueseiro do que o Ray, mas isso não quer dizer que tenho de tocar blues o tempo inteiro. Você tem de ouvir. Vou te dar o CD. Acabamos de gravar outro álbum juntos. Não temos um nome ainda, mas nós mixamos antes de eu vir ao Brasil.

EM – Recentemente você perdeu o amigo e parceiro Norton Buffalo. Gostaria que também falasse sobre essa parceria. 
RR – Fiquei muito triste quando soube que ele morreu tão jovem. Tinha apenas cinqüenta e oito anos. Fizemos boa música juntos. Gravamos três discos. Nosso dueto foi único em alguns sentidos. Na minha opinião ele era um dos maiores gaitistas do mundo. Outra coisa era a nossa empatia musical. Creio que há certas pessoas que você conhece na vida que combinam com você. Tínhamos a mesma opinião sobre muitas coisas e a música era só uma delas. Éramos amigos, viajamos à China, e ao redor do mundo em muitos, muitos e muitos festivais. Podíamos improvisar juntos baseados na música tradicional, mas saíamos disso. Ele tocava uma grande harmonica cromática. Era um grande músico. Você precisava ver pra acreditar.

EM – Sua esposa tem uma ótima memória. Eu perguntei se ela se lembrava do show que você fez na minha cidade nos anos noventa e ela disse na hora que sim. Foi a primeira vez que eu ouvi uma slide ao vivo. Você se lembra daquele show?
RR – De Santos, claro. Òtimo hotel, perto da praia. Foi um show acústico, mas não me pergunte o que eu toquei. Foi há muito tempo (risos).

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Jam for a Dime recebe a cantora Deborah Tarquinio no Clube do Blues de Santos


Billie Holiday, Bessie Smith, Anitha O´Day, Ella Fitzgerald, Etta James, Ray Charles, Steve  Wonder e Dione Warwick são apenas algumas das influências de Deborah Tarquínio, cantora santista dotada de uma voz de belíssimo timbre. 
Beber em fonte tão limpa assegurou um crescimento saudável à jovem cantora, ajudando em sua educação em dois níveis: técnico e estético.
Entre o começo nos anos 80 e 2012, e aí vão mais de 25 anos, sua estrada inclui o Torto Bar, Bar da Praia, Bar do 3, Casa do Meno, Bourbon Street Music Club, Charlotte Amalie, Delta Blues e circuito Sesc.
A parceria com a banda oficial do Clube do Blues de Santos, a Jam For a Dime, rendeu frutos selecionados das melhores árvores. O repertório conta com My Babe (Little Walter), Stormy Weather (Etta James), Letter to My Girlfriend (Stevie Ray Girlfriend), Natural Woman e Chain of Fools (Aretha Franklin), Feels Like Rain (Buddy Guy), Georgia on My Mind (Ray Charles) e The Thrill is Gone (B.B. King). 

A banda Jam for a Dime é composta por Johnny Sapia (guitarras, e vocais), Filippe Dias (guitarras, violões e vocais), Gaylor Borges (contrabaixo e vocais) e Jefferson Rodrigues (bateria e percussão).
Além de interpretar os clássicos do gênero, a Jam for a Dime se dedica à composição de blues em português, revelando uma forma própria de escrever letras, semeando-as em um som orgânico, que flerta também com o Funk, o Soul e o Rock, seguindo os passos do saudoso Celso Blues Boy.
“No espetáculo instigamos o público a descobrir e conhecer o Blues em português, a essência, os valores e a riqueza cultural por trás de um gênero musical de tamanha influência na música popular mundial e que, aliado à riqueza da língua portuguesa, assume dimensões ainda mais surpreendentes, diz João, principal compositor da Jam for a Dime.
O Clube do Blues de Santos é um projeto idealizado por Eugênio Martins Júnior (Mannish Boy Produções Artísticas), realizado a cada quinze dias, sempre às quintas-feiras, no Studio Rock Café em Santos.
O objetivo é levar ao público o melhor que o Blues, gênero musical nascido no sul dos Estados Unidos há mais de um século, pode oferecer.

