Donny no Sesc Santos em 2010 - Produção do Mannish Blog
Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Marcos Rodrigues
Imagens: Chico Blues
Donny Nichilo nasceu em um dos lugares mais quentes do mundo para o blues: West Side Chicago. Em suas próprias palavras, “um bairro animado e turbulento”. Luther Allison, Magic Sam e Jimmy Dawkins são alguns nomes que assinam o som dessa parte da cidade.
Cresceu na lendária Maxwell Street, onde todos os domingos se instalava um mercado informal onde se vendia de tudo. Os aromas de churrasco de porco e frango frito se misturavam com o som do mais puro blues que poderia existir.
Naquela época, anos 60 e 70, a passagem pela Maxwell era obrigatória a todos os blueseiros, conhecidos ou não.
Essa atmosfera proporcionou um grande aprendizado ao jovem Donny que, em buscar do “Santo Graal”, tocava como, quando e com quem podia. Ainda havia os clubes onde a coisa real acontecia todas as noites. Sem exceção.
De tanto acender velas aos deuses do blues, um dia eles atenderam os pedidos de Donny e ele entrou para a banda de Buddy Guy. Aí sim, estava numa boa. No primeiro time, finalmente. Nesse período tocou com Junior Wells, Floyd McDaniel e Mighty Blue Kings. Além de cruzar com as personalidades da música na estrada, como veremos na entrevista abaixo. Algumas imagens são do show em Santos, em fevereiro de 2010. A produção foi do Mannish Blog e Agência Urbana.
Mas a vida é uma caixinha de surpresas e o coração de Donny foi fisgado pro uma brasileira. Assim, se instalou no Brasil e passou a desenvolver uma carreira solo na terra do Xote e do Baião.
Desde então, participa de shows por todo o país com as mais diferentes bandas de blues brasileiras. Lançou no começo de 2011 o CD Long Way From Chicago, com a participação da Igor Prado Band (eles de novo) e Sax Gordon. Uma história que une o frio (não a frieza) do hemisfério norte com o sol aqui de baixo. Isso dá blues.
Eugênio Martins Júnior - Quando e como foi seu primeiro contato com o blues?
Donny Nichilo – Conto uma pequena história na contracapa do meu CD, Long Way From Chicago, que responde essa pergunta. Tinha uns 17 anos e ouvia o rádio quando Little Walter tocou Key to the Highway. Senti como se estivesse ouvindo a melhor coisa que já havia ouvido em minha vida. Senti como se tivesse sido atingido por um raio. No mesmo dia corri pra comprar um álbum do Little Walter chamado Hate to See You Go e também comprei uma harmônica. Me tranquei no quarto até poder tocar um riff ou dois. Foi amor à primeira ouvida.
EM – Como foi o seu primeiro contato com a cena de Chicago? Conheceu a Maxwell Street nos bons tempos?
DN – Comecei a trabalhar na Maxwell Street na mesma época, vendendo coisas em uma barraca numa esquina. Havia bandas e músicos de blues andando em todos os lugares. Foi a última grande era da Maxwell Street. Às vezes eu sentava e ficava com as bandas. Isso faz parte da minha educação e paixão pelo blues. Sentia como se estivesse no céu.
EM - E o piano, como foi essa escolha?
DN – Comecei com a harmônica, que, é claro, ainda amava. Após tocar a harmônica, que toquei por mais ou menos um ano, percebi que precisava de outro instrumento para me expressar por completo, musicalmente falando. Então, comecei a aprender piano. Sempre amei o piano e foi nessa época que descobri Otis Spann, outro herói pra mim. Toquei meus discos do Otis Spann tantas vezes que os destruí, ficaram muito arranhados e impossíveis de ouvir. Às vezes eu comprava o mesmo álbum duas ou três vezes.
EM – Você tocou com o Buddy Guy, considerado um dos maiores nomes da atualidade e porque não dizer de todos os tempos. Como foi a experiência?
