A idéia nasceu no Rio de Janeiro, onde os shows acontecem todas as segundas-feiras no Bar do B. Em Santos, as jams acontecem às terças-feiras no Studio Rock Café, sempre às 20h30
Ele não vai ter diretoria. Ele não vai ter carteirinha. Mas vai ter música da pesada. E os associados serão todas as pessoas que curtem o bom e velho blues.
Inspirado no Clube do Blues do Rio de Janeiro, a Mannish Boy Produções e o Studio Rock criaram o Clube do Blues de Santos.
A proposta é a mesma da edição da cidade maravilhosa, juntar músicos de blues brasileiros para tocar clássicos do gênero e consolidar um lugar como ponto de encontro entre as pessoas que curtem esse gênero musical.
O Clube do Blues do Rio de Janeiro foi criado pela cozinha etílica, Cláudio Bedran (baixo) e Pedro Strasser (bateria). Conta ainda com Maurício Sahady (guitarra) no time fixo e recebe convidados para jam-sessions.
O mesmo vai acontecer no Clube do Blues de Santos, o time principal será João Augusto (guitarra e voz), Filippe Dias (guitarra e voz), Jeferson Rodrigues (bateria) e Álvaro Alves (baixo). Mas a intenção é convidar os músicos de blues de São Paulo, Rio de Janeiro e os de outros estados que passarem pela cidade e até internacionais.
As diferenças são poucas. Lá na cidade maravilhosa as apresentações acontecem às segundas-feiras, a partir das 20h. Em Santos, as reuniões acontecem às terças-feiras, no mesmo horário, a cada 15 dias.
As jams acontecem cedo para que as pessoas possam voltar cedo pra casa.
O clube de Santos foi criado após uma visita minha ao Clube do Blues Original no Rio de Janeiro. O Maurício Sahady esteve em Santos e me convidou para ir ao Bar do B, onde os músicos de blues cariocas se reúnem. Então fui ao Rio ouvir os caras e vi que o clima do lugar era, como dizem os cariocas, maneiro, em plena segunda-feira chuvosa o lugar estava cheio. Deu vontade de fazer em Santos na hora, como alternativa aos gêneros musicais que imperam na cidade.
O valor do couvert é simbólico, R$ 12 reais, e os músicos vão fazer duas entradas de 40 minutos.
A Mannish Boy Produções já trouxe a Santos alguns dos maiores nomes do blues e do jazz nacionais e internacionais, como Magic Slim, Peter Madcat, Eric Gales, Lynwood Slim, James Wheeler, Shirley King, John Pizzarelli, Freedie Cole, Bad Plus, Stanley Jordan, Kenny Brown, Big Joe Manfra, Blue Jeans, Igor Prado Blues Band, Róbson Fernandes, Maurício Sahady, Ivan Márcio, Giba Byblos, Caviars Blues Band, Big Chico e Big Gilson.
10 de julho; 24 de julho; 07 de agosto; 21 de agosto; 04 de setembro; 18 de setembro; 02 de outubro; 16 de outubro; 30 de outubro; 13 de novembro; 27 de novembro e 11 dezembro.
Texto: Eugênio Martins Júnior Fotos: arquivo de Cláudio Celso
Cláudio Celso fez a América, quando essa expressão significava ir para o país mais rico do mundo e se dar bem. Tocou sua guitarra com os melhores do mundo, mostrando o suingue brasileiro à sisuda cena jazzística de Nova Iorque, a Meca mundial do gênero.
Após fazer o nome na terra onde os melhores têm de ralar de verdade, Cláudio largou tudo e voltou a se estabelecer no Brasil.
Pra tocar guitarra? Também, mas o principal motivo foi voltar a pegar onda. E o cara escolheu um pico alucinante para morar. No décimo andar em frente à praia de Pitangueiras, onde, de sua janela, pode-se olhar para o swell.
Swell, aliás, que dá nome ao trabalho de Celso gravado em 2006. Um excelente disco do que podemos até chamar de cool jazz. São dez temas calmos e de técnica tão sutil que remetem a uma tarde de calmaria oceânica.
O CD trás uma versão de Bye Bye Brasil diferente. Instrumental, mas com a levada urgente que o tema pede. Jazz bossa de primeira. Hades, não sei, me lembra algum ritmo do nordeste e o tema de abertura, Swell, já são suficientes para deixar a marca de Celso na música instrumental brasileira. Mas é claro que não há só isso, Song for Anita e Tomatoes também figuram na lista de preciosidades. Um disco para ser descoberto pelos ouvintes do gênero.
Swell conta com as participações de Swami Jr (violão), Lea Freire flauta), Daniel D’Alcantara (flugelhorn) e Beto Caldas (vibrafone). Na banda de apoio, Adriano Busko (bateria e percussão), Marcelo Maita (piano elétrico) e Tuco Freire (contrabaixo e produção).
Segundo o próprio Celso, é um disco feito para que as pessoas não precisem parar o que estão fazendo para ouvi-lo. Eu discordo. Um disco que você não precisa parar o que está fazendo para ouvir é o disco da Lady Ga Ga, música descartável e irritante. Swell é para ser acompanhado por uma boa tarde silenciosa e um bom Bourbon, só para ajudar a cabeça viajar. Se puder ser em frente à praia, tudo de bom. Se não, uma sacada serve.
Segue a agenda de Cláudio e sua banda até o fim do ano no Tahiti, em Pitangueiras, Guarujá (o cara não precisa dar 20 passos para tocar, o bar é em frente ao seu prédio) : 16 de junho; 14 e 28 de julho; 11 e 25 de agosto; 15 e 29 de setembro; 13 e 27 de outubro; 10 e 24 de novembro e 15 e 21 de dezembro.
Eugênio Martins Júnior - Esse visual em frente à praia te inspira? Claudio Celso – Isso aqui é tudo pra mim. A gente que nasceu com o surf na veia. A grande frustração da minha vida foi que eu tive de parar com o surf para virar músico. Você chega naquela idade que todos os seus primos entram na faculdade e começa a cobrança da família. Só que nessa altura eu já tinha virado músico porque eu comecei tocando na televisão com 12 anos. Num programa que se chamava Mini Guarda. Eu era mini músico. Tinha a Jovem Guarda com o Roberto Carlos e a Rede Bandeirantes tinha um infantil com o Ed Carlos. Eu tocava lá e era protegido do Sérgio Dias dos Mutantes, meio que mascote deles. De lá já estava passando para tocar na noite. Com 17, 18 anos, o Heraldo do Monte me colocava na Tupi para substituí-lo. Eram dois programas, o Almoço com as Estrelas e o Clube dos Artistas, e era a Osquestra da televisão Tupi. Tinha de ler música de cara. Como eu tive uma formação clássica, porque meu pai sempre foi muito exigente com música, lia bem nessa época. Mas eu surfava, meu negócio era o surf. Chegou uma hora que não deu para conciliar. Ou você vive de noite ou você vive de dia. Tive de tomar uma decisão. Cortei abruptamente o surf. Nunca mais peguei onda. Fui para São Paulo e fiquei tocando na madruga. Fui dar aula no CLAM, do Zimbo Trio, o Heraldo estava fazendo outro trabalho e não pode ir e eu acabei indo. O Heraldo foi o cara que me botou na parada. De lá fui fazer alguns shows com o Hermeto Pascoal. Pô, estou tocando com o Hermeto, com o Zimbo Trio, com a Orquestra da TV Tupi, não vou fazer faculdade, já fiz. Já era. Aí os guitarristas mais velhos começaram a me chamar porque eles já eram amigos do meu pai, um dos primeiros guitarristas da guitarra elétrica. Ele e o Ismael Campiglia. Os caras já me conheciam, eu era o Claudinho, não Cláudio Celso. Em 2001, fui ao médico, estava gordão, aí ele disse que eu tinha de fazer alguma coisa que eu fazia quando era jovem. Algum tipo de atividade física. Aluguei uma prancha de surf e consegui surfar. Foi um vírus que acordou, estava incubado. Eu estava em Miami e disse pra minha mina arrumar as coisas que nós íamos para a Califórnia na semana que vem. Já havia falado com meus amigos em Los Angeles e eles arrumaram uma boca lá pra eu tocar. O Gerry Brown, que toca com o Stevie Wonder, Diana Ross, disse que eu podia ir que estava cheio de trabalho lá. Mas eu disse que estava indo porque tem onda. Ele: “Onda!?” Eu disse: “É, pegar onda é na Califórnia, em Miami não tem onda” (risos).
Cara, me mandei para Los Angeles. Meu pico favorito era County Line, algumas milhas ao norte de Malibu. Surfei Huntington Pier, Bolsa Chica, Manhattan Beach, Topanga, Malibu, mas me tornei um local de County Line onde todas as cenas de surf, menos a última, do filme Caçadores de Emoções, com Keanu Reeves, Gary Bussey e Patrick Shwaize, foram filmadas.
EM – Que história maluca! CS – Logo depois das torres gêmeas eu estava tocando no The Baked Potato com o Gerry Brown, Munyungo Jackson, os caras que tocam com Stanley Clark e tal, na noite brasileira, que era a minha noite. Todos nós saímos para o intervalo e eles ficaram falando sobre aquela situação, que não tinham para onde fugir. Aí eu pensei: “Pô, eu tenho pra onde fugir, sou brasileiro”. Apesar de estar lá há 28 anos, tinha pra onde ir. De novo cheguei em casa e falei pra minha mulher: “Comecei a surfar no Guarujá desde 10 anos de idade, vê aí quanto é que está custando um apartamento no guaru”. E começamos a olhar os preços e estava exatamente o que a gente tinha de vender lá. Daí eu vendi tudo e comprei esse apartamento aqui em frente ao mar. (risos).
EM – Qual foi a influência do teu pai no começo? CS - Na realidade eu toco guitarra por ser filho de Nilson Marcondes Celso, um dos pioneiros da guitarra elétrica no Brasil, junto com Ismael Campiglia, nos anos 40, época que o Jazz era popular devido a era das big bands de Glenn Miller, Artie Shaw e artistas como Louis Amstrong e depois tantos outros do be bop. Não fosse por isso, talvez nem existiria como músico. Antes mesmo de ler português eu já lia musica graças a meu pai que me matriculou quando tinha quatro anos em uma escolinha chamada “Iniciação Musical Anita Guarnieri'', na Av. Brasil, esquina com Europa, em São Paulo, bem em frente a igreja Nossa Senhora do Brasil, onde hoje é apenas um gramado. Com cinco anos de idade fui estudar violão clássico com Alfredo Supinnari com quem meu pai tinha aprendido a tocar, e como os amigos de meu pai eram músicos como Dick Farney, Paulinho Nogueira, acabei sendo adotado pela bossa nova e aprendi muito com todos eles.
EM - Você viveu 31 anos nos Estados Unidos. Como se deu isso? No Brasil você já tocava com os feras. CS – Tocava com todo mundo. Daí vinha o Miles Davis e a gente ia assistir...
EM – Desculpe interromper, mas que ano é isso? CS – 1974.
EM – O auge da fusion. CS – Sim, eu já falava inglês e era professor do CLAM, do Zimbo Trio, então tinha certa entrada nos bastidores no Teatro Municipal. Fazíamos amizade com os caras e convidávamos para dar canja no Opus 2004 que ficava na av. Consolação. Ia um cara dar canja e dizia que eu tocava bem. Veio o Bill Evans, a mesma história. Fizemos um churrasco para o Bill Evans no CLAM e aí fizemos uma jam.
