segunda-feira, 14 de abril de 2025

A viagem no tempo de Igor Willcox Quartet

 


Texto e fotos: Eugênio Martins Júnior

Geralmente escrevo uma introdução para cada entrevista que faço. Mas essa matéria que escrevi sobre a família Willcox para um jornal aqui de Santos está tão legal que resolvi quebrar a tradição e reproduzi-la agora. 
A matéria data de 04 de março de 2006, quase 20 anos e seu título é “Música no DNA”. 
Já a entrevista com Igor foi realizada em 26 de março de 2025, no lançamento do álbum Time Traveller no Sesc Santos, com Igor (bateria), Erik Escobar (teclados), Wagner Barbosa (saxofone) e Rubem Faria (contrabaixo). A produção foi da Mannish Boy Produções Artísticas.

Matéria de 2006
Uma família seguindo a mesma atividade profissional por várias gerações não é muito fácil de encontrar. Ainda mais quando essa atividade envolve dedicação e talento desde muito jovem, como a música, por exemplo. 
Os músicos santistas Kika, Chico e Igor Willcox fazem parte de uma dessas famílias cuja história conta com gente dedicada à música há mais de um século.
Os três foram criados em um ambiente musical desde que nasceram e, graças a essa bagagem (ou linhagem?), musical e, claro, dedicação e trabalho, despontam hoje como grandes talentos em suas áreas de atuação: Kika é cantora e professora de canto; Chico é contrabaixista, arranjador e compositor e Igor é baterista¹. 
Tudo começou com a avó, dona Adalgisa Maria Rocha Correia que, “ainda mocinha”, na década de 30, tocava piano na segunda sessão no cinema Carlos Gomes, época em que o cinema ainda era mudo. 
Ela era sobrinha do pianista Francisco Pirro, mas chegou aos cinemas levada por uma tia, também pianista que a aconselhou a tocar piano nas sessões em troca de aulas de piano da professora Nina Mazagão.
Dona Adalgisa conta que também tocou nas sessões dos cinemas Seleto, Coliseu e Guarani, todos em Santos, e ainda lembra das sessões com os filmes de Tom Mix e de Charlie Chaplin com saudosismo. 
Acabou abandonando a profissão depois que o namorado – que depois virou marido – não aprovava, também pela chegada do cinema falado que “colocou muito músico no olho da rua”, conta a ex-pianista, com memória invejável para os seus 91 anos de idade.
O talento passou para a filha, Sônia Rocha, que nos anos 60 já integrava uma turma da pesada que incluía Roberto Sion, Renato Loyola, Oiram Correia, Paulinho Freitas, Aleuda e Fogueira. 
Formou-se em advocacia, mas ficou sem exercer a profissão por algum tempo. No começo dos anos 70 rumou para São Paulo onde, atuando como cantora, conheceu e se cazou com o maestro Paulo Cezar Willcox, pai de Kika, Chico e Igor.
O maestro foi pianista e arranjador dos discos Cigarra, de Simone e Objeto Direto, de Belchior. 
Também atuou com Hermeto Pascoal, Toquinho, Vinicius de Moraes e Djavan, além de escrever arranjos para a versão brasileira dos espetáculos teatrais Hair e Jesus Cristo Superstar. 
Com a morte prematura de Paulo Cezar, Sônia encerra a fase cantora e volta para Santos onde se dedicar à advocacia por completo. Atualmente ela atua no conjunto de bossa nova Canto Livre que se apresenta pela cidade esporadicamente. 
A fascinante história da família Willcox continuou com os irmãos e foi no início dos anos 80 que que o talento começou a aflorar em Kika, a mais velha. 
A primeira música que ela lembra de ter cantado foi a versão no cantor americano Al Jarreau para Spain, tema do tecladista Chick Corea.
“Meus pais costumavam ouvir no carro e eu comecei a assimilar aquela música”, conta a cantora que, aos 18 anos, como a maioria dos jovens, começou atuando em uma banda de pop/rock, cujo repertório incluía Pink Floyd, The Police, Gênesis e Yes até chegar à música brasileira.
Estudou piano clássico formalmente e, até encontrar o seu próprio estilo, as aulas de canto não podiam ser com outra pessoa senão a própria mãe.
Nos anos 90, passou pelo dissabor de ver as casas de shows de Santos arregarem para os ritmos da moda como o pagode mauricinho e a axé music. Escutou de muita gente que sua música não interessava. 
Superou tudo isso e, juntos aos irmãos, passou a ser uma das artistas mais solicitadas de Santos, seja como convidada em discos de outros artistas, como professora de canto, cantora na noite da cidade.
No último final de semana, em pleno carnaval, aportou em um resort na ilha de Comandatuba com um combo de jazz com seu irmão Chico (baixo), Amon Rá (da Família Lima), Erik Escobar (teclado) e Cuca Teixeira (bateria). 
Todas as quintas-feiras, acompanhada pelo músico Alexandre Blanc, canta no Internet Bar, no formato banquinho e violão.
Às sextas-feiras se apresenta no Retrô Bar, na Rua XV de Novembro com o Elektro Loop e aos sábados no Chop Santista com a banda Matrix².


New Samba Jazz
Sob o título “Jazz de Exportação”, na mesma página da matéria, escrevi sobre o EP recém lançado New Samba Jazz, parceria entre os irmãos Igor e Chico com o tecladista Erik Escobar. Segue a resenha.
New Samba Jazz, o CD gravado pelos irmão Chico e Igor Willcox e o tecladista Erik Escobar, me lembra o Weather Report. Trata-se de um elogio. O quinteto norte-americano é o conjunto de jazz fusion mais quente de todos os tempos. 
Tanto que um dos temas gravados no EP, Prince of Darkness, é de Wayne Shorter, saxofonista e fundador do Weather.
Também compõem o CD outros seis temas jazzísticos que incluem composições de Edu Lobo (Casa Forte), Jobim e Vinicius (Água de Beber), João Donato e João Gilberto (Minha Saudade), e duas composições de Chico Willcox (Lembrança e Gente da Casa). 
A gravação tem a produção do trombonista Bocato, figura carimbada nos estúdios paulistanos. 
O próprio Chico vem se destacando pelas “participações especiais” e a mais famosa foi como músico arranjador e produtor musical dos standards norte-americanos cantados pela cantora Sandy na sua pequena temporada na casa de shows Bourbon Street, em São Paulo.
Outra atuação, e essa o público santista teve a oportunidade de presenciar, foi o show com a baterista Vera Figueiredo, no Bar do Sesc, quando Chico botou o recinto abaixo³. Ele toca com a baterista no programa Altas Horas há dois anos.
“Estudei jazz a minha vida inteira e acabei me mudando para São Paulo por causa do lado profissional”, conta o músico que transformou a casa da família Willcox, na capital, em um estúdio onde realiza gravações e jams.
Também atuou na Bourbon Street Jazz Band, - que tocava embaixo da escadaria que dá acesso ao mezanino da casa de show, os mais antigos lembram – e acabou de participar como arranjador e produtor do CD de Aretha Marcos, filha dos cantores Antônio Marcos e Vanuza. 
Também é endoser dos instrumentos Yamaha e das cordas Groove, fazendo Workshops por todo o país.
E o Igor? “Esse aí não tem nada que o prenda”, diz a irmã  Kika. Atualmente Igor mora na Alemanha, onde divulga o novo CD nas gravadoras e toca com músicos locais em Frankfurt e na Romênia, país vizinho.