Serviço:
Clube do Blues: Jam for a Dime convida Deborah Tarquinio
Data: 25 de outubro
Horário: 22 horas (abertura da casa 20 horas)
Local: Studio Rock Café
Endereço: A. Marechal Deodoro, 110
Ingresso: R$ 15,00 (couvert)

Produção: Mannish Boy Produções e Studio Rock Café
Apoio: Agência Urbana e Moslaves Contabilidade

terça-feira, 16 de outubro de 2012

New York State of Blues tem em Michael Hill um de seus principais representantes


Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Cezar Fernandes

Uma das minhas passagens mais engraçadas no mundo da música envolve o guitarrista de New York, Michael Hill.
Em 2007 ele fez parte do cast do Rio das Ostras Jazz e Blues e em uma de suas apresentações no palco principal, montado na praia de Costazul, os jornalistas que cobriam o evento estavam todos aglomerados nas laterais para ver o show que prometia ser um dos melhores do festival.
Malaco nesse tipo de cobertura, procurei ficar o mais perto do artista possível. E nessa noite Hill estava melhor do que nunca. Grande banda.
E eu ali do lado falando sobre isso com o Gustavo Victorino, colunista da revista Backstage e parceiro de cobertura. Como sou meio surdo de um ouvido, estava falando muito alto, mas sem perceber. Antes de começar a terceira música, Michael Hill olha na minha direção, caminha até onde eu estou e manda essa: ”Você está me atrapalhando, poderia falar mais baixo”.
Congela. Sacou a dimensão disso? O cara me mandando calar a boca na frente de dez mil pessoas? Claro, não deu pra todo mundo ouvir, ele não falou no microfone. Quem estava ali do lado até ficou na dúvida e veio depois me perguntar.
Não é preciso dizer que virei a piada daquela edição do festival entre a reportalhada com piadas do quilate: “Eae Eugênio, ontem o Michael não riu, hein?” – sacou o trocadilho infame?
Em 2012, no mesmo festival, em nosso segundo encontro, a péssima impressão entre ambos se dissipou numa jam session no corredor do hotel, onde participaram sua banda inteira, o gaitista Jefferson Gonçalves e a cantora Lica Cecato. Eu perguntei se ele lembrava dessa história e dessa vez o “Michael riu” e perguntou: “Foi você?” e caiu na gargalhada.
Mal entendido resolvido, a entrevista abaixo foi marcada para o dia seguinte do seu primeiro show, 07 de junho, décima edição do Rio das Ostras Jazz e Blues. Só publico agora por causa da velha desculpa, faltou tempo.
O cara é um dos principais nomes da cena blues da cidade berço do be bop. Sua guitarra vigorosa e a banda fizeram os seus shows um dos mais eletrizantes e concorridos do festival. O baterista Bill McClellan solta o braço com tanta vontade que chega a quebrar quatro pares de baquetas por show. É blues elétrico sem frescuras.
Tudo isso realça as suas letras de protesto contra a guerra, as injustiças sociais e a política de seu país. Um dos raros remanescentes dessa arte nesses dias de perda de valores.




Eugênio Martins Júnior – O blues era uma espécie de jornalismo do gueto negro. Nos anos 30 e 40 as músicas falavam sobre uma epidemia de tuberculose, sobre as enchentes do rio Mississippi e até sobre a Guerra do Vietnan nos anos 60. 
Michael Hill – Para mim o blues é uma contação de história. Fala sobre a vida das pessoas e o que acontece em volta delas. Um de seus propósitos é dar força às pessoas. Ou apenas diversão... e também ajuda a compreender as suas vidas. O que eu faço é honrar essa tradição. Chegamos a um ponto, em termos comerciais, de venda de discos, em que o foco está apenas na celebração. Tudo bem, há espaço para isso também. Mas para mim, qualquer arte, literatura, teatro, poesia, o que seja, fala sobre as coisas da vida. Isso inclui não apenas romance, mas também justiça, paz e é isso que é importante para a Michael Hill’s Blues Mob.

EM – Atualmente essa mensagem é passada pelos artistas do rap de uma forma mais contundente, você não acha?
MH – Pra mim é uma honra fazer uma música que faça as pessoas se sentirem bem. As pessoas querem viver as suas vidas e elas precisam da música todos os dias, todos os minutos, que ajuda atravessar as suas dificuldades. A música consegue fazer isso pelas pessoas. A música pode tocá-las no coração, na mente, na alma ou algum lugar mais profundo. Essa música veio da escravidão, na África e na América. É uma honra pra mim fazer isso,  contar histórias de pessoas que não tem voz.

