Na quarta-feira, dia 22 de setembro, o cantor e compositor Tom Zé vem a Santos para a 2ª edição da Tarrafa Literária, realizada pela Realejo Livros, sob a curadoria de José Luiz Tahan. A festa vai até o domingo, dia 26, sempre no Teatro Guarany, no Centro Histórico da cidade. A abertura do show ficará por conta da Banda Querô, do Instituto Arte no Dique.
O evento conta ainda com participações dos escritores Luiz Fernando Veríssimo, Zuenir Ventura, Roberto Muylaert, Maria Valéria Rezende e dos músicos Zeca Baleiro e João Barone, além de outros escritores e jornalistas brasileiros. Entre os estrangeiros, marcam presença Jeremy Mercer (Canadá), Mark Crick (Inglaterra) e Célestin Monga (Camarões).
Como não podía ficar de fora dessa grande manifestação cultural, que já figura no calendário oficial da cidade, o Mannish Blog fará a produção do show de Tom Zé e das mesas de discussões.
A entrevista abaixo foi feita na casa do próprio artista quando fomos gravar os spots de rádio e TV para divulgar a Tarrafa. Tom Zé e Neusa, sua empresária, e nas horas vagas esposa, estavam relax. É ela quem controla o espaço e tempo em volta de Tom.
Eles moram em São Paulo, cidade que Tom adotou desde que saiu de Irará, na Bahia. Cidade que ele canta, encanta e se encanta.
Aqui, como de costume, solta o verbo e não foge de nenhuma pergunta. Quando não gosta de alguma coisa fala na hora, mas quando concorda sabe dar o braço a torcer. Essas qualidades, além das musicais, óbvio, fazem a gente ter orgulho desse artista que tem é a cara do Brasil. Literatura, funk carioca, aposentadoria, Caetano Veloso são alguns dos assuntos abordados. Leia.
Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: divulgação
Eugênio Martins Júnior - Como vai ser o show em Santos e qual a tua expectativa em abrir um festival literário?
Tom Zé – É bom e é curioso que eu esteja presente na abertura de um festival literário, por que livro foi uma coisa que salvou a minha vida. Na infância tinha muita dificuldade de me relacionar e na casa de meu avô montaram uma biblioteca, por que toda casa burguesa queira ter uma biblioteca boa para exibir. Por acaso era uma biblioteca fantástica, onde eu comecei a ler simplesmente Tomas Mann, Euclides da Cunha, Dante Alighieri, muita coisa excepcionalmente boa e acabou sendo o consolo da minha juventude que era meio dura de agüentar.
EM – É mesmo, por quê?
TZ – Dada a dificuldade em me colocar na sociedade, mesmo em Irará, uma cidade pequena, acanhamento, vergonha, timidez, e aí eu ia pra casa e lia toda noite e acabei tendo no livro uma base de formação e tal. Sem nenhuma pose de literato, nem nada.
EM – Pelo menos a timidez não existe mais.
TZ – Não agora, não sou mais, reconheço.
EM – O show em Santos será baseado no Pirulito da Ciência?
TZ – O fato de ter literatura... já lhe dei, por acaso, a letra de Língua Brasileira, uma canção feita com a garra mesmo de quem faz poesia da língua: “Babel da Língua em pleno cio/ Seduz à África, cede ao gentio/ Substantivos, verbos, alfaias de ouro/ Os seus olhares conquistam do mouro”. É aquela coisa bem fundada, na parte radical da formação da língua, quando Portugal e Espanha estavam se separando. “Quando me sorris/ Visigoda e celta/ Dama, culta e bela/ Língua de aviz// Fado de punhais/ Inês e desventuras/ Lá onde costuras/ Multidão de ais”. Coisas assim, que é interessante pra um festival de literatura. E várias outras coisas que vou procurar naquele roteiro no Pirulito da Ciência o que se refere à literatura, que sempre tem muita coisa e vou dar preferência pra isso. Lá tem 25 canções, não se faz um show tão grande. Então nas 12 e 14 que vou escolher pra contar, vou dar preferência pra coisas que tem a ver com literatura.