Entrevista Igor Willcox

Eugênio Martins Júnior - Gostaria que falasse sobre essa viagem no tempo musical da família Willcox ao longo de quase um século. Sei que a tua avó tocava piano em apresentações de cinema mudo.
Igor Willcox – A gente tem mais gerações de músicos na família. Consigo estender isso antes da minha avó. Os registros mais recentes que nós temos são da minha avó, mas meu avô por parte de pai, o Ferreira Filho, foi maestro do Cassino da Urca. Mas tenho um tataravô que era músico. É mesmo uma viagem no tempo, como você falou. Isso atravessou gerações. 

EM – E a tua mãe era cantora e teu pai maestro.
IW – Sim, meu pai era arranjador, tocava piano e vibrafone. Fez arranjos em discos emblemáticos, como o Cigarra, da cantora Simone; Objeto Direto, do Belchior, não só arranjo como ele também toca piano. Trabalhou com Nara Leão, Fátima Guedes, Gilberto Gil, Djavan, meu velho tem bastante história.

EM – Você tem contato com esses artistas? Eles falam disso contigo?
IW – Sim, principalmente quem conviveu de perto, como o Arismar (do Espírito Santo, baixista), o Sizão Machado (baixista). Minha mãe foi no show do Djavan e ele conversaram sobre meu pai. A Simone nem se fala, porque meu pai fez um trabalho muito ativo com ela. Não só os nomes principais, mas os músicos daquela geração. O engraçado que depois eu toquei com vários deles. A primeira vez que toquei com o Sizão Machado, grande baixista que tocou com Djavan, ele me falou: “Filho do Willcox?”. Eu respondi que sim. E ele: “Então você tem a obrigação de tocar bem”. (risos)

Erik Escobar

EM – E como foi a tua infância musical e dos irmãos Willcox? Quando foi que percebeu que a tua onda era tocar bateria?
IW – Segundo a minha mãe sempre fui batuqueiro. Batucava na barriga dela. Mas diferente dos meus irmãos, não fui criado pelo meu pai. Ele morreu muito cedo, eu tinha apenas nove meses. Não tenho nenhum registro de memória ou afetivo. Mas meu pai deixou todas essas gravações. Tem uma gravação com a minha mãe cantando que é incrível. Ela é uma cantora maravilhosa, foi do movimento da bossa nova aqui em Santos. Minha herança musical são as coisas que meu pai deixou, que minha mãe ouvia. Essa foi a minha influência desde moleque. Cresci em um ambiente musical ouvindo música brasileira e jazz, então a coisa foi acontecendo. Apesar de achar que escolhi sem músico já mais velho, com 15 anos. Cheguei a fazer aulas de piano, mas queria brincar, jogar bola. 
Meus irmãos começaram um pouco antes de mim, mas todo mundo foi picado pela música.     

EM – Ouvindo o Time Traveller percebi que o álbum dá muito espaço para a banda brilhar. A tua forma de compor e gravar é bem generosa. Gostaria que comentasse.
IW – Obrigado. Penso muito nisso. Independente de o grupo levar o meu nome, porque eu levo à frente, sou quem compõe, grava, fecha shows, mas todo o movimento é coletivo. Que é o ser músico. É o compartilhamento em cima do palco. Exercer o diálogo, a conversa, de igual para igual. E todos falam e têm a sua voz, seu momento. Para mim é importante que todos se sintam valorizados. Que tenham a liberdade da expressão musical. Que sejam quem são. Existe a preocupação estética de montar o setlist com o momento de cada um. Quando entrei no universo da composição deixei de ser... olha só que coisa louca que vou falar, deixei de ser simplesmente um baterista para ser um músico mais voltado para esse lado da composição, da coletividade. Gosto de dizer que ninguém faz nada sozinho. Se cheguei onde estou atualmente é porque devo muito a eles. Meus amigos, meus parceiros e músicos incríveis.

Wagner Barbosa e Rubem Farias

EM - Essa tua parceria com o Erik é bem antiga. Tenho aquele EP de 2006, New Samba Jazz, e você já tocavam juntos.
IW – Quando fui para São Paulo no começo dos anos 2000 tocávamos na banda Santa Maria. Nos identificamos musicalmente, vi que ele gostava dos mesmos sons que eu. Foi uma coisa natural. Ele foi morar em casa. Então essa amizade com o Erik é como se fosse uma irmandade, tem muito anos.   

EM - Você grava discos de jazz com música autoral. Qual é o peso de cada escola na tua música, a bateria brasileira que é misturada com um monte de ritmos e a bateria do jazz americano que eu sei que também exerce muita influência?
IW – Tenho uma forte influência pelo jazz americano. Mas também pela música inglesa, como o Allan Holdsworth, um grande nome da música. E bateristas ingleses, adoro o Gary Husband, um cara incrível. Mas a música brasileira, apesar de não ser o som do quarteto, aquela coisa do ritmo escancarado, baião, samba, a gente acaba carregando essa influência no DNA. É aquilo que diz o Hermeto Pascoal, a gente faz música universal. Não gosto de rotular. Quando falamos a palavra fusion é o sentido dessa mistura, jazz, rock, funk, salsa, MPB. Ultimamente tenho falado que fazemos brazilian fusion (risos).


EM – Conta a história do Time Traveller, que eu vejo como um disco conceitual, porque tem os temas interligados.
IW – Sim, entrei nessa viagem. Quando comecei algumas composições foram acontecendo naturalmente. Sempre achei que quando você coloca o nome em uma música ele precisa ter conexão com aquele acontecimento. Aí criei essa história do viajante no tempo. E nossa música viaja no tempo, porque temos influências de décadas passadas, Weather Report, Miles Davis, assim como músicos atuais, como Joshua Redman ou Donny McCaslin. A viagem no tempo tem a ver com isso. Músicas com o (órgão) Fender Rhodes, que tem um som muito característico. O Eric usa muito sintetizador, o Wagner tem linguagem e abordagem modernas. Então a viagem no tempo, quando compus criei uma história. E começa com uma música emblemática, a Heroes of Persistence, porque na música instrumental a gente tem que ralar muito para fazer a coisa acontecer.   

EM – Entre aquele EP com o Chico Willcox e com o Erik Escobar, gravado em 2005, o #1 e o Time Traveller se passou muito tempo entre ambos. Sei que é custoso o artista bancar a própria arte. Isso desanima? Quer dizer, gravar, gastar, para depois recuperar com um show novo? Ou faz parte do jogo?
IW – Antigamente era tudo mais difícil. Temos que agradecer o avanço tecnológico, a possibilidade de ter coisas que antigamente eram muito distantes. Antes gastávamos uma grana violenta para gravar em bons estúdios. Imagina um artista independente que não sabia se iria fazer show, não sabia se conseguiria monetizar aquilo de alguma forma. Gravei o disco #1, e lancei em 2017. E agora lancei o Time Traveller, um salto temporal de disco de estúdio. Mas no decorrer desse tempo lancei discos ao vivo. Num dos lugares que a gente tocou no Canadá, o show foi gravado e acabou virando um disco. Em 2022 fomos para a Europa, em um festival de jazz na Bulgária, e o show também foi gravado e televisionado. Perguntei se poderia ter acesso a essa gravação e eles me cederam os áudios. O que aconteceu foi o lançamento de discos ao vivo, o que adiou o lançamento do Time Traveller. Lancei alguns singles na pandemia e o engraçado que alguns seguidores no meio do jazz, um site especializado, fizeram a uma resenha desse disco ao vivo na Bulgária, mas ao mesmo tempo cobrando um disco de estúdio. As coisas foram acontecendo.    

