Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Leandro Amaral
Mas nem sempre foi assim. Nas décadas 80 e começo de 90, apesar de gravar e trabalhar com regularidade, passou os anos lidando com as drogas a ponto de ter de pedir ajuda e ter de se afastar da cena por um período.
É autor dos antológicos álbuns solos Mercurial Son, Blues Had a Baby e Young Man’s Blues: Best of JSP Sessions 1989/90. Em parceria com seu pai, que sempre lhe deu a maior força, gravou Son of a Gun, Dinasty, Second Nature. Uma discografia de peso.
Além de seu pai, tocou com figuras chaves do gênero: Eddy Clearwater, Billy Branch, Koko Taylor, Big Walter Horton, Eddie C. Campbell, Mississppi Heat, Eddie Taylor (Big Town Playboy) e outros.
Em setembro de 2012 Lurrie veio ao Brasil pra divulgar The God Ain’t Got no Music, CD recém lançado e ótimo trabalho acústico e com músicas gospel.
O responsável pela turnê nacional foi o gaitista Big Chico, com quem Lurrie realizou meia dúzia de shows pelo Brasil. O show de abertura foi aqui em Santos, no Studio Rock Café, onde realizei a entrevista exclusiva para o Mannish Blog e produzi a gig.
Na entrevista, Lurrie fala sobre o amor por Deus e a música gospel, sobre algumas passagens ao lado de seu pai, uma verdadeira lenda do blues. Valeu Chico.
Eugênio Martins Júnior – Qual foi a principal lição que você aprendeu com Carey Bell, seu pai?
Lurrie Bell – Ouvir a minha alma. Olhar dentro de mim e sentir o blues fluindo na guitarra ou na harmônica ou qualquer instrumento que toque. Ele me disse: “Observe, ouça e aprenda”.
EM – E o cuidado com as letras. Você se considera um bluesman tradicional, um contador de história?
LB – Sim senhor. Cresci ouvindo os grandes do blues. Junior Wells, Lighting Hopkins, Eddie Taylor, Roy Johnson e Carey Bell, meu pai. Ouvi todos eles quando tinha cinco ou seis anos e eles me ensinaram como me apresentar tocando o blues. Eles viviam em minha casa. Sentava com meu pai que eu amava e criava a música mais bonita que há.
EM – Like father, like son?
LB – Sim, tentei seguir seus passos porque sempre acreditei no que ele estava fazendo com relação à música.
EM – Todos nós temos a curiosidade de saber como é conviver com todas essas lendas do blues. Quer dizer, pelo menos os fãs de blues. Conte como era essa convivência.
LB – Bem, eles estavam sempre por ali. Sempre prontos pra tocar blues. Eles gostavam do meu pai e ele tinha a sua banda. Onde eu morava, no West Side Chicago, Fifth Avenue, meu pai ensaiava no porão daquela casa e eu sentava lá e costumava ouvir a banda. Havia uma guitarra largada no chão bem à minha frente. E eu pegava aquela guitarra e costumava acompanhar a banda. Depois disso, nunca mais larguei ela no chão. Comecei a desenvolver meu próprio estilo de tocar blues.
EM – E qual desses músicos mais o influenciou?
LB – Eddie Taylor. Que por sua vez costumava tocar com Jimmy Reed. Tocou na maioria de seus discos. Esse cara tem um som maravilhoso.
EM – Você tocou com ele naquele tempo?
LB – Sim, trabalhamos juntos.
EM – Além dessa escola do blues, você tocou nas igrejas do sul. Como essa experiência influenciou sua música?
LB – Meus avós freqüentavam uma igreja em Lisman, no Alabama, cerca de 30 milhas de Meridian, no Mississippi. Eles me obrigavam ir a à igreja. Eu era jovem e eles me ensinavam a fazer o que era certo. Então eu ficava lá ouvindo o coro e o quarteto e tinha aulas sobre a bíblia e encontros onde cantávamos as canções e revivals. Aí comecei ir a igrejas diferentes do sul com o meu avô. Comecei a tocar guitarra para aquela gente. Virei um membro ativo. Sou muito religioso, acredito em Deus. Foi a primeira música que eu realmente amei e ela me influenciou. Aí meu pai me quis de volta. Porque eu nasci em Chicago, mas vivi no sul um bom tempo porque queriam que eu ficasse longe de problemas. Fora das ruas de Chicago. Mas sempre amei o Senhor. Os spirituals estão sempre no meu coração.
