Tyrone Vaughan
Texto e fotos: Eugênio Martins Júnior
Sim, estava chovendo, com neblina e o trânsito estava complicado. Quem está acostumado a ler minhas entrevistas aqui sabe que moro em Santos e subo a serra do mar para trocar essas ideias com os artistas que tocam na capital.
Dessa vez foi com o Tyrone Vaughan, única apresentação do guitarrista e cantor em Sampa, show no Bourbon Street em 23 de outubro de 2024. Nabanda, Gui Cicarelli (guitarra) Marcos Klis (baixo),
Assim como os sobrenomes Coltrane, Winter, Copeland, Neville, Allman, Marsalis, Burnside e Brooks, o imaginário dos fãs de música já assimilou o gênero musical “blues” ao sobrenome Vaughan como uma coisa só. Eles se completam e se realimentam.
Tyrone é filho de Jimmie Vaughan e sobrinho do lendário Stevie Ray Vaughan. Se o peso do nome gera comparações, também abre portas. Como dizia Caetano: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
E Tyrone usa a vantagem. Em seu show do Bourbon Street ele tocou e cantou Tin Pan Alley, Cold Shot, Little Wing, Voodoo Child, por aí...
Na sua estrada, Tyrone Vaughan participou do Royal Southern Brotherhood, brodagem com Cyril Neville e outros malandros lá de New Orleans e em 2017 gravou o The Milligan Vaughan Project com o cantor Millford Millgan, um petardo com 11 temas. Um bom disco.
Assim como Lurrie Bell e Chris Cain, essa foi mais uma entrevista viabilizada pelo produtor argentino que está sempre trabalhando com blueseiros pelas bandas tupiniquins, Mariano Cardozo.
Eugênio Martins Júnior – Acho que todo mundo deve perguntar isso pra você por motivos óbvios: Como foi sua infância musical?
Tyrone Vaughan – Cresci em Austin, Texas, uma das grandes cidades do blues. Uma cidade musical com inúmeros ritmos, country, R&B, blues, rock and roll. É muito legal crescer em uma cidade assim. Meu pai e meu tio são expoentes da imigração de Dallas para aquela cidade e depois fazendo parte da cena blues da cidade. Muitas pessoas tocavam lá e eu fui a muitos shows, como James Brown, Otis Rush, Bobby Bland, Albert Collins, Muddy Waters. Na coleção de discos dos meus pais tinha muita soul music e blues. Tive um rico contato com o blues desde criança.
EM – O Texas sempre foi terra de grandes blueseiros, como Johnny Copeland, T Bone Walker, Jimmie e Stevie. E com certeza Austin é uma cidade emblemática. Como está a cena atualmente?
TV – Continua viva. Alguns clubes ainda estão lá The Continental Club, C Boys, Antone’s. Você consegue ver muita música ao vivo. Consegue ver artistas das antigas tocando por lá.
EM – O Antone’s ainda resiste? A casa é bem antiga.
TV – Sim, vou tocar lá em dezembro. Então, Austin ainda continua sendo um destino musical para a música ao vivo.
EM – Qual a principal lição aprendida com o teu pai?
TV – Não só tocar guitarra, mas cantar também. Usar a voz. Ele sempre foi uma inspiração fazendo sua própria música. É o que tenho tentado fazer ao longo dos anos.
EM – Com todo o respeito, entre Jimmie e Stevie, onde o estilo de Tyrone se situa?
TV – Você mesmo já disse, em algum lugar “entre”. (risos) Bem no meio. Meu pai é o rei de uma nota só, do groove, do ritmo, ele desenvolve uma história tocando. E Stevie também fazia isso de certa forma. Há alguma similaridade entre ambos. Mas Stevie tinha muito fogo, muita paixão. Ele tocava por horas todos os dias, durante anos. Tocava, tocava, tocava. Cinco, seis horas por dia. Show após show, após show. Meu pai é mais centrado, mais reservado. Stevie era exagerado (over the top), mais agressivo. Então estou entre ambos. Posso tocar igual ao meu pai, posso tocar um pouco como Stevie, mas há a originalidade na música de Tyrone.
EM – Sim, é outra época também.
