Texto: Marcelo Moreira/Combate Rock UOL
Foto do blog Choque Cultural
Uma das coisas boas da previsibilidade é que as coisas previsíveis são previsíveis, especialmente na política. Portanto, só os desinformados se surpreenderam com as recentes bobagens e decisões estapafúrdias que os recém-empossados Donald Trump (presidente dos Estados Unidos) e João Doria Júnior (prefeito de São Paulo) cometeram em tão pouco tempo. Eles prometeram eu suas campanhas e estão cumprindo. Qual a surpresa então?
Em meio ao marketing pessoal e decisões polêmicas, o novo prefeito de São Paulo disse a que veio ao ameaçar com privatizações da cultura e fim da arte de rua, em todas as suas formas.
O ataque anunciado aos equipamentos culturais é brutal, com a intenção de privatizar bibliotecas municipais e o Centro Cultural São Paulo, além da transferência da Virada Cultural para o longínquo e inadequado autódromo de Interlagos – “para não incomodar a população de São Paulo”…
A polêmica mais recente é em relação ao grafite, a arte de rua por excelência, onde artistas ocupam muros e paredes com desenhos sensacionais (às vezes nem tanto).
A recente investida dos serviços de fiscalização da prefeitura e da Guarda Civil Metropolitana mostram que a nova administração despreza qualquer tipo de manifestação cultural que não esteja nos “conformes”, com a destruição de desenhos na avenida 23 de Maio e em outros lugares.
A implicância de Doria é com a “pichação”. Com isso, ele joga no mesmo saco o grafite, que é arte reconhecida internacionalmente, sendo que alguns dos artistas mais importantes do mundo são brasileiros.
Um aparte importante: grafite é arte, e pichação não passa de vandalismo e depredação, ainda que muitos “especialistas”, filósofos de boteco e de redes sociais e ainda alguns vândalos insistam que existe um conceito e uma “motivação” política por traz dos rabiscos que sujam a cidade.
E o que tem a ver o ataque de Doria contra os grafites, que amenizam a degradação visual e ambiental da cidade, com a música?
Não tenham dúvidas: a mesma intempestividade e virulência do ataque da prefeitura paulistana contra o grafite será aplicada a todas as formas de arte de rua, em toda a cidade.
Portanto, prepare-se para não ver mais aquela banda de rock indie bacaninha que toca na avenida Paulista aos domingos; esqueça do trio de jazz que de vez em quando, em dias da semana, faz um som legal em frente ao Conjunto Nacional, na mesma avenida Paulista; esqueça da banda de blues que faz a alegria de muita gente no parque Trianon e dos trios de choro que zanzam pelo centro velho de São Paulo.
Além da bem-vinda criação de mais um espaço de lazer, a avenida Paulista fechada ao trânsito aos domingos trouxe um enorme ganho cultural: trupes de teatro amador podem livremente mostrar seu trabalho antes restrito a salas fechadas; artesãos podem expor livremente e comercializar seus produtos; músicos de todos os calibres e quilates podem tocar à vontade, em uma sinfonia sonora estranha, mas totalmente livre e anárquica.
A cruzada contra o grafite – que para Doria é a mesma coisa que pichação – logo chegará aos músicos de rua.
Uma simples serenata será coibida? Grupos de música típica serão proibidos de tocar em festas étnicas de rua? Como imaginar festas italianas no Bexiga e na Mooca sem sanfoneiros e cantores? Como pensar as festas latinas no Pari sem os trios e duplas tocando flautas e percussão andinas?
Os integrantes da banda Test, por exemplo, que param sua Kombi em qualquer lugar e imediatamente descem e saem tocando, seriam presos? a banda Folk na Kombi, idem?
O rock nunca teve tradição nas ruas de São Paulo – ou em qualquer rua de cidades brasileiras -, mas algumas iniciativas recentes ajudaram disseminar a ideia de que a rua e outros espaços urbanos podem e devem ser ocupados, no centro e na periferia, para a difusão de projetos culturais.
O Rock na Praça teve quatro edições nos últimos dois anos e foi uma das mais legais iniciativas gratuitas de colocar o rock na rua para espalhar cultura.
Outros projetos semelhantes foram o Rock na Casa e o Rock na Calçada – todos, evidentemente, programados com antecedência e com o então apoio da prefeitura paulistana na gestão de Fernando Haddad (PT).
As preocupações com o fim de projetos como esses e a eventual (e previsível) restrição ou proibição de música livre na rua são grandes. A fiscalização aos ambulantes já está pesada, com relatos de repressão e apreensão de material de artesãos mesmo aos domingos, quando a avenida Paulista e outras vias são fechadas ao tráfego.
Pela internet, alguns músicos estiveram incentivando bandas de todos os gêneros a programar uma ocupação da avenida Paulista e de outros espaços públicos para fazer um protesto sonoro contra o ataque à arte de rua e para garantir que não haja eventual repressão contra quem quiser tocar de forma livre e espontânea. Até agora a iniciativa não decolou, mas torçamos para que a proposta vingue. A rua é nossa e de todos.
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