Estamos vivendo talvez a situação mais grave de desabastecimento de água da história do estado de São Paulo. Uma calamidade.
O governo do estado evita ao máximo usar a palavra racionamento, mesmo que muitos moradores já passem por isso.
Mas o que é que esse assunto, amplificado pela proximidade da eleição, tem a ver com cultura? Explico.
Entre o final de 2011 e início de 2012 aprovei um projeto de um grande festival de música no Ministério da Cultura (MinC) pela Lei Rouanet.
Para quem não sabe, essa lei prevê a transferência de dinheiro de impostos das empresas aos projetos culturais e sociais aprovados, desde que atenda rigidos critérios.
De certa forma, é emprego de dinheiro público. Para ser aprovado, o projeto passa pelo crivo de “pareceristas” escolhidos a dedo pelo MinC que, além de julgarem a capacidade do produtor em viabilizar o evento, julgam também a relevância social e cultural do projeto.
Pois bem, o festival seria realizado em Santos, no local conhecido como Emissário Submarino, uma área que ficou abandonada por décadas, mas agora se encontra revitalizada. Na verdade, essa área abriga um equipamento da Sabesp, construído ali nos anos 70.
Seria realizado em três dias, cada dia com três shows. Entre as atrações, estavam previstas o que há de melhor na música instrumental brasileira, todos listados no projeto.
A novidade estava na proposta além da música. Decidi que não iríamos apenas pegar o dinheiro dos patrocinadores e empregar no festival. Além da boa música, daríamos um retorno maior à sociedade. Esse festival teria um viés de sustentabilidade.
Todos os itens da produção e a estratégia de divulgação seriam limpos. Ou seja, não seriam distribuídos panfletos para não sujar as vias públicas; não haveria a utilização de lambe-lambe; os impressos seriam em papel reciclado; na divulgação usaríamos bicicletas, balões e intervenções musicais em pontos de grande circulação; os geradores funcionariam com biodiesel e dispositivo anti-ruído; haveria pontos de coleta com lixeiras especiais para material reciclável; haveria banheiros químicos e acesso para portadores de necessidades especiais; recolheríamos, créditos de carbono relativos ao consumo energético do evento; doaríamos mudas de espécies de plantas locais para reflorestamento; firmaríamos parcerias com empresas especializadas em serviços de reciclagem que fariam o peneiramento do entorno da área do festival, visando a retirada de detritos. O objetivo seria entregar o local mais limpo do que encontramos. Ou seja, além do legado cultural, deixaríamos um legado ambiental. Uma total mudança de conceito.
Nesse bojo, um item muito importante seria o espaço para educação chamado Tenda Sustentabilidade. Um espaço com cadeiras, equipamento de som e vídeo destinado a palestras educativas relativas ao uso consciente da água. Palestrantes iriam orientar a população a economizar água em seu dia a dia. Haveria debates sobre o porto de Santos, a qualidade da água das praias e as empresas patrocinadoras poderiam mostrar o que estariam fazendo para economizar água e a favor do meio ambiente.
No processo de captação, no início de 2012, usei todos os artifícios, argumentos e amizades possíveis. Inclusive conexões políticas, pessoas influentes aqui em Santos que simplesmente acreditaram na ideia e deram a maior força. Atualmente duas dessas pessoas ocupam importantes cargos públicos, mas na época não. A elas sou grato.
Após alguns contatos, as portas da Sabesp foram abertas para apresentação do meu projeto. A reunião foi marcada para 16 horas, do dia 05 de dezembro de 2012, na sede da empresa, rua Nicolau Gagliardi, 313, em Pinheiros, São Paulo.
Eu e o coordenador do meu projeto subimos a serra do mar rumo a São Paulo e enfrentamos o trânsito problemático de cidade para chegar no horário marcado.
Fomos recebidos pelo responsável pela superintendência de comunicação da Sabesp que já entrou na sala de reuniões dizendo que seria muito difícil a empresa patrocinar o projeto, sem antes mesmo de ter ouvido e visto o material que eu havia levado. Se não uma falta de educação, uma total falta de profissionalismo.
