Texto: Eugênio Martins Júnior
Foros: arquivo pessoal Vasco Faé
Vasco Faé é um artista completo: canta, compõe, arranja, produz e toca vários instrumentos. É integrante da Irmandade do Blues, uma das bandas em atividade mais antigas e legais do Brasil.
O outro projeto é solo, no qual Vasco desenvolveu as habilidades de one man band, o Manoblues, que conta com dois discos em estúdio e um duplo ao vivo já lançados. Vasco usa um set muito louco, com vários instrumentos musicais e aparatos eletrônicos. Durante dois anos integrou a banda Blues Etílicos como cantor, compositor e instrumentista de 2003/05, gravando o CD Cor do Universo e excursionando por todo o Brasil.
Produziu ainda duas coletâneas, Blueseiros do Brasil – Gaitistas e Blueseiros do Brasil – Pororoca; além de produzir seus discos solos.
Entre 2002/12, acompanhou Andreas Kisser, guitarrista da banda Sepultura, em shows pelo Brasil e gravou vozes e gaitas no CD solo de Andreas, o Hubris.
O mais recente trabalho, Manoblues ao vivo, gravado em 2012, é um disco duplo de blues tradicional. Mas também é um CD que tem Samba do Arnesto (Adoniran Barbosa), Medo da Chuva (Raul Seixas) e que mistura Blackbird com Assum Preto e Trem das Onze com Hoochie Coochie Man.
Brasileiro tocando blues não poderia dar em outra coisa. Ao promover o encontro dos estilos, Vasco Faé, assim como outros artistas nacionais, aponta um dos caminhos para a evolução de ambos. Os puristas devem odiar. Mas quem se importa com eles, não é verdade?
Eugênio Martins Júnior – Li em uma entrevista que você começou dedilhando o piano da tua tia. E depois?
Vasco Faé – Passei por várias experiências musicais antes de levar a música a sério. Eu sentava nesse piano e tentava tirar alguma melodia com as notas. O piano é um instrumento que facilita muito, as notas estão todas lá. Não é preciso uma habilidade específica para fazer o som sair como a gaita ou a guitarra. Tentei antes brincar de violão, mas não deu certo. Aos 16 anos comecei a ter aulas de bateria até montar uma banda com o pessoal da escola, mas também não deu certo porque eu era muito indisciplinado. Pra mim era diversão, não estava a fim de tocar em banda. Tanto é que um dos caras que tem banda até hoje no mesmo estilo, uma coisa meio punk (risos).
Aí a turma que eu estava andando começou a andar com uns caras estranhos e minha mãe me mandou morar em Monte Sião, Minas Gerais, com meu tio. Lá comecei a entrar mais em contato com a música. Meu tio tocava violão e passou a me ensinar algumas coisas. Comecei a desenvolver o gosto pela coisa, prestar mais atenção. Foi ele quem falou que eu tinha voz boa pra cantar. Então passei a acompanhá-lo nas festas. Vasco Faé – Passei por várias experiências musicais antes de levar a música a sério. Eu sentava nesse piano e tentava tirar alguma melodia com as notas. O piano é um instrumento que facilita muito, as notas estão todas lá. Não é preciso uma habilidade específica para fazer o som sair como a gaita ou a guitarra. Tentei antes brincar de violão, mas não deu certo. Aos 16 anos comecei a ter aulas de bateria até montar uma banda com o pessoal da escola, mas também não deu certo porque eu era muito indisciplinado. Pra mim era diversão, não estava a fim de tocar em banda. Tanto é que um dos caras que tem banda até hoje no mesmo estilo, uma coisa meio punk (risos).
EM – E como foi que o blues entrou na tua vida?
VF – Eu já tinha uma gaita, desde 1987. Andava com ela no bolso. Em 1989 conheci minha esposa e ela me deu um disco do Eric Clapton, o Early Sessions, que ouvi durante meses. Antes disso eu já havia comprado uma coletânea da Atlantic, mas nem sabia o que era blues. Mais pra frente, quando já estava direcionado, ela me deu um disco chamado Hard Again, um dos melhores discos do Muddy Waters. E com ela eu conheci um bar, o Jazz'n Blues, um em Santo André que foi o responsável pelo lançamento de muitas bandas de São Paulo e Rio, entre eles André Christovam, Irmandade do Blues, Blues Etílicos e Big Allanbik. Passei a ir lá todos os fins de semana e aí o dono do bar inventou de formar uma big banda e me chamou. Mas eu não era músico, eu ia aos lugares e tocava do meu jeito, chegava ao ponto de sentar à mesa e colocar a gaita na luz para o reflexo chamar a atenção do músico e ele me chamar pra uma canja. Nunca pensei em ser músico, trabalhava na metalúrgica do meu pai. Então eu ia ao ensaio dessa banda e nunca tocava. O maestro Edu Moreno, que hoje é meu amigo, deve ter achado que eu ia desistir (risos). Os ensaios duravam quatro, cinco horas e eu gravava tudo pra ficar em casa ouvindo. E na época não havia gravadorzinho, eu levava o meu três em um mesmo. Vendo isso ele arrumou uma música pra eu tocar, mas logo a banda se desfez.