EM – Costumo dizer que a cabeça de quem trabalha com arte nunca para. Está sempre com um projeto por fazer.
IW – A gente sempre quer ver o resultado de um projeto. E porque agrega na nossa vida. O músico é o cara que atua em vários lugares diferentes para poder viver daquilo. Grava, dá aula, toca, faz o próprio marketing. Mas independente do que aconteça eu já falei para mim mesmo que vou escrever minha história e realizar meus desejos musicais. Sempre fiz isso independente do resultado.    

EM – Gostaria que falasse sobre essa banda atual.
IW – O baixista do quarteto é o Ricardinho Paraiso, que gravou o disco, um grande músico. Por uma questão de conflito de agenda não conseguiu vir hoje. Mas nem achei ruim porque tem outro baixista incrível, que inclusive participou de algumas faixas do #1, o Rubem Farias. São pessoas cuja identificação é pessoal. Tocar bem você já espera de qualquer músico. Não é diferencial. O que eu espero é que tenham caráter, que tenham um bom convívio, que pensem no coletivo. Que deixem o ego em casa e venham para fazer música. Para compartilhar. Com isso fica tudo mais fácil   

1 – Lembrando que a matéria foi escrita há quase 20 anos. Hoje todos já estão com suas carreiras consolidadas e Igor também desenvolve as atividades de composição a arranjo.
2 – Tanto o Internet Bar quanto o Retrô não existem mais.
3 – Por coincidência, o mesmo lugar onde aconteceu o show de lançamento de Time Traveller, onde foi realizada a presente entrevista.







Kika Willcox




sábado, 12 de abril de 2025

Circuito Sesc Jazz 2025 anuncia atrações e datas

Paraty abre a série de festivais em 11 de abril e Rio das Ostras encerra em 22 de junho. Casimiro de Abreu, Búzios, Miguel Pereira, Barra do Piraí (Ipiabas) estão incluídas no circuito

Cidade do Jazz - Palco Costazul - Rio das Ostras Jazz e Blues Festival

O Circuito Sesc Jazz & Blues retorna em 2025 com uma programação reunindo grandes nomes da música nacional e internacional em apresentações que percorrerão diversas cidades do estado do Rio de Janeiro. 
No line-up deste ano, artistas como Amaro Freitas, Rodrigo Suricato, Josiel Konrad, Coco Montoya, Banda Black Rio, Mike Stern, José James, Mitch Woods e Alfredo Rodríguez prometem performances marcantes para o público.
Entre os destaques desta edição está o guitarrista americano Mike Stern, que retorna ao Brasil acompanhado de sua banda, composta por Dennis Chambers (bateria), Leni Stern (guitarra), Bob Franceschini (saxofone) e o brasileiro Rubem Farias (baixo). Nomeado nove vezes ao Grammy e considerado um dos mais influentes guitarristas do jazz contemporâneo, Stern promete performances eletrizantes que revisitam clássicos e apresentam novas sonoridades do gênero.
O festival também recebe José James, cantor e compositor norte-americano aclamado por sua fusão entre jazz, soul e hip-hop. Com um timbre de barítono inconfundível e apresentações que misturam improvisação e atitude de rapper, James é considerado pela Jazz Times como "o salvador do jazz".

Igor Prado e Tamara Tremell Peterson

O Brasil será representado pelo pianista pernambucano Amaro Freitas, reconhecido por mesclar jazz contemporâneo com ritmos nordestinos e indicado ao Grammy Latino em 2024 pela canção "Esperança", parceria com Criolo e Dino d’Santiago, promete encantar o público. Com mais de 50 anos de carreira, Rosa Marya Colin apresenta seu trabalho exclusivamente dedicado ao Blues, em shows que contarão com a participação especial do gaitista Jefferson Gonçalves, trazendo ao público um repertório que passeia por clássicos do Blues, Jazz, R&B e Spirituals, incluindo sucessos como California Dreamin', Precious Lord, Summertime e St. Louis Blues.
O veterano Coco Montoya, um dos mais renomados guitarristas e cantores de blues americanos, será um dos destaques da programação. Conhecido por sua pegada intensa e estilo influenciado por mestres como Albert Collins e B.B. King, Montoya construiu uma sólida carreira no blues. Antes de seguir carreira solo, tocou por anos na banda de John Mayall & The Bluesbreakers, consolidando sua reputação no cenário. Sua abordagem única na guitarra, tocando de maneira canhota sem inverter as cordas, contribui para seu som característico e marcante. Com diversos álbuns aclamados, Montoya segue se destacando por sua habilidade técnica e emoção em cada performance, sendo uma referência no blues contemporâneo.
O trombonista e cantor Josiel Konrad traz uma fusão envolvente de jazz e funk carioca. Já Rodrigo Suricato, cantor, compositor e guitarrista, conhecido por seu trabalho solo e por liderar a banda Barão Vermelho, apresentará o show “Rodrigo Suricato Blues Rock Experience”, no qual interpreta clássicos do blues e do rock com sua assinatura única. A banda JAMZ, finalista do programa SuperStar, também integra a programação, destacando sua mistura de jazz, soul e pop.
A diversidade de influências segue com Alfredo Rodriguez, pianista cubano de projeção internacional apadrinhado por Quincy Jones, e Mitch Woods and His Rocket 88’s, que trazem a energia do boogie-woogie e do jump blues diretamente dos Estados Unidos.

Banda Black Rio

Paraty abre a programação do Circuito Sesc Jazz & Blues:
Neste ano coube a cidade de Paraty abrir a programação do Circuito Sesc Jazz & Blues, com três dias repletos de shows e performances incríveis, a partir do dia 11 de abril.  Na sequência, o Circuito percorrerá as cidades de Casimiro de Abreu (de 18 a 21 de abril), Búzios (de 1 a 4 de maio), Miguel Pereira (de 16 a 18 de maio), Ipiabas (30 e 31 de maio e 1º de junho) e Rio das Ostras (de 19 a 22 de junho). Cada cidade contará com palcos ao ar livre e espaços culturais locais, proporcionando experiências únicas para os espectadores. O encerramento acontecerá em Rio das Ostras, entre os dias 19 e 22 de junho, durante o feriadão de Corpus Christi, com o consagrado Rio das Ostras Jazz & Blues, maior festival do gênero na América Latina. O evento chega à sua 21ª edição como um dos principais festivais de música do país.
Projeto Mulheres Plurais estará presente no evento
O Circuito Sesc Jazz & Blues vai fazer também alertas a respeito de assédio sexual e violência contra a mulher. Trata-se de uma iniciativa do projeto Mulheres Plurais, pelo qual o Sesc RJ estende por todo o ano discussões sobre o universo feminino, com foco na garantia de direitos e equidade de gênero. 
Banheiros químicos receberão adesivos com mensagens – em português, inglês e espanhol – de conscientização e números de emergência, como o 180 (Central de Atendimento à Mulher) e o 197 (Delegacia de Atendimento à Mulher), além de um QR Code. Apontando o celular para o adesivo, será possível obter informações sobre toda a rede de amparo disponível às vítimas, com mapas, conteúdos informativos e botões para ligação em um clique.
Cubos espalhados pelo evento e um vídeo a ser exibido no palco também vão abordar o assunto. Mais do que ajudar eventuais vítimas, a intenção é desencorajar possíveis agressores e conscientizar a população.