Foto: Kleide Teixeira
EM – Geralmente quando o artista fala que vai fazer um apanhado ele está requentando coisas que já fez sucesso, que já tocou muito e isso não acrescenta nada na carreira dele. Penso que talvez seja uma entre safra criativa ou mesmo coisa pior, falta de criatividade mesmo. No teu caso acho que não há esse problema, porque você nunca tocou em rádio, nunca fez parte da mídia massificada. Dá pra fazer.
TZ - Eu estava numa fase de muito trabalho, havia acabado de compor o Estudando a Bossa e agora está saindo nos Estados Unidos uma caixa de vinis com o Estudando o Samba, Estudando o Pagode e o Estudando a Bossa e eu queria muito que o produtor desse apanhado da carreira fosse o Charles Gavin. Eu disse: “Charles, pensei que você queria gravar o show da bossa nova que eu fiz uma coisa toda nova, um trabalho de palco imenso, praticamente uma coisa de teatro”. E ele disse que não, que era bom regravar essa coisa da retomada da carreira toda e eu acabei cedendo a ele e foi bom porque aconteceu o seguinte: eu não sabia que ia encontrar coisas tão ricas que estavam adormecidas lá no passado. Ele me ajudou a fazer esse apanhado, ele trabalhou na produção junto à gravadora, junto à televisão 66, a TV Brasil, não é? De filmes, que patrocinou e estão passando o filme toda hora. Quando chegar em Santos, milhões de pessoas já terão visto o Fabricando o Tom Zé. Além dele, o DVD Pirulito da Ciência tem passado muito no Canal Brasil.
EM – Também tem passado muito na Sesc TV o documentário sobre aquela Orquestra Mediterrânea que você participa. Tem uma parte que mostra você comprando aquele negócio que os camelôs usam na boca e infernizam quem passa: “Titia, papai tá aí. Titia, papai tá aí”. Você já usou aquilo em algum show?
TZ – É verdade. Já usei, sempre estou fazendo essas coisas. (risos).
EM – Você vai fazer 74 anos em outubro. Existe a palavra aposentadoria no teu dicionário?
TZ – Tem a palavra sim. No ano passado tive um problema nas costas que os médicos disseram que eu ia parar. Então eu pensei até a pedir ao Danilo do Sesc que gravasse as últimas coisas que eu tinha feito em palco pra eu não morrer sem aquilo gravado, de imagem. Porque som é uma coisa e palco é outra. Mas me tratei aqui em São Paulo, que tem o oriente, tem o Japão aqui, que trata coisas que ninguém cura. Então estou completamente curado do problema das costas que disseram que não tinha jeito. Uma japonesa em uma piscina de água quente me curou. Então estou novamente zero quilometro, novamente começando tudo.
Foto: Marcelo Rossi
EM - Há alguma coisa que você ainda sonha em fazer na arte? Tom ainda faz planos para o futuro?
TZ – Eu só tenho sonhos, só estou vivo por causa dos sonhos. Coisas que estou sonhando em fazer. Cada disco meu é um suicídio. Não sou um compositor assentado e instituído. Não tenho nada a ver com essa plêiade de pessoas feitas e acabadas que vivem com a distinção da profissão, com um escudo da profissão. Sou um moleque que entrou nisso pela porta do fundo e continuo na porta do fundo fazendo o que não é possível fazer, fazendo sempre o que eu não sei. O último disco que fiz, a bossa nova, não sabia fazer. O penúltimo, o do pagode eu não sabia fazer, aprendi fazendo. O disco Danç-Êh-Sá, que é um disco sobre a dança, sem nenhuma palavra, pelo menos em português, nenhuma palavra em nenhuma língua, só com o tartamudez, não sabia fazer. Não sou um artista instituído, que todo mundo já conhece, tá pronto, não. Cada pessoa, no dia que me vê, vê outra pessoa completamente nova.
