Texto: Eugênio Martins Júnior
Foto: internet
No dia que o maestro santista Gilberto Mendes completa 90 anos repletos de música, resgatei dos arquivos essa matéria feita por mim pra um jornal de Santos.
Nessa época, ainda acreditava no jornalismo cultural e, entre uma matéria medíocre aqui e um jabá ali, impostos pelo editor, conseguia emplacar uma pauta legal com o argumento de sempre: “Pô bicho, isso dá status ao jornal”. Ele geralmente caia. Essa matéria foi uma delas.
Uma de algumas passagens minhas com o maestro, pessoa cordial e de mente aberta. Sempre disposto a alfinetar a politicagem que assolou a cultura santista por 16 anos e que, espero, termine esse ano.
Gilberto Mendes foi o inventor do Festival Música Nova, há mais de 40 anos, que só deixou de acontecer por um par de anos na época da ditadura militar. E, ultimamente, fugiu de Santos por causa da tal politicagem.
A matéria, na verdade uma forma de fazer alguma coisa diferente com o maestro que devia estar cansado de responder as mesmas perguntas dos repórteres, quando não piegas, pegajosos. Foi publicada em um domingo, 07 de agosto de 2005.
A dinâmica da brincadeira era a seguinte. Eu colocava o CD pra tocar e deixava alguns minutos. Então ele falava o que achava e só aí eu mostrava quem era. Daí ele emendava sua opinião.
Procurei ser o mais eclético possível levando alguns lançamentos da época, algumas coisas clássicas e, claro, coisas de meu gosto pessoal. Foi uma tarde agradável ouvindo música com essa lenda da música. Segue o material.
Domingo, 07 de agosto de 2005
O maestro Gilberto Mendes não precisa mais viver passando o chapéu entre o poder público e empresas privadas em busca de patrocínio para o Festival Música Nova.
Agora, ele passa os dias fazendo o que mais gosta: compomdo e indo ao cinema – a sua outra grande paixão.
Após quatro décadas lutando para viabilizar o evento de música erudita, muitas vezes tendo que sacar dinheiro do próprio bolso, ele vê o evento caminhar sozinho e ganhar o devido reconhecimento.
Satisfeito com os rumos do Música Nova, ele lembra que o festival atingiu plenamente seu objetivo.
Mendes relata que nunca teve a pretensão de ganhar dinheiro com o festival. “A finalidade sempre foi mostrar ao Brasil a nova música contemporânea e de vanguarda que estava sendo feita na Europa, formar e informar os músicos, e promover o intercâmbio entre eles”, explica.
Agora, atuando apenas como consultor artístico do festival, sobra tempo até para ouvir coisas que um repórter lhe traz, artistas e estilos pouco familiares para ele.
Após inicial reticência, Gilberto Mendes ouviu, acabou gostando da brincadeira (colocar uma música para tocar e revelar ao maestro qual era o artista) e manifestou a suas impressões.
Veja também http://mannishblog.blogspot.com.br/2009/10/publicada-mais-nova-composicao-de.html
Cabra cega com Gilberto Mendes
1 - Frank Zappa – Outrage at Valdez/ The Girl in the Magnesium Dress, do CD Yellow Shark
GM – Não conheço, mas é interessante. Tem um clima Villa-Lobos, o jeito como ele mistura as coisas. Parece também a Nova Musica alemã. Ah é o Zappa! Ele assimilou bem essa linguagem. Eu freqüentei o mesmo curso que ele, com o Pierre Boulez.
2 - Billie Holiday – God Bless the Child, do CD The Best Of (da Columbia).
GM – Tá parecendo aquela cantora de jazz americana, a Billie Holiday. Eu gosto muito, ela é extraordinária. Aliás, a música americana do século 20 é muito rica. O jazz tem uma proximidade muito grande com a música clássica. É a grande música erudita dos americanos.
3 – João Gilberto – Pra que Discutir com Madame, do CD Live at Montreux Jazz Festival.
GM – É o João Gilberto? É coisa antiga dele? Está meio chato, já foi melhor. Ah, no festival de Montreux tudo é jazz. Qualquer dia o Chitãozinho Xororó também vão tocar lá...
4 – Paco de Lucia – Adágio, do CD Concierto de Aranjuez.
GM – (Ele conhece na hora e solfeja o começo: Lá-ra-láaa). Conheci o compositor, Joaquim Rodrigo, em um festival em Madrid, onde estava sendo executada uma música minha. Ele já estava cego. Inclusive, esse Adágio foi executado em sua homenagem.
5 – Fernanda Porto – De Costas Pro Mundo, do CD Fernanda Porto.
GM – Não conheço esse pessoal novo da música popular. O ritmo é bom, me agrada. A voz dela também é bonita. É meio jazz com ritmo brasileiro. A bossa nova deu muito nome ao Brasil. Eu estive recentemente na Rússia e em São Petersburgo e um dos artistas mais tocados é o João Gilberto. Em Moscou toca-se muito o Tom Jobim, que por eles é colocado no mesmo nível de um Cole Porter ou George Gershwin.
6 – Buddy Guy – Hard Times Killing Flor, do CD Blues Singer.
GM – Isso é um blusão. Eu compus um blues erudito para um músico holandês que tocou em diversos países, na China, Japão e até em Kosovo. Eu gosto de blues, mas não sou maníaco.
7 – Lenine – Tuaregue Nagô, do CD In Cité.
GM - (silêncio). Dessa batida eu gosto (ao saber que era o Lenine), Conheço de nome. Mas, como disse, eu não vou atrás de artistas novos.
8 – Beatles – If I Need Someone, do CD Rubber Soul.
GM - Eu fui apresentado ao Beatles pelo meu filho de dez anos, que comprou na época o compacto de I Wanna Hold Your Hand. É uma das melhores épocas da música popular. As guitarras eram instrumentos de caminhoneiros americanos e os timbres que eles tiravam desses instrumentos horrorosos eram impressionantes. O Paul McCartney é responsável por todas aquelas harmonias.
9 – Chico Buarque – Sinal Fechado, do CD Sinal Fechado.
GM – É o Chico Buarque. A despeito do antipático que ele é, é um grande compositor. Ele queria que a música brasileira voltasse às raízes e no começo da bossa nova ele era contra. Acabou se juntando ao pessoal e, por ironia, acabou virando o herdeiro da bossa nova.
10 – Van Morrison – The Way Young Lovers Do, do CD Astral Weeks.
GM - Eu gusto de todos esse ritmos. Todos influências americanas.
11 – Paulinho da Viola – Alento, do CD Bebadosamba ao vivo.
GM – Esqueci o nome. É o Paulinho da Viola. Acho pobre melodicamente. Não tem uma marca. Essa gravação eu não conhecia, tem uma melodia mais rica, com piano, flauta.
12 – Wynton Marsalis – East of the Sun, West of the Moon, do CD Standard Time Vol.2 Intimacy Calling.
GM – O pianista é bom. Parece o Oscar Peterson. O Wynton não aparece? Estou compondo uma música para trompete com o clima do Miles Davis, com aquela surdina Hammond que dava um tom sombrio.
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