Confira a programação das cidades:

Paraty – 11 a 13 de abril
Dudu Lima & Victor Biglione, Josiel Konrad, Wil Bordieri Organ Trio, Flávio Guimarães Blues Band, Big Joe Manfra e Pedro Quental, Rodrigo Suricato Blues Rock Experience e Lorenzo Thompson & Bruno Marques Band (EUA), Tamara Peterson e Prado Brothers Band (EUA), Moreira Jr. Trio; e JAMZ, Teo Lobos Jazz Trio; Plinio Blues; além de DJ Breno e bandas locais.

Casimiro de Abreu – 18 a 21 de abril
Rosa Marya Colin, Flávio Guimarães Blues Band, Lorenzo Thompson (EUA), Josiel Konrad, JJ Thames & Prado Brothers Band (EUA), Mamooth Band, Tamara Peterson (EUA), Maurício Sahady & The Lucky Dice, Dudu Lima & Victor Biglione e Brugger, além de bandas locais e do DJ Breno.
 
Búzios – 01 a 04 de maio
Bandas locais; Flávio Guimarães Blues Band; Fernando Magalhães Tributo a Rolling Stones; Mamooth Band; Josiel Konrad + Rosa Marya Colin In Blues + Lorenzo Thompson (USA); Dudu Lima & Victor Biglione + Rodrigo Suricato Blues Experience + Tamara Tramell Peterson (USA); Black Rio (21:00h) +  JJ Thames & Prado Brothers Band e Orquestra Voadora. 

Miguel Pereira – 16 a 18 de maio
DJs; bandas locais; Dudu Lima & Victor Biglione + JAMZ; Rosa Marya Colin In Blues + Tony Gordon +  JJ Thames & Prado Brothers Band; Blues Etílicos; Mamooth Band; e Big Joe Manfra.

Barra do Piraí (Ipiabas) – 30, 31 de maio e 01 de junho
Laretha (USA); Rosa Marya Colin; Dudu Lima & Victor Biglione e Leandro (bateria); Black Rio; e Blues Beatles (SP).

Rio das Ostras – 19 a 22 de junho
Alfredo Rodríguez (Cuba); José James (USA); Mike Stern, Dennis Chambers e Bob Franceschini (USA); Coco Montoya (USA); Mitch Woods (USA);  JJ Thames & Prado Brothers Band; Prado Blues Band (USA); OZMA French Explosive Jazz (França); Amaro Freitas; Rodrigo Suricato Blues Experience; Rosa Marya Colin In Blues; Black Rio; Josiel Konrad; e Artur Menezes.

segunda-feira, 7 de abril de 2025

Jefferson Gonçalves e Bitencourt Duo levam ritmos híbridos para fora do Brasil

 

Luciano Bittencourt, Jefferson Gonçalves e Júlio

Texto e fotos: Eugênio Martins Júnior

Conheci o gaitista Jefferson Gonçalves por causa do blues. E conheci o irmãos Bittencourt por causa do Jefferson. 
Trabalhei com Jefferson em algumas ocasiões e quando ele se juntou ao Bitencourt Duo para um novo projeto me chamou para mais uma parceria. Sim, o Bittencourt sobrenome é escrito com duas letras T. O Bitencourt do duo é escrito com um T só. Coisas da numerologia.
A primeira parceria foi a apresentação no Instrumental Sesc Brasil, o programa famoso gravado no Sesc Consolação, em São Paulo. Fizemos também o Santos Jazz Festival e o Sesc Taubaté. Nesse último aconteceu uma coisa engraçada. 
Ao final do show, fui ao banheiro tirar cerveja do joelho e escutei o seguinte comentário: “Só faltava essa, misturar blues e jazz com batuque. Esses caras gostam muito é de inventar”. 
Contei para o Jefferson e demos boas risadas sobre isso. 
Explico. Há um pessoal purista que tem dor de barriga quando encontra as misturas musicais que derivam do blues e do jazz com os ritmos brasileiros. 
Mas o Brasil é assim. Misturar está no nosso DNA. Foi a convivência entre indígenas nativos, brancos europeus e negros africanos que inventou o jeitinho musical brasileiro.
E a formação inusitada do grupo – harmônica tocada de forma percussiva pelo Jefferson, a percuteria Frankenstein do Júlio e a guitarra híbrida do Luciano – soa mesmo diferente.  
Cajazz & Umblues é um tema fruto-musical que brinca com a língua e explica o que é esse “soa mesmo diferente”. Cajá e umbu, duas frutas recorrentes no norte e nordeste brasileiros inspiraram o tema. 
Elas mesmos têm muitos nomes: umbu, imbu, ambu e cajá, acaiá, taperebá, escancarando a criatividade brasileira demonstrada pelo trio no álbum de estreia.
O trabalho gravado em 2023 traz ainda Nada Será Como Antes (Milton Nascimento), Arrasta Pé Alagoano (Hermeto Pascoal), Tenho Sede (Dominguinhos e Anastácia), as autorais Forró de Outono e Som e Tradição e ainda dão uma chegadinha em New Orlans com Cissi Strut (The Meters).

Júlio Bittencourt e seu kit

Eugênio Martins Júnior - Fale sobre a tua infância musical.
Júlio Bittencourt – Falar sobre a minha infância musical é falar um pouco sobre meu avô. Tive a oportunidade de ter na família um avô ligado à música. E Sebastião Pinto foi um grande cantor da “Era do Rádio” no Brasil. Contratado da Rádio Nacional do Rio Janeiro. Teve um grande destaque na geração dele, gravou vários discos. Na infância morei um pouco na casa dos meus avós, com meus pais. Os ensaios de meu avô com o violão, as serestas, eram a realidade da casa. Ele era empresário, dono de loja, mas a alma dele sempre foi de artista porque cantou a vida toda. Esse avô era do lado da minha mãe. E pelo lado do meu pai, além de trabalhar na fábrica de pólvora, em Piquete (SP), ele tocava bandolim no cinema mudo. Temos o bandolim dele até hoje. São dois lados da família com influências musicais. 
Estudei um pouco de piano erudito, o que era possível na época, acabei gostando muito. Estudei um ano e meio, mas desisti porque parecia muito devagar para o que eu imaginava sobre música. Era muito criança, decorava as músicas e depois não conseguia ler as partituras. Anos mais tarde, aos 17, tive o estalo de querer ser baterista. Até hoje não sei a razão, não tinha referência nenhuma. Montei uma banda de rock e comecei a tocar. Com tudo isso, a grande influência era a minha mãe ouvindo MPB, Chico Buarque e Roberto Carlos. E meu pai ouvindo a grande orquestra de Frank Sinatra.      