EM – Você já foi o artista famoso mais desconhecido do Brasil. Quem ocupa esse posto hoje?
TZ – (pensativo) Ahh, não sei. Não uma pessoa especialista no que está acontecendo no momento. Não adianta tentar inventar.
EM – Quem te escuta hoje? Na homenagem no programa do Raul Gil, você estava lá, regendo São, São Paulo e as meninas do auditório com a maior cara de paisagem. A juventude não está mais desconectada com o passado hoje. Mais burra, mesmo?
TZ – É elas não conheciam, mesmo. Puxa vida, desculpa, fazer esse tipo de entrevista é a coisa mais difícil do mundo, porque eu tenho de explicar o que eu sou. Então vou tentar explicar. Eu não aconteço em rádio, não aconteço em televisão, sou uma merda, mas Deus deu uma coisa que estou muito satisfeito. Quando se vende o show meu em um lugar os ingressos acabam. Do que é que eu vou me queixar, não tenho nada pra me queixar. Estou plenamente feliz.
EM – Você assiste a propaganda eleitoral gratuita?
TZ – Acho que ninguém assiste. Não tenho hábito de ver televisão e não é porque sou melhor dos que os outros, é porque estou trabalhando e não tenho tempo. Trabalhando aqui em casa. Estou sempre compondo. Não sou gênio, tiro meia dúzia de compassos praticamente como quem carpe a pedra pra tirar do terreno seco alguma coisa que dê algum fruto. Então não faço música em uma hora qualquer e passo o dia vendo televisão. Eu trabalho dia e noite e trabalho muito contente. Trabalhar é uma coisa tão feliz. Uma coisa a propaganda eleitoral estragou, uma das coisas que eu adoro é ouvir rádio na hora do almoço, de noticiário esportivo. Meu dia é um pouco programado pra na hora do almoço eu ouvir o noticiário de futebol. Nas rádios de São Paulo. O que está acontecendo com o Santos, o Jabaquara, a Portuguesa Santista (ridos).
EM – Ahh, você está brincando. Com a Portuguesa e com o Jabaquara já não acontece alguma coisa há muito tempo.
TZ – (risos). Pois é, veja como eu conheço coisas, só de brincadeira aqui falando. Então sou Corinthians profissionalmente, mas torço pra todos outros times de São Paulo quando joga com os times de fora. Então a torcida do Corinthians deve ficar decepcionada com esse torcedor. Mas esse mês, passei todo trabalhando, porque eu fui cair na patota que vai fazer um hino pro centenário do Corinthians e aí toda emissora de televisão e rádio gravou aqui em casa esse hino comigo cantando. Trabalhei em televisão feito uma estrela esse mês. Que mais você perguntou? Ah, sobre a coisa política. Eu ia votar na Marina, mas como a Marina é de uma religião que impede que os homossexuais se casem, que quer dizer que no mundo não há homossexual. Não posso votar numa criatura dessa. Então vou ter de votar no Plínio de Arruda Sampaio, que nós gostamos dele, que é uma pessoa ótima. Eu e a Neusa vamos votar no Plínio.
Foto: Marcelo Rossi
EM – A gente sabe que é legitimo o Maguila, a Mulher Pêra, os KLBs, o Tiririca, os outros malucos imitando o Enéas e um monte de figuras estranhas se candidatando, pois estamos em uma democracia e todos têm direitos iguais. Mas, como eleitor, você não acha uma falta de respeito eles se apresentarem dessa forma para pedir voto? Ninguém discute propostas.
