Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Leandro Amaral e Marcos Rodrigues
Mais uma entrevista que vem com atraso. Pelo menos sete meses. Dou a velha desculpa: falta de tempo. Mas sei que não vai colar.
Por quatro vezes trabalhei duro para fazer o show do cantor e guitarrista John Pizzarelli em Santos, mas só na última, em julho de 2011, consegui conversar com ele sem ninguém para atrapalhar. Foi no jantar, no restaurante do hotel, após o show no Teatro Coliseu.
As passagens do artista pela cidade são recheadas de histórias e almoços e noitadas regados a muitas caipirinhas e cervejas. Contando sempre com o bom humor dele e da banda.
Na primeira vez que o cantor e guitarrista veio a Santos armou-se uma visita ao Santos Futebol Clube, onde foi recebido pela diretoria do clube que o presenteou com uma camisa autografada por Pelé, além de uma bola, também autografada, diretamente das mãos do artilheiro Pepe, o Canhão da Vila.
Na segunda vez, quase o show não acontece. Consegui reverter a situação nos quarenta e cinco do segundo tempo com a ajuda do Secretário de Cultura Carlos Pinto. A data disponível era a mesma da Virada Cultural em Santos e o teatro estaria ocupado. Depois de alguma negociação o pessoal da Virada acabou comprando o show e John Pizzarelli se apresentou com entrada gratuita à população. Sorte de quem estava lá.
Na terceira, Pizzarelli veio para uma noite beneficente arranjada pelo radialista Cássio Laranja. O show foi no salão de um hotel chic da cidade. Esse espetáculo também contou com a produção do Thiago e da Carol, nossos associados naquele ocasião. O Thiago fez uma ótima entrevista com John Pizzarelli para a revista Ao Vivo.
Dessa vez fomos jantar em um restaurante na Ilha Porchat e a dupla de músicos, por coincidência os amigos Rogério Baraquet e Ricardo, sacaram Beatles do repertório. Talvez já estivessem mal intencionados, pois reconheceram Pizzarelli quando esse chegou ao local. Rogério o chamou e Pizzarelli nem fez doce. Subiu ao pequeno palco e mandou Can’t Buy Me Love. Mais uma vez, sorte de quem estava lá.
Na quarta e última visita, realizei essa entrevista. John Pizzarelli acabara de lançar Rockin’ In Rhythm – A Tribute to Duke Ellington, um de seus melhores álbuns. Recheado de preciosidades, o CD tenta reproduzir em estúdio uma atmosfera de "ao vivo", com a banda, é claro, ao vivo no estúdio.
Além de Martin Pizzarelli (baixo acústico), Tony Tedesco (bateria) e Larry Fuller (piano), entre os convidados estão célebres figuras do jazz do passado e da atualidade. A começar pelo velho Bucky Pizzarelli (guitarras acústica e elétrica), Harry Allen (sax tenor) e Aaron Weinstein (violino). O disco conta ainda com Tony Kadleck (trompete), John Mosca (trombone), Andy Fusco (sax alto e clarineta), Kenny Berger (sax barítono) e Kurt Elling e Jessica Molaskey (esposa de Pizzarelli), nos vocais em Perdido. A produção é de seu parceiro de longa data Don Sebesky.
Todos esses shows não teriam acontecido sem a parceria de Herbert Lucas, Thais Lucas, Roberto Tolotti e Edgar Radesca.
Eugênio
Martins Júnior – Qual a importância de Duke Ellington para a cultura
norte-americana?
John
Pizzarelli –
Duke Ellington é uma das estrelas para o Jazz americano, assim como Tom Jobim é
para a Bossa Nova. Como Jobim, tocava piano, escrevia música, liderava uma
banda, etc. Todas essas coisas somadas o tornaram um dos maiores artistas da
América.
EM
– Mas Ellington também está entre os grandes que lideraram orquestras como
Count Basie e Stan Kenton.
