Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Pedro Guida
Você programa a entrevista, cria o roteiro, enche o saco do produtor da casa, viaja quilômetros embaixo de chuva para realizar a entrevista com a artista. Quando está cara a cara com ela, o maldito gravador não funciona. O que fazer? Solta o aparelhinho na mão do Nuno Mindelis que, como técnico, é um ótimo guitarrista. Ferrou.
Shemekia Copeland, a grande cantora de blues do momento, fica te olhando com aquela cara de: “WTF?”
Você volta pra sua mesa, joga o gravador e pede o big chope de um litro que só o Bourbon Street tem. De repente o gravador dá sinal de vida. Você invade o camarim cinco minutos antes do show e pergunta o que dá. Paciência.
DNA blueseiro, Shemekia é um fenômeno. Filha de Johnny Copeland, guitarrista nascido na Louisiana, mas que fez o nome no Texas, ganhador de um prêmio Grammy pelo disco Showdown, gravado em parceria com Albert Collins e Robert Cray.
Copeland, a filha, gravou seu primeiro e ótimo disco, Turn the Heat Up, pela gravadora Alligator, aos 18 anos, em 1998, apenas um ano após a morte Copeland, o pai.
Já nesse trabalho Shemekia mostrava que vinha para fazer a diferença. Voz poderosa e critério na escolha da banda e repertório.
Com os CDs seguintes, Wicked (2000) e Talking to Strangers (2002), o primeiro indicado ao Grammy e o segundo produzido por Dr John, recebeu definitivamente o reconhecimento de crítica e público.
The Soul Truth, produzido pelo mago guitarrista da gravadora Stax aponta outro caminho, mais funk e soul, claro. E seu mais recente CD lançado pela tradicional gravadora de jazz, Telarc, aponta para músicas mais pops, mas não menos elaboradas.
A entrevista abaixo foi realizada no Bourbon Street Music Club no primeiro show de uma mini turnê, segunda que a cantora fez ao Brasil. Foram dois shows no bar em Moema e um no Bourbon Fest, em Paraty.
A banda foi a mesma que a acompanha há alguns anos, os excelentes músicos Arthur Neilson (guitarra), Willie Scandlyn (guitarra ritmo), Kevin Jenkins (baixo) e Robin Gould (bacteria).
A facilitação foi da produtora Thelma Lucas, a quem eu agradeço de montão e a quem não vou deixar sossegada sempre que houver artista que valha a pena conversar.
Eugênio Martins Júnior – O blues tem muitas divas. Qual foi a sua principal influência?
Shemekia Copeland – Amo Ruth Brown, amo Koko (Taylor). Elas foram minhas amigas e minhas preferidas.
EM – Gostaria de falar sobre a sua infância. Como é ser a filha de uma verdadeira lenda do blues. Você tinha contato com muitos artistas em sua casa?
SC – Tive sim. Havia música na minha casa o tempo inteiro. Mas quando eu era criança não sabia quem eram as pessoas que iam e vinham, Clarence Gatemouth Brown, Stevie Ray Vaughan, Dr John. Fiquei sabendo quem eram essas pessoas muito tempo depois.
EM – Somada à influência recebida do seu pai, como a cena cultural da cidade te influenciou já que New York não é um lugar com tradição no blues?
SC – As letras e músicas de blues contam histórias. Crescer no Harlem foi fundamental porque muitas coisas acontecem e você aprende muito com aquelas pessoas. Vivia em uma área muito populosa e isso influencia o jeito de ver as coisas.
SC – Como pai, me ensinou a ser uma boa pessoa. Comecei a cantar desde pequena, mas subi em um palco apenas na adolescência. Musicalmente ele sempre me disse para ser original. Ter minhas próprias músicas, meu próprio som. Não tentar soar como outro artista. Essa foi a grande lição. A outra é nunca dar atenção para o que a imprensa diz (risos).
EM – E você tem conseguido seguir essas lições?
SC – Com relação à música, sim. Desde o começo tenho trabalhado em meu material.
EM – Gostaria que você comentasse os dois trabalhos: Talking To Strangers (2002) produzido por Dr John, e The Soul Truth (2005) produzido pro Steve Cropper. São dois músicos e produtores distintos. Como você fez as duas escolhas?
SC – Amo Dr John e sua música. Já o conhecia e ele era como um padrinho para mim. Queira saber o que ele poderia fazer por mim, como faria a minha música soar, não foi uma escolha fora de minhas possibilidades. Não conhecia Steve Crooper pessoalmente, mas conhecia sua música. Tentei fazer um disco bluesy e soul e ele era a pessoa certa para isso.
EM – E Crooper é uma verdadeira enciclopédia de ritmos.
SC - Sim, ele é um dínamo de boas ideias e energia positiva.
EM – O que significou pra você ser escolhida a nova rainha do blues? É importante ou é só mais um título?
SC – Para mim Koko Taylor será sempre a rainha do blues. Mas é uma honra pra mim as pessoas acharem isso sobre o meu trabalho. Estou curtindo.
EM – Você teve uma carreira de sucesso desde o começo. A que você atribui isso?
SC – Bem, sempre faço acontecer. Trabalho com grandes pessoas. Também é um pouco de sorte estar cercada por elas.
EM – Li em seu website a seguinte frase: "Quero fazer o mesmo que meu pai. Quero ser uma inovadora no blues. O que significa isso?
SC – Quero fazer coisas diferentes. Fazer com que o blues cresça. Torná-lo uma música mundial. Não quero ser conhecida apenas por um grupo seleto de pessoas. O blues é uma música maravilhosa e o mundo tem de conhecê-la.
EM – Qual é o futuro do blues?
SC – Não tento ver o futuro. Estou no presente e não sei o que vai acontecer. Mas espero ainda estar aqui cercada pelo blues.