EM – O Bill Evans tocou nessa Jam? CS – Não, mas o Eddie Gomez tocou junto com o Hamilton Godoy e os professores do CLAM. E aí os caras falavam que eu tocava bem e que deveria morar em Nova York. Legal, era o segundo cara que me falava isso. O primeiro foi o Dave Liebaman, flautista do Miles Davis. Um ano se passou aí veio o Dave Brubeck e os filhos, Daniel, Darius e Dan, e fizeram um show. Eles apareceram espontaneamente no Opus 2004 que era um lugar que todos davam canja, Nelson Ayres, Hector Costita, Zimbo Trio, Hermeto... aí eu fiquei amigo do Daniel que era o batera, cabeludo, hippie, o cara tocava Take 5 em ritmo funk. Era cheio de jogada, meio Billy Cobhan, filho de um jazzista e ele brigava com o pai, queria fazer o pai virar o Chick Corea, imagina. Ele tocava descalço, morava em Woodstock, uma figura. Ele me convidou para ir à sua casa lá, disse que tinha cachoeira. Pô, Woodstock, o cara falou a palavra. Depois veio de novo o Bill Evans com outra banda. Dessa vez veio o Clint Houston que foi tocar com a gente e disse que eu tinha de ir para Nova Iorque. Sabe de uma coisa se está todo mundo falando... eu fui.
EM – Você chegou lá e já tinha trampo? CS – Eu não fui para Nova Iorque, fui para São Francisco. Era o único lugar que eu tinha algum amigo.
EM – Mas Woodstock fica no estado de Nova Iorque. Você não ia para casa do Daniel Brubeck? CS – No fim eu nem fui. Nunca encontrei o Daniel (risos). Isso foi só um incentivo. Fui encontrar o Daniel Brubeck depois de muitos anos, quando já estava bem de vida, aluguei uma casa para passar o verão e fui vê-lo tocar. Eu cheguei lá e perguntei se ele se lembrava de mim e que eu estava lá por causa dele. Ele não acreditava, fazia tanto tempo, mais de dez anos. Eu disse que ele tinha me dado o incentivo e ele: “Mas você nunca me procurou!”. Para você ver como as coisas acontecem. Então, fui para São Francisco, onde tinha um amigo que havia estudado na Berkley e me disse pra ir que estava cheio de trabalho.
EM – Lá sempre está cheio de trabalho na música. CS – Naquela época estava, era uma época de ouro. Quando eu cheguei esse meu amigo disse que iria embora no dia seguinte com medo de um grande terremoto. Você sabe que lá tem muito gay e o cara me disse que São Francisco ia ser punida por ser a cidade do pecado (risos). Cara eu nem sabia disso nessa época. Ele disse que ia para Santa Barbara porque o terremoto ia destruir São Francisco e tal. Mas ele iria me apresentar três ou quatro músicos. Ele fez isso e se mandou. Depois de três dias que ele estava em Santa Barbara eu leio no noticiário: “TERREMOTO EM SANTA BARBARA”. (gargalhadas). Porra, o cara foi justamente onde aconteceu. Eu já estava enturmado, mas você sabe o que eu fazia? Eu estava sozinho, mas falava inglês, aí eu via um conjunto tocando e pedia para dar canja. Comecei a dar canja em um lugar perto de onde eu morava num motel que eu alugava por mês. O conjunto não tinha guitarrista e eu disse que era do Brasil. Os caras se admiraram. A banda se chamava Salsa de Berkeley, eles tocavam um “fusion latinizado” era o Mark Rosengarden, filho do Bobby Rosengarden, que tocou bateria com o Frank Sinatra. Eles tocavam O Ovo do Hermeto Pascoal. Os caras estavam ligados ao Hermeto, ao Airto Moreira. Fui tocando com os caras e notei que eles falavam mal de alguém, era um tal de “ele não sabe o que quer”, “ahhh, eu não vou mais lá”, “ahhh eu não sei o quê”. O “ele” que eles falavam mal era o Santana. Era a banda do Santana. Eles tocavam no barzinho sem o Santana todas as quartas-feiras e eu não sabia disso. Uma vez fui a uma loja de disco e vi um vinil com os caras. Aí eu cheguei um dia e perguntei se eles tocavam com o Santana. Pô, eu estava fascinado com essa idéia. O Santana era um dos meus ídolos da juventude. O cara me deu uma resposta, é quando um castelo de areia começa a ruir, “quem não toca com o Santana aqui nessa cidade? Todo mundo já tocou com o Santana aqui”. Com se fosse uma coisa ruim, uma coisa brega, eles não gostavam dele, falavam mal. Fiquei em São Francisco mais ou menos um ano, conheci uma menina, me apaixonei por ela e a gente casou. Mas todo mundo falava que o lance era em Nova Iorque. Aí pensei, estou de novo na mesma situação do Brasil. Fui para Nova Iorque.
EM – Finalmente. Quando chegou lá como foi a sua entrada no mundo do jazz? CS – Quando cheguei lá fui a uma jam session e fiquei com medo de tocar. Você tinha que pagar um dólar e podia tocar duas músicas. Você entrava e falava nome e instrumento. Então havia um músico que era o chefe e ele que mandava tocar as músicas certas, por exemplo, página 19, Night in Tunisia.
EM – E você tinha de saber o tema e tocar na hora? CS – Sim, todo mundo tocava. Haviam vários real books nos estandes. Eu comecei a ver o nível e pensei, “pô, os caras tocam muito”. Eu já casado com uma mulher norte-americana, já na pressão da família dela por que ela casou com um imigrante, latino, que levou ela embora de São Francisco, um estrangeiro passou por aqui e levou ela embora. Eu tinha de providenciar uma grana, tinha que conseguir sobreviver em Nova Iorque. Cheguei nessa jam e ele não conseguia pronunciar o meu nome: “Clódio, Cládio”. E eu não fui, fiquei com medo. Não vai dar. Dei um passo maior que a perna. Eles tocam muito melhor do que eu. Fui para casa e menti para minha mulher. Disse que havia sido maravilhoso. Mas aquela noite eu não dormi. Fiquei pensando ou eu vou peitar essa parada ou não. Na semana seguinte eu fui e toquei. Aí foi quando eu percebi que é muito mais fácil tocar com cara bom, porque tudo o que eu fazia ficava bonito. Qualquer nota que eu tocava, o cara fazia um acorde especial no piano, o baixo dava uma tremenda nota, o baterista fazia um negócio. Nem parecia que era eu que estava tocando. De repente percebi que com o acompanhamento que os caras faziam... ficou fácil tocar. Conheci um cara que me levou para outras bocadas e sem saber eu cai na nata do jazz, comecei a tocar em lugares que nunca pensei. Tinha aquela fantasia que o cara que fosse grande músico tinha de tocar em um lugar grande, maravilhoso. Não sabia que os caras tocavam em barzinho.
EM – Que ano foi isso? CS – 1978. Naquela turma havia uns caras barra-pesada, mas eu não sabia quem eram. Eu também tinha aquela idéia, o músico no Brasil recebe o CD pronto, mixado, masterizado, não tem erro nenhum e acha que os caras são fantásticos. Na vida real o cara erra, a guitarra desafina, escapa o fio e eu nunca pensei que aqueles seriam os grandes músicos de estúdio. Naquela época não havia internet e eu não sabia com quem estava tocando... Freddie Hubbard, não sei quem... quando percebi não tinha mais medo. Uma coisa levou a outra, músico brasileiro nessa época era muito bem visto por causa da bossa nova.
EM – Porque, hoje não é mais reconhecido? CS – Hoje não é. Uma série de caras foi para nos Estados Unidos antes de serem músicos no Brasil. Chegaram lá sobre o título “sou músico brasileiro”. Mas é um cara que nunca tocou música brasileira. É um cara que tinha uma banda de fundo de quintal e chegou lá foi tentar a vida. Só que lá há outro nível de músico. Naquela época eram João Gilberto, Naná Vasconcelos, Egberto Gismonti, Ion Muniz, Aluísio Aguiar, Édson Machado, uns caras que vinham da bossa nova. E eram poucos, mas houve uma invasão brasileira, hoje Miami tem cem mil brasileiros, churrascaria brasileira, forró, tem noite sertaneja, noite não sei o quê. Virou carne de vaca, ser brasileiro não quer dizer mais nada, não é mais um artigo de luxo como em 1978.
EM - E como é sua vida hoje? Quanto tempo você passa no Brasil e quanto nos Estados Unidos? CS – Toco aqui e toco lá. Moro aqui e moro lá. Se você abrir meu caderno de telefone vai ver que tem mais amigo americano do que brasileiro. Minha filha tem 32 anos e é americana. Foi tanto tempo ali que os caras de lá acham que estou no estrangeiro. Quando eles me ligam perguntam quando eu vou voltar pra casa (risos). Quando estou aqui sou um cara que mora nos Estados Unidos, quando estou lá sou brasileiro, mas sou de lá também. Quando tem trabalho eu vou. No fim do ano passado fui e fiz bastante coisa. Apesar da crise, pelos menos o fim de ano ainda tem muita música ao vivo. Tá certo que não são todos glamourosos, são mais corporativos, principalmente no mundo do jazz, nem sempre são festivais maravilhosos, com o Chick Corea, John McLaughin. Tem muito hotel cinco estrelas, convenção, mas paga super bem. Você encontra vários músicos ali e não é motivo de vergonha algum. No Brasil a gente tem essa idéia de que o cara está tocando em um baile é motivo de vergonha. Lá você vai em um conjunto de baile e vai encontrar o backing vocal do Phill Collins, o baterista do Peter Gabriel, os músicos Madonna, Gloria Estefan. Estão fazendo aquilo ali, só que lá não é baile igual aqui, chama-se Top 40. São locais para dança. Palcão grande, banda com 10 músicos fazendo cover de tudo.
Tinha uma banda que eu fazia em Miami chamada Clockwork. Os caras eram especialistas em Earth, Wind and Fire. Lembro que a gente estava tocando em um bar e uns caras que estavam lá haviam acabado de chegar de um concerto do Earth, Wind and Fire (risos). Os caras chegaram para mim e disse que a gente havia tocado melhor do que o Earth, Wind and Fire. Os caras da banda tocavam com todo mundo e entre uma turnê e outra, trabalham normalmente.
EM – Quando eu liguei para marcar essa entrevista você me disse que estava dando aula. Você ainda dá aula regularmente? CS – Eu dou aula quando vejo que o cara está realmente interessado e tem jeito para aquele negócio. Mas não sou o professor na ativa. Eu tenho alunos que escolho à dedo. Que acho que tem talento. Faço uma avaliação.
EM – Você senta na frente do cara e manda ele tocar? CS – É, faço outro tipo de teste, se o cara presta atenção em um assunto importante. Às vezes você está falando com o cara e ele está olhando para a janela, pô esse aí já não deu (risos).
EM - Você disse que o Swell nasceu de uma vontade de fazer um CD calmo. Como assim? CS – Um dia um cara me perguntou quem é o seu guitarrista favorito? Eu disse, que iria responder uma coisa, mas jurava por deus que não estava sendo metido à besta. “O meu guitarrista favorito sou eu”. Não que eu me considere o melhor guitarrista. Como o cozinheiro que faz um molho que só ele faz. Eu toco as coisas que eu imagino o que meu guitarrista favorito tocaria. Ao tocar as notas que eu gostaria, logo sou eu.