Continuei indo ao Jazz'n Blues e me chamaram para dar uma canja no grupo Tá Tudo Blues e depois para integrar a banda que era composta por Edu Gomes que depois iria tocar na Irmandade do Blues, o Ari Borger e o Fernando Janson. Foi meu primeiro trabalho profissional.
EM – Mas a gaita já era uma coisa séria? Você já estudava o instrumento?
VF – Sim, mas não tinha professor de gaita nessa época. O gaitista mais conhecido era o Dr Fellgood. O resto estava começando, eu o Serginho (Duarte), o Flávio Vajman. O pioneiro da gaita blues no Brasil foi o Zé da Gaita e depois, nos anos 80, veio o Carlito. No final dos anos 80 o gaitista mais conhecido em São Paulo era o Dr e no Rio era o Flávio (Guimarães), isso na gaita de bend, também conhecida como diatônica.
EM - Gostaria que falasse sobre a trajetória da Irmandade do Blues, grupo que tem mais de 20 anos.
VF – O cara que estava substituindo o nosso baterista em um show me colocou em contato com um amigo dele que estava formando outra banda. Fui lá e fiz um teste, rolou uma afinidade musical e a banda Blues Dog começou no final de 1992, com Armando Dejulio na bateria, João Carlos no baixo, Jessé Carvalho na guitarra e eu na gaita e vocal. Durante um ano ficou assim e depois entraram o Edu Gomes na guitarra e o Sílvio Alemão no baixo. Quando descobrimos que já havia uma banda chamada Blues Dog mudamos para Irmandade do Blues. Quando o Jessé saiu da banda eu passei a tocar guitarra também. Seis meses depois o Armando saiu e o Fernando Loia entrou na bateria e essa formação permanece até hoje.
VF – O cara que estava substituindo o nosso baterista em um show me colocou em contato com um amigo dele que estava formando outra banda. Fui lá e fiz um teste, rolou uma afinidade musical e a banda Blues Dog começou no final de 1992, com Armando Dejulio na bateria, João Carlos no baixo, Jessé Carvalho na guitarra e eu na gaita e vocal. Durante um ano ficou assim e depois entraram o Edu Gomes na guitarra e o Sílvio Alemão no baixo. Quando descobrimos que já havia uma banda chamada Blues Dog mudamos para Irmandade do Blues. Quando o Jessé saiu da banda eu passei a tocar guitarra também. Seis meses depois o Armando saiu e o Fernando Loia entrou na bateria e essa formação permanece até hoje.
EM – Como era a cena nessa época?
VF – Eu era o cara mais novo na banda e não para me usar de parâmetro. Tive muita sorte no começo por me envolver com os caras que me envolvi. Por exemplo, a Tá Tudo Blues tinha o Edu Gomes que já tocava há quinze anos, tinha o Ari Borger que também já tinha essa bagagem. No grupo que viria a ser a Irmandade, o Armando era um cara que já havia tocado há 15 anos na noite. O Silvio Alemão já tocava na banda Moral e Bons Costumes e tinha experiência de palco. Eu era o cara que queria fazer bagunça e a galera me brecava, “que é isso, vamos ensaiar, vamos tocar”, diziam. E eu queria curtir, fazer as coisas que não havia feito na banda aos 16 anos. Era muito porra louca e continuou quando comecei a tocar profissionalmente. Percebi que quando você tem o domínio daquilo que está tocando, não no sentido de ser o melhor, mas de conseguir se expressar daquela forma, você quer fazer muito aquilo. O Edu me disse que eu não tive infância musical, aquele lance de tocar sem sentido nenhum, bagunçar, coisa que a maioria dos músicos que eu conheci um dia teve na adolescência.
EM – Vocês gravaram o primeiro disco em 1996. Teve um tempo pra preparação, como foi esse começo?
VF – Gravamos aquilo que a gente tocava. Arranjos de todas as fases até antes do Edu entrar, uma mescla de três anos de formação. No encarte tem o nome de todos que passaram pela banda. Procuramos manter a identidade do começo, tocando um blues pesado. Tentamos manter isso até hoje. O Loia tem uma pegada forte e mais técnica, um repertório mais requintado.