EM - Tua bateria traz elementos diferentes. Como chegou a essa conclusão?
JB – Realmente a minha bateria tem muitas referências. E tudo começou por acaso. Muito antes de gravar alguma coisa com o Jefferson, esse projeto tão bonito que a gente vem tocando. Sempre gostei muito de pesquisar sonoridades diferentes e achar lugares para tocar que não são convencionais. Buscava muito elementos que não fossem tradicionais na bateria para poder agregar ao meu som. Achava que aumentaria meu mundo musical e que eu poderia oferecer alguma coisa diferente. Isso me estimulava a ir ao próximo passo, não ficar só no tradicional. Um belo dia ganhei de presente de um amigo uma alfaia de maracatu feita por um grande mestre aqui da nossa região, chamado Flávio Itajubá. Me deu vontade de adaptar essa alfaia como um bumbo de bateria. Um instrumento extremamente relacionado à cultura brasileira. Um djembê, no lugar do ton 2, e no lugar do ton 1, deixei um tambor realmente pequeno, de 10’. Volto para o surdo de 14’ da bateria Gretch, que é a sonoridade que eu mais amo. E coloquei uma caixa vintage, da década de 60, que também tem uma sonoridade muito legal. Coloquei uma conga, ao lado esquerdo, pensando em algo do lado cubano, e misturas de pratos feitos na Turquia, pratos americanos e outros criados aqui mesmo, quando peço para um amigo cortar um pedaço de prato e fazer outra coisa.  E alguns elementos de mão. Consigo misturar tudo isso e minha assinatura musical ficou bem mais fácil de ser compreendida. Esse molho facilitou a mistura da música brasileira com a improvisação do jazz, que é onde mais trilho, mais gosto de fazer e onde tenho a possibilidade de criar. Não sou um baterista ligado em repetir as coisas. Gosto muito de criar. Isso me ampliou o mundo.


Júlio Bittencourt

EM – Além do samba isso tudo agrega outros elementos culturais na tua música, caribenhos e africanos. Fale sobre isso.
JB – Quando trago esses elementos, busco um caminho específico. O da cultura do instrumento. Mas levando para uma forma pessoal de tocar. Não sou aquele baterista que carrega o peso de usar uma conga com a técnica do congueiro. Gosto de colocar esses elementos no meu kit e usar da forma que funciona bem para mim. Com isso tiro um pouco do peso de ser o mantenedor da cultura daquele tambor, sabe?
Que tem pessoas que fazem lindamente e eu admiro, mas não é minha onda. Minha praia é pegar instrumentos que se transforme na minha arte, minha forma de pensar, minha música. Trazer elementos de fora e transformar em uma coisa pessoal.
  
EM – Antes dessa parceria com Jefferson você gravou alguns discos bem diferentes. Em um deles me chamou a atenção, o Deslimites, cujas músicas foram compostas na hora que estavam sendo tocadas. Como foi a escolha dos temas e dos músicos, como fez essa relação?
JB – Gravei muita coisa. Toco com meu irmão há muitos anos. Mas temos diferentes pontos de vista em relação à música e ao que cada um gosta de forma mais específica. E sempre estive ligado a essa expressão do jazz tocada de uma forma muito livre. Para falar sobre o Deslimites, e até esse nome eu gosto de explicar, sou muito fã de um poeta chamado Manoel de Barros, um grande poeta brasileiro. E ele usa palavras com outros sentidos. Consegue fazer isso de forma maravilhosamente poética. Então pego dele o termo Deslimites e trago para meu disco. E ele nasce quando encontro o saxofonista Loran Brunet, um parisiense muito bacana. Ele esteve no Brasil e acabamos nos conhecendo e desenvolvendo uma afinidade sobre essa forma de tocar. A música livre, sem barra de compasso. Começa a tocar sem a necessidade de separar 4x4, 6x4, 6x8. A gente brinca que é uma música mais livre possível, sem a regra do espaço, do tempo e do compasso. O Loran passou por Cruzeiro e conversando sugeri gravar alguma coisa sem combinação nenhuma. Eu tocava meu instrumento e ele sentia o que eu estava tocando e seria uma conversa musical. Sem combinar nada. Aí ele falou: “Mas nada?! Não combina ritmo, tempo da música?”.  Eu respondi: “Nada. A gente só toca”. Entramos no estúdio, microfonamos os instrumentos e começamos a gravar algumas coisas. Percebemos que isso foi extremamente rico em ideias. Saia direto da alma, sem passar pela lógica cerebral. Tentamos nos livrar dessas amarras e tocar o que era do nosso espírito livre. Gostei da ideia e chamei outros músicos. Cada vez que encontrava com um explicava a cena, trazia para o estúdio e gravava no máximo em três takes. A ideia era levar para o disco as originais, as autorais. Depois disso gravei mais dois discos, um com o Loran Brunet e depois com outro saxofonista chamado Hudson Bochard, Margens do Jazz. Estávamos tocando em uma pousada bem no alto da serra aqui em Visconde de Mauá e eu já tinha um equipamento de gravação. Então levei minha bateria para a margem de um rio, microfonamos e gravamos. Por isso chamei de Margens do Jazz, porque são todos os temas criados ali naquele lugar. Essa é uma das coisas que mais amo fazer, gravar com as pessoas de forma livre.

EM - Já no Caminho Natural o samba e o jazz rolam mais soltos. Gostaria que falasse sobre esses dois trabalhos distintos.
JB – Por quase 15 anos tive um projeto chamado Júlio Bittencourt Trio, com meu irmão, Luciano Bittencourt, e o Benjamim BJ Bentes. Investimos na nossa carreira de jazz pela região. Já havíamos gravados um disco de marchinhas de carnaval e depois gravamos um disco ao vivo em uma casa de shows chamado Jazz Village. Achei que estava na hora de gravarmos um disco autoral. O nome do disco surgiu disso, que era realmente o caminho natural do nosso trabalho. O Luciano é um grande compositor e o BJ também. Arrisquei colocar uma música minha. Dei pitaco em algumas coisas, lógico, mas as composições são deles. Vínhamos de uma influência muito grande tocando no Rio de Janeiro. Tocamos no Beco das Garrafas, tocamos samba jazz com diversos artistas. Sempre fui um apaixonado e esse disco tem essa pegada misturando o samba e o jazz. Mesmo que tenha uma música chamada Maranhão, que é outra onda. Depois disco gravamos outro projeto chamado Cores, cuja pesquisa apontava quais eram as vibrações, as frequências relacionadas às cores. Há pesquisas que dizem que as pessoas conseguem perceber a cor X com determinada vibração. Cada nota uma cor. Pesquisamos sobre cromoterapia, sobre pessoas ouvem um tambor relacionam aquele som com uma cor, uma coisa muito louca. Gravamos o disco, que para mim foi o melhor que já gravei com o Júlio Bittencourt Trio. Há diferenças entre os dois projetos. Um com a influência dos dois compositores e o outro que acho mais livre, não chega a ser free jazz, mas tem essa liberdade. Não se encaixa nos padrões tradicionais da música brasileira. Ou desse projeto do duo com o Jefferson.
  
EM – Aproveitando que você citou, como o público europeu recebeu essa formação inusitada, harmônica, tambores e aquela guitarra diferente do teu irmão?
JB – Tivemos oportunidade de visitar cinco países com esse repertório bem brasileiro e diferente. A guitarra do meu irmão é uma guitarra híbrida com três cordas de contrabaixo e três de guitarra. Minha bateria é uma mistura de bateria e percussão e levamos isso tudo lá para fora. Até uns bichinhos de apertar, um porco e uma galinha. A recepção foi muito boa. Nunca imaginamos que na Alemanha teríamos uma expressão de carinho tão grande. Pessoas dançando, batendo palma, comprando os discos, que até pagavam mais caros para ajudar a difundir. Foi uma grande revelação. Estivemos na Espanha, Alemanha, República Tcheca. Na Bélgica tocamos em um jazz clube maravilhoso, cujas paredes havia fotos dos grandes músicos europeus que já haviam tocado lá. Em Portugal tocamos em festivais de jazz e recebemos convites para voltar. As portas se abriram de uma forma que deu a certeza de que iremos voltar. Sou grato por essa química entre todos. A música vai muito além do combinado. Porque se fosse fácil só combinar elementos e isso desse certo muita gente poderia tocar qualquer coisa. Mas o que funciona na música é o além do combinado. É a química que acontece quando nos juntamos para tocar. Na minha concepção nós somos instrumentos da música que vem de Deus. Que usa o nosso corpo e nós projetamos isso aos nossos instrumentos físicos. A gente percebe que a música consegue curar e ajudar muito as pessoas, com depressão e uma série de doenças.