EM – Desculpe te cortar novamente. E se eu formular a seguinte pergunta: Qual é o guitarrista que te inspirou? CS – Daí eu volto ao meu pai que me proibia de ouvir guitarristas. Ele me disse que se eu quisesse ser um bom guitarrista teria de ouvir bons saxofonistas, pianistas e tal. Então, meu guitarrista favorito é o Charlie Parker (risos). Mas eu nunca tive um herói. Sei lá, gostava do Pete Towshend. Sou mais fã da composição do que da execução. Me ligo mais na música que o cara escreveu. Me ligo muito no David Gilmour (Pink Floyd), Steve Howe (Yes), John McLaughin, Wes Montgomery, Joe Pass, que é o que todo mundo gosta e não dá pra fugir. Mas sempre gostei de transferir frases de saxofone pra guitarra.
EM – Voltando ao Swell. CS - O Swell nasceu da seguinte idéia, eu adquiri o que se chama Tinnitus (zumbido) e comecei a ficar irritado com sons agudos. Agora já me acostumei, já passou. Mas logo que aconteceu pensei que poderia procurar sons mais suaves, comecei a tocar mais no grave e tal. E me lembrei do Creed Taylor da CTA Records, que foi um dos grandes mestres de estúdio que eu tive em Nova Iorque. Fui gravar com ele e aprendi que disco não é show. A gente chegou no estúdio e queria tocar o máximo que conseguisse e ele castrou. Ele falou, por favor, você não toca assim, toca pouca nota, toca só no grave. Ele cortando as nossas asas dentro do estúdio e teve músico que ficou revoltado naquele momento. Grandes músicos como o Buddy Willians, o Jorge Dalto (que fez o solo de piano em This Masquerade), Paquito D’Rivera e ele começou a falar: “Não, menos. Nós estamos fazendo um disco e não um show. Guarda isso para o show”.
EM – De quem era esse disco? CS – Esse disco era do Cláudio Roditi. Quando você vai ao show, você quer ver virtuosismo, você quer ver o cara tocar. Um disco tem de ser para o cara colocar várias vezes. Se você fizer um “disco show”, o cara tem de parar tudo o que está fazendo para escutar. É uma música que você está impondo. Então decidi fazer um disco no padrão Creed Taylor. Que você pode ouvir falando, dirigindo. Tem conteúdo? Tem, é elaborado, mas ao mesmo tempo, ele não impõe que você pare a sua vida pra ouvi-lo.
EM – Eu discordo. Esse disco é muito sutil, tem coisas que você só pega se estiver ouvindo, mesmo. CS – E é cheio de regras também. Na época do estúdio, quando chamei o Tuco Freire, o produtor, disse que queria fazer um disco estilo Creed Taylor e que ele teria de me segurar. Falei que se eu começasse a tocar muito ele teria de me segurar. A sua missão é ter o controle para que ele saia naquele padrão, veludo. O primeiro problema é escolher um baterista. Geralmente ele quer é tocar, mandar bala. Chamei o Adriano Bosco e perguntei se ele gostaria de tocar em um disco onde ele não ia aparecer. Ele só ia fazer o ritmo no fundo. Ele disse que gostava de fazer isso. Mas eu já sabia que ele é um cara de bom gosto. Houve alguns momentos que eu tive de discutir dentro do estúdio, tinha de dizer: “Escuta, nós estamos fazendo um disco calmo”. Eu já notei que dentro da cabeça dele, o músico tem essa coisa de querer impressionar outros músicos. Acho que não é esse o caminho. Você tem de tocar música para as pessoas comuns.
EM – Até a arte do CD é zen. Tem mar, surf, tartaruga. Essa idéia também foi sua? CS – Lembrei do Marcos Valle que era o surfista da bossa nova. E a bossa nova era mar, de certa forma o surf do arpoador e tal. Tinha esse lado do surf long board, que era um surf que não era radical. Os filmes de surf têm muito rock pesado, mas eu comecei a ver o filmes de long board e tinha até umas bossas. Esse disco também é mar, porque também aquele lance de você estar lá sentado esperando a onda, você olha pra longe e está tudo azul, na realidade você está dentro da água e está bem calmo. Eu disse ao Marcílio, que é o artista do disco, que Swell tem um sentido duplo. Pode ser uma coisa sofisticada, em uma gíria antiga dos anos 40, 50. Mas também são as ondas do mar, surfista chama a ondulação de swell. Minha vida tem sido o mar desde que eu voltei a pegar onda.
EM - Morando nos Estados unidos, em 2010, você lançou dois discos, The Music of Cláudio Celso e Surf Life. Fale sobre esses dois trabalhos. CS – O Surf Life foi gravado no Guarujá e lançado nos Estados Unidos. Estava por lá e minha manager sugeriu lançar lá, pelo selo independente CD Baby. Mas na verdade não lançamos nos Estados Unidos, lançamos na internet. Felizmente isso acabou. Mas o disco foi feito sem querer ser um disco. Liguei para o Marco Buru, que tem um estúdio em São Paulo. Ele já havia produzido o meu primeiro disco que se chama Brazilian Jazz, que vendeu bastante nos Estados Unidos. Ele mora aqui no Guarujá também. Eu disse que queria ir a casa dele e perguntei se ele tinha um violão, dizendo que estava com a idéia de lançar um disco para surfista tocar. A gente faz disco de jazz e usa acordes complicados, é uma linguagem que o cara precisa saber tocar. Eu queria fazer o contrário, como os Beatles e João Gilberto, que o cara pegava o violãozinho e conseguia tocar. Fazer um disco para os meus brothers de surf. Então fazia as músicas imaginando um luau, todo mundo na areia, depois de pagar onda o dia inteiro, com violão de aço. Com acordes simples, nada de jazz, mais para Crosby, Stills e Nash do que para John McLaughin. Mas eu queria registrar umas três idéias. Cheguei a casa dele e já tinha um estúdio montado. Peguei o violão e gravei três músicas. Ele disse que só faltavam sete músicas para fazer um disco e perguntou se eu tinha mais composições. Eu disse que sim e ele me falou para voltar no dia seguinte gravar o resto. Em quatro dias a gente fez. Comigo sozinho ficou fácil. Eu cheguei para o artista Wellington Sales e disse escuta esse som, é surf, e ele desenhou aquela capa. The Music of Claudio Celso é uma compilação. Eu tinha esse disco, Brazilian Jazz lançado por duas gravadoras, mas que haviam sido distribuídos pela Universal nos Estados Unidos. Nunca vi um centavo. Naquela era das gravadoras que o músico nunca via dinheiro. Minha empresária nos EUA sugeriu fazermos uma compilação com algumas faixas do Brazilian Jazz, do Swell e outras que nunca viraram disco, seriam demo tapes, que na realidade são masters. O CD Baby está aí e é uma ferramenta boa. Pela primeira vez na vida eu recebo cheque pelo correio. Isso nunca aconteceu em 40 anos de profissão. O pessoal fala mal, que estão baixando música e tal, mas é chequinho caindo. Não é uma fortuna, mas pelo menos é algum dinheiro, 200 dólares, 300, dólares, 340 dólares. Antigamente você não podia ir à gravadora cobrar. Se você fizesse isso corria o risco de ficar mal visto e podia perder chances. Era um dilema do músico. Essa linha divisória é bem difícil. Se o cara queimar o filme com uma gravadora ele se ferra. Os caras das gravadoras se conhecem, almoçam todos juntos. A gente tinha de engolir esse sapo.
EM – E como nasceu o Alpha Solaris Project e a parceria com o Eumir Deodato? CS – O Eumir Deodato, muita gente não sabe quem ele é, ele pegou a era pré internet, foi o cara que conseguiu vender uma música instrumental que estourou e vendeu cinco milhões de discos. Pouca gente no mundo conseguiu fazer isso, foi com Also Sprach Zarathustra.
EM – Ele foi esperto, aproveitou a era disco. CS –Sim, mas tem o Billy Cobhan, Ron Carter, bons músicos ali. Ele é um gênio, já fazia arranjos de ouvido aos 18 anos. Ele tinha um estúdio em Nova Iorque, onde eu freqüentava como músico, sempre tocando em discos dos outros. Nos conhecíamos, mas nunca havíamos tocado juntos. Quando fui para os Estados Unidos em 2010 para ficar um ano, minha empresária, a Annita Pieroni, sugeriu fazer uma banda com os melhores que você conhece. Que você considera os tops em seus instrumentos. Primeiro falei com o Eumir, que disse que ia ser um prazer. Concordamos em colocar os grandes hits dele e compor músicas juntos. E algumas músicas minhas. Queríamos uma banda de peso, então chamei o Gerry Brown (bateria), Frank Colon, que um percussionista fera, tocou com a Mariah Carey, Manhattan Transfer, Weather Report, Milton Nascimento; o Pepe Aparicio, que infelizmente faleceu em dezembro de 2011. É um baixista que tocava com um cara que ninguém conhecia na época chamado James Marshall Hendrix (risos). O nome é latino, mas nasceu em Nova Iorque e tocou com todo mundo nos anos 70. Um tremendo baixista. Mas o Alpha Solaris Project nunca se apresentou. Acho que o mercado, os festivais de jazz estão mais voltados aos sons novos do que coisas que eles consideram antigas como Eumir Deodato. A turma que está contratando não teve contato com ele.
EM – Não seria também por causa do valor dos custos de produção? CS – Também, porque o Eumir não é barato. Ele vem com orquestra. É uma estrutura grande para o momento econômico. É uma orquestra completa, mais o cachê dele e mais a banda toda.
EM – Funcionaria trazer a partituras e pedir para uma orquestra daqui ensaiar? CS – Poderia até funcionar. Mas no caso do Eumir, têm orquestras que ele gosta de trabalhar. Ele está em um nível bem acima do que a gente pensa. Ele fez discos de gente muito importante, ele é o cara por trás artistas de grande nome. Então, fica embaçado (risos). Mas estamos aí, tentando encaixar em um festival de jazz. Tem de ser uma coisa que tem verba.
