Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Marcos Rodrigues
Gravar, tocar ao vivo dentro e fora do Brasil e depois... gravar. Enfurnado em estúdio, sempre ao vivo. Durante os últimos cinco anos essa tem sido a rotina de uma das bandas de blues mais legais do Brasil: a Prado Blues Band, que também pode ser considerada a mais produtiva do país.
Desde que lançaram o CD Blues and Swing, em 2005, ainda como Prado Blues Band, com Marcos Klis (baixo) e Ivan Márcio (harmônica), não pararam mais de trabalhar. Nesse formato, gravaram também Flávio Guimarães e Prado Blues Band, em 2006.
Já como Igor Prado Band, então com Rodrigo Mantovani nos baixos, gravaram Upside Down, mais um excelente álbum com participações de R.J. Misho e Steve Guyger (vocais e harmônicas), J.J. Jackson e Greg Wilson (vocais) e Ron Dziubla (sax tenor).
Recentemente participaram da gravação de Blues Follows Me, de Flávio Guimarães, CD gravado em homenagem ao seu ídolo na harmônica, Little Walter. No encarte do CD, o próprio Flávio disse que a gravação desse disco só foi possível por ter uma banda de apoio disposta e apta para encarar o desafio.
Cheios de moral, lançaram em 2010, de maneira independente e com número limitadíssimo de cópias, o CD Igor Prado Band e Lynwood Slim, que vai ganhar uma versão gringa mais completa. Na versão nacional são 12 temas, alguns com participação do pianista Donny Nichilo e ainda Denilson Martins, o saxofonista oficial.
Em um sábado, em fevereiro de 2010, Igor, Yuri Prado e Rodrigo Mantovani se apresentaram em Santos acompanhando o guitarrista e cantor James Wheeler, de Chicago. Grande show com a casa cheia, Teatro do Sesc.
Foi quando essa entrevista foi concedida, pouco antes do espetáculo, exclusiva para o Mannish Blog. O evento foi realizado pelo Sesc e Agência Urbana. Produzido pelo Mannish Blog com promoção da Litoral FM. Com apoios do Clube Assinante A Tribuna, Calango Music e Harmonica Master, a especialista em gaitas. Agradeço as participações de Marcos Rodrigues e Thiago Krieck.
Eugênio Martins Júnior - Além dos discos da Igor Prado Band, a banda tem acompanhado vários artistas. Duas vezes o Flávio Guimarães, Lynwwod Slim, Steve Guyger, James Wheeler, só para citar alguns. Vocês fazem um som que ninguém faz no Brasil, ou se tem alguém, só está fazendo agora por causa de vocês. Gostaria que você falasse um pouco sobre isso.
Igor Prado – Ficou muito falado esse negócio do “jump blues”, mas na real o que a gente faz nada mais é do que blues e rythm’n’blues dos anos 40, 50 e 60. O James Wheeler estava falando com a gente sobre isso. Naquela época isso era a música da negrada que rolava em Chicago, nos Estados Unidos. Não havia o rock, inclusive esse rótulo, jump blues, foi uma coisa que eles usaram nos anos 90 para essa retomada. Mesmo o jazz dos anos 40, eles não sabiam que a denominação iria passar a ser swing, que a galera dançava e tal. Era só música. O lance do rótulo é legal, mas a gente toca muita coisa que os caras faziam.
Igor Prado – Ficou muito falado esse negócio do “jump blues”, mas na real o que a gente faz nada mais é do que blues e rythm’n’blues dos anos 40, 50 e 60. O James Wheeler estava falando com a gente sobre isso. Naquela época isso era a música da negrada que rolava em Chicago, nos Estados Unidos. Não havia o rock, inclusive esse rótulo, jump blues, foi uma coisa que eles usaram nos anos 90 para essa retomada. Mesmo o jazz dos anos 40, eles não sabiam que a denominação iria passar a ser swing, que a galera dançava e tal. Era só música. O lance do rótulo é legal, mas a gente toca muita coisa que os caras faziam.
EM – Tudo bem, na época era a música popular norte-americana, mas vocês são de uma banda brasileira de blues nos anos dois mil. A maioria das bandas de blues hoje partiram para o blues rock e vocês partiram para um estilo que ninguém fazia.
IP – É que a gente gosta das coisas tradicionais. Estamos para lançar um disco novo do quarteto que vai ser uma coisa simultânea com os Estados Unidos. Esse disco não é mais nosso - aponta para o CD Igor Prado Band e Lynwood Slim, que foi lançado aqui em edição limitada e de maneira independente, com menos três faixas – é da gravadora e vai ser trabalhado só fora. Também vai sair um disco do quarteto que a gente vai fazer uma coisa mais anos 60, um pouquinho mais de R&B, a gente está pesquisando muito o lance de soul que os caras gravavam nos anos 60.