TZ – A comunicação de massa vive desse tipo de fenômeno, às vezes o escândalo, às vezes a pessoa bárbara, o cacareco, tem essa gíria de candidato cacareco, era um animal, acho que um burro, que foi um dos mais votados em uma eleição no Rio de Janeiro. Isso sempre aconteceu e a cultura de massa tem dessas coisas. As maiores cantoras do Brasil não são cantoras, são apresentadoras de televisão. Tem uma coisa também que é a cultura da banalidade, então tem várias coisas acontecendo. (N.R. Na verdade o rinoceronte Cacareco, do Zoológico de São Paulo, recebeu cerca de 100 mil votos para vereador na eleição de1958).
EM – Você é um dos poucos artistas no país que realmente fala o que pensa, na gíria, a gente pode dizer que você tem o “papo reto”. O Paulo Francis dizia que as pessoas adultas no Brasil não gostam de ser criticadas e por isso ele tinha tantos desafetos. De vez em quando você entra em polêmicas. Uma vez você declarou que o funk carioca veio para aposentar o papa Bento XVI, o Tom Zé, o Caetano Veloso e o Gil, e disse que o refrão “Tô ficando atoladinha” é genial. Na mesma entrevista você disse que recusou fazer o release do grupo É o Tcham, porque esse grupo esculhambava muito a mulher. Mas alguns funks também fazem isso. Não há aí uma contradição?
TZ – Sim, você tem razão. Realmente na época eu não sabia dessa coisa que quando a mulher vai numa festa funk tem de assinar um documento dizendo que ela dá permissão a fazer tudo o que quiserem fazer com ela na festa. E realmente isso é uma barbaridade, eu não sabia quando declarei isso. Agora a questão do refrão, Tô ficando atoladinha, o que eu falei é que ele é um “meta refrão, micro-tonal e pluri-semiótico”. Meta-refrão porque quando ele aparece em qualquer lugar que você canta, todas as pessoas reagem imediatamente com sorriso, ou com assombro. Então ele é um refrão que invoca de uma vez só todos os refrãos que já foram feitos. É micro-tonal porque duas pessoas que desrespeitaram a escala diatônica que o Papa Gregório I, no princípio do século IX, preferiu que a Igreja adotasse em vez do canto micro-tonal que os católicos daquele tempo, antes da religião católica se tornar oficial cantavam nas catacumbas, e fez aquele canto gregoriano que todo mundo conhece. (canta um pedaço em latim), essa música bem simples que depois se desenvolveu toda a música ocidental em cima dessa escala diatônica. E duas pessoas no fim do século passado, dez séculos depois, desobedeceram a escala diatônica. Um foi um nobre italiano que compõe música micro-tonal, o Giacinto Scelsi , e outro foi o MC Bolinha que fez o refrão Tô Ficando Atoladinha que, digamos, se sair de um dó, nunca chega a um ré. Ele vai empurrando a nota pra cima com quartos de tom, oitavos de tom. E é pluri-semiótica porque, por exemplo, quando ela fala que está ficando atoladinha, ninguém do público imagina a moça andando num lugar cheio de lama, ou com dificuldade de atravessar a rua ou coisa que o valha. Todo mundo sabe que se trata de um ato sexual. E que a moça é beneficiada por uma permissão que a Igreja Católica não dá a séculos e séculos pra mulher. Ela tem o direito de gozar que é uma coisa raríssima. A mulher que é submetida a tanta segregação, a tanta submissão, ela acaba achando que suas coisas naturais são doenças. É o caso de hoje parecer: “Tem uma mulher que goza ali. Vade retro Satanás. Leva pra igreja pra tirar esse demônio dela e tal”. Estou falando isso por quê a professora Carmita Abdo, diretora do Departamento de Sexologia da USP, fez um trabalho dentro do próprio campus da USP e 77 % das meninas não gozavam. É um problema sério o problema da mulher. E é um problema sério também pro homem que está com uma pessoa que está desconfiada dele o tempo todo. O homem paga a sua grossura e sua macheza com um preço muito caro. Eu tentei chamar a atenção dos homens para isso, no disco Estudando o Pagode. Que o pagode também trata mal a mulher, tanto quanto a sociedade trata.