JP
–
Sim, mas ele escreveu um monte de músicas diferentes e fez com que a banda
tivesse um som próprio. Quero dizer, sou um grande fã de Count Basie, mas a
contribuição de Duke Ellington é sem dúvida muito maior por causa das suas
composições instrumentais e por achar a banda tão importante.
EM
– Conte quando e como surgiu a idéia de homenagear Duke?
JP
–
Uma das idéias que eu tinha era de fazer um disco com o jazz de verdade. Em
todos os discos anteriores eu nunca havia homenageado Duke Ellington, o
verdadeiro jazz. E ele oferece muitas oportunidades.
EM
– Através dos anos você gravou temas de outros artistas. Qual é seu principal
cuidado quando faz a sua versão de um velho tema?
JP
–
Conheço várias pessoas cujas músicas eu gravei. Conheci James Taylor e
trabalhei com Natalie Cole e acho que eles gostaram das versões que fiz. Uma
das coisas que eu espero é que as pessoas gostem. Como as próprias versões que
fiz dos Beatles. Isso é muito bom.
EM
– Sim, muitos artistas cantam versões dos Beatles, mas você representa a
tradição do Jazz.
JP
–
Certo, mas não interessa o que você grava, independente de sua tradição ou seu
estilo, você pode se comunicar. Tanto Beatles, quanto James Taylor são: John
Pizzarelli plays...
EM
– Você é filho de Bucky Pizzarelli e viu muita coisa dentro de sua própria casa,
mas quando foi que a música realmente se apossou da tua alma?
JP
–
(risos) Acho que foi com os Beatles. Quando era garoto pegava uma ripa de
madeira e fazia de guitarra, imitava o jeito dos Beatles. Adorava vê-los tocar.
Quando meu pai me deu um banjo eu percebi que podia tocar música. Era 1965, 66,
67, quando ouvir música e aprender a tocar um instrumento era uma coisa muito
excitante. Peguei uma guitarra quando tinha dez anos e aprendi sozinho.
Em
– Qual foi a real influência de Bucky Pizzarelli em sua música? E todos aqueles
artistas na sua casa...
JP
–
Nem era tanto pela música, era mais pela diversão Zoot Sims ia e tocava
saxofone tenor e tomava uns drinks. Les Paul jantava, tomava uns drinks e se
divertia. E, claro, às vezes tocavam música. Mas os próprios caras eram
interessantes. E eu pensava: “Uauu!! Como eu poderia ser amigo desses caras?”.
E o meio de ser amigo desses caras era aprendendo Honeysuckle Rose, Rose Room,
Satin Doll...
Eles não tocavam sempre, mas eram
sempre muito engraçados, estavam sempre de bom humor. Era incrível.
EM
– Você gravou Bossa Nova em 2004, mas a música brasileira tem muitos ritmos,
como o samba e ritmos do nordeste do país. Em todas essas vezes que esteve no
Brasil, teve contato com esses ritmos?
JP
–
João Gilberto foi o começo, mas quanto mais eu venho ao Brasil, mais posso
ouvir outras coisas, como o Chorinho e outros tipos de ritmos. E espero
aprender outras coisas, diferentes sons, diferentes canções para incorporar em
minha música.
EM
– Sei que você conhece João Bosco (a imitação de Bosco feita por Pizzarelli em I Like Jersey Best é impagável), Ivan
Lins...
JP
–
Toninho Horta, Milton Nascimento, Chico Buarque, Gilberto Gil, Djavan e alguns
da geração anterior também.
EM
– Aqui nós chamamos de MPB, Música Popular Brasileira, mas hoje em dia ela não
é tão popular.
JP
– É
verdade, assim como nos Estados Unidos. É música pop, mas é outro tipo de
música pop. É um gênero que comporta vários tipos de música. É uma música que
eu gosto muito.
EM
– Você reuniu um time perfeito. Há quanto tempo estão juntos?