Após esse banho de água fria tentei manter a calma e argumentar que estava ali vindo de Santos e que ele poderia pelo menos tomar conhecimento do projeto. Esperava sensibilizá-lo durante minha explanação. Após alguns momentos em pé ele concordou em ouvir.
Detalhadamente expliquei todos os itens descritos acima, enfatizando o trabalho de conscientização sobre o consumo de responsável água. Após tudo isso, veja o diálogo que se seguiu:
Sabesp: Não vamos patrocinar porque esse tipo de evento não nos dá retorno.
Eugênio: Depende do tipo de retorno que você quer ter. Se for a conscientização da população, acho que dá sim.
Sabesp: A última vez que apoiamos um festival desse tipo a Sabesp foi vaiada.
Eugênio: Não seria talvez porque vocês fazem buraco e não tampam. Por coincidência, minha mãe de 79 anos está com o olho roxo por causa de um tombo em um buraco da Sabesp que estava aberto. Acho que a empresa deveria fazer uma autocrítica.
Sabesp: Além disso, gastamos muito dinheiro com uma campanha pra televisão com os cantores Fernando e Sorocaba que estréia nesse verão.
Eugênio: Olha, se vocês apoiarem o festival não acontecerá só esse ano. A campanha será sistemática e atingirá milhares de pessoas.
Sabesp: Infelizmente a Baixada Santista não é nosso foco no momento.
A reunião acabou fria. Deixei o meu material e fui embora, o trânsito do horário do rush de São Paulo me esperava.
No dia seguinte enviei educadamente um email agradecendo pela reunião. Veio uma resposta cortês dizendo que se houvesse interesse, a empresa entraria em contato. Nunca aconteceu.
Algumas considerações:
1 – A Sabesp tem o direito a apoiar ou patrocinar quem bem entende, só não somos obrigados a concordar com os motivos e a forma de como isso é feito.
O governo do estado evita ao máximo usar a palavra racionamento, mesmo que muitos moradores já passem por isso.
Mas o que é que esse assunto, amplificado pela proximidade da eleição, tem a ver com cultura? Explico.
Entre o final de 2011 e início de 2012 aprovei um projeto de um grande festival de música no Ministério da Cultura (MinC) pela Lei Rouanet.
Para quem não sabe, essa lei prevê a transferência de dinheiro de impostos das empresas aos projetos culturais e sociais aprovados, desde que atenda rigidos critérios.
De certa forma, é emprego de dinheiro público. Para ser aprovado, o projeto passa pelo crivo de “pareceristas” escolhidos a dedo pelo MinC que, além de julgarem a capacidade do produtor em viabilizar o evento, julgam também a relevância social e cultural do projeto.
Pois bem, o festival seria realizado em Santos, no local conhecido como Emissário Submarino, uma área que ficou abandonada por décadas, mas agora se encontra revitalizada. Na verdade, essa área abriga um equipamento da Sabesp, construído ali nos anos 70.
Seria realizado em três dias, cada dia com três shows. Entre as atrações, estavam previstas o que há de melhor na música instrumental brasileira, todos listados no projeto.
A novidade estava na proposta além da música. Decidi que não iríamos apenas pegar o dinheiro dos patrocinadores e empregar no festival. Além da boa música, daríamos um retorno maior à sociedade. Esse festival teria um viés de sustentabilidade.
Todos os itens da produção e a estratégia de divulgação seriam limpos. Ou seja, não seriam distribuídos panfletos para não sujar as vias públicas; não haveria a utilização de lambe-lambe; os impressos seriam em papel reciclado; na divulgação usaríamos bicicletas, balões e intervenções musicais em pontos de grande circulação; os geradores funcionariam com biodiesel e dispositivo anti-ruído; haveria pontos de coleta com lixeiras especiais para material reciclável; haveria banheiros químicos e acesso para portadores de necessidades especiais; recolheríamos, créditos de carbono relativos ao consumo energético do evento; doaríamos mudas de espécies de plantas locais para reflorestamento; firmaríamos parcerias com empresas especializadas em serviços de reciclagem que fariam o peneiramento do entorno da área do festival, visando a retirada de detritos. O objetivo seria entregar o local mais limpo do que encontramos. Ou seja, além do legado cultural, deixaríamos um legado ambiental. Uma total mudança de conceito.