EM – Isso também é ruim para o homem porque ele assina um atestado de incompetência.
TZ – É, acaba tendo uma pessoa que está com eterno pé atrás e como é que uma pessoa que está nessa condição pode se entregar se a própria expressão “abrir as pernas” significa ser covarde. E a mulher para se relacionar sexualmente teria de abrir as pernas.
Foto: André Conti
EM – Tom Zé, eu tinha um chefe que era um cara muito incompetente e esse defeito atrapalhava o trabalho de todo mundo, a coisa foi crescendo e eu acabei mandando o cara tomar no cú. É lógico que isso teve conseqüência, fui mandado embora. Você também mandou o Caetano Veloso tomar no cú. Que conseqüência isso teve?
TZ – A conseqüência foi realmente muito pesada, porque foi uma bobagem, uma coisa de momento. Se eu virasse pra ele e mandasse tomar no cú, na frente dele, passava como coisa de moleque brigando, Mas como foi dito e aí virou uma ofensa nacional, acabei sendo ingrato com uma pessoa a qual devemos muitas coisas, eu e o Brasil. Caetano, no tempo da ditadura, quando era proibido pensar, conseguiu manter excitados os neurônios da juventude e logo depois o Brasil estava abraçando uma segunda Revolução Industrial e ele teve uma participação importante nisso. Tudo o que o Brasil é hoje, muita coisa se deve a Caetano. Ao que ele conseguiu fazer durante a ditadura. Então, é uma ingratidão fazer uma briga com ele, essa é a principal dor que a gente tem.
EM – Mas pareceu um momento de desabafo, uma coisa que estava reprimida.
TZ – Foi um rompante bobo.
EM – Concordo que ele é um dos grandes da música brasileira, mas a maioria das pessoas não opina sobre o que não sabe e o Caetano gosta de discorrer sobre tudo. Você não acha que ele fala muita besteira?
TZ – Caetano tem uma posição que muita gente... a pessoa famosa tem que agir assim e ele gosta disso e isso também não é nenhum defeito grave. Eu compreendo que muitas pessoas não gostem, mas prefiro não dar opinião sobre isso.
EM – Tom Zé, mata a minha curiosidade, de quem foi a idéia de fazer aquela capa de Todos os Olhos?
TZ – Foi do Décio Pignatari. Como eu estava muito perto deles naquela ocasião, o próprio Augusto de Campos, outro poeta, concreto, tinha recitado o poema Cidade City Cité numa outra canção do disco e o Décio estava perto. Ele tinha uma agência de publicidade e falou que ia fazer a capa, o que eu achei ótimo, e teve a idéia do cú e aí desenvolveu esse trabalho e tal.
(risos) EM – Foi uma modelo?
TZ – Dizem que foi uma moça, que ele falou na empresa, como é que a gente vai conseguir isso? Aí um rapaz disse que ia falar com a namorada pra ver se ela topava. Aí a menina topou e eles começaram a fazer ensaios fotográficos sob essa coisa do cú. É o caso de dizer que muitas coisas que são assim pornográficas, as pessoas ficam com vergonha. Mas nesse caso a moça podia se apresentar e dizer: “É o meu cú que está lá”, por que até os netos dela podiam se orgulhar, por que ela fez uma coisa patriótica que foi uma afronta à ditadura. Lembro que o disco ficou com a capa na Praça da República, uma loja por acaso botou sem saber o que era e todo mundo ia visitar o cú na Praça da República. No tempo que a ditadura prendeu uma banda jovem porque em cima do palco falou a palavra seio. Então era considerada uma afronta, um desabafo para as pessoas em geral, que viviam oprimidas.
EM – Você já conhecia ou gostava do Talking Heads antes de conhecer o David Byrne?
