Texto: Eugênio Martins Júnior
No domingo, dia 02 de setembro de 2018, o Brasil foi dormir em choque com as imagens do incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro. Um acervo com 20 milhões de itens virou cinzas, literalmente.
Vou corrigir a frase acima. Chocou a maioria dos brasileiros. Mas quem vive a cultura no dia a dia, meu caso, e acompanha seus desdobramentos, sabe que a qualquer hora uma tragédia dessas pode acontecer em qualquer equipamento público dessa importância, dado o descaso dos governantes com o tema. Aconteceu com o Memorial da América Latina, o Museu da Língua Portuguesa, o Museu do Ipiranga e, aqui em Santos, onde vivo, está acontecendo com o Teatro Coliseu.
Simplesmente porque não existem políticas públicas consistentes para a cultura. Às vésperas de eleições majoritárias você sabe quais são as propostas do seu candidato para a cultura? Até agora somente o candidato nazi-fascista Jair Bolsonaro se pronunciou. Aos outros, a imprensa não perguntou e eles se fingiram de morto.
Apoiado por seus eleitores, que não conseguem enxergar cultura além de seu canal de TV à cabo, Bolsonaro disse que se eleito, irá acabar com o Ministério da Cultura (MinC).
Sintomático. Sua própria ascensão representa a queda do nível cultural do eleitor brasileiro. Como chegamos a isso? Anos de descaso com a educação e com a própria cultura nacional, óbvio.
A verdade é que somos um povo que não reconhece nosso principal patrimônio, a mistura racial entre negro, índio e europeu. Não reconhecemos os quilombos e as as reservas indígenas, a capoeira e a viola caipira, a culinária da baiana com seu tabuleiro e a dos pampas, as manifestações de rua nas grandes cidades e os teatros públicos, os festivais de música, teatro e dança que empregam milhares de artistas e técnicos e os coletivos da periferia, o cultivo da terra e a feira-livre, a preservação dos equipamentos, como o próprio Museu Nacional. Temos a classe média que paga mil reais no ingresso da pista vip de show estrangeiro só pra poder tirar aquela selfie top e dar aquele tapa no baseado liberado.
Sim, chegamos a esse ponto no Brasa (sem trocadilho). Onde falar de cultura é ser taxado de comunista, petralha, mortadela, aquele que mama na teta do governo. A direita brasileira só abre a boca pra falar de cultura se for pra meter pau na Lei Rouanet. Pra eles, cultura é só isso. Eles não têm a noção de que fomento a cultura não é esmola e nem favor concedidos pelo governo, é obrigação.
Considero um marco as manifestações no ano passado contra a exposição Queermuseu no Santader de Porto Alegre. Um marco à insensatez e à nova censura. Integrantes do grupo intitulado Movimento Brasil Livre (MBL), impediram que pessoas entrassem em uma exposição de obras de arte com o argumento que elas ofendiam a religião e a família. Na verdade o que se viu foi a auto-promoção do grupelho e a confirmação de que foi a coisa mais retrograda que apareceu no cenário político e cultural brasileiro nas últimas décadas. Não poderia ser mais ridícula essa manifestação. Movimento que tem liberdade no nome, mas aos gritos e ofensas, prega o fechamento de exposição de obras de arte.
No Facebook, terra de ninguém, os oportunistas de plantão e eleitores do Bolsonaro já estão usando o trágico episódio do Museu Nacional para atacar os governos progressistas que dirigiram o país nos últimos anos, que não pelo acaso, mas pelo voto, foram do Partido dos Trabalhadores.
Desconhecem que a gestão de Gilberto Gil, e sua mudança no estatuto do MinC foi a responsável pela reestruturação do Iphan e criação do Instituto BR de Museus. Que criou os Pontos de Cultura, cujas cidades podem se beneficiar de financiamentos para implementação de projetos ao alcance das comunidades periféricas das grandes cidades e que até então eram alijadas do processo.
Incentivou os Conselhos Municipais de Cultura. Em Santos temos um exemplo de conselho atuante que, dentro do prazo estipulado por lei, conseguiu estruturar o Plano Municipal de Cultura que traça as diretrizes para políticas públicas municipais e destinação de recursos para os próximos dez anos. No desgoverno Temer, todo esse esforço virou cinza.
Não adianta apontar o dedo para esse ou aquele político se você não participa do orçamento da sua cidade, não frequenta a Câmara Municipal, só se informa pelos cinco canais da televisão aberta brasileira, vai votar em candidatos que pregam a popularização de armas e não de livros.
O verdadeiro culpado do incêndio no museu você vai encontrar refletido no espelho do teu banheiro. Aproveita e se atira dentro da privada. Porque é o lugar de quem demoniza a cultura sem entendê-la ou tê-la.