EM – E como foi a história com o presidente George Bush (o pai)? CS - Quando vivia na Florida me tornei o guitarrista oficial do The Breakers Hotel, um lugar onde a Realeza Britânica e outras celebridades se hospedam. O falecido Billy Duke e Morty Jay eram os coordenadores e agentes musicais do hotel e de outras ramificações dos ricos e famosos, desfiles de moda de famosos, fashion designers, etc. Eu dia eu recebo um telefonema de Morty me contratando para um dueto de guitarras, para tocar jazz standards e bossa. Lá chegando fomos hostilizados por um holofote que praticamente nos cegou temporariamente, a famosa lâmpada de interrogatório seguida de perguntas, Claudio Spivak e eu estávamos praticamente sendo presos, me revoltei com o tal garçom e gritei “O que é isso, Casa Branca?” aí eu escuto: “Sim senhor, vocês tocarão para o presidente dos Estados Unidos, e nós somos do Serviço Secreto Americano (Secret Service)”. Mandei o 007 tirar a lanterna da minha cara. Ficamos presos num pequeno quarto por 40 minutos enquanto checavam TUDO a respeito de nós e revistavam com raio x os instrumentos.... Maximum Security. Quando fomos liberados para montar os equipamentos nos demos conta da cena: helicópteros sobrevoando a mansão, agentes atrás de cada arbusto com óculos especiais de visão noturna, microfones, atiradores de elite posicionados, igualzinho se vê no cinema. Bom, começamos a tocar para uma sala de estar vazia, de repente vejo a meio metro de mim George Bush e sua esposa, Barbara Bush, junto com Jeb Bush, o governador da Florida na época, e mais dois assessores. Só eles, mais ninguém. Comecei com Garota de Ipanema, seguido de Wave, foi quando ele não se conteve, largou a família no sofá e veio curtir o solo de guitarra, no meio de minha improvisação ele vibrou e deu um mini assobio tipo cowboy texano e falou: “Mas você é muito bom, hein rapaz?! Muito bom mesmo!” Quando a música acabou ele me estendeu a mão, elogiou, e falou para o garçom trazer um uísque igual ao que ele estava bebendo para nós. Ele piscou o olho para mim e cochichou no meu ouvido simpaticamente: “Você vai ver que maravilha de uísque é esse, seguido por um tapinha nas minhas costas e ficou com a mão por alguns segundos em meu ombro, tipo colega da padaria, íntimo, natural e super simpático, parecia um vendedor de carros. Conversador, falamos sobre o futuro do Brasil, ele expressou o quanto acreditava no potencial do país, elogiou Tom Jobim e a Bossa Nova se declarando um fã da nossa música que, segundo ele, era sofisticada, com conteúdo jazzístico e de extrema imprevisibilidade harmônica....WOW o cara conhecia imprevisibilidade harmônica!? Fiquei totalmente surpreso e chocado, parecia irreal, um filme de James Bond, sei lá, era uma alucinação quando me dava conta da situação. Olhava e me via tão íntimo com George Bush. Tocamos mais uma música que não me lembro qual foi, ele ficou ali conosco prestando atenção a cada nota que tocávamos e vibrava. Até que o assessor veio e falou: “Senhor Presidente, o senhor tem que ir agora”. Ele ainda brincou e disse: “Vocês estão vendo, eles não deixam eu me divertir, hahahaha”. Estendeu a mão agradeceu pelo nosso enorme talento, palavras dele, e depois dos tapinhas nas costas, com a mão no meu ombro, perguntou informalmente o que iríamos fazer no próximo sábado. Eu sem graça falei “o que o senhor quiser Mr. President”. Ele riu e disse, “talvez vamos ter uma festa, e vocês poderiam tocar, mas serão meus convidados, podem trazer as esposas, será um belo jantar”. A festa nunca aconteceu pra nós (risos). Mas nunca me esquecerei enquanto viver daquela noite, entramos no carro como duas crianças que foram a Disneyworld pela primeira vez. Ligamos para o nosso agente musical Billy Duke e gritávamos: “Hey Billy, the presidentet brother, the president!! Ele falou surpreso e brincou dizendo que nesse caso não haveria cachê, nós é que iríamos pagar por essa.
EM - Você compôs músicas para o Bob’s, Texaco, Coca Cola. Isso é curioso. Esses trabalhos dão muito dinheiro? CS – Você conhece os Estúdios Mega? Felipe Neiva, era meu companheiro músico que estudou na Berklee com o Pat Matheny, era amigo do Ricardo Silveira e ele é um grande empreendedor. Ele mudou para o Brasil e conseguiu um investidor e construiu os Estúdios Mega. Éramos muitos amigos e ele me convidou para vir ao Brasil dizendo que precisava de alguém para compor e que ia entrar em negócio de publicidade. Ele disse que a gente ia ganhar a maior grana. Foi muito legal, ele ficou sócio do Guto Graça Melo, que todos nós sabemos que foi o produtor da Gal Costa, Caetano Veloso, ganhou vários discos de ouro da MPB e compôs aquela musiquinha do Fantástico. Eles entraram em um atrito na época que o Collor segurou o dinheiro. Então o estúdio ficou sem compositor. Mas é um trabalho fácil, eles já te dão um briefing e, na verdade, você plagia. O cara já chega com uma música e pede pra você fazer igual, mas não pode ser igual (risos). Uma vez o cara me pediu uma música de natal e ele disse que não parecia música de natal. Eu coloquei uns sinos com teclado e ele disse “aahh, agora sim!” (risos).
EM - A lista dos músicos que você trabalhou é impressionante. Só para citar alguns: Chet Baker, Jaco Pastorius, Willie Nelson, Marisa Monte, Bebel Gilberto, Dexter Gordon, Zimbo Trio, Raul de Souza, Paulo Moura, Paquito D´Rivera, Kenny Kirkland. Fale três momentos inesquecíveis dessas participações. CS – A minha passagem com o Chet Baker foi muito rápida. O Jazz Mania Society, um loft de jazz, nessa época em Nova Iorque existiam os lofts, além dos night clubs de jazz. Loft era um lugar onde não servia álcool pesado nem comida. Era apenas a música. Só servia cerveja, era um espaço cultural do Mo’ Jazz na 22 Street. Hoje em dia está em Miami. Houve um festival de Brazilian Jazz. Nesse festival ele incluiu o Naná Vasconcelos, Ion Muniz, Cláudio Roditi e o Chet Baker que era fanático pela suavidade e sofisticação da bossa nova. Então, eu já estava tocando na banda da Denise de Lapenha, uma cantora americana que cantava música brasileira, também estava tocando como músico de apoio da banda do Cláudio Roditi e da banda do Ion Muniz. Eu já era guitarrista em três noites do festival. Só tinha eu e o Ricardo Silveira de guitarrista brasileiro nessa época e acho que ele estava viajando com o Herbie Mann e eu fiquei sozinho na cidade. Foi Mike Morganstern, dono do lugar que orquestrou tudo isso: é você na guitarra, o Wayne Dockery no baixo, o Duduca da Fonseca na bateria, o Aluisio Aguiar no piano e o Chet Baker. E a gente perguntando quando é que a gente ia ensaiar. Ele disse que não haveria ensaio e que seriam músicas do Tom Jobim. O Chet iria chegar e seria 1, 2, 3... ele iria dizer o tom e a gente ia atrás.
EM – E ele chegou na hora? CS – Ele chegou uns vinte minutos antes, mas chegou bem “tocadão”. Juntou todo mundo no camarim e fez uma lista, ele só falou os nomes com aquela voz dele: “Insensatez, Quiet Night, Corcovado”, as mais conhecidas. Acho que tocamos Chovendo na Roseira. “Pô, ele conhece!!” Tocou também Vera Cruz do Milton Nascimento. Alívio, eu conhecia todas. Porque você pensa, pô todo mundo toca Corcovado. Mas era o Chet Baker tocando Corcovado. O cara faz o negócio acontecer.
EM – Ele tocou bem essa noite? CS – Ele tocou muuuito bem. Ele envolveu. Naquela noite eu pensei: “Olha como a suavidade é tão forte quanto a agressividade”. Uma suavidade entorpecedora. O torpor, talvez do estado dele, de heroína. Aquele mesmo lance da Billie Holiday. As notas que ele tocava em Corcovado eram fantásticas. Como é que o cara foi encaixar essa nota, nessa hora, dessa maneira. Aquela jogada do João Gilberto que quando você vê o cara foi na frente com a melodia e o violão ficou atrás. De repente ele te hipnotizou. E foi fácil tocar. Tudo fluia. Ele fazia todo mundo ficar à vontade.
Outro fato parecido foi com o saxofonista Joe Henderson. Daí foi um lance americano. O telefone tocou às três da tarde e o cara me perguntou se eu gostaria de tocar com o Joe Henderson e eu disse é claro que sim. “Ahhh, então tá legal às nove da noite no Village Gate” (risos). E o ensaio?? Não, não tem ensaio, ele mora em São Francisco. Te vejo lá. Fiquei com medo porque a música do cara é complicada, um lance John Coltrane e tal. Cheguei lá e estava o Michael Formanek no baixo, Payton Cossey na bateria e um tecladista, Jay Byalack. Quando o cara chegou chamou todos para o palco. O cara olhou para o baixista e falou para ele fazer uma levada funk. O cara perguntou em que tom e o Joe disse para fazer o que ele quisesse. O baixista perguntou qual andamento e ele disse a mesma coisa. Maior ou menor? Tanto faz. O baixista fez a levada. O batera entrou e começou um groove. Aí ele disse para ficar ali. Eu entrei com uma guitarrinha com wha wha, meio fusion, fazendo a cama. O Joe caiu dentro com o saxofone. Isso durou uns dez minutos. Aí ele foi engatando um tema atrás do outro, sei lá, Cherokee! Aí pá, pum, e voltava para o funk. Mas ele perguntava antes para ver se todos conheciam: “Giant Steps”? E aí tudo de novo. O show durou uma hora e meia e não parou. O show todo no andamento do funk. Às vezes ele parava para solar. Às vezes ele mandava ficar só o baixo. O cara ia criando na hora, totalmente relax. No final ele gostou (risos).
Outra passagem interessante foi com o Chuck Mangione. Ele tinha uma música famosa... (Claudio Celso solfeja Feel So God) era um hit instrumental nos Estados Unidos. Eu freqüentava o ambiente do clube dos irmãos Brecker, Randy e Michael, chamava Seventh Ave South. Eles serviam no balcão, eles davam o troco e subiam no palco pra tocar. Todos que freqüentavam eram músicos. Era o clube do bolinha, Billy Cobhan, Stanley Clarke, os caras do Spyro Gyra, os caras do James Taylor, às vezes você via o Mick Jagger sentado lá, e uns músicos locais estranhos que ninguém conhece. Era um covil. Perguntaram se eu queria tocar com o Mangione e eu disse sim, minha mulher estava grávida. Eu ia ser pai e tinha de pegar aquele trabalho. Não podia ficar de boteco em boteco. Aí eu comprei o disco e o livro e decorei tudo, o timbre, o solo, os andamentos. Decorei tudo. Quando cheguei no estúdio vi uns dez guitarristas na fila. Só fera, Mike Stern, Barry Finerty... o sistema de audição do cara era pressão total. Ele colocava no aquário do estúdio os caras que iam disputar contigo. Tive de usar um truque, fingir que não falava inglês e nem quem era o Chuck Mangione. Cumprimentei um cara que não era ele. Eles pensaram que eu nem sabia quem era o Mangione. Fiz os caras acreditarem que havia acabado de chegar da selva amazônica: “Me, no english, amazon” (risos). Quando ele abriu a partitura fingi que nunca havia visto aquilo. Aí eu peguei e toquei igual ao disco. Até o timbre. Ouvi os caras conversando entre eles admirados, como um cara que nem conhecia o Chuck Mangione tocava a música dele tão perfeitamente. Um dos caras falou para abrir outra pro índio (risos). Toquei perfeito de novo. Esse é o cara, está decidido. Ganhei o trabalho. Dias depois eu contei tudo para os caras e daí que eles gostaram mais ainda. No segundo ensaio eu já chamava os caras de otário. Foi assim que rolou.
EM - Além dos professores Alfredo Scupinari, Paulinho Nogueira, Amilton Godoy, Don Sebesky, o maestro Cyro Pereira, Rubinho Barsotti. Você diz que um lugar especial para sua formação é Nova Iorque. Fale sobre isso. CS – No sentido de rua. Eu aprendi que o jazz era uma coisa tipo pagode. Sai do Brasil achando que o jazz era uma coisa de pessoas refinadas, que sabiam todas as escalas e tal. E aprendi que os verdadeiros heróis, que os caras como Miles Davis e Dexter Gordon iam assistir vinham todos da rua. O jazz começou com pessoas que nem inglês liam. Era uma música totalmente instintiva. Aprendi que esse negócio de escala, esse jazz escola depois da Berklee School, do fusion, lá não valia nada. O que valia era o andamento, o volume e a malandragem. Comecei a tocar com uns locais que se eu falar o nome aqui ninguém vai conhecer, mas que são os heróis dos famosos, são maloqueiros. Os caras não sabem nada, eles sabem truques da rua. Toquei com um cara que havia fugido da prisão, ninguém podia saber que ele existia. Mas ele levava a sério, ele fazia por amor. Na platéia era o Eddie Gomez, Freddie Hubbard, Dexter Gordon, Walter Booker, Larry Willians, do Blood Sweet and Tears, vendo o Pete Chavez tocar. Era um nome inventado por que o cara estava fugido da cadeia. Junto ele trazia os caras da rua. Pô, o único cara que o Jaco Pastorius tinha medo era um tal de Alex Blake, que eu nunca ouvira falar.