TZ – Bom, eu não sou ouvinte de música popular, as pessoas pensam às vezes que é esnobação, mas quando saiu no jornal que ele disse que viria ao Brasil para falar comigo. A Neusa leu na Folha de S. Paulo e imediatamente veio falar comigo. Então eu passei a conhecer, essa coisa de passar estudar é um hábito muito recorrente aqui em casa. Toda vez que tem um assunto que tem problema, a Neusa é uma pessoa muito bem informada, imediatamente ela me ajuda a estudar o assunto e tal. E ela já conhecia e falou: “Essas são pessoas sérias”. Porque eu achava que podia ser mentira. E ela disse que não, que eram pessoas sérias.
EM – É uma viagem particular, na minha cabeça a tua música lembra muito e tem a ver com a música do Frank Zappa que, como você já disse sobre você mesmo, não era um artista que ficava achando que já estava acabado, no sentido de completo. É claro que ele sabia o que fazia, mas estava sempre se reinventando a cada disco. Você concorda?
TZ – Coincide com que os americanos falam. Eu não conheço Frank Zappa direito, é claro que ouvi um pouco. Não sei qual é a semelhança, mas os americanos falam a mesma coisa. O primeiro concerto que eu fiz nos Estados Unidos foi no Central Park e na crônica do New York Times disseram que eu era parecido. Posso até lhe dar isso pra você ver que tem razão. Falaram muita coisa sobre Frank Zappa, disseram que eu resolvia certos problemas da mesma maneira que ele resolvia e tal. Então, os Estados Unidos sempre acharam um paralelo, uma coisa para comparar, você tem razão. Eu não gosto nem desgosto, acho ótimo, porque ele é um músico fantasticamente respeitado.
EM – O Raul Seixas e o Zé Ramalho, que são artistas diferenciados, têm muitos seguidores e você? Tem muito maluco batendo em sua porta querendo ser seu seguidor?
TZ – Muita gente me procura normalmente, por que acha que tem uma amizade. Mas também há uma coisa que as pessoas não compreendem a senda do artista é uma coisa que não pode ter padrinho. É mesmo tocando com os amigos, participando de um festival do interior, tocando aqui, tocando acolá e vai aparecendo o feedback pra ele saber se tem capacidade para aquilo ou não. Eu sei que é difícil a pessoa ter feedback. Ter autocrítica. Então, az vezes as pessoas procuram, até parentes. Teve uma banda de, como é o nome daquela música das Antilhas? Do cara que morreu de câncer? Que o Gilberto Gil canta.
EM – Reggae?
TZ – Sim, em Irará tinha uma banda de reggae que queria que eu ajudasse. Eu falei, mas como? Eu não sei o que é reggae, não sei tocar, não sei o que é isso. E aí tinha primo meu, tio, tia, em cima de mim pra eu ajudar essa banda de reggae de Irará. Uma vez me levaram pra Bahia, disseram que iam me pagar um cachê, achavam que eu indo pra lá iam encher a casa e que eles iam fazer sucesso. Não encheu a casa e ninguém fez sucesso. Eu tive de dispensar o cachê, fui prá lá de graça. Eu não tenho tempo pra estar viajando de graça. Depois eles resolveram fazer uma aventura no Rio de Janeiro e depois desistiram. Se eles tivessem me pedido um conselho, eu diria que em Irará tem uma coisa chamada Chegança, que é uma dança dramática na qual o elenco, é como estivesse em cima de um navio expulsando o árabe, expulsando o incréu. Então, aquilo é uma coisa que se eles quisessem fazer eu ajudaria, porque isso eu entendo e ajudaria a eles entender. Mas eles queriam reggae, puta que pariu o que é que posso fazer com reggae. (risos).
EM – Você gosta de Bob Marley, conhece?
TZ – Claro que eu conheço. Eu acho muito boa essa música, a música que o Gil canta dele, que todo mundo canta. Agora dizer que sou entendido é mentira.