EM – Você sabia que o Brasil foi um dos últimos países a acabar com o tráfico de escravos e com a escravidão?
MH – Sim, é impressionante. O Brasil e os Estados Unidos têm isso em comum. São lugares diferentes, com línguas diferentes, mas com algumas coisas em comum. Uma delas é a beleza de espírito das pessoas por causa da mistura de raças. E passando pelo mesmo problema as pessoas adquiriram diferentes níveis de consciência. Isso é uma das coisas mais bonitas entre os dois países.

EM – Essa mistura de raças foi muito importante para o desenvolvimento de ambas as culturas. 
MH – Absolutamente. As culturas não são as mesmas, mas complementam-se como dois lados da mesma moeda.


EM – Uma coisa que está acontecendo por aqui é a mistura dos tambores da música brasileira com a guitarra e os instrumentos do blues americano. 
MH – E todos nós temos histórias pra contar que podem não existir até que estejamos juntos. É impressionante. Acredito que em todas as áreas da vida nós podemos acentuar positividade ou acentuar a negatividade. Você pode viver de maneira negativa, mas quando você reconhece a beleza, você pode ver melhora as coisas, crescer.

EM – New York é conhecida como a Meca do Jazz. Um lugar mítico para os amantes do gênero. Como está a cena de blues atual? Você pode citar alguns nomes?
MH – Não temos muitos clubes como costumávamos ter quando assinei com a Alligator e comecei a tocar. Havia o B.L.U.E.S. e o Buck National Axe. Hoje os músicos tocam no B.B. King’s que recebe todos os tipos de música. Mas há um clube chamado Terra Blues, na Bleecker Street, onde comecei a tocar em 1990. Nunca pensei que ele ia durar muito, mas existe até hoje. É muito bacana e toca blues sete dias por semana. Eles começam às 19 horas com blues acústico e às 22h30 começa a T. Blues Band que recebe muitos músicos. Eu já toquei com eles algumas vezes. Eles têm baixista e baterista e sempre convidam dois frontmen, depois com bandas durante a noite. SaRon Crenshaw, Jr Mack, Slam Allen, Bill Sims, Bobby Bryan, todos esses grandes cantores e músicos tocam lá. Todas as noites em New York City você tem o Terra Blues e todos esses músicos. Fica no Grenwich Village, onde fica outro clube famoso chamado Bitter End. Curtis Mayfield já tocou lá. Isley Brothers, Bill Cosby, Bob Dylan também. O Terra Blues é vizinho, então há muita história lá.

EM – Você conheceu o Satan, da dupla Satan e Adam da cena de New York?
MH – Conheço o Adam, é um grande amigo. Ele mudou para o Mississippi. Grande cara, grande gaitista. Só vi o Satan tocando nas ruas e em clubes.    

EM – Havia um tempo em que o blues era música de protesto. Um bom exemplo disso foi J.B. Lenoir com as letras contra a guerra no Vietnam e a situação política dos Estados Unidos. E atualmente, ainda há músicas de protesto nos Estados Unidos?
MH – Bem, sempre haverá. Em todos os lugares onde vamos existem os lutadores pela liberdade, incluindo nos Estados Unidos. Mas também temos problemas ao redor do mundo e sempre haverá os artistas que serão contra a opressão e falarão em justiça e paz. É isso que eu faço no blues.


EM – Pergunto isso porque os Estados Unidos hoje sustentam guerras em três países, Líbia, Afeganistão e Iraque. O presidente Barack Obama diz que vai deixar esses países, mas nada acontece.
MH – É uma coisa interessante. O presidente dos Estados Unidos tem limitações porque tem de trabalhar dentro de um sistema. Eu estava dizendo ontem que “a melhor coisa que você pode fazer, é não fazer a pior coisa que você pode fazer” (risos). Barak Obama geralmente não faz a pior coisa. Diferente de George Bush que sempre optava pelo pior: mais guerra, mais repressão. Obama está se movendo na direção certa de acabar com isso. É claro que as pessoas querem que ele se mova mais rápido e seja mais forte. Mas é um grande alívio o fim dos oito anos de Bush.