TV – Exatamente. Não estamos mais nos anos 70 e 80. Aqueles dias se foram.
EM – E tendo em mente que Jimmie ensinou Stevie.
TV – Sim e me ensinou também.
Gui Cicarelli
EM - Gostaria que falasse sobre a passagem pelo Royal Southern Brotherhood.
TV – Siiiim! Com Cyril Neville, dos Neville Brothers. Ele era o frontman e eu o acompanhava. Fizemos shows na Austrália, Canadá, nos Estados Unidos em 2014. Fiquei por seis anos. Gravamos dois discos. Foi um grande prazer tocar a música baseada em New Orleans. E eu levei meu estilo texano para o som da banda.
EM – Essa banda ainda existe?
TV – Tocamos pouco nos últimos anos, mas ainda está em aberto.
EM – Me fale sobre The Milligan Vaughan Project, sua parceria com o cantor Malford Milligan. E sobre o ótimo primeiro álbum.
TV – Tocamos cerca de um ano juntos. Milford tem restrições de saúde para viagens longas. Fizemos alguns grandes shows no Texas. Escrevemos boas canções e tivemos uma química muito boa. Fiquei satisfeito com o resultado. Ele é um grande cantor de blues de Austin.
EM – Há algum projeto à vista?
TV – Estou em meio às gravações de um álbum. Hoje a noite vou tocar algumas canções desse trabalho, Punish My Crime, Let’s Find Out, novas canções de blues. Espero poder lançá-lo até junho de 2025.
EM - Li que Jimmie e Stevie te deram algumas guitarras. Gostaria que falasse sobre elas.
TV – Quando era criança Stevie me deu duas guitarras. Ele foi ao meu quinto aniversário e me presenteou com uma guitarra. E quando tinha sete me deu outra. E meu pai o ensinou a tocar. Ele foi uma grande influência para Stevie. Na cabeça de Stevie, Tyrone teria que ser guitarrista. Ele próprio me inspirou a tocar. Eu tinha dezessete anos quando Stevie morreu. Quando fiquei mais velho meu pai viu que eu realmente poderia tocar e me deu mais duas guitarras. Minha primeira Strat (Fender Stratocaster) aos dezoito anos. Mais tarde, quando formei uma banda e precisei de um segundo instrumento ele me deu outra. Cheguei pra ele e disse: “Ei, preciso de outra guitarra”. Ele disse que eu estava com sorte e tirou cinco guitarras de suas caixas e colocou uma ao lado da outra. Uma verde, uma branca, uma vermelha, uma branca e uma cor de creme muito especial. Ele me disse que a guitarra creme era muito especial. Meu pai tinha um hot rod da mesma cor e que aquela guitarra dói pintada com a mesma tinta usada no carro.
EM – Era um instrumento único.
TV – Sim, e não só a pintura. O braço, os trastes os captadores foram escolhidos por Jimmie. Eu disse que queria aquele e ele me disse: “Certo, pode pegar”. (Risos). Cara, que sorte.
EM - Como tem sido a turnê na América do Sul e especialmente no Brasil?
TV – É minha segunda turnê na América do Sul. Passei bons momentos há uns dois anos e estou agradecido de fazer isso de novo. Toquei em Buenos Aires na Argentina e aqui no Brasil vim para nove shows. Toquei em Maringá, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Cascavel, Porto Alegre e outras.
EM – E o que vai rolar hoje?
TV – Esse é o ponto alto da turnê. Tocar aqui no velho Bourbon Street, essa casa ao estilo New Orleans, apadrinhada por B.B. King desde 1993 é demais. Você consegue sentir o blues no local. O lugar soa bem, as pessoas são apaixonadas. Vou ser acompanhados por músicos locais que sabem o que fazem. E vou apresentar algumas canções novas hoje.
EM – Já que você mencionou, teve contato com a cena blues e artistas brasileiros nessas duas incursões?
TV – Sim, e é interessante porque o blues ETA tão vivo e bem por aqui. Vejo que esses rapazes são apaixonados e estudiosos. Está sendo fácil para mim rodar o país e tocar com esses caras. Me sinto fazendo parte dessa comunidade, e grato por me aceitarem.