Nesse bojo, um item muito importante seria o espaço para educação chamado Tenda Sustentabilidade. Um espaço com cadeiras, equipamento de som e vídeo destinado a palestras educativas relativas ao uso consciente da água. Palestrantes iriam orientar a população a economizar água em seu dia a dia. Haveria debates sobre o porto de Santos, a qualidade da água das praias e as empresas patrocinadoras poderiam mostrar o que estariam fazendo para economizar água e a favor do meio ambiente.
No processo de captação, no início de 2012, usei todos os artifícios, argumentos e amizades possíveis. Inclusive conexões políticas, pessoas influentes aqui em Santos que simplesmente acreditaram na ideia e deram a maior força. Atualmente duas dessas pessoas ocupam importantes cargos públicos, mas na época não. A elas sou grato.
Após alguns contatos, as portas da Sabesp foram abertas para apresentação do meu projeto. A reunião foi marcada para 16 horas, do dia 05 de dezembro de 2012, na sede da empresa, rua Nicolau Gagliardi, 313, em Pinheiros, São Paulo.
Eu e o coordenador do meu projeto subimos a serra do mar rumo a São Paulo e enfrentamos o trânsito problemático de cidade para chegar no horário marcado.
Fomos recebidos pelo responsável pela superintendência de comunicação da Sabesp que já entrou na sala de reuniões dizendo que seria muito difícil a empresa patrocinar o projeto, sem antes mesmo de ter ouvido e visto o material que eu havia levado. Se não uma falta de educação, uma total falta de profissionalismo.
Após esse banho de água fria tentei manter a calma e argumentar que estava ali vindo de Santos e que ele poderia pelo menos tomar conhecimento do projeto. Esperava sensibilizá-lo durante minha explanação. Após alguns momentos em pé ele concordou em ouvir.
Detalhadamente expliquei todos os itens descritos acima, enfatizando o trabalho de conscientização sobre o consumo de responsável água. Após tudo isso, veja o diálogo que se seguiu:
Sabesp: Não vamos patrocinar porque esse tipo de evento não nos dá retorno.
Eugênio: Depende do tipo de retorno que você quer ter. Se for a conscientização da população, acho que dá sim.
Sabesp: A última vez que apoiamos um festival desse tipo a Sabesp foi vaiada.
Eugênio: Não seria talvez porque vocês fazem buraco e não tampam. Por coincidência, minha mãe de 79 anos está com o olho roxo por causa de um tombo em um buraco da Sabesp que estava aberto. Acho que a empresa deveria fazer uma autocrítica.
Sabesp: Além disso, gastamos muito dinheiro com uma campanha pra televisão com os cantores Fernando e Sorocaba que estréia nesse verão.
Eugênio: Olha, se vocês apoiarem o festival não acontecerá só esse ano. A campanha será sistemática e atingirá milhares de pessoas.
Sabesp: Infelizmente a Baixada Santista não é nosso foco no momento.
A reunião acabou fria. Deixei o meu material e fui embora, o trânsito do horário do rush de São Paulo me esperava.
No dia seguinte enviei educadamente um email agradecendo pela reunião. Veio uma resposta cortês dizendo que se houvesse interesse, a empresa entraria em contato. Nunca aconteceu.
Algumas considerações:
1 – A Sabesp tem o direito a apoiar ou patrocinar quem bem entende, só não somos obrigados a concordar com os motivos e a forma de como isso é feito.
2 – Apesar do apoio de órgãos municipais, o festival nunca aconteceu por falta de captação. Então porque eu estou reclamando da Sabesp? O uso responsável de água seria a razão de ser do evento e a Sabesp foi convidada para patrocinador máster. Algumas das empresas que visitei disseram que entrariam na parceria caso a Sabesp patrocinasse.
3 – O fato de a Sabesp ter sido vaiada em um festival aberto, não quer dizer que a culpa seja do festival. Uma das funções do profissional da comunicação seria detectar o motivo que levou a empresa ganhar essa imagem negativa.