DN – Ter tocado com Buddy Guy foi a “virada” na minha carreira musical. Uma tremenda experiência. Viajei pelo mundo e toquei com pessoas como Albert King, Albert Collins, Gatemouth Brown, Junior Wells, Dr John, John Lee Hooker, Carlos Santana, Stevie Ray Vaughan, Ron Wood, e muitos nomes importantes da música. Isso obriga você a melhorar suas habilidades, tocar em um nível mais alto. Costumávamos tocar noite após noite por meses.
Todas essas coisas, mais as conexões e exposição, e todo aquele aprendizado se impõe em você. Isso me colocou em um lugar e em um nível musical diferente. Então, foi uma experiência inestimável. Foi maravilhoso.
James Wheeler, Donny e Igor Prado Band - Sesc Santos - Fevereiro de 2010
EM – Tenho a impressão de que tocar com o Buddy é caminhar em um campo minado. Ou seja, você tem sempre de estar atento, porque ele muda a toda hora. Procede?
DN – Uau! Boa pergunta... e muito verdadeira, muito perspicaz! Buddy é um grande showman, e como você sabe, muito espontâneo, pra dizer o mínimo. Buddy nunca prepara listas de músicas e não sei se você sabe às vezes ele não toca as músicas até o final! Então, você tem de prestar atenção, totalmente focado... todo o tempo. Por outro lado, é a outra face do meu grande aprendizado.
Espontaneidade e jogo de cintura são cruciais na música improvisada. Então, havia comunicação e respeito entre os membros da banda. Estamos em cima do palco trabalhando juntos, apoiando um ao outro, contando uma história como um grupo. Foi um ótimo treinamento.
EM – Você está morando no Brasil há quanto tempo? O que acha do país?
DN – Estou morando em São Paulo há três anos, indo e vindo de Chicago. Amo o espírito das pessoas daqui. Quando faço um show por aqui, é mais do que uma experiência interativa. As pessoas fazem parte do show e eu realmente gosto disso.
EM – Mesmo vivendo no Brasil, você continua tocando com os blueseiros norte-americanos por conta do intenso intercâmbio entre os músicos dos dois países. Fale um pouco sobre isso.
DN – Quando os blueseiros dos Estados Unidos vêm tocar no Brasil, sempre sou honrado com o convite para tocar piano com eles. Acho que é por que os músicos brasileiros sabem que tenho 35 anos de experiência profissional. E eu sempre posso ajudá-los com relação à cultura, de um ponto de vista norte-americano. Além disso, alguns já são velhos amigos e colegas de tocar nos EUA, acho que todas estas coisas ajudam a torná-los mais confortáveis aqui.
EM - Quais as diferenças e semelhanças entre os blueseiros brasileiros e os norte-americanos?
DN – Acho que em qualquer tipo de música, levamos toda a experiência de vida à maneira de tocar. Claro, os brasileiros têm seu próprio sentimento e abordagem. Isso não significa que o blues feito aqui é menos válido do que o dos norte-americanos. Por exemplo, ninguém irá dizer que George Shearing, ou Hermeto Pascoal, ou Oscar Peterson, ou Michel Petrutianni não são reconhecidos como grandes jazzistas, mesmo que nenhum deles seja norte-americano.
EM - Você tem desenvolvido uma carreira no Brasil. Como vê a cena brasileira?
DN – Acredito que a cena brasileira de blues está crescendo e se desenvolvendo. Parece que há alguns anos no Brasil só havia blues rock e blues tradicional. Acredito que agora a cena está amadurecendo e se tornando mais rica, com uma ampla representação em todas as formas e estilos de blues. Além disso, às vezes eu penso que existe uma paixão ainda maior para o blues aqui no Brasil e na América do Sul, porque ainda está sendo descoberto por muitos ouvintes.
EM – Você tocou nos discos e shows da Igor Prado Band e eles tocaram no teu CD. É uma parceria que está dando certo. Fale sobre isso.
DN – A primeira vez que toquei com o Igor foi no Sesc Araraquara, em 2004. Ele era muito novo naquele tempo, mas eu percebi que ele e seu irmão, Yuri, e a banda, eram especiais. Igor tem um profundo amor e entendimento sobre o blues norte-americano e acredito que nossa amizade pessoal e musical é boa para ambos.