JP
–
Todos sabem o que tem de fazer no grupo. Não há estrelas. Esse grupo esta junto
há seis anos. Larry é o mais novo e é maravilhoso. Tem um piano suingado que é
perfeito e é raro achar um pianista com essa intensidade. Tony bate um bolão.
Larry é o Pelé e Tony é o Pepe (risos). Mas é mesmo como se fosse um time. Por
isso soamos tão bem. Também nos damos bem fora do palco.
EM
– Você gravou mais de vinte álbuns em 20 vinte anos de carreira. Como faz para
manter esse ritmo?
JP
–
É divertido. Eu amo o processo. Amo fazer os arranjos, pensar no time para a
gravação. Pode ser Duke Ellington, Bossa Nova, canções pop ou canções
românticas. Gosto de pensar como vai ser. É sempre um desafio. É como um intenso
e curto caso de amor. Você tem as idéias, grava o disco e depois a coisa acaba.
Acho que essa é uma boa analogia.
EM
– O grupo é muito mais solto quando está no palco do que nos álbuns, gostaria
que falasse sobre isso. A hora que estão apenas os quatro em cima do palco é a
hora da verdade?
JP
–
Certo. Acho que é porque não temos de nos preocupar com o tempo e fazemos o que
queremos fazer. Tentamos gravar os discos assim também, mas é difícil. Fazer as
mesmas coisas que fazemos ao vivo no estúdio. No estúdio não há a reação da
audiência, como tivemos hoje. Isso te energiza. Nós nunca sabemos como ela irá
se sentir.
EM
– Em tempos de internet, downloads, e música eletrônica, o que é preciso fazer
para as pessoas manter o interesse no jazz?
JP
–
Grandes apresentações ao vivo. Elas nunca serão substituídas. Acredito que
subir ao palco e causar uma boa impressão é a única coisa que temos. Quero
dizer, manter sua personalidade ao vivo. Música ao vivo nunca vai acabar.
EM
– Nunca tirar o fator humano da equação?
JP
–
Sim é isso. Nada substitui isso. Temos muito prazer em tocar em lugares onde as
pessoas estão com fome de música.
EM
– Já que estamos falando nisso, o que você acha dos downloads?
JP
–
Ohh, acho bom. É como esse negócio é. Vejo de uma forma que isso acaba
trabalhando a nosso favor. Nesse meio muitos pensam: “Como vou ganhar dinheiro
com isso?”. Eu digo que ganhamos dinheiro fazendo shows. Enquanto você nos
prestigiar e as pessoas vierem nos ver, continuaremos tocando ao vivo.
EM
– Sei que devem ter acontecido muitos, mas gostaria que destacasse um grande
momento em sua carreira.
JP
–
Vou falar do Brasil. Foi quando toquei Garota
de Ipanema a primeira vez em São Paulo. Toda a audiência cantou em
português e depois em inglês. Foi no Bourbon Street. Foi muito louco porque foi
uma coisa inesperada. Depois disso Diana Krall me encontrou e disse: “Cara,
toquei Garota de Ipanema no Bourbon Street e todo mundo cantou junto”. Eu
disse: “Eu sei, eu também”. (risos)
Ficamos surpresos com a beleza, o
ritmo e a unidade das vozes cantando. Foi maravilhoso.
EM
– O que você mais gosta no Brasil e o que mais odeia?
JP – Acho que não existe alguma coisa que eu odeie.
As pessoas são alegres. Nos divertimos muito nos lugares onde tocamos. Passamos
bons momentos bebendo, fazendo música, rindo e fazendo piadas. O que eu gosto
no Brasil é que há culturas diferentes em cada cidade. Em São Paulo, Santos,
Belo Horizonte , todos têm orgulho de alguma coisa. Você vai a um lugar e eles
têm o melhor churrasco, em outro eles têm a melhor cachaça, no outro o melhor
chopp, aqui é o melhor futebol. É impressionante. A cultura é riquíssima.