Luciano Bittencourt

Luciano Bittencourt

EM - Fale sobre esse instrumento estranho que você toca, a guitarra híbrida. E como ela cabe na música brasileira?
Luciano Bittencourt - Esse instrumento se chama guitarra híbrida, é uma mistura de baixo e guitarra em um instrumento só , são três cordas de baixo e quatro de guitarra, com duas saídas independentes.  O criador foi o músico americano Charlie Hunter, com o qual tive a honra de estar e poder adquirir essa guitarra em 2020. Estive em sua casa na Carolina do Norte e tive oportunidade de fazer aula com ele que foi de extrema importância para mim.
Como sou pioneiro desse instrumento no Brasil, tive que transportar a técnica adquirida com Charlie para os ritmos brasileiros, tão ricos em harmonia e estilos. Mergulhei de corpo e alma nesse instrumento mágico e tive que reaprender quase tudo, foi e ainda é um grande desafio. Mas estou muito feliz e estudando muito.
O incrível é que a híbrida se encaixa perfeitamente na música brasileira, faço parte do Bitencourt Duo e nesse trabalho em parceria com o gaitista Jefferson Gonçalves posso explorar a música nordestina na mistura com jazz e blues. Lançamos vários álbuns com turnês no Brasil e Europa, principalmente por aplicar a híbrida na nossa rica cultura. 
Com o Saxofonista Leo Gandelman que também temos uma parceria tenho a oportunidade de tocar o soul jazz mas sempre com um sotaque brasileiro. Enfim esse é um instrumento versátil e me sinto honrado por ser o primeiro a trazê-lo ao Brasil

EM – Qual a tua percepção sobre o público da Europa com a música que vocês apresentaram? 
LB – Foi maravilhosa. Melhor impossível. A música brasileira sempre foi muito bem representada no mundo todo. Sempre vista como a melhor do mundo. Tocamos ritmos brasileiros tradicionais como o maracatu, baião, com a pegada jazzística. Isso fez com que os europeus sentissem o calor da nossa música. Uma experiência incrível.


EM - Você e teu irmão tocam (com trocadilho) um bar de jazz na cidade de Cruzeiro, onde moram. Como é essa dinâmica? Há público ou é só uma teimosia de vocês?
LB – Sim, temos uma escola de música que se chama Instituto Musical Bittencourt na cidade de Cruzeiro. Dou aula de guitarra e violão e o Júlio de bateria. Nessa escola temos um auditório onde todas as terças-feiras fazemos jam sessions com músicos que vêm de longe e músicos da região. Essas jams são de jazz e música brasileira. É um evento que cultivamos há 15 anos. Um público que vai para ouvir música e não ficar conversando e ter outro tipo de entretenimento. E temos outro local que se chama Espaço Luckys, com eventos mensais e bimestrais e shows de grandes artistas, Leo Gandelman, Tunai, Jefferson Gonçalves e o duo. É num ponto turístico da cidade. Como já disse, um público que nós estamos formando.

Jefferson Gonçalves



Jefferson Gonçalves

EM - Como aconteceu a parceria com os irmão Bittencourt?
Jefferson Gonçalves - Já conhecia os irmãos Bittencourt quando eram trio, com o BJ, o baixista que tocava com eles. Nos encontramos em um festival em Caldas Novas. Daí em diante passei a segui-los nas redes sociais. Vi uma postagem do Júlio tocando uma bateria bem percussiva e com bastante uso de tambores e o kit tinha uma composição muito interessante. Mandei uma mensagem dizendo que a levada estava ótima e merecia uma melodia e começou toda a história e lançamos nossa primeira composição chamada: Cajazz & Umblues.
Isso aconteceu no meio da pandemia de Covid 19 e como todos estavam em casa foi bem mais fácil organizar a música, o Luciano fez a harmonia em cima da melodia e o ritmo já estava pronto, foi o alicerce de tudo.


EM - A parceria com a marca de instrumentos que você representa rendeu uma turnê na Europa. Como se deu isso?
JG - Sim, a Seydel Harmonicas organiza um festival anual em Klingenthal, na Alemanhaa. Recebi o convite para tocar como convidado de uma banda alemã, mas queria levar meu som, tocar minhas ideias percussivas e as frases que tiro do pife e coloco na gaita. E tocar com uma banda que não conhece esse mundo, definitivamente não ia dar. 
O convite chegou no meu e-mail e eu estava na praia com a família. Na hora falei com minha esposa, Juliana Longuinho, e ela me disse para tentar fazer um crowdfunding. Fiquei com aquilo na cabeça e conversei com os irmãos Bittencourt que toparam na hora.
E durante a divulgação nas redes recebi outro convite, dessa vez do gaitista espanhol Joan Pau Cumellas, um dos produtores do Calella Harmonica Festival. Entramos em contato com amigos produtores em Portugal, o brasileiro Cláudio Paula, que articulou todos os shows no país.
Na viagem tivemos o apoio do Felippão Santos que fechou os shows de Bruxelas (BE) e Sant Feliu de Guixols (ES), além da gravação que fizemos no estúdio da Thomann Music (AL).

EM – Como está sendo essa virada musical? Quero dizer, anteriormente você tocava com uma banda de blues com cinco elementos, com cantor e letras em inglês. E agora está em trio, fazendo música instrumental e com pegada mais brasileira. Mas ainda misturando elementos.
JG - Antigamente não (risos). Ainda toco com esses malucos e com o Pedro Friedrich em dupla. Cada projeto tem uma direção. Com a banda, hoje Mamooth Band, fazemos releituras de clássicos do’ blues e rock com essa pegada nordestina, além de composições próprias. Com o Pedro Friedrich faço uma onda mais roots, blues do delta, que também gosto muito. Além desses projetos, toco com Rosa Marya Colin e tenho um projeto com Eric Assmar e Gustavo Andrade. Não me fecho somente a um projeto, quero tocar com bastante gente, pois aprendo muito com isso.


EM – Você é um tijucano e projetou a tua carreira no Rio de Janeiro, cidade fundamental para a música e a cultura do Brasil. Recentemente se mudou para o interior da Bahia. Essa mudança de ritmo está influenciando na tua arte?
JG – Acho que sim, pois tudo que muda na sua vida vai mudar no seu trabalho. Aqui em Cumuruxatiba, Bahia, a vida é mais tranquila e simples. Isso me dá mais tranquilidade para tocar, estudar, escutar música. Sempre dou canja com músicos daqui e gosto disso.
Mas a minha mudança para cá não foi para pesquisa de música e sim pela qualidade de vida e isso com certeza afetou minha forma de compor e tocar.
 
