Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Leandro Amaral
Em janeiro daquele ano, folheando a revista de sexta-feira do jornal Folha de S. Paulo, li que dois de meus ídolos viriam ao Brasil para tocar no Bourbon Street Music Club, o gaitista Charlie Musselwhite e, nada menos do que um dos maiores guitarristas de blues de todos os tempos, Otis Rush.
Aquilo não saiu da minha cabeça. Na época, trabalhava em um jornal e fiquei pensando em como poderia trazer os caras a Santos.
Num estalo peguei o telefone e liguei para o Bourbon e me passaram o diretor artístico da casa. O Herbert atendeu e disse que estava com viagem marcada para os Estados Unidos e que poderíamos fazer uma reunião quando voltasse.
A parada era a seguinte, o cara nem me conhecia e disse que dava pra fazer e já havia até agendado uma reunião. Não sou de ficar dando risada a toa, mas naquela semana fiquei sonhando com o negão e ouvindo Lost in the Blues, Right Place, Wrong Time e Screamin’ the Blues do Otis Rush sem parar.
Um mês depois, na data marcada, almoçamos num restaurante no centro de Santos, na histórica Rua XV. Sim, os caras ainda desceram pra falar comigo. O Herbert, a Thais e o Beto, seus dois sócios em uma produtora especialista em blues e jazz.
Na época eu ainda não sabia, mas no mundo da produção cultural existem dois tipos de gente, as que fazem e as que falam. Eu e o Herbert saímos daquela reunião com um nome na cabeça, Jazz, Bossa & Blues.
Por uma série de motivos, os shows de Charlie Musselwhite e Otis Rush não aconteceram no Brasil naquele ano. O Charlie encontrei na estrada um par de vezes, mas o Otis Rush nunca. Uma pena, uma mancha na minha biografia.
Mas o projeto andou e entre algumas opções de artistas, apareceu o nome de Eric Gales. Irmão do não menos famoso, Little Jimmy King, Eric Gales nasceu em 1974 em Memphis, berço do Rhythm and Blues. A partir dos quatro anos aprendeu a tocar guitarra com o seu outro irmão, adivinhem o nome?! Eugene.
Sabe o que isso significa? Nada. Nem sabia disso naquela época, mas gostava muito do Eric Gales e assim ficamos. Começamos um projeto de música como deveríamos, com a mão esquerda.
Como disse antes, trabalhava em um jornal e fui falar com o diretor se ele encampava a ideia de buscar patrocinadores ou mesmo bancar o projeto e o show acabou vinculado à empresa. Não vou entrar em datalhes porque eles são desagradáveis, não vou arrastar corrente, mas financeiramente não foi bom pra mim.
O show rolou. Fizemos barulho. O teatro Coliseu havia acabado de ser reinaugurado após anos de uma reforma mal feita e incompleta. Cortesia do senhor Beto Mansur, prefeito de Santos na época e agora deputado federal.
A prefeitura estava tomando porrada na imprensa e nada como um showzinho legal pra trazer prestígio à casa. É, às vezes a gente serve o diabo sem saber.
No dia 28 de julho de 2016, um timaço subiu ao palco do teatro em Santos, Eric Gales (guitarra e voz), Ugo Perrota (baixo) Papel (bateria) e Fred Sun Walk (guitarra).
Para abertura não poderíamos ter colocado outro músico senão Mauro Hector. Outro canhoto e discípulo de Jimi Hendrix.
Gales havia acabado de lançar o álbum Crystal Vision e estava em uma fase atribulada, fazendo o uso de drogas que estavam afetando sua vida e sua música. Não que o show tenha sido ruim, não é isso, foi ótimo, mas os rolos incluiram prostitutas na porta do Coliseu e várias rodas de substâncias ilícitas... e eu tendo de lidar com tudo isso porque as outras pessoas envolvidas estavam preocupadas em tirar fotos e aparecer na imprensa. Fuck’em all.
Antes do show do Mauro conversavamos todos no backstage quando surgiu a ideia de ele entrar no final do show de Gales para uma jam e surgiu a dúvida do que ambos deveriam tocar.