EM – Já que você falçou dele, como foi a sua convivência com o Jaco Pastorius. CS – Conheci o Jaco em 1982. Ele já estava em uma rota de autodestruição muito forte. Eu tocava muito com o Delmar Brown e com o Kenny Kirkland e eles eram amigos do Jaco. Eles tocavam no 55th Grant Street. O Mike Stern morava no segundo andar e o técnico de som era o Stanley Jordan, era um menino. Era um clube fusion, podia tocar alto, o Mike morava no segundo e outro músico no terceiro, então não tinha vizinho pra reclamar. O Jaco sempre aparecia e tocava com a gente. A gente formou uma turma. Foi de onde saiu o disco Bring on the Night do Sting: Omar Hakim, Kenny Kirkland, Brandford Marsalis. Músicos que estavam tentando ser alguém na vida. Havia uma época que eu e o Kenny tínhamos de pular a roleta do metrô por não ter dinheiro. E ele ainda era aleijado, era um problema para ele pular a roleta. Então, chegou uma época que tínhamos de chamar dois baixistas porque a gente não sabia se o Jaco ia estar em condições. Ele estava muito drogado e chato. Chegou um ponto em que o Jaco ficou uma figura indesejável dentro do 55th. Chegamos a nos esconder atrás de uma van uma noite. Ele bebia e pedia drogas a todos e achava que todos deviam pagar tudo para ele. Ele virou mendigo, foi morar em um banco de praça. Peguei a fase dele se recusando a tocar como ele tocava, com o fretless. Ele arrumou um pedal de distorção e só tocava a nota tônica: BOMMMM, PERMMMM! Ele disse que tudo o que havia feito no Weather Report estava errado. Que baixista tinha de tocar só a tônica e calar a boca. Dizia que aquilo que ele fazia é coisa de guitarrista. Uma vez ele chegou à minha casa de madrugada e queria que eu abrisse a porta. Ele morreu de forma trágica por causa desse temperamento.
O guitarrista acaba de chegar de Chicago, onde participou da gravação de um disco. Além de tocar as músicas do novo CD, apresenta o show Talking About Chicago, às 21h30.
A experiência de anos tocando blues como sideman do gaitista Ivan Márcio deu régua e compasso para o guitarrista Gilberto Moufarrege. Ele se tornou o personagem Giba Byblos, amante de sapatos de duas cores e sapatos de couro de cobra. Às vezes calças e paletós vermelhos. Sempre, guitarras vermelhas. Na aparência, um gangster do blues.
Mas tudo isso faz parte de uma estética engendrada para entreter a audiência. Tudo faz parte do show. Característica do blues relegada ao segundo plano, mas que os mestres B.B. King e Buddy Guy nunca deixaram de lado.
Hoje o blues é apresentado nas grandes cidades e casas noturnas e quem vai a um show desses quer se divertir e dançar. Música boa para os ouvidos e para os quadris. Esqueçam as plantações e as chain gangs.
Seu disco se chama My Duty e o show se chama Talking ‘Bout Chicago (Falando Sobre Chicago). Um projeto criado por Giba que reúne todo o mise em scéne do blues da cidade conhecida como a capital do blues mundial: figurino, linguagem, guitarra tocada no meio da platéia, guitarra tocada nas costas como T Bone Walker. "Falar sobre Chicago é falar sobre entretenimento", segundo Giba.
Além do show cheio de bom humor e malícia, Giba lançou no final de 2011, um dos melhores discos de blues lançados no Brasil.
My Duty, cuja produção de Ivan Márcio reforça a parceria com seu mais antigo colaborador, traz novas perspectivas ao gênero no Brasil. Até então, o blues feito na terra de Pixinguinha era sisudo, salvo algumas exceções: André Christovam e Blues Etílicos.
O tema My Duty começa com uma introdução chic, um blues nervoso composto pelo próprio e vem com uma letra sacana. Junior Bought Me a Jim é uma grande sacada. Conta uma passagem mais do que inusitada de envolvendo Giba, Sugar Blue e a lenda Junior Wells - confira toda história nessa entrevista - No mais, Giba recria temas clássicos sob sua ótica.
Ambos, Gyba e Ivan, acompanharam a cantora Shirley king em sua turnê sul-americana no ano passado. Os músicos Julio Cesar Scansani (bateria) e Vagner Dantas (baixo), também são protagonistas nessa história.
Serviço
Show: Giba Byblos Blues Band
Data: 21 de junho
Horário: 21h30
Local: Comedoria do Sesc Santos Endereço: rua Conselheiro Ribas, 136. Ingressos: R$ 8,00 inteira; R$ 4,00 usuários inscritos no Sesc, pessoas com mais de 60 anos, professores da rede pública e estudantes com comprovante; R$ 2,00 trabalhador no comércio de bens, serviçoes e turismo matriculados no Sesc e seus dependentes.
O dia começou com uma série de entrevistas. Às 9h30 com o guitarrista novaiorquino Michael Hill; às 11h30 coletiva com o prefeito de Rio das Ostras e com Stênio Mattos, diretor do festival; e às 13 horas com o guitarrista Roy Rogers.
Perdi o show de Arthur Menezes, marcado para o mesmo horário da coletiva. Uma pena, todo mundo no mundo do blues acha que esse garoto é uma revelação da guitarra. Inclusive Buddy Guy, que o convidou para abrir um de seus shows em sua turnê brasileira em 2012. Por conta dos compromissos também não fui ao segundo show de Michael Hill na lagoa do Iriry.
A chuva, que caiu sem dó desde quinta-feira, e a ressaca no mar obrigaram a direção do festival cancelar a apresentação de Armand Sabbal – Lecco no palco da praia de Tartaruga. O show foi transferido para o palco Costazul, ontem mesmo, fechando a noite que teve Cama de Gato, Billy Cobhan, David Sanborn e Roy Rogers.
Cama de Gato, com Mauro Senise, Pascoal Meireles, Jota Moraes, faz um show com muita competência, sua mistura de samba com jazz baião com jazz é a carado Brasil e chega a emocionar. Jotinha, como é conhecido Moraes, é um cara que passa uma alegria verdadeira ao tocar todas aquelas tralhas na percussão.
Billy Cobhan é um dos bateristas mais reverenciados do mundo. Conheço o som do cara desde o lançamento de Spectrum, seu disco referência. A banda que tocou no festival é multiétnica, com músicos do oriente, Estados Unidos e Brasil. Ouvir seus discos e ver os seus vídeos é uma coisa, mas assistir ao show de um dos mestres da bateria de todos os tempos do lado do homem baixando o braço é um privilégio que poucas pessoas podem ter. A potência a qual ele ataca os tambores de seu kit e a variedade de situações criadas pelo panamenho é impressionante. Um dos melhores shows do festival.
David Sanborn representa o lado popular do evento. Todos os anos a direção procura misturar as atrações entre blues, jazz, artistas novos e sons palatáveis aos ouvidos menos treinados – tucanei o jazz farofa. Faz parte.
Porém, Sanborn faz o que faz com competência e a ficha corrida do cara fala por si. Para quem gosta de temas como Chicago Song, Double Vision, The Dream, Close Up, o show foi um prato cheio. Esses devem ter sido os temas instrumentais mais tocados nos anos 80.
Esse ano foi a segunda vez que Roy Rogers veio ao festival. A primeira foi em 2007 e eu estava lá e vi do que esse cara sua banda, os Delta Rhytmn Kings, são capazes de fazer em cima de um palco. Naquele ano sua apresentação já havia sido uma das melhores do festival e esse ano, agora não tenho dúvidas, foi a que mais empolgou. Ele já havia se apresentado no palco da Lagoa de Iriry um dia antes e a audiência já sabia o que esperar na noite de sábado no palco principal. Então, mesmo com a água caindo forte ninguém arredou pé. Três coroas que sabem tudo de música fazem muito mais barulho do que uma banda com dez pessoas. O baterista Billy Lewis e o baixista Steve Ehrmann são a cozinha perfeita.
Devido ao adiantado da hora não fiquei para ver o que restou para Armand Sabbal – Lecco, cujo show começou às 3h30 da madruga com toda a platéia cansada e ensopada. Mas antes de me evadir do recinto, consegui uma entrevista com o percussionista de Lecco, o brasileiro Gilmar Gomes. Os percussionistas brasileiros dominaram a cena, além de Gomes, também brilharam Jota Moraes, o Jotinha, com o Cama de Gato, e Marcos Lobo com Billy Cobhan.
Diário de Rio das Ostras – 5° dia – Entre a sutileza de Duke e a pancadaria de Cobhan
Billy Cobhan - Lagoa do Iriry - 10/06/2012
No domingo, às 11h30, mais um show que teve seu horário e lugar alterados. Duke Robbilard, que faria sua gig às 14 no palco da lagoa foi transferido para o palco São Pedro, cedendo o lugar para David Sanborn que entraria às 13h45. Mais uma vez debaixo de chuva o veterano mostrou o que sabe sobre os ritmos americanos. Blues de Chicago, jump blues e jazz fazem parte do repertório de Wobble Walkin’, seu mais recente trabalho. A guitarra elegante de Duke é o melhor afago que os ouvidos podem querer. Mais um show embaixo de chuva incessante, mas com platéia cheia.
Às 17 horas foi a vez de Billy Cobhan, novamente, mostrar como se toca uma bateria. Após esse show, os bateristas na platéia que estavam em dúvida entre tocar e trabalhar no banco já se decidiram. O festival acabou com o sol querendo dar as caras. Sempre fica a impressão que poderia ter mais um dia.
Todos os dias a Orleans Street Band, um combo de jazz tradicional, com trombone, trompete, tuba, washboard e banjo, aquecia a platéia entre as apresentações ou em pontos turísticos da cidade. Além de temas tradicionais como St Louis Blues, Blue Monk e C’est Si Bom, a Orleans também adapta à linguagem acústica temas pop como I Can See Clearly Now, All of Me e outros.
Peguei o ônibus para o Rio de Janeiro às 10 da manhã da segunda-feira e passei em frente ao palco da praia de Tartaruga, que teve dois shows cancelados por causa do mal tempo. A estrutura ainda está lá montada sobre o mar exuberante e tricolorido de Rio das Ostras. Saí da cidade com o sol rachando.
No fim das contas, era para ter embarcado no aeroporto Santos Dumont para São Paulo às 15h10, mas só entrei em um avião no Galeão com um bebê chorando a viagem inteira às 18h20. Depois dessa maratona musical, meus ouvidos não mereciam.
Texto: Eugênio Martins Júnior Fotos: Eugênio e Cezar Fernandes
Tão bom quanto esse negócio de ver shows de graça é estar em contato com os artistas que você gosta. Aqui em Rio das Ostras a gente pode fazer isso enquanto trabalha ou se diverte na beira da piscina do hotel. Todos os músicos ficam por ali relaxando após o café da manhã. Alguns, como Michael Hill, os caras de sua banda e Jefferson Gonçalves preferem pegar os instrumentos e fazer uma jam informal. Informal, mas com qualidade. No repertório, clássicos de Skip James, Muddy Waters, Robert Johnson e algumas de Michael Hill. Como diz a canção, Blues With Feeling.
