domingo, 2 de julho de 2017

Gustavo Figueiredo e o jazz que vem de Minas

Gustavo Figueiredo

Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Divulgação e Eugênio

Em quinze ou vinte anos os jovens instrumentistas brasileiros vão ter de buscar inspiração na música popular pré anos 90.
Na verdade, devido à baixa qualidade da MPB atual, esse movimento já está acontecendo. Ou alguém imagina os músicos de jazz fazendo versões para Bara Bara, de Cristiano Araújo, Deu Onda, do MC G15, ou Infiel, de Marília Mendonça? Como diria aquele personagem do filme Carandiru, “sem chance”.
Gustavo Figueiredo vem lá das Minas Gerais, terra de João Bosco, Nivaldo Ornelas e todo o Clube da Esquina, Fernando Brant, Lô e Márcio Borges, irmãos Venturini, Tavito, Beto Guedes, Wagner Tiso e o maior de todos, Milton Nascimento.
Portanto, representa a tradição da música boa. Bandeou-se para o jazz por afinidade musical.  
Em seu mais recente trabalho, que nem é tão novo assim, Gustavo Figueiredo Trio, de 2014, o pianista foi acompanhado por Pablo Souza (baixo) e o lendário Márcio Bahia (bateria) em uma verdadeira demonstração de que os ouvidos brasileiros merecem muito mais, e de que a música brasileira pode corresponder a essa expectativa.  
O CD/DVD traz oito temas de sua autoria, entre eles, o samba jazz Brasil Fest, o jazz cabeça Thelonious Groove, as aparentemente delicadas Emily e Manuela, e sua leitura de Canção do Sal, do conterrâneo Milton Nascimento.  
Essa entrevista foi realizada em 04/10/16, antes de um show que produzi no Sesc Santos dentro do projeto Piano + Um, no qual Gustavo foi acompanhado pelo excelente baterista paulistano Alex Buck. Obrigado Sílvio Luiz pela oportunidade.


Eugênio Martins Júnior – Como você começou na música? 
Gustavo Figueiredo – Comecei na música gospel. Depois passei para coisas mais pop e rock and roll. O universo da música clássica era desconhecido. Toco, gosto, estudo algumas coisas, mas não é o meu forte. A música instrumental foi chegando aos poucos. Minha primeira influência foi o Chick Corea e a Electric Band, um som mais eletrônico. O jazz tradicional e contemporâneo demorou um pouquinho pra chegar. 

EM – Então o teu aprendizado ao piano nunca passou pela música erudita como é o usual?
GF - Não, nunca passou. E comecei no teclado. O que sei de música clássica, que é muito pouco, são coisas que eu pego sozinho. Gosto muito de Bach, mas estudo muito de leve. Na minha infância gostava muito de Beatles, Eric Clapton. Já havia começado a estudar música quando ouvi Chick Corea a primeira vez, uns treze anos de idade. 

EM – Wagner Tiso nem passava pela tua cabeça?
GF – Não, minha maior influência na música brasileira é o Cezar Camargo Mariano. Gosto muito do disco Samambaia, com o Hélio Delmiro. Os trios de samba jazz como o Zimbo Trio. Entre os cantores curto a Elis Regina.

Piano + 1, com Alex Buck

EM – Não citou ninguém da escola de Minas.
GF – Mas são sim. Toninho Horta, o Clube da Esquina e o Milton Nascimento é uma grande influência pra mim. Acho suas composições incríveis. Já toquei com o Beto Guedes, Toninho Horta. O Clube da Esquina é música brasileira, mas com sua própria identidade. Diferente em harmonia e melodia. O Brasil tem essa diversidade que é sensacional. Cada região te sua música. E tudo bom.

EM – De cara você já lançou um CD e um DVD chamado Trio. Como nasceram essas duas crianças gêmeas?
GF – Tinha duas músicas minhas que gravei com o Márcio Bahia que mora em Belo Horizonte. Tocamos em um festival e fizemos uma primeira gravação. E tinha Canção do Sal, do Milton. Já pensava em fazer um disco. Fui compondo mais coisas pensando nesse formato de trio. No estúdio mudei poucas coisas. O Pablo Souza toca baixo acústico. 

EM – Então a escolha do time foi meia preguiçosa?
GF – É, o Márcio foi convidado porque conheci ele em Belo Horizonte e quando pintava umas coisas ele me chamava. E logo em seguida ele me chamou pra tocar no quinteto dele, que depois virou quarteto. Ficamos muito próximos e ele se tornou uma grande influência. Um músico com quem tenho aprendido muito. Foi uma coisa natural.