Eu que estava na roda mandei logo essa: “Os dois são díscipulos de Jimi Hendrix porque não tocam Red House?”. E assim foi. Na hora do “mais um” Gales chamou o Mauro e os dois tocaram juntos.
O negócio começou suave como Red House costuma ser, um tremendo slow blues, mas logo descambou pra violência. Todo mundo sabe que o Mauro não sabe brincar. Logo ele chutou a canela de Gales que retribuiu e os dois acabaram duelando e fritando. Essas histórias de bastidores é que dão prazer nessa profissão.
Após esse show inicial tenho feito de tudo, ao meu alcance, para colocar Santos na rota de shows de jazz e blues, nacionais e internacionais.
Ás vezes me surpreendo como consegui fazer tanta coisa sem dinheiro. Não tenho paciência para vender “meu produto”, convencer as pessoas de que ele é bom... sabendo que é bom e deveria se vender sozinho. Produtor independente sofre nesse país, produtor independente de jazz e blues nem se fala. Não só de blues, de música boa mesmo, o que é um conceito elástico. Melhorando a afirmação: “de música que eu considero boa”.
Produzi de tudo, a lista inclui Leo Gandelman, Big Time Orchestra, Big Joe Manfra, Ana Caram, John Pizzarelli, Traditional Jazz Band, Blue Jeans e Magic Slim, Rosa Passos, Gilson Peranzzetta, Kenny Brown, Freddy Cole, Peter Madcat, Os Cariocas, Lô Borges, Francis Hime, Bad Plus, Mart’nalia, Badi Assad, Izzy Gordon, Vânia Bastos, Daisy Cordeiro, Igor Prado Blues Band, Robson Fernandes Blues Band, Caviars Blues Band, Big Chico Blues Band, Sepultura, Big Joe Manfra, Big Gilson e Arnaldo Antunes, James Wheeler e Igor Prado Band, Ary Holland e Maria Diniz, Bruna Caram, Adriana Peixoto, Giana Viscardi, Lynwood Slim e Igor Prado Band, Tom Zé, Maurício Sahady e Ivan Márcio Blues Band, Maurício Sahady e Ivan Márcio Blues Band, Lurrie Bell e Big Chico, Hamilton de Holanda, Big Jam – Tributo a Celso Blues Boy, Harry, Orleans Street Band, Giba Byblos Blues Band e Jon McDonald, Camisa Listrada, Zuzo Moussauer Trio, Larry McCray e Banda, Lurrie Bell, Lazy Lester, Peter Madcat, Los Breacos, Claudio Celso e Orquestra Sinfônica de Santos, Igor Prado Blues Band convida Tia Carroll, Koko Jean Davis e Igor Prado Band, Raphael Wressnig e Igor Prado Band, Osmar Barutti Trio, Divazz, Jefferson Gonçalves, Artur Menezes, Filippe Dias, Vasco Faé, acústico, Ivan Márcio e Roger Gutierrez, Sax Gordon e Igor Prado Band, Big Time Orchestra, Big Chico Tributo a BB King. Dentro do festival Tarrafa Literária produzi Arnaldo Antunes, Tom Zé, Wando Doratiotto, Lobão e Hamilton de Holanda. E ainda criei um monte de projetos. Com muitos desses artistas trabalhei mais de uma vez.
Hoje Santos tem seu próprio festival de jazz que está no quinto ano. Muitas pessoas de fora pensam que sou eu quem agita a produção, o festival pertence unicamente ao Jamir Lopes e Denise Covas. Apesar disso, gosto de pensar que sou um pouco responsável por isso, por ter formado esse público.
Por coincidência, dia 28 de julho, dia do meu primeiro show de blues na cidade, Eric Gales no Coliseu, o Santos Jazz Festival estréia a sua quinta edição em 2016. Um absurdo de longevidade num páis onde a única coisa que atinge mais de cinco anos é mandato de político malandro.
É isso, dez anos de blues e jazz em Santos. Salve a música brasileira, salve o blues, salve o jazz, salve a Lei Rouanet, Salve o Ministério da Culutra. E FORA TEMER.
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