Entrevista: Eugênio Martins Júnior
Essa entrevista faz parte de uma série que fiz para um jornal de Santos onde trabalhei. Resgatei algumas nos meus arquivos e resolvi reproduzir aqui no Mannish Blog.
A data acima é de quando foi publicada, portanto, um retrato da época. E o título também é o original do jornal.
O cantor e compositor João Bosco vem a Santos na sexta-feira, dia 19, às 21h, em única apresentação no Coliseu. O teatro já recebeu feras como Bibi Ferreira, Toquinho e Gal Costa.
Par essa entrevista peguei João Bosco recém chegado do Estados Unidos, onde se apresentou em diversas oportunidades. Uma delas no Birdland, em New York. No templo do jazz, que tem esse nome em homenagem ao saxofonista Charlie Parker, também conhecido como Bird, Bosco dividiu o Palcom com Eumir Deodato e com o Cubando Paquito D’Rivera, músicos experimentados e que vivem há décadas na terra do jazz.
Também se apresentou no San Francisco Jazz Festival e nas universidades de Burlington e Hanover. Nessa última dividiu o palco com seu amigo, o pianista Gonzalo Rubalcaba.
João bosco é o entrevistado ideal, qualquer pergunta que se faça ele elabora um verdadeiro tratado sobre o assunto e se a entrevista não fosse editada ocuparia três páginas. Confira.
Eugênio Martins Júnior – Como vai ser o show em Santos?
João Bosco – Vai ser solo e acústico. Esse formato me dá mais liberdade na escolha do repertório que vai ser uma retrospectiva de toda minha carreira e também do CD Malabaristas do Sinal Vermelho. Acho que esse tipo de show se enquadra perfeitamente no Teatro Coliseu, que eu não conheço, mas ouvi dizer que é um lugar belíssimo.
EM – malabarista foi gravado em 2003, está vindo disco por aí?
JB – O disco já está pronto., mas não está gravado. O meu projeto desse ano é o DVD. Pretendo entrar no estúdio só no segundo semestre.
EM – Vem com parcerias?
JB – Sim, parcerias com Aldir Blanc, Nei Lopes, Carlos Rennó e Francisco Bosco (filho de João Bosco que já foi seu parceiro no disco Malabaristas do Sinal Vermelho).
EM – Fale um pouco sobre sua parceria com Aldir Blanc e do tempo que ficaram sem compor.
JB – Eu e o Aldir temos um pouco de dificuldade em falar nisso. Durante muitos anos o nosso trabalho teve uma solidez, uma consistência. Talvez a explicação é que somos compositores e exploradores e gostamos dessa inquietação. Encontramo-nos e e percebemos que a amizade ainda era a mesma. É inegociável. Parecia que tínhamos nos encontrado no dia anterior. A única diferença é que você deixa de compartilhar a intimidade do dia a dia.
EM - Foi como tivessem tomado caminhos artísticos diferentes?
JB - Exatamente. Quando éramos jovens fizemos muitas músicas e de maneira muito intensa. Agora não, quando nos encontramos aproveitamos para cultivar a amizade, tomar uma cerveja.
EM – E como são essas composições?
JB – Fizemos duas canções para o CD, um samba e um samba canção. E um samba que já está gravado e que vai ser usado em um seriado da TV Globo.
EM – E O DVD, quando sai?
JB – Vai ser lançado no dia 29 de maio pela Universal. Vai ter cerca de 20 músicas gravadas ao vivo na Sala Ibirapuera, em São Paulo. Nesse show a banda tem oito músicos, inclusive naipe de metais. Tem também os convidados, Hamilton de Holanda, Yamandú Costa e Guinga. Também tem o Djavan na música Corsário.
EM – O Brasil tem apresentado uma boa safra de violonistas e mesmo os mais antigos como Ulisses Rocha, Marco Pereira, Duo Assad e tantos outros parecem ter ganhado atualmente mais visibilidade de público e mídia. A que você atribui isso?
JB – O violão é uma espécie de alma da música popular brasileira. É claro que também apareceram grades compositores e pianistas como Tom Jobim e Ary Barroso, ms quase tudo que foi feito no século 20 tem como base o violão, tanto no acompanhamento como solista. Um dos maiores representantes dessa escola é Baden Powell.
EM – O brasileiro está mais habituado ao formato canção e talvez seja por isso que a música instrumental brasileira fique em segundo plano.
JB – O Brasil é um país que tem uma fome de novidade e uma das características mais marcantes é a antropofagia. A música brasileira ainda não tem um público que a coloque numa maneira confortável na mídia, mas ela aparece cada vez mais e com uma cara toda nossa.
EM – Houve uma época, mais precisamente nos anos 80, com ops discos Gagabirô, Ai Ai de Mim e Bosco que você investiu na pesquisa de ritmos africanos. Você ainda continua esse trabalho?
JB – O artista tem uma curiosidade permanente pelas coisas e os compositores têm de ter essa vontade de explorar novos caminhos. A cultura do Brasil dessas culturas (africanas) e temos essa facilidade de formar ideias novas. Todo compositor deve exercitar isso.
EM – Suas letras falam sobre o mar, culturas orientais e afro brasileiras. Essas são suas grandes inspirações?
JB – São elementos com grande apelo poético. Durante séculos foi pelo mar que aconteceram as ligações entre uma cultura e outra. Essas referências são caminhos poéticos que a gente luta para preservar, sempre com o intuito de dividir com as pessoas. Não faço nada pra desfrutar sozinho.
EM – O que você escuta atualmente?
JB – Um disco do Sérgio Mendes gravado nos Estados Unidos com músicos negros com temas do Tom Jobim e do Jorge Benjor.
EM – E música brasileira?
JB – Hoje em dia as novidades são tantas e tão rápidas, a música brasileira é tão dinâmica que muita coisa passa despercebida.
EM – Ainda mais agora com a internet. O que você acha desse negócio de baixar música pelo computador?
JB – Isso se tornou inevitável. Faz parte do mundo contemporâneo. A única coisa que pode ser feita é uma forma de organizar. Hoje as mudanças acontecem muito rapidamente. O formato antigo de consumir música tende a acabar.