EM – Como é a cena instrumental em BH?
GF – Sempre há alguns bares que começam a tocar jazz. Isso dura um tempo e depois termina. Tem uns dois que estão há mais tempo, mas é um ciclo. Infelizmente, acho que poderia ser um pouco mais duradouro. Quem fomenta a cena são os músicos mais jovens. 


EM – Quem você citaria?
GF – Tem o Felipe Vilas Boas que acaba de participar do Instrumental Sesc Brasil. Um grande guitarrista. Uma galera que não é tão jovem, o Frederico Heliodoro. 

EM – Ouvi a tua música pela primeira vez no programa Instrumental Sesc Brasil. Acredito que esse programa é um dos mais importantes para a música instrumental no Brasil. Como foi parar lá?
GF – Toquei no Sesc através do prêmio que ganhei em Belo Horizonte, o BDMG de Música Instrumental, em 2007. Até hoje existe e o vencedor ganha um show no Sesc. São seis premiados, mas apenas quatro fazem shows no Sesc e em outros lugares. Surgiu outras coisas, fiz um show em Joinville, através do Luiz Bueno, do Duofel, que estava na curadoria do evento. Fiz duas participações no show deles. Com o Antonio Loureiro, que também estava comigo quando ganhei. Mas não soube aproveitar muito bem o momento. Era novo e estava tocando com muita gente. Trabalhando muito. Não me concentrei na minha carreira naquele momento. Acredito que não estava maduro para respeitar o meu próprio trabalho.

EM – Mas para um músico novo deu uma boa visibilidade o fato de ter ganho esse concurso.
GF – Sim. Dois anos antes havia participado desse concurso e fiquei em segundo. Aconteceram umas coisas legais também, show no Rio de Janeiro. Estavam lá o Nelson Ayres, Mauro Senise, Duofel, muita gente falando sobre música. Toquei com um trio lá. Isso foi em 2005. 

EM – Entre tantas músicas do Milton, por quê escolher Canção do Sal?
GF – Queria um arranjo que soasse bem com o trio. Logo quando ouvi tive umas ideias de arranjo e quando isso acontece acho que vale a pena trabalhar nela. Mas tem de tomar cuidado com uma coisa que já é muito boa porque você pode mexer demais e piorar. Também fiz um arranjo para Alegre Menina do Dori Caymmi pensando no trio. Não gosto de gravar simplesmente por gravar. Só a melodia, ainda mais que o som é de trio. Não pode ficar repetitivo.


EM – No teu disco também tem o tema Brasil Fest, que começa maneiro e depois vem uma quebradeira daquelas. 
GF – Começa maneiro depois vem um samba em sete. Fiz pensando em um festival que ia tocar. O Brasil tem essa cara de festival instrumental. 

EM – Essa semana o teu conterrâneo, Igor Cavalera, disse a seguinte frase: “Pessoas que reclamam que a música está ruim, são preguiçosas”. O que você acha disso?
GF – Hoje em dia tem a facilidade da internet para quem quiser pesquisar e ouvir. Mas infelizmente as pessoas não têm tempo de ver o que está acontecendo. Muita coisa não chega a você.

EM – Desculpa interromper. Olha, quando eu era novo, e faz um tempo isso, buscava pela música boa em rádio, revistas. Vai do interesse e não querer engolir o que vier.
GF – É, tem de buscar. Tentar selecionar. A divulgação da música não existe na grande mídia. Existem pessoas que estão na condição de nunca ter ouvido música instrumental, nunca ouviu jazz. Nunca vai procurar porque nem sabe o que é aquilo. 

EM – Com quem você tem tocado mais?
GF – Tenho tocado com o compositor Kadu Viana, que tem trabalho próprio, tem quatro discos. Também tenho tocado no trabalho solo do Márcio Bahia.  

EM – E o Vander Lee? Foi um choque para todos o que aconteceu. Ele era bem novo.
GF – Foi realmente um susto. Trabalhei com ele por alguns anos. Era um cara do bem, super tranquilo, grande compositor de MPB. Adorava trabalhar com a equipe dele, as condições eram ótimas. Ele era um cara leve. Pelo que eu sabia, ele tinha pressão alta e alguma coisa hereditária. Na época eu não sabia, mas fiquei sabendo depois.




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