EM – Vou desviar um pouco o assunto. Você teve uma parceria com o Laudir de Oliveira. Como o conheceu e como começou essa parceria. Essa pergunta é porque eu falo sobre alguns percussionistas brasileiros na introdução desse livro.
JG – Sim, Laudir de Oliveira tocou durante muito tempo na banda. Fizemos muitos shows e gravações, foi uma honra tocar e dividir esses momentos com ele.
Meu contato com Laudir foi o mais surreal que poderia ter sido. Fui em uma consulta médica e enquanto esperava para ser atendido a secretária ficou puxando papo comigo e perguntou o que eu fazia. Quando disse que era músico, ela na hora disse: “Tenho um irmão que é músico também, toca percussão”, e disse o nome dele. Na hora eu respondi: “Seu irmão é o cara!”. Ela riu e passou o número de celular dele para eu ligar. Guardei o número e lógico que não liguei. (risos).
No mês seguinte voltei para outra consulta e assim que cheguei ela disse: “Meu irmão está esperando você ligar até hoje”, e ligou para o Laudir na mesma hora e passou o telefone para eu falar.
Laudir me atendeu com calma e simpatia únicas. Conversamos rápido e disse que ligaria mais tarde, chegando em casa liguei e mais uma vez fui atendido por ele com muita simpatia e na hora ele fez o convite para ir até Ramos, bairro onde morava, para levar um som.
Uma semana depois cheguei na casa de Laudir acompanhado do cantor senegalês, Hampaté. Passamos uma tarde conversando e tocando, no final ele pergunta o que o Hampaté fazia no Brasil. Expliquei que ele veio conhecer músicos brasileiros e iria gravar um CD com minha banda. Na mesma hora o Laudir disse que queria gravar e aí começaram a nossa parceria e amizade. 
Sou um cara de sorte, conhecer esses mestres e conviver com eles é uma honra e um privilégio. Outro grande percussionista e baterista que gravei e sou amigo é o grande Robertinho Silva.

Fotos IMB








quinta-feira, 20 de março de 2025

Rio das Ostras Jazz e Blues Festival vira documentário

 Filme celebra 20 anos do maior evento do gênero na América Latina; estreia será em 29 de março, com sessão gratuita na Concha Acústica, em Rio das Ostras. Em breve o documentário será disponibilizado no Youtube.

O antigo palco da praia da Tartaruga (Foto: Cezar Fernandes)

A história de um dos maiores eventos de jazz e blues da América Latina vai ganhar vida nas telinhas e telonas. Com mais de duas décadas de sucesso, a história do Rio das Ostras Jazz & Blues Festival será contada em documentário com estreia na noite de 29 de março em exibição gratuita para toda população.
Da areia da praia à Cidade do Jazz: 20 anos de Rio das Ostras Jazz & Blues Festival resgata momentos marcantes com entrevistas inéditas de artistas, produtores e realizadores que ajudaram a consolidar o evento, que colocou a vila de pescadores no cenário internacional da música.
 A obra conta com mais de 30 depoimentos de artistas internacionais, nacionais, produtores e personalidades importantes do evento. 
A produção lançou mão de imagens de arquivo e registros inéditos dos bastidores e shows, que ilustram os desafios e conquistas ao longo de duas décadas. O filme é um registro que mantém a memória cultural e preserva a história do Município.

Paulo Moreira e Cezar Fernandes, produtores do doc (Foto: Divulgação)

A direção do filme é assinada por Cezar Fernandes, com produção executiva de Paulo Moreira, ambos diretores da produtora que, desde 2020, realiza a cobertura oficial do evento. 
A relação da dupla com o Festival, no entanto, vai além do documentário. Os dois também possuem uma trajetória ligada à música, seja pela fotografia, seja pela própria música, já que Paulo é músico, guitarrista da banda Jams. 
Segundo os organizadores, foi um diferencial na construção do documentário. O olhar atento de quem já viveu o evento de diferentes formas permitiu que a produção captasse não apenas a grandiosidade dos shows, mas também a atmosfera dos bastidores e a essência artística presente em cada edição.
Cezar Fernandes, em especial, é um dos principais responsáveis pela preservação da memória visual do Festival. Desde 2006, ele documenta todas as edições de forma ininterrupta, consolidando o maior acervo fotográfico do evento. Seu trabalho não apenas registra apresentações históricas, mas revela momentos inéditos nos bastidores.
“Reunir o material para produção de um documentário sobre o Rio das Ostras Jazz e Blues Festival é uma oportunidade única de reviver histórias fantásticas desses quase 20 anos de cobertura fotográfica que faço do evento, além de conhecer novas histórias contadas pelos personagens que reunimos durante as gravações. São essas histórias que nos mostram o porquê do Rio das Ostras Jazz e Blues Festival ser o maior e mais importante evento do gênero na América Latina”, conta o diretor.
Para Paulo Moreira, que já viveu momentos icônicos na carreira de músico, com duas indicações ao Grammy Latino e os prêmios da Música Brasileira e Multishow, entregar um trabalho de pesquisa sobre o Festival tem uma importância histórica. “É muito gratificante produzir uma obra inédita sobre o maior Festival da cidade que eu fui criado. Vi esse evento crescer, já fiz parte do casting enquanto músico e hoje tenho a honra de fazer parte da sua produção. Entregamos um material que mantém parte importante da memória de Rio das Ostras”, contou o produtor.
O roteiro do filme, além da montagem e edição ficaram a cargo de Luke Aguiar. A assistência de produção tem a assinatura de Renata Cabral, assistência de fotografia de Heloise Fang e design gráfico de Marcelo Quirino.
 O projeto foi viabilizado pela Lei Paulo Gustavo, do Governo Federal, e é uma coprodução da Artphoto Studio e Like Produtora, com apoio da Azul Produções, da Fundação Rio das Ostras de Cultura e da Prefeitura Municipal de Rio das Ostras.

Jefferson Gonçalves (Foto: Cezar Fernandes)

John Paul Hammond (Foto: Cezar Fernandes)

Naná Vasconcelos (Fotos: Cezar Fernandes)
Serviço:
“Da Areia da Praia à Cidade do Jazz: 20 Anos do Rio das Ostras Jazz & Blues Festival” – 70 minutos
Formato: documentário
Dia: 29 de março (Sábado)
Horário: 19h
Local: Concha Acústica – Praça São Pedro – Centro
Classificação livre – entrada franca





terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

O bandolim virtuoso de Fábio Peron é a nova música instrumental brasileira

 

Prolífica parceria entre Fábio peron e Alessandro Penezzi

Texto e fotos : Eugênio Martins Júnior

A apresentação de Fábio Peron e Alessandro Penezzi aconteceu no Clube do Choro de Santos, em 15 de novembro de 2024, dentro do evento anual da entidade, Choro Patrimônio Santista. Aproveitei a ocasião para fazer essa entrevista e pegar o contato do Penezzi para tentar outra.
O show consagrou a parceria que rendeu dois trabalhos, Alessandro Penezzi e Fábio Peron e Na Trilha do Choro. 
Quem esteve lá presenciou a incrível capacidade de improvisação dessas duas feras da música brasileira. 
Fábio Peron já foi considerado uma promessa de uma nova geração de músicos. Hoje ele é um dos grandes. 
Peron começou a tocar aos cinco anos de idade, dedicando-se à composição, pesquisa e arranjo de vários períodos e estilos da música do mundo. 
Tem como instrumento principal o bandolim de 10 cordas, mas também possui fluência em outros instrumentos, como os violões de 6 e 7 cordas e cavaquinho.
Seu currículo inclui ainda parcerias com Paulo Vanzolini, André Mehmari, Amilton Godoy, Arismar do Espírito Santo, Thiago Espírito Santo, Lea Freire, Silvia Goes, Naylor “Proveta” Azevedo, Mestrinho, entre muitos outros. 
Lançou seu primeiro CD em 2011, 0 Fábio Peron em Boa Companhia. Não parou mais. Em 2013 gravou Roupa Na Corda, com Arismar do Espírito Santo e Léa Freire. No ano seguinte, Alma de Músico, com Thiago Espírito Santo e Mestrinho do Acordeon. Em 2015, lançou seu segundo trabalho solo “Fábio Peron e a Confraria do Som”, que conta com participações de Arismar do Espirito Santo, Thiago Espirito Santo, Izaías Bueno de Almeida, Alexandre Ribeiro, Ricardo Herz, Chico Pinheiro e Zé Barbeiro, entre outros.