EM – Eles te mandaram para o sul porque você era uma criança problemática? (risos)
LB – Sim. Bem, crescendo no West Side de Chicago você arruma confusão mesmo não querendo. Você sabe, há muitos mal-entendidos. Pessoas fazendo coisas erradas nas ruas. Essa foi a principal razão pra eu ter sido mandado pro sul. E foi lá que eu aprendi muito sobre o gospel, country and western. Naquela época a música que vinha do sul era incrível, cara.
EM – Ouvir todas aquelas músicas religiosas o colocaram mais perto de Deus.
LB – Sim. Tenho 53 anos e deus me abençoou todos esses anos com meu talento. Com minha harmônica, minha guitarra, minha voz e meu jeito de cantar. Tenho viajado pelo mundo e continuo vivo porque Deus está comigo todos esses anos. E eu agradeço. Eu tenho um disco de música gospel chamado The Devil Ain’t Got No Music. Você tem de ouvi-lo.
EM – Sempre que alguém que eu entrevisto toca com alguém que é uma lenda do blues eu pergunto como era a pessoa e você tocou com Koko Taylor. Como ela era?
LB – Era uma das maiores vozes femininas do blues que eu ouvi na vida. Ela era incrível, cara. Ela tinha um estilo que eu nunca havia visto. Ela podia cantar o blues a noite inteira. Estive na Koko Taylor Blues Band por seis anos e viajamos pelo mundo todo. Nunca vou esquecer o que ela fez. Ela me colocou em sua banda e me mostrou tudo sobre como ser profissional. Conheci pessoas incríveis.
EM – Você gravou grandes discos com seu pai. Um dos que eu mais gosto é o Second Legend, um disco acústico. Como foi a escolha do repertório?
LB – Sobre aquele CD em particular, estávamos na Finlândia e o promotor da turnê nos pediu pra gravar um CD. As coisas estavam indo bem, a turnê foi um sucesso, as pessoas gostaram muito de nós. Eu e meu pai estávamos satisfeitos em relação ao nosso trabalho. Esse clima gerou Second Nature. Meu pai tem seu jeito de interpretar as canções e eu aprendi a tocar de ouvido. Ouvindo meu pai tocar e seguindo-o. Ele costumava sentar e ouvir muitos discos de blues quando morávamos em Chicago, artistas como Albert King, Little Milton, Lowell Fulson, Fenton Robinson. Era muito fácil tocarmos juntos qualquer música. A coisa fluía entre nós.
LB – Sim. Se você tem seu próprio selo se sente melhor com relação ao seu trabalho. Se você é dono do selo, todos os direitos voltam pra você. Outras pessoas não terão o controle financeiro nem direitos sobre sua obra.
EM – Os grandes nomes do blues estão ficando velhos ou morrendo. Como estará o blues daqui a 20 anos?
LB – Bem, espero estar vivo em 20 anos. Mas vou morrer tocando blues que pra mim é especial. Sinto o blues a cada minuto da minha vida, a cada segundo. Ele fala sobre a vida, sobre a história, sobre o hoje e sobre o amanhã. Daqui a 20 anos? Estarei velho, mas planejo tocar o blues até lá. É meu trabalho, eu divirto as pessoas com minha música. Deus me colocou aqui pra isso. Espero que a geração que estiver lá diga: “Lurrie Bell é legal”.
Execelente entrevista com esse grande guitarrista Lurrie Bell. Como sempre, não há aposentadoria no mundo do blues. Esse cara, com certeza, irá até o fim dessa estrada!E que seja com aqueles riffs incriveis na guitarra!
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