Disse na contracapa do meu CD que não acredito que poderia ter achado uma banda mais apropriada do que Igor, Yuri e Rodrigo, para esse trabalho. Em Chicago ou em qualquer outro lugar... é verdade. Esses caras são os grandes novos talentos e acredito que todo o mundo do blues vai saber disso em breve.
EM – Fale-me sobre o teu CD. Como surgiu a idéia e oportunidade de gravá-lo?
DN – Houve um longo atraso em meu primeiro CD solo. Quero agradecer e creditar ao Chico Blues e ao Igor por ter me empurrado e ajudado a torná-lo realidade. E tenho de dizer, fiquei muito satisfeito com o resultado. Não poderia ter feito sem o Chico Blues, Igor, Yuri, Rodrigo e Sax Gordon. Suas contribuições fizeram esse CD ficar bom, se é que posso dizer assim.
EM - Você abriu o show do James Wheeler em Santos com Lately, a única composição sua no CD. Fale-me sobre ela.
DN – Lately é a única composição original do CD. É uma canção muito pessoal, escrita sobre uma experiência de vida minha. Sou muito crítico e exigente com relação às minhas composições. Inclui Lately por causa do que ela significa pra mim e porque acredito que ela é uma das minhas melhores composições... de longe. Mas virão mais por aí.
EM - O que você mais gosta e o que mais odeia no Brasil?
DN – Amo uma porção de coisas! Amo a comida, o clima, a natureza, as praias... muitas coisas. Mas, como disse antes, o que eu mais gosto é o espírito das pessoas e quanto elas são calorosas. Especialmente a intensa conexão com a audiência que eu sinto por aqui. Não odeio nada por aqui. Só gostaria de ver o país e sociedade melhores, para que mais pessoas possam ter uma vida mais próspera, segura e pacífica.
Donny’s interview
Eugênio Martins Júnior – When and how was your first contact with the Blues?
Donny Nichilo - I tell a little story in the liner notes of my CD, " Long Way from Chicago", which gives the answer to this question. I was around 17 years old, and I was listening to the radio, when I heard Little Walter playing " Key to the Highway". I felt like I heard the greatest thing I had ever heard in my life. I felt like I was struck by lightning !! That same day, I ran out and bought the Little Walter album " Hate To See You Go" and I also bought a harmonica and locked myself in my room until I could play a riff or 2. It was love at "first hearing".
EM – How was your contact with the local scene. Did you knew Maxwell Street?
DN – Around the same time, I started working on Maxwell St., selling goods from a street- corner stand. There were bands and strolling blues musicians playing everywhere !!. This was the last "great" era of Maxwell St. .I got to "sit in" with the bands sometimes.It was another great part of my blues passion and education. I felt like I was in heaven!
EM – How did you start to play piano?
DN - Started with harmonica, which , of course, I still love. After playing harp for a year or so, I knew I needed another instrument to express myself more fully, musically,... so I started to learn piano. I had always loved piano, and also around this time, I discovered Otis Spann, another early "hero" of mine. I would play my Otis Spann records so many times, that I would destroy them. After playing them so many times, they would be too scratched -up to hear. Sometimes I would have to buy the same album 2 or 3 times !!
EM – Did you play with Buddy Guy, one of the greats of all times. How was the experience?
DN – Playing with Buddy Guy was actually the "turning point" in my musical life. It was a tremendous experience. I toured the world and played on shows with people like Albert King, Albert Collins, Gatemouth Brown, Jr Wells, Dr. John, John Lee Hooker, Carlos Santana, Stevie Ray Vaughn, Ron Wood, and many more of the great names in Music at that time. This forces you to really sharpen your skills and play at a very high level. We would play night after night for many months at a time sometimes.
All of these things, plus the connections and exposure, and the great learning that it imposes on you, raised me to a different musical level and place. So, it was an invaluable experience. It was great!!!
EM – I feel that play with Buddy Guy it is walk in a minefield. I mean, you always have to pay attention because they change everytime. That is true?