EM – Você veio de uma banda e em determinado momento passou a investir em uma carreira, mas de uma forma diferente, como one man band. Como começou essa história?
VF – Foi o lance de eu não ter tido uma infância musical. Chegava em casa e sentia a vontade de tocar mais. Curtir sons, experimentar musica e na banda não tinha esse espaço. Os caras queriam ir direto ao assunto, era ensaiar para tocar nos shows. Não tinha ensaio para testar ideias e brincar. Então eu ficava em casa tocando violão.
Um dia meu tio me ligou e disse que a TV Cultura estava passando o show do John Hammond no Brasil. Eu liguei e vi que era aquilo que eu queria fazer. Mas não tinha a menor ideia onde iria arrumar um suporte de gaita, comecei a colar a gaita no violão com durex. Quando eu consegui comprar um suporte de gaita tudo mudou. VF – Foi o lance de eu não ter tido uma infância musical. Chegava em casa e sentia a vontade de tocar mais. Curtir sons, experimentar musica e na banda não tinha esse espaço. Os caras queriam ir direto ao assunto, era ensaiar para tocar nos shows. Não tinha ensaio para testar ideias e brincar. Então eu ficava em casa tocando violão.
Um dia resolvi colocar um bumbo, depois o pandeiro meia lua, depois imaginei como ficaria com uma caixa. Coloquei uma baqueta numa máquina de chimbal e quando a máquina abaixava a baqueta batia na caixa. Hoje uso um pedal de bumbo numa caixa posicionada na vertical. Uso também uma loopstation, onde você grava uma base de guitarra que se reproduz e consigo solar na guitarra também. Consigo fazer solo uníssono de gaita e guitarra. O resultado foi se consolidando com os anos. Vários músicos fazem o one man band no Brasil, mas não sei se com essa complexidade.
EM – Que ano foi isso?
VF – Em 1994. E em 1995 passei em frente a um bar e falei com a dona que queria tocar lá. Eu achava que era assim. Quando disse que tocava na Irmandade do Blues ela disse que já conhecia. Comecei a tocar sozinho, gaita, violão e voz. Iam poucas pessoas, mas era uma oportunidade de praticar. Pensava que se não tocasse sozinho não ia me satisfazer musicalmente.
EM – O que você ouvia pra desenvolver esse som?
VF – Não tinha muito essa história de influência, mas gostava de ouvir Big Bill Broonzy, Robert Johnson. A gaita era livre, não existia o lance de ouvir o gaitista tal. Desenvolvi meu estilo. Aprendi tocar gaita gravando o que tocava e depois escrevia e tentava fazer pra valer.
EM – Uma coisa que eu percebo é que você está sempre bolando projetos. Isso é prova que o artista que toca blues aqui no Brasil tem de virar pra sempre conseguir trabalho?
VF – Não sei te dizer. Talvez. Há um costume do brasileiro em chamar artistas de fora pra tocar aqui e eu acho que é um costume bastante discutível. Acredito que muitas atrações são discutíveis. Só que chegam aqui, mas o público não conhece e qualquer coisa que se fala sobre esse artista o pessoal baba. Esse negócio de “a lenda do blues”. Tem muito cara que não é lenda coisa nenhuma... a maneira como se promovem as atrações.
Agora se é necessário criar projetos ou não... acho legal dar asas à imaginação. Com relação aos meus projetos, não foi dessa forma. Nunca parei pra pensar em criar um projeto pra fazer alguma coisa acontecer. O projeto Blueseiros do Brasil aconteceu por causa de uma brincadeira. Eu tinha muita vontade de entrar em um estúdio e gravar com os amigos. Essa vontade de sempre querer fazer um som é permanente na minha vida, mesmo tendo passado por um processo de amadurecimento. Só não gosto de ensaiar. Disciplina eu tenho, vou e faço bem feito. Se precisar passar a música 35 vezes eu fico lá até ficar bom. Mas eu gosto mesmo é de fazer som, criar, improvisar, criar arranjos, mudar arranjos. O processo de repetição até ficar bom é que me enche o saco.VF – Não sei te dizer. Talvez. Há um costume do brasileiro em chamar artistas de fora pra tocar aqui e eu acho que é um costume bastante discutível. Acredito que muitas atrações são discutíveis. Só que chegam aqui, mas o público não conhece e qualquer coisa que se fala sobre esse artista o pessoal baba. Esse negócio de “a lenda do blues”. Tem muito cara que não é lenda coisa nenhuma... a maneira como se promovem as atrações.