Eugênio Martins Júnior- Seus pais são músicos, como foi a tua infância musical? Li que vários músicos frequentavam a tua casa.
Fábio Peron – Sim, meu pai Italo Peron, Violonista, minha mãe Vera Cury, pianista. Foi ambiente mais favorável do mundo. Tinha acesso a tudo que queria ouvir e muita gente com muita informação. Sempre tive pra quem perguntar e em quem me inspirar. Isso foi fundamental. E também por ter instrumento em casa que foi tremendamente facilitador.

EM – Qual foi o teu primeiro instrumento?
FP – O primeiro que caiu na mão foi flauta doce. Mas depois me apaixonei pelo bandolim, pelo Jacob e pelo Izaías Bueno de Almeida, que é um bandolinista maravilhoso e foi super generoso comigo. Não só por influenciar a forma como eu ouvia, mas por ser uma pessoa que convivi bastante e estava sempre disponível.   

EM - Fez parte da sua formação.
FP – É assim, o Jacob provavelmente é a maior influência para qualquer bandolinista de choro. Só que não tive a oportunidade de conhecê-lo. E nem de ver vídeos dele.  O Izaías foi o primeiro que eu vi tocando daquele jeito na minha frente. Eu ainda era criança. Nem sabia que dava para fazer aquilo. E tive a sorte de tê-lo próximo na infância e na adolescência e até hoje.

EM – Você lembra quando e onde o viu pela primeira vez?
FP – Foi na casa do Paulo Vanzolini...

EM – Sério isso? (risos)
FP – Sim. meu pai produziu uma obra do Vanzolini chamada Acerto de Contas. Uma caixa com quatro discos. Uma produção que levou anos, de ensaio, inclusive. E meu pai se aproximou muito dele nessa época. Eu era criança e estava começando a tocar choro na flauta doce e freqüentava muito as rodas que tinham lá. E o Izaías sempre estava. Que tempo bom. Ver o mestre tocar ao vivo.


EM - Você gravou um disco com o Joel Nascimento, o Jacob do Bandolim 100 Anos – Sentimento & Balanço. Estive com ele aqui em Santos. É uma figura com um conhecimento enorme e cheio de histórias pra contar. Gostaria que falasse um pouco sobre esse trabalho com o Joel. Como foram essas gravações?
FP – Sim, como o nome diz foi em homenagem aos 100 anos do Jacob do Bandolim. Foi um projeto do Henrique Cazes que chamou o João Camarero (violão de 7 cordas) e o Marcos Nimrichter (acordeon). Tem a participação do Silverio Pontes (flugelhorn) e do Rogério Caetano (violão de 7 cordas de aço). Ah, gravar um disco com músicas do Jacob com o Joel Nascimento é a maior diversão do mundo. 

EM – Juntos no estúdio?
FP – Gravamos separados, mas no estúdio, no mesmo dia.

EM – Já que estamos falando tanto no Jacob. Gostaria de saber a tua opinião sobre a importância do Jacob para a música brasileira.
FP – Toda a importância. Tanto pelas composições quanto pelo intérprete e qualidade de gravação, de fonograma. Dá para ouvir os arranjos do regional com muita clareza. E também de pesquisa e resgate de repertório. Muita coisa do Ernesto Nazareth, por exemplo. Os arranjos do Jacob são tão lapidados que hoje em dia você pode tocar em qualquer roda de choro. Brejeiro, por exemplo, choro do Nazarth que é super famoso em qualquer roda de choro que você for tocar, não será preciso perguntar, vai ser o arranjo do Jacob.     

EM – Por que eu digo isso? Em Fábio Peron e a Confraria do Som há vários estilos musicais apresentados por vocês. Uma verdadeira viagem aos cantos do imenso Brasil.
FP – Esse foi meu segundo álbum. E a proposta era a de ser uma coisa diversa. São sete convidados que dentro de uma vertente da música brasileira representam coisas completamente diferentes. Um deles é o Izaías, outro é o Zé Barbeiro, o Ricardo Hers, Chico Pinheiro, Arismar do Espírito Santos, Thiago do Espírito Santo e o Alexandre Ribeiro. Gravei uma música em duo com cada um deles. E uma música com formação maior. Tem frevo, ijexá, samba, choro, valsa, tem tudo.


EM - Folia de Três traz uma formação inusitada, acordeon, bandolim e bateria. Digo inusitada porque a gente não vê essa formação por aí. Mas, por outro lado, na música instrumental cabe tudo, não é mesmo?
FB – E nesse disco ainda toco um instrumento que eu inventei, o bandolão. Um bandolim de cinco cordas uma oitava abaixo, mas com outro corpo, outras cordas. Ficou bem interessante a sonoridade. A primeira ideia foi fazer em quarteto, mas com a urgência de marcar o primeiro ensaio, foram apenas os três. O som rolou bem e decidimos não chamar mais ninguém. (risos)
  
EM – Tenho uma teoria que as plataformas digitais foram uma coisa boa para música instrumental brasileira, sempre valorizada lá fora, mas aqui bem menos. O que acha?
FP – Falando sobre os clássicos, é uma questão de referência para quem quer estudar música. O Jacob do Bandolim que a gente já falou bastante é um exemplo. Quando comecei a tocar não existia esses streamings e Youtube. O jeito era comprar CD, mas era uma coisa cara. Não eram todos que tinham acesso. Hoje você assina um streaming por 20 reais, o preço de um CD, e tem acesso a muita coisa.    

EM – Como nasceu essa parceria para gravar um álbum com o Alessandro Penezzi? O mesmo que vocês estão lançando aqui no Clube do Choro? 
FP – Essa parceria é muito antiga. A gente se conheceu há muitos anos. Eu já era fã do Penezzi. Fizemos um trabalho juntos em um evento corporativo e antes da apresentação tínhamos um bom tempo no camarim. Ficamos ali tocando e deu certo. Nos grudamos muito. Freqüentei a casa dele por muitos anos, coisa de três vezes por semana para tocar através das madrugadas até sangrar os dedos. Muitos anos depois a vida de ambos estava condizente para que pudéssemos gravar esse disco.  

EM – Você faz parte dessa geração que revitalizou o choro nos anos 2000, que roubou o choro da mão dos coroas e criou, não diria um movimento, mas uma nova movimentação em torno desse gênero musical. Gostaria que falasse sobre isso.
FP – Tem um pouco a ver com a questão do acesso que falávamos antes. É uma música que não tocava na rádio e CD era caro. O choro sempre foi uma música para quem foi atrás. Concordo que tem muito mais gente tocando. Dou aula na EMESP, que é a Escola de Música do Estado de São Paulo e tem muita gente interessada por choro. Tem os clubes de choro também, além de Santos há o de Brasília, Lisboa. Tem muito procura e as pessoas têm onde achar a informação.