DN - Wow! Great question!!... and very true, very perceptive!! Buddy is a great showman, and as you know, very spontaneous, to say the least! Buddy never prepared set lists, and as I think you know, Buddy sometimes doesn't even play the same song to the end!! So, you had to be paying attention, with extreme focus,... at all times! But this was another part of the great learning experience that it was for me. Spontaneity and thinking on your feet are crucial to improvisational music. So is this communication and respect for your band members. You're up on that stage working together, supporting each other, in order to tell a story,.... as a group. So, it was great training!
EM – How many time do you live in Brasil.? What do you think about the country?
DN - I've been living in Sao Paulo on and off for 3 years, but I sometimes stay in Chicago.
I love the spirit of the people here. When I do a show here, it is more of an interactive experience. The people make part of the show, and I really like that.
EM – Even live in Brasil a few years, you continue to play with USA bluesmen. This is possible because reciprocal exchange between both countrys. Tell me about it.
DN – When blues players from the U.S. come here to do shows, I am often honored to be requested to play the piano with them. I think this is because they know I have 35 years of professional experience with this music, and I also can help to show them around... teach them the culture a little bit, at least from an another Americans perspective. Also, some are already old friends and colleagues from playing in the U.S. I think all of these things help to make them more comfortable here.
EM – Describe the difference or similarities about brasilians and North-american bluesmen.
DN – I think that in any kind of music, you bring all of your life experience to your playing. So of course, Brazilians having their own feeling and approach. But that does not mean that their blues playing is any less valid than Americans. For example, nobody would say that George Shearing or Hermeto Pascoal or Oscar Peterson or Michel Petrucianni are NOT great and valid jazz musicians, even though none of them are American.
EM – You have been developing a career in Brasil. How can you see the brasilian blues scene.
DN - I believe the Brazilian Blues scene is growing and developing. It seems to me that years ago blues in Brazil meant only either traditional or blues-rock. But now, I believe the scene is maturing and become richer, with a fuller representation of blues in all of its many styles and forms. Also, sometimes I think that there is an even greater passion for the blues here in Brazil and in South America because it is still being discovered by many new listeners.
EM – Did you played at Igor Prado Band’s CDs and shows as they played in yours. The’re a apositive partnership. Tell me about it.
DN – I first played with Igor at a show in SESC Araraquara in 2004. He was very young at the time, but I perceived very quickly that he and his brother, Yuri, and band ,were something special. Igor has a deep love and understanding of American blues music and I believe that our personal and musical friendship has been good for both of us. As I said on the liner notes of my CD, I don't believe that I could have found a more fitting band for my CD than Igor, Yuri, and Rodrigo, in Chicago or anywhere ... really!
These guys are great young talents that I believe the whole world of blues will know about very soon!
EM – Tell me about your first solo CD. How appear the idea and oportunity to record?
DN – My first "solo" CD was long overdue. I want to give thanks and credit to Chico Blues and Igor for giving me the push and help that I needed to make it a reality. And I have to say, I am really pleased with the result! I couldn't have done it without Chico Blues, Igor Prado, Yuri Prado, Rodrigo Montovani, and Sax Gordon. Their contributions all make the CD the very nice CD it is, if I may say so!
EM – Did you opened the James Wheeler’s gig in Santos with Lately, the song you wrote to your firt solo CD. Tell me about this composition.
DN - Lately is the one original composition on the CD. It's a song that is very personal to me, written from experiences from my own life. I am very critical and demanding of my own songwriting, but I included LATELY because of it's meaning to me, and because I believe it is one of my best compositions,... so far. But, there will be more to come!!
EM – What you love more in Brasil and what you hate more?
DN – I love a lot of things!!.... I love the food, the weather, the nature, the beaches...many things. But as I said before, mostly, I love the spirit and warmth of the people. I love the special, intense connection to the audience that I feel here in Brazil.
I don't hate anything here...., or anywhere. I just would like to see the country and society here improve so that more people could have a more prosperous, safer and peaceful life.