Depois de uma noite pouco dormida, o que mais se faz por aqui, é ficar com sono, o dia começou tarde, às nove da manhã. Com entrevista marcada com um dos maiores gaitistas do mundo e uma referência do instrumento no Brasil, Maurício Einhorn. Foi uma entrevista atípica, porque ele simplesmente não consegue encaixar suas memórias nas respostas. O coroa não está variando, não. Muito pelo contrario, sua cabaça lembra histórias de 60 anos atrás, nomes, datas, situações. Nada lhe foge. É uma verdadeira enciclopédia musical. Falou por mais de uma hora e não respondeu sequer uma pergunta objetivamente, mas a entrevista ficou demais.
Encontrei o guitarrista e cantor americano de blues, Duke Robillard, de bobeira no corredor e fiz uma entrevista com ele ali mesmo. Uma coisa que eu aprendi estando no festival pela quarta vez, é que não se devem perder certas oportunidades. Sacrifiquei o show do Roy Rogers no Palco Iriry para cumprir compromissos profissionais e adiantar esse diário. O que não surtiu muito efeito porque o hotel ficou sem conexão. Atrasou tudo. Aproveitei e entrevistei Mike Stern pouco antes dele sair para o soundcheck. Mas as fotos do show de Roy Rogers na Lagoa de Iriry foram gentilmente cedidas pelo fotógrafo Cezar Fernandes e ilustram esse texto.
Devido à chuva, o show do saxofonista David Sanborn foi cancelado no palco em cima das pedras na praia de Tartaruga.
Restou apenas a noite para curtir a música. O primeiro a subir ao palco foi o baixista camaronês Armand Sabbal – Lecco, que o Stênio Mattos, produtor do festival, achou por acaso tocando em um clube em Nova Iorque. Lecco é uma fábrica de grooves, sua música é uma mistura de funk, jazz e música africana, cujo líder é o contrabaixo, o que cai muito bem. Um band leader novo e inovador. Ele chamou Romero Lubambo e sua fender Stratocaster para uma canja na música chamada Ku Kux Klan. Se há a possibilidade de o ser humano ser livre de verdade é em cima de um palco com seu instrumento. Ambos estavam completamente soltos, um dos pontos altos do festival.
Mike Stern e Romero Lubambo subiram ao palco para apresentar o mesmo show que haviam feito no palco Tartaruga no dia anterior: uma explosão virtuosística de jazz fusion de entortar os ouvidos. No bom sentido.
O próximo da lista foi o veterano blueseiro Duke Robillard, para quem gosta da coisa real como eu – os americanos chamam real deal – foi de lavar a alma. Notas esticadas até o limite, Duke é elegante como ele só. Isso torna o blues sexual e bom aos ouvidos, If I had You é uma coisa perto do céu. Mas ao mesmo tempo, o som de Duke não deixa de ser um blues de celeiro, pois sua voz rouca, suas composições e sua banda, que inclui baixo acústico, um órgão Hammond e uma bateria na medida, deixam o som correr frouxo de forma proposital.
Na sexta-feira foi o dia em que o festival recebeu mais gente, mesmo apesar da chuva. O comércio de alimentos e os artesãos em volta da cidade do blues e do jazz venderam bem, as barracas estavam sempre cheias e o trabalho artístico que fazem é bem legal por aqui. Segundo informações do bureau de turismo da cidade, os hotéis estão todos lotados e até algumas casas estão com pessoas hospedadas. O festival completa dez anos e modificou Rio das Ostras. Hoje ele faz parte do calendário estadual de eventos do Rio de Janeiro e é responsável por tirar a cidade da sombra da vizinha Búzios e colocá-la no mapa. A cidade conta hoje com uma escola de luthieria, um curso de produção cultural e uma orquestra para jovens mantida pela Fundação de Cultura. Um exemplo a ser seguido.
Kenny Barron sob chuva no Palco Costazul - 07/06/2012
Texto: Eugênio Martins Júnior Fotos: Cezar Fernandes e Eugênio
Na quinta-feira é que o festival começa de verdade. Com shows de manhã, tarde e noite. Por conta dos compromissos assumidos, perdi a primeira atração do dia, Gabriel Leite, no Palco São Pedro. Paciência. Em um evento como esse o segredo é escolher o que não ver. Em compensação fiz duas entrevistas exclusivas com Celso Blues Boy e Romero Lubambo.
A chuva chegou de leve a Rio das Ostras, pouco antes de Celso Blues Boy entrar às 14 horas no palco da Lagoa do Iriry. O guitarrista fez o mesmo set do dia anterior, surtindo o mesmo efeito: empatia total com o público. As duas gigs de Celso provaram que ele ainda tem moral com o público, que conhece e canta todas as suas letras. Por duas vezes o cara subiu ao palco ganhando de um a zero. Ao final da apresentação, filas para autógrafos, muitas fotos e histeria na platéia. Celso é um verdadeiro rockstar.
O show com Mike Stern e Romero Lubambo Project começou às 17h cravadas. Um duelo de gigantes. Dois virtuoses e amigos em cima de um mesmo palco. Free jazz total com o repertório calcado basicamente nos temas de Stern e um som potentíssimo. Mike usa uma Fender Telecaster plugada em dois amplificadores Twin Rverb em linha. Romero não fica atrás, também usa sua Fender Stratocaster em dois Twins Reverbs. Uma pancadaria só.
O palco da praia de Tartaruga é um espetáculo à parte. Pedras dentro do mar, palco contra o por do sol, vento batendo na cara. Tudo lindo. A única coisa que poderia estragar era água vinda do alto. E ela veio, molhando as notas e ventando frio, mas o publico não arredou o pé.
De volta ao hotel para banho e refeição, aproveitei para marcar para o dia seguinte uma entrevista com o gaitista Maurício Einhorn. Aqui é assim, tem de ficar cercando músico nos corredores do hotel pra pegar o cara.
A parte noturna do festival começou com o grupo Plataforma C que interpreta temas da música brasileira como Vera Cruz de Milton Nascimento, Berimbau de Baden Powel e... Ponteio, que será eleita o tema do festival. Brincadeira.
A coisa ficou séria com Maurício Einhorn, veterano gaitista que acaba de completar 80 anos. Uma referência mundial no instrumento. Seu show foi uma verdadeira aula de história e bom gosto musical. Entre os temas apresentados, Alvorada, Sarro, Jóia, Batida Diferente, todas de sua autoria. Além de Autumn Leaves e Take the A Train, essa última, tema clássico de Duke Ellington e cuja introdução Maurício fez com que sua gaita soasse como um trem saindo de uma estação imaginária na praia de Costazul. Muito bonito.
Kenny Barron é o que se pode chamar de jazz straight ahead, em uma tradução livre, quebradeira total. Para quem gosta - e eu gosto muito – foi de lavar a alma. Sem essas frescuradas de baladas com arranjos esquisitos ou instrumentos eletrônicos, só piano, bateria, baixo acústico e trompete. O destaque vai para o baterista Jonathan Blake. Solos de bateria geralmente são chatos, mas Blake domina seu kit básico de jazz. Seu solo esquentou a temperatura da gig e deixou o próximo baterista em maus lençóis.
Michael Hill e a New York Blues Mob entraram em cena faltando cinco minutos para uma da madrugada. Desfilou temas de alguns de seus melhores CDs, entre eles, New York State of Blues, Woman Make the World Go ‘Round e o reggae Grandmother’s Blues. Hill é veterano nesse festival. Tocou em 2007, quando ganhou até um show extra por ter feito apresentações incendiárias e com mais de duas horas naquela edição. E foi aí que se escondeu o perigo. Talvez por querer agradar demais ou para segurar a platéia na noite fria e chuvosa, o guitarrista de New York enveredou para versões de músicas conhecidas de Bob Marley, Chuck Berry, The Doors e outros, transformando a apresentação em um bailão. Totalmente desnecessário. O show passou das três horas da manhã, mas poderia ter sido mais blues.
Detalhe da guitarra de celso Blues Boy - Rio das Ostras 07/062012
Mais uma vez na estrada atrás da boa música. Sina que completa 30 anos e não movo um dedo pra mudar. Saí de Santos com chuva e cheguei a Rio das Ostras com sol. A frente fria que veio do sul e pegou em cheio São Paulo e Rio de Janeiro ainda não deu as caras por aqui.
Chegada tranqüila, mas com sono na bagagem. Depois de três horas bem dormidas saí pra comer e entrar no clima do festival. E "entrar no clima" quer dizer dar de cara com Mike Stern, Romero Lubambo e Hélio Delmiro no corredor jogando conversa fora. Na maior naturalidade. E também rever os amigos que a caminhada proporciona; produtores, jornalistas e músicos.
O grande festival completa dez anos e os shows de abertura são Orquestra Kuarup – que todos os anos abre o evento – Big Band 190, Hélio Delmiro e Celso Blues Boy.
A Orquestra Kuarup pisou no palco às 20h45 e foi competente ao interpretar clássicos da bossa nove e MPB, entre eles, Água de Beber, Águas de Março, Wave, Samba de Uma Nota Só, Samba do Avião, Chega de Saudade, Ponteio, (aplaudidos e acompanhados pela platéia), O Ovo e Garota de Ipanema com uma introdução, digamos, agitada.
A Orquestra Kuarup é um projeto da Fundação Cultural de Rio das Ostras que proporciona aos jovens da cidade educação musical e vem dando certo.
A Big Band 190 foi a surpresa da noite. Todo mundo pensando que seria uma daquelas bandas convidadas para tocar em inauguração de praça pública, mas os caras mostraram que têm competência profissional. Todos os músicos são do quadro da PM do Rio de Janeiro, mas são pagos para se dedicar exclusivamente à música. Uma hora de show foi suficiente para apresentarem um bom repertório e com arranjos diferentes em Night in Tunisia, Spain, Melancia, Nuances Cariocas, e uma versão funk de Glória, Glória Aleluia. A 190 existe desde 1998 e uma coisa curiosa, diferente do policial comum que não pode fazer bico de segurança, os integrantes da banda podem acompanhar músicos de forma profissional nas suas folgas como forma de aprimoramento.
A terceira e esperada atração foi Helio Delmiro. O veterano guitarrista brasileiro é acusado de ser um dos principais nomes do jazz brasileiro. É dele a guitarra ouvida em muitas gravações de Elis Regina e sua participação no disco O Som Brasileiro de Sarah Vaughan é considerada um marco no gênero. Le também começou sua participação no festival com a clássica Ponteio, só que com muito mais malícia. Apresentou um tema de sua autoria chamado Samba do Stent, inspirado ao procedimento cirúrgico sofrido por ele há dois anos. Antes de atacar de cantor em outro tema de sua autoria, saiu-se com essa: "Pessoal eu gostaria de pedir licença para cantar uma música. Eu sei que não canto bem, mas Tom Jobin e Baden Powell também não, então eu gostaria de tentar. Pelo menos eu sou acompanhado pelo Hélio Delmiro na guitarra". Finalizou com uma versão espetacular de Nanã de Moacir Santos.
Foi emocionante ver e ouvir a lenda viva Celso Blues Boy ao vivo, sabendo dos graves problemas de saúde pelos quais tem passado. E, apesar disso, o som de sua guitarra continua falar alto. Do começo ao fim, os clássicos de seu disco de 84: Fumando na Escuridão, Brilho da Noite, Filhos da Bomba, Marginal. Sua companheira inseparável, uma Fender Stratocaster preta está surrada, mais continua muito pessoal, Celso é o pai de todos os blueseiros brasileiros. Ok, é um blues mais voltado ao rock das antigas, mas ainda assim é blues.
A apresentação contou ainda com as participações de Jefferson Gonçalves na harmônica e no finalzinho do Big Joe Manfra.
O show terminou com Aumenta com isso aí é rock and roll e fomos todos para casa com aquele sorriso estampado na cara. Até a adrenalina baixar e esse texto ficar pronto, eram quatro da manhã. Bom dia.