EM – Aproveitando a deixa, fale sobre o projeto Blueseiros do Brasil?
VF – Em final de 1997 eu juntei a galera num churrasco no Camerati, um estúdio aqui em Santos André, onde a Irmandade havia gravado o primeiro disco em 1996. Fechamos o estúdio por um dia e tinha uns 18 músicos. Enquanto rolava o churrasco e a cerveja nós gravávamos com um time. Mas alguém precisava produzir e eu chamei o (Alexandre) Fontaneti e ele me disse que a ideia era minha e que eu é que deveria produzir. No final passei o dia inteiro produzindo a galera. Mas isso nunca foi lançado.
Um tempo depois juntei um monte de gaitistas pra fazer um disco autoral, só com músicas da cada um. Quem não tinha música a gente arrumava. Daí saiu o CD Blueseiros do Brasil só de gaitistas com o Jefferson Gonçalves, Marcelo Naves, Benê Chiréia, Robson Fernandes, Big Chico, Sérgio Duarte, eu, Ulisses Cazalas e participações de outras pessoas como o Flávio Naves, Lancaster, Big Joe Manfra. Foi gravado em 1999 e lançado em 2001 porque não tinha dinheiro pra lançar. Batalhei na prefeitura de Santo André um show dos gaitistas para pagar a prensagem com a grana.
EM – Você misturou Trem das 11 com Hoochie e Coochie Man, Blackbird com Assum Preto e gravou Medo da Chuva do Raul. O Blues Etílicos usou berimbau no blues. O Jefferson faz uma mistura com ritmos nordestinos. Acho que essa é a grande sacada dos músicos brasileiros. Tem gente que não gosta e diz que faz blues original no Brasil, desdenhando desse tipo de abordagem. Gostaria que falasse sobre isso.
VF – Isso vai contra o fazer artístico. O Carlos May faz um blues tradicional, mas é fera no que faz. É um dos maiores do Brasil nessa praia West Coast. Mas ele não desdenha o que os outros fazem. Não deixa de admirar o meu trabalho.
As pessoas não são obrigadas a ter um padrão. Só se você quiser ser fiel a ele. Também tem cara que mistura tudo porque está na moda. Eu falo que não gosto de samba, mas é estúpido eu falar isso porque eu até gosto de algumas coisas, Paulinho da Viola, Adoniram Barbosa, Bezerra da Silva. Só que é uma coisa mais complexa. Por exemplo, se uma pessoa que não é do meio do blues vai ao meu show, ela logo vai perceber que o que eu toco é blues. Mas também vai perceber que eu misturo muito. Pra mim existe um casamento com a música e o estilo. VF – Isso vai contra o fazer artístico. O Carlos May faz um blues tradicional, mas é fera no que faz. É um dos maiores do Brasil nessa praia West Coast. Mas ele não desdenha o que os outros fazem. Não deixa de admirar o meu trabalho.
O blues tradicional que foi criado no começo do século passado já é uma mistura. De várias informações, música gospel e ritmos europeus. Então porque eu não posso fazer? Mas eu também toco blues tradicional, o meu CD Manoblues é só tradicional, Charles Patton, Blind lemon Jefferson, Leroy Carr e algumas coisas minhas. Fiz um CD tributo a eles.
A gente não pode se limitar a fazer uma coisa pensando no que um segmento vai falar. Porque elas acham que são representantes do blues oficial desse estilo no Brasil.
EM – Mas no Brasil existe isso e você sabe, né?
VF – Uma vez fui escrachado em uma rede social porque falei que tocava um blues que não era tão tradicional. Aí um dos caras disse que não existia blues não tradicional. Disse que existia apenas blues ou não blues. Aí juntou com um amigo dele que não é brasileiro, mas faz alguns shows aqui no Brasil e começaram a me escrachar, que eu não entendia nada de blues, que eu sou uma vergonha e não sei o que. Acho esse tipo de postura muito radical. Não se pode discutir nada com pessoas assim. Você não pode levar para o lado pessoal. O blues se tornou uma religião no Brasil e isso se tornou prejudicial. As pessoas olham o blues como uma coisa que é superior a tudo.
EM – Como você vê o blues no Brasil hoje?
VF – Acho que está muito bom. Hoje há festivais acontecendo o ano inteiro e em várias partes do Brasil. Tem festival no Nordeste, o Guaramiranga, o Blues By Night em Garanhuns, o Ibitipoca que é um baita festival, em Caxias do Sul, o Sesc n’ Blues e fora isso shows na rede Sesc que acontecem o ano inteiro. Não dá pra reclamar.