4 – Não sei quanto custou a campanha com o Fernando e Sorocaba para a TV, mas sei que com esse dinheiro a Sabesp poderia patrocinar muitos eventos ligados à sustentabilidade e que teriam muito mais efeito.
5 - É bom lembrar que no site da empresa, no campo Uso Racional da Água, consta o item “Conscientizar a população da questão ambiental visando mudanças de hábitos” em seu programa relativo ao meio ambiente. Não se trata aqui de desqualificar o trabalho feito pela Sabesp até então. Não sou técnico e nem tenho competência pra isso. O que está sendo questionado é o apoio da empresa em eventos culturais que não tocam sequer no assunto meio ambiente, quanto mais o consumo responsável de água.
6 – E o mais importante de tudo. Qual seria o “retorno” pretendido pelo burocrata da Sabesp senão a conscientização da população sobre a economia de água? Com palestras, ações promocionais, eventos educativos, tudo isso realizado em cima de um equipamento da Sabesp e em uma cidade que tem 100% de esgoto tratado. Há propaganda positiva melhor do que essa?
3 – O fato de a Sabesp ter sido vaiada em um festival aberto, não quer dizer que a culpa seja do festival. Uma das funções do profissional da comunicação seria detectar o motivo que levou a empresa ganhar essa imagem negativa.
4 – Não sei quanto custou a campanha com o Fernando e Sorocaba para a TV, mas sei que com esse dinheiro a Sabesp poderia patrocinar muitos eventos ligados à sustentabilidade e que teriam muito mais efeito.
5 - É bom lembrar que no site da empresa, no campo Uso Racional da Água, consta o item “Conscientizar a população da questão ambiental visando mudanças de hábitos” em seu programa relativo ao meio ambiente. Não se trata aqui de desqualificar o trabalho feito pela Sabesp até então. Não sou técnico e nem tenho competência pra isso. O que está sendo questionado é o apoio da empresa em eventos culturais que não tocam sequer no assunto meio ambiente, quanto mais o consumo responsável de água.
6 – E o mais importante de tudo. Qual seria o “retorno” pretendido pelo burocrata da Sabesp senão a conscientização da população sobre a economia de água? Com palestras, ações promocionais, eventos educativos, tudo isso realizado em cima de um equipamento da Sabesp e em uma cidade que tem 100% de esgoto tratado. Há propaganda positiva melhor do que essa?
Para quem teve paciência de ler esse texto até o final, quero dizer que visitei muitas empresas e me correspondi com outras tantas na fase de captação. Gastei dinheiro do próprio bolso nessa peregrinação, e não foi pouco.
A maioria das empresas não se sensibilizou com o apelo da economia de água, nosso bem mais importante, e toda a estrutura sustentável do festival.
Hoje vivemos na iminência de um racionamento. Pelo menos no estado de São Paulo. Acredito que alguma coisa esteja errada nos setores de marketing e meio ambiente das empresas e duvido da sinceridade delas quando dizem que estão preocupadas com o meio ambiente.
Assumo aqui a minha incompetência por não ter conseguido sensibilizar os diretores de marketing dessas empresas.
Porém, por ser tratar de jovens que usam sapatênis da moda e supostamente deveriam ter a mente aberta, não esperava tanta frieza, desinteresse e desconhecimento sobre o tema sustentabilidade.
PS: Sabesp, por favor, tape seus buracos. Reais e conceituais.
A maioria das empresas não se sensibilizou com o apelo da economia de água, nosso bem mais importante, e toda a estrutura sustentável do festival.
Hoje vivemos na iminência de um racionamento. Pelo menos no estado de São Paulo. Acredito que alguma coisa esteja errada nos setores de marketing e meio ambiente das empresas e duvido da sinceridade delas quando dizem que estão preocupadas com o meio ambiente.
Assumo aqui a minha incompetência por não ter conseguido sensibilizar os diretores de marketing dessas empresas.
Porém, por ser tratar de jovens que usam sapatênis da moda e supostamente deveriam ter a mente aberta, não esperava tanta frieza, desinteresse e desconhecimento sobre o tema sustentabilidade.
PS: Sabesp, por favor, tape seus buracos. Reais e conceituais.