Eu sou um cara que crio teoria pra tudo. Ou, pelo menos, para as coisas que eu acho que mereçam ser justificadas com uma teoria.
Por exemplo, porque, de uns anos pra cá, existe um crescimento das bandas de blues no Brasil? Na minha nada modesta opinião, é que a galera do rock está ficando mais velha e não tem saco para esse rock farofa que é feito hoje em dia. Então, o pessoal da minha faixa etária (mais de 40) e os que chegaram depois e realmente amam o rock das antigas, foram parar no blues, onde as guitarras continuam plugadas nos amplificadores valvulados e as letras continuam sem vergonha.
Não sei porque estou falando isso. Deve ser por que a entrevista a seguir é de um cara nascido no Rio de Janeiro nos anos 50, mas que se bandeou para Europa para ganhar a vida tocando os bons e velhos sons de Chicago e Mississippi e que hoje está na casa dos 60, mas continua mandando ver.
Em uma tarde chuvosa no Rio de Janeiro, conversei com o guitarrista Alamo Leal em uma chopperia Devassa lá em Ipanema.
Entre uma sarará, uma índia e uma ruiva, os iniciados sabem do que estou falando, foram quase duas horas de papo com o cara que tem muita história de estrada pra contar. Alamo não bebe e coube a mim a árdua tarefa de enxugar as tulipas.
Sincero, com bom astral e com uma pilha de histórias para contar (apesar de sua esposa ter acabado de sofrer um grave acidente doméstico), alguns trechos da entrevista de Alamo são marcantes pela forma crua a qual o cara expõe sua vida pessoal. Sem papas na língua, conta como a estrada devastou sua vida pessoal e a volta ao Brasil para o recomeço.
Durante mais de trinta anos no exterior, o carioca teve o privilégio de tocar com os grandes do blues de todos os tempos. A lista inclui Luther Allison, Clarence “Gatemouth” Brown, Albert Collins, Willie Kent e muitos outros. Com um excelente disco lançado em 2008, Alamo chega ao Brasil para ficar e já faz planos. Olha a entrevista aí embaixo. Exclusiva para o Mannish Blog.
Eugênio Martins Júnior – Conta como foi a sua infância no Rio de Janeiro.
Alamo Leal – Minha infância no Rio de Janeiro foi saudável, muito inocente. Nasci nos anos 50 e minha adolescência foi nos anos 60. Era praia, futebol na rua, crescendo em Copacabana, Leblon... o futebol sempre foi uma coisa importante pra mim. Comecei como atleta muito cedo. Comecei na escolinha do Botafogo com nove, dez anos. Fui atleta no período todo nos anos 60, mas engraçado que música já corria paralelamente. Antes de ficar familiarizado com Beatles e Rolling Stones, já estava conectado com Ray Charles e Fats Domino, música do sul dos Estados Unidos, New Orleans. Quer dizer o blues já era uma coisa que fazia parte de mim. Lembro vagamente que o Ray Charles tocou no Rio nos anos 60. Tem até um DVD. Não me lembro do ano exatamente. Naquele período estava muito envolvido com o esporte. Música que eu ouvia mesmo eram os Rolling Stones, que tinham aquela conexão com o blues de Chicago. McKinley Morganfield, no começo eles tocavam tudo. Quem era aquele McKinley Morganfield? Jimmy Reed, Bo Didley, Chester Burnett. Foi aí que eu comecei a ter interesse naquela conexão. Quem são esses caras? Aí eu descobri Chicago, estúdios Chess, 2120, South Michigan Avenue. E dali aquela coisa me capturou.
EM – E a guitarra, como apareceu na tua vida? AL – A guitarra apareceu muito tarde... saí do Brasil em 1972 e me mudei para Londres. Em Londres eu tinha interesse em música, porque muitos músicos estavam morando lá naquela época. Sai numa leva, mais pela curiosidade de viajar, sair de casa. Do pessoal que eu cresci aqui no Rio de Janeiro, metade uma influência dos surfistas do Arpoador e a outra metade do pessoal do cinema e da música. Por exemplo, Caetano e Gil tinham sido exilados em Londres por causa de situações políticas. Daqui do Rio de Janeiro, alguns músicos já tinham ido para Inglaterra. Foi a minha escolha natural. Swinging London, 1969, e aquele negócio todo, festivais.
EM – Você foi ao festival da Ilha de Wright? AL –Não cheguei a ir, perdi a Ilha de Wright, em 1970. O meu amigo Arnaldo Brandão foi e viu o Hendrix pela última vez. O Gil tava lá a Gal tava lá também. Nessa época o Arnaldo estava envolvido com A Bolha e envolvido com a Gal e com o Gil. Era a época do Doces Bárbaros. Eu era amigo do pessoal da Bolha, conheci Os Mutantes, todos eles estavam morando no Rio de Janeiro. Mas eu era muito garoto, 17 anos. Mas fui para a Europa e passei trinta e três anos fora.
EM – Mas e a guitarra? AL - Apesar de ter comprado um violão acústico em 73 e aprendi as coisas básicas, três ou quatro posições...
EM – Sei, pra xavecar a mulherada. AL –É, me lembro que naquela empolgação da viagem deixei a guitarra com um grande amigo, o baterista Chiquinho Azevedo, que faleceu uns anos atrás, e o Gilberto Gil pegou o meu violão e ficou tocando lá em Londres. Pra amaciar, vamos dizer. (risos).
Foi mais ou menos entre 78 e 80 que eu decidi pegar a guitarra e aprender. Mudei para uma cidade à oeste de Londres chamada Bristol e foi lá que meu aprendizado saiu e minha carreira profissional começou.
EM – Você vivia do que? AL – Até então eu vivia de coisas diferentes, fazia trabalhos em obras, em restaurantes, entregas de mobílias para a Harold’s, que era uma loja lá em Londres, essas coisas todas que as pessoas fazem. Fui sobrevivendo e viajando. Quando comecei a tocar ao vivo, comecei a ganhar dinheiro e nessa época todo mundo que era bam bam bam na música tocava muito em Londres.
EM – Então você viu muito show em Londres. AL – Vi tudo o que tinha de ver nos anos 70. Nos anos 80 também. Com exceção de Hendrix. Com exceção de Coltrane. O resto pode botar a lista na minha frente que eu vi tudo. Estava até conversando com um garoto aqui no Rio que é louco pelo Stevie Ray Vaughan e disse a ele que vi o primeiro show dele em Londres, abrindo para o ZZ Top, quando a banda do Stevie ainda era um trio. Antes de botar o Reese Wynans no Hammond. Só ele o Chris Layton e o Tommy Shannon. E já tinha visto o irmão dele, o Jimmie Vaughan, tocando com o Fabulous Thunderbirds em 1978, abrindo para o Muddy Waters and the Legend Blues Band, com o Jerry Portnoy, Luther Guitar Johnson, Calvin Jones, Pinetop Perkins, Willie “Big Eyes” Smith. Perdi as contas de quantas vezes vi o Clapton. Em tudo quanto é formato. Foi um período muito produtivo e que me ajudou muito no meu crescimento musical. Observar como os caras trabalhavam, a produção. Eu sempre gostei de ouvir tudo, gosto de country music, muita coisa de Nashville. Pessoas como Gram Parsons que foi um grande nome da country music, escreveu músicas maravilhosas. George Jones, Tammy Winette, todo aquele pessoal de Nashville. Escuto muita coisa de New Orleans, muita gente não sabe, mas o Ray Charles tocou piano para músicos de New Orleans. Antes de virar Ray Charles ele era o pianista do Lowell Fulson.
EM – Então sua carreira musical profissional começou em Bristol? AL – Sim, naquela época a cidade era uma mina de ouro. Você podia tocar sete dias por semana.
EM – Você tocava blues no auge do punk rock? AL – O punk começou a ficar forte em 1979. Em 1982 atingiu o pico e depois apareceram os New Romantics. Duran Duran e essas coisas que eu nunca fui muito chegado. Bristol tem uma história forte. A cidade ficou como o quartel general do folk blues. Todo aquele pessoal envolvido com o folk inglês haviam se mudado para Bristol. No começo do boom britânico do blues. Muitos músicos ingleses não dão a importância necessária para a influência dos Rolling Stones no blues inglês. O blues inglês existe porque eles importaram o blues de Chicago e Mississippi para a Inglaterra.
EM – Sem dúvida eles foram os primeiros a falar nisso. AL – Em 62, 63, o blues estava morto nos Estados Unidos. Ninguém sabia quem era Muddy Waters. Os Stones trouxeram novamente esses artistas à tona.
EM – Depois disso muitos caras como Mississippi John Hurt, Skip James, Son House, Bukka White e outros reapareceram tocando no famoso Newport Folk Festival. AL – Esses caras vieram do country blues, mas influenciaram muito o Eric Clapton. É uma linha enorme do Mississippi, Fred McDowell, Robert Johnson. Tem também o pessoal do Mississippi que migrou para Chicago. Tenho influência do Skip James, sempre gravo alguma coisa dele. É um dos grandes artistas. Eu comecei no violão acústico. Guitarra elétrica pra mim foi muito posterior. Por isso, penso que meu estilo é como se tivesse tocando violão acústico na guitarra elétrica. Uma forma muito crua.
EM – Voltando ao roteiro da entrevista, o que aconteceu depois? AL – Um momento muito importante foi em 1991. Fui para o Canadá a convite de um amigo meu que é um grande músico, um grande compositor, um grande blueseiro e foi uma grande influência, chamado Steve Payne. Devo muita coisa a ele, aprendi muita coisa com ele, estilo de violão acústico. No Canadá ficamos entre Toronto e Detroit. Foi quando tive a oportunidade de tocar com os músicos de Detroit. Toquei em clubes de blues com o primeiro guitarrista do John Lee Hooker chamado Louis Bo Collins. Passei oito meses fora da Inglaterra e quando voltei deslanchei. Nos anos 90 toquei direto, estava com três bandas e com carreira solo. Cheguei ao ponto de tocar 25 noites por mês. Em pubs, clubes, restaurantes, festivais. Em 1995 fiz uma turnê tocando guitarra com um guitarrista de Baton Rouge, Louisiana, chamado Larry Garner. Através dele fiz três shows como sideman do Clarence “Gatemouth” Brown. Clarence voltou para Baton Rouge e eu continuei com o Larry e de lá mudei para Paris, minha segunda casa. Tive várias moradias em Paris nos anos 80. Ficava dois meses e voltava para a Inglaterra. Em Paris cheguei a tocar com Luther Allison, Bernard Allison, Lucky Peterson, naquela época a cena de blues era muito rica. Igor Prado que o diga, ele esteve lá recentemente e nós conversamos sobre isso. Lancei um álbum na Europa em 1997 e entre 97 e 99 mais de duzentas noites ao ano eu estava na estrada. O que me custou muito caro no sentido pessoal. Meu casamento desmoronou, minha vida pessoal desmoronou. A influência de álcool e drogas em situações como essa pode ser uma coisa muito pesada. Derrapei feio. O que me custou um recesso total na minha vida particular. Em 2002 eu não estava mais em condições físicas em dar continuidade... foram sete anos, entre 95 e 2002, foram anos de estragos pesados. Depois entrei em recuperação em uma clínica. Tive de fazer um trabalho pessoal, recomeço total. E parte dessa mudança foi voltar ao meu país.