EM – Você tem uma música chamada Black Gold que é uma maravilha e que fala contra a especulação do petróleo.
MH – Sim, a música fala sobre libertar as pessoas, nos Estados Unidos ou fora dele. Libertarem dos seus carros, do óleo, da ganância pelo dinheiro. E as pessoas que tem dinheiro cobram as que não têm e isso causa medo. A mensagem é bem clara. Essa música é do álbum Goddesses and Gold Redux, cujas músicas são dedicadas ao espírito da paz e justiça. É um relançamento de um CD de 2005 com três músicas novas. Uma delas é U.S. Blues Again e fala sobre a eleição de Barack Obama e sobre o racismo e a ignorância. Coloca o blues ao seu lado. Se você é pobre, se você é mulher lutando pela sua liberdade, se você é gay, se você é imigrante. O Blues está do seu lado.

EM – Essa semana Barack Obama foi muito corajoso ao se posicionar a favor da união de pessoas do mesmo sexo, você não acha? 
MH – Sim, significa que ele teve seu tempo para isso. Pra mim seria ótimo se ele tivesse dito quatro anos atrás. Mas ele é político. Eu fiquei feliz de ele ter dito isso agora. Porque ele está certo, tem de fazer isso mesmo. Al Sharpton é cristão, assim como Obama, e em um debate há oito anos perguntaram a todos os candidatos o que achavam sobre a união dos gays e sobre os seus direitos. Al Sharpton foi o único que disse que era a favor.




EM – Não é certo misturar religião com política.
MH – É loucura, uma diz pra você fazer isso e a outra diz que as pessoas têm de ser livres.

EM – Vocês estão às vésperas de uma eleição presidencial. O que você acha de Mitt Romney?
MH – Ele tinha uma companhia que comprava outras companhias para despedir as pessoas. Fazia Muito dinheiro com isso. Eu não odeio ninguém... mas as ações das pessoas falam mais do que as palavras. E sua história conta muito sobre ele. É uma pessoa que não tem interesse nas outras pessoas. Tudo gira em torno de dinheiro. Ele serve o dinheiro como se fosse o seu mestre. Ele vê o lucro acima das pessoas.  

EM – Voltando à música. Eu tenho uma teoria. A Soul Music veio do blues, mas com o passar dos anos, com artistas como Marvin Gaye, Curtis Mayfied e outros, a soul music acabou influenciando os artistas de blues. Você é um dos músicos que carregam essa influência. Gostaria que falasse sobre isso.
MH – Não há separação pra mim. soul, funk, jazz, R&B, rap vêm da mesma fonte, o blues e os spirituals. Porém, a música também vem do coração e da alma. Ela dá voz às pessoas mostrando o que acontece em suas vidas. E todas essas músicas não são diferentes nisso. Se você toca blues a sua alma estará nele. Se você toca rock é a mesma coisa. Você falou em Marvin Gaye e Curtis Mayfield, mas você pode escutar canções de protesto com Jefferson Airplane, The Doors, Country Joe e The Fish, Bob Dylan. Todos os que falam sobre justiça social. Pra mim há blues e soul em tudo isso.

EM – O Bruce Springsteen um dos artistas mais engajados dos Estados Unidos. O que você acha dele?
MH – Adoro o Bruce, acho um grande artista. Ele é um lutador pela liberdade e justiça. É um ótimo letrista, que conta histórias sintomáticas cheias de consciência.

EM – Você conhece os ritmos brasileiros?
MH – Conheço o samba e a bossa nova. Já vi alguns filmes com ritmos brasileiros em uma televisão pública nos Estados Unidos. Eram impressionante, com um monte de coisas. Há mais música aqui do que vocês podem ouvir (risos). Os músicos daqui são incríveis. Eu adoro Romero Lubambo. Ele é um ótimo guitarrista e uma ótima pessoa. Só de ficar perto de Romero você se sente bem com relação à música e à vida. É inspirador.

EM – Você sabia que o Romero mora perto de você, em New Jersey.
MH – Sim, é uma benção para New Jersey (risos).