EM – Quando foi isso? AL – Foi em setembro de 2004. Não cheguei com intenção de fazer carreira no Brasil. Desfiz um contrato com a gravadora do meu primeiro álbum, o Rythm Oil. Inspirado no livro do escritor Stanley Booth, do estado da Georgia, trabalhou muito com os Rolling Stones nos anos 60. Só que o Rythn Oil não tinha o H na frente do Y. Esse livro foi muito importante porque tinha a influência dos artistas do Mississippi, Slepy John Estes e no geral. Esse CD me levou pra estrada por muitos anos. Então, foi quando voltei ao Brasil para aprender a ser brasileiro novamente, porque trinta e três anos fora é muito tempo. As coisas foram acontecendo aqui no Rio de Janeiro. Fui conhecendo os músicos, conheci o pessoal do Big Allanbik...
EM – Você via essa cena de blues no Brasil lá de fora? AL – Engraçado isso. Tinha um garoto que tinha uma revista em Londres que estava muito em contato com o Helton Ribeiro, da Blues n’ Jazz, o Val Tomato. E ele fez uma entrevista comigo, sobre um K7 que eu havia lançado com uns músicos ingleses de blues. Ele mandou essa entrevista e uma crítica para o Helton e ele publicou na Blues n’ Jazz. Em 1997 o Big Gilson entrou em contato comigo, mas 96 eu já havia conhecido a banda com o Ricardo Werther, Beto Werther, Ugo Perrota e eles estavam em um pique maravilhoso. Também me levaram para ver o Blues Etílicos, foi meu primeiro contato. Voltei para a Europa sabendo que estava acontecendo alguma coisa de blues no Brasil. Alguma coisa legal. Mas deixei pra lá porque a minha carreira estava muito pegada lá. Em 2005/06 voltei a trabalhar no Brasil. Não foi uma coisa planejada, aconteceu super naturalmente.
EM – Começou aos poucos aqui no Rio? AL – O Jefferson (Gonçalves) foi uma das primeiras pessoas que eu tive contato aqui. Ele me ajudou bastante naquele período, fiz um trabalho acústico com ele e com o Cléber Dias. Infelizmente não foi pra frente por diversas situações, o Jefferson viajando demais com a banda dele, eu tentando me adaptar. Conheci o pessoal do Blues Etílicos, o Otávio Rocha. Comecei a me envolver com os caras que na época ainda não se chamavam Blues Groovers (Ugo Perrota, Beto Werther e Otávio Rocha). Na verdade, o primeiro show como Blues Groovers foi comigo. Abrindo para a banda do Jefferson no falecido Estrela da Lapa. Até botei o Alan (Ghreen) que tocava no Big Allanbik que faleceu recentemente de forma muito triste. Foi meu debut no Rio de Janeiro.
EM – Em 2008 você lançou o CD Alamo Leal pela Delira Blues. Como aconteceu esse disco? AL – Foi através do conhecimento do Beto Werther e do Flávio Guimarães com o dono do selo Delira Blues, o Marcelo Pêra. O Blues Etílicos havia lançado o Viva Muddy Waters, o selo lançou o disco do Flávio Guimarães solo e instrumental, o Maurício Sahady lançou lá também, o Laundromat 335 e a banda já era os Blues Groovers. Já tinha ido ao Nordeste, fiz o festival Oi Blues by Night. Com o Lancaster Ferreira, o Big Joe Manfra. Até fiquei um pouco mais lá por que a minha família é toda daquela área de Garanhuns. Então a oportunidade apareceu. O meu álbum saiu um pouco daquele blues tradicional. De lá para cá abri mais no Brasil. Toquei em São Paulo, Campinas, Ribeirão Preto, fiz o festival do Moinho da Estação no Rio Grande do Sul. Mas é aquele negócio, um passo de cada vez. O Brasil é um país tão imenso que as coisas demoram muito tempo para acontecer. Na Europa você tem vários lugares para tocar o tempo inteiro. Você consegue levantar uma carreira muito mais rápido do que aqui no Brasil.
EM – É que a música brasileira é muito forte e o blues não é nossa linguagem. AL – O blues não é popular. Não há público, quem gosta é uma minoria. Eu falo para meus amigos que eu tomei uma decisão importante quando eu voltei para o Brasil. Nunca mais depender somente de música pra viver. Eu fiz isso em 22 anos de carreira profissional da Europa. Eu me vendia em qualquer banheiro público pra ganhar uma merreca e pagar as contas. No final você fica como um robô por aquela glória de ser músico profissional. Isso pra mim não existe. Música é prazer. Se você não tem prazer tocando, se você vai sair de casa pra ganhar cinqüenta reais pra poder por um pouco de dinheiro na conta em um banco... mas sua vida pessoal está desmoronando. Desculpe, isso é coisa do passado. Para quem pode fazer é maravilhoso. Mas hoje em dia você tira um em quantos? Eu tenho uma família, filhos uma mãe que está morrendo em uma casa de saúde. Não escondo nada, não. É tudo na mesa. Se quiser editar, edita. Se quiser colocar tudo, tudo bem também. Eu dou aula de inglês. Quantas vezes eu tive de acordar às seis da manhã e ir pra Madureira e dar aula de inglês por quatro horas para não depender da música. Graças a deus eu consegui fazer uma carreira na Europa, por mais simples e humilde que seja eu sempre tenho trabalho lá. Meus álbuns vendem bem. Cada CD que eu vendo lá é quarenta e cinco reais.
EM – Como esse dobro da capa do CD apareceu na tua vida? AL – Tive uma National (Steel) 1936 na minha mão por muito tempo na Europa. Caiu na minha mão através de contatos. Sempre tive uma paixão pela música do Delta: Fred McDowell, Son House, o pessoal todo que tocava a National Steel e comecei aprender aquele estilo de slide. E vendo pessoas tocar. Tive de vender pelo exato motivo que eu estava te falando, pagar conta. Mas jurei que teria outra. Voltei à Europa para fazer uns shows e numa cidadezinha no interior da Inglaterra, vi essa National na parede. Não é uma National original, mas foi feita pela fábrica, é uma National Country Man. Eu estava com um violão acústico Taylor e fiz uma troca. É esse instrumento que está aí na capa do disco. Várias pessoas já tocaram nele, o Otávio Rocha gravou um CD com o Flávio Guimarães. Resolvi usar muito nesse álbum, na verdade toco guitarra elétrica em duas faixas ou três. Deixei o trabalho de guitarra elétrica pro Otávio fazer. Talvez seja a razão da sonoridade desse álbum ser um pouco diferente de uma coisa elétrica.
EM – E como foi a escolha desse repertório? AL – Foi uma combinação de algumas coisas que eu já tocava ao vivo, músicas como Dallas e Hard Working Man. Algumas foram escolhas de estúdio, sempre quis fazer Muddy Waters e fiz Look What You’ve Done de um período bem cedo na carreira dele.
EM – Algumas delas têm um tratamento bem pop, outras uma levada stoniana. Concorda? AL – Algumas coisas eu dei um tratamento pessoal. Não foi uma coisa premeditada, foi muito natural. Foi semi ao vivo. Todas as guitarras e violões foram no primeiro take. Eu queria gravar uma balada e foi um momento que o Ricardo Werther, que estava afastado dos palcos há algum tempo, estava querendo voltar. Achei que ia cair perfeitamente e ele gravou Memphis in the Meantime, do John Hiatt, que é um compositor maravilhoso. É uma coisa meio country com Jackson Browne. Não é um álbum puro de blues.
EM – E o que vem agora? Você me disse que estava gravando. AL – Tenho dois projetos. Vou gravar um álbum elétrico esse ano. Tenho mais ou menos um projeto de blues de raiz, estou pretendendo gravar entre Rio e São Paulo. Mas primeiro na agenda, vou gravar esse álbum de blues de raiz com o Flávio Guimarães. National, violão acústico e gaita. Tive a oportunidade de fazer uns shows com o Flávio ano passado e já ensaiamos algumas coisas. O Flávio é um dos maiores profissionais com o qual pude trabalhar. Tenho muito respeito pelo trabalho do Flávio. As coisas que ele fez com o Igor Prado. E não somente, tive e oportunidade de trabalhar e gravar com muito gaitistas na Europa, em Chicago, e o Flávio tem uma posição como gaitista em nível global que não dá pra falar. Pra mim. Sempre o reconheci como um dos grandes. Tocar com ele é uma honra.
EM – Serão músicas suas? AL – Não, serão covers. Sempre achei que o repertório de blues de raiz é infinito. A escolha do material pra mim é a cosia mais importante para as bandas de blues no Brasil. Há tantas músicas que poderiam ser escolhidas e que não são. Talvez por conta do desconhecimento desse vasto material. Meus anos na Europa deram esse conhecimento. Se tiver que fazer três shows a partir de hoje a noite, posso fazer duas horas em cada show e todos os shows vão ser diferentes da noite anterior.
EM – E o álbum elétrico? Você vai pegar uns músicos em São Paulo? AL – Vou pegar em São Paulo e Rio de Janeiro, vou colocar as peças juntas e vai ser uma coisa bem Chicago. Aquele lance do Muddy, Little Walter, Wolf. E no outro lado vou usar sopro. Umas coisas mais suingue, mais balançadas, Memphis.
EM – Quais foram os melhores momentos dessa caminhada? AL – Estar com Clarence “Gatemouth” Brown no palco foi muito importante.
EM – Ele é meio chato, não é? AL – Nós fizemos um ensaio numa tarde e ele teve muito problema com o baterista da banda que não conseguia pegar algumas coisas. Teve um momento engraçado que ele mandou o baterista sair que ele ia tomar o lugar dele e mostrar como se fazia. Ele sentou na bateria e fez. O primeiro show que nós fizemos foi em Paris, mais de duas mil pessoas em um ginásio e teve John Lee Hooker, Billy Branch e nós fechamos. Esse foi um show muito emocional pra mim. Tive a oportunidade de dividir o palco com o Luther Allison em Paris. Também foi uma emoção enorme. Recentemente fiz o festival do Moinho da Estação e tive no palco o Rick Estrin and the Nightcats. Tocar com o Darryl Jones dos Rolling Stones. Não só tocar, mas gravar. Passamos com ele cinco dias e cinco noites, eu na National e ele no baixo. E ele tocando violão também porque ele nasceu em Chicago. Conversamos sobre a maneira como os Rolling Stones trabalham. Tocamos blues. Momentos maravilhosos. Toquei com um cara que é pioneiro em National Steel, Kent DuChayne. Ele viajou muito com o Johnny Shines que por sua vez foi companheiro de Robert Johnson. Kent acompanhou o Johnny até a morte dele. A minha influência de delta blues vem dessa área. Eu coordenava uma jam no House of Blues In Paris, no mercado das pulgas. Era sempre ás segundas-feiras e não era fora do normal aparecer o Luther Allison e o Bernard Allison. Em uma dessas noites eles levaram o Lucky Peterson. O Albert Collins entrou e tocou. A lista é enorme. Toda segunda havia um americano que estava passando por Paris que terminava na nossa blues jam.
Aqui o assunto é música - todos os gêneros - e alguma literatura. Não vejo sentido em reproduzir o que já foi colocado na rede, por isso, produzo meu material. Produzo shows, entrevisto artistas e escritores e garimpo notícias e quando não tenho o que dizer, não digo nada. As postagens não obedecem uma periodicidade. O Nome Mannish Blog foi tirado da música Mannish Boy, de Muddy Waters, blueseiro do Mississippi considerado o elo entre o blues rural e o blues moderno. Espero que gostem do espaço e colaborem enviando informações.
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Produtor cultural, criador dos Projetos Jazz, Bossa & Blues, Clube do Blues de Santos e Jazztimes. Jornalista formado em Comunicação Social pela Universidade Católica de Santos. MTB - 33.533
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