EM – Você fez vários shows fora do Brasil, os caras vêm tocar aqui com a Igor Prado Band, me explica como é esse trânsito.
IP – Isso está pintando normalmente. Pra gente é animal, que é uma escola. Cada minuto com esse cara - James Wheeler - pra mim, e não só tocar, é muito importante. O cara viveu em uma época que os caras estavam todos vivos, eles estavam criando uma coisa que veio a se chamar o rock’n’roll.
EM – Pode crer, e o James Wheeler é um verdadeiro bluesman e esses caras estão indo embora.
IP – O James é um cara clássico, do jeito que ele tocava nos anos 50, naquela época, ele toca hoje. Diferente de outros caras, por exemplo, o Buddy Guy mudou, está fazendo outra coisa. Ele é um dos autênticos. Tem ele e mais uns dez pra contar nos dedos.
EM – Como foi que aconteceu esse CD com o Lynwood Slim que, pra mim, é um dos melhores CDs gravados por uma banda de blues brasileira? Como surgiu essa idéia?
IG – Quando eu estava começando a pesquisar esse lance de swing, jump blues, percebi que ele cantava muito nos discos dos guitarristas que eu ouvia: Junior Watson, Kid Ramos, Alex Schultz, que tocou com o (Rod) Piazza. E eu sempre gostei muito do som dele e de uns cinco anos pra cá a gente começou a manter contato pela internet, mandei o meu CD pra ele, começou a dar muito certo. Em 2007 o trouxe pela primeira vez e o cara adotou a gente como uma família. Em 2008 ele voltou e eu fui pra lá, fiquei na casa dele, o cara m levou pra tudo quanto foi lugar. Hoje está a ponto de ele me ligar no aniversário, natal, falar com a minha mãe.
EM – Vocês vão lançar o CD lá nos Estados Unidos?
IP – Esse ano a gente vai pra lá e vamos ficar todos na casa dele. Em maio tem quatro festivais, a gente vai tocar no Doheni Blues Festival, é um festival grande, ano passado tocaram o Robert Cray, o B.B. King. Esse ano também vai tocar o Black Crowes, não é só blues. A gente tá muito feliz, esse ano está do caralho.
EM – Mas você não me respondeu como foi a idéia de gravar esse CD.
IP – Quando ele veio a primeira vez a gente tocou um monte de coisa: “Cara vamos fazer tal coisa hoje, ai chegava na hora do show mudava tudo. Porque a gente não grava isso!?” (risos). Tramamos isso dois anos. Fomos para ao estúdio, salona grande. Gravamos no Brasil e mixamos em Los Angeles (EUA).
EM – Vocês gravaram ao vivo no estúdio?
IP – Sim, mas teve overdubs de sax, que o Denílson gravou sozinho. Mas a base, o quinteto foi gravado ao vivo. Igual aos discos de jazz, tudo ao vivo. Uma salona com todos aqueles microfones, com captação de sala, igual os caras gravavam antigamente.
EM – Como foi a escolha do repertório?
IP – Tudo via internet. Mandávamos sugestão e às vezes a gente gravava em casa, a banda tocando e eu dizia: “Vê ai o que você acha”. Ai ele respondia que achava que ficaria legal e dizia: “Mas porque a gente não faz assim, sobe dois tons nessa música”. E fomos evoluindo, quando ele chegou aqui já estava tudo certo.
EM – Porra, que lindo.
IP – É, foi tudo via internet. Quando ele chegou aqui parecia que havíamos ensaiado várias vezes. Esse é o lado bom da internet.
IP – Pra caramba, cara.
EM – Esse CD tem duas composições suas, o resto são versões escolhidas da maneira que você falou?
IP – O Lynwood gosta de pegar “músicas lado B” e mexer nas coisas. Ele foi produtor musical, tem mais de vinte discos gravados como produtor de bandas européias e americanas. Então ele tem uma cabeça legal, gosta de gravar coisas que ninguém conhece. Ás vezes ele pega uma gravação do Count Basie que foi pouco gravada e diz: “Vamos fazer desse jeito, vamos pegar esse som do Count Basie e vamos fazer como o B.B. King fazia nos anos 50”.
EM – Como é o Lynwood Slim?
IP – Ele é uma figura, um personagem de filme. Inclusive tem uma passagem dele com o Clint Eastwood, que também é de Los Angeles. O Eastwood imita o Lynwood falando daquele jeitão estranho. Você chegou a conhecer ele?
EM – Não, a gente ia fazer aqui no ano passado, mas acabou não rolando.
IP – Ele tem uma história de vida muito louca. Era da máfia italiana nos anos 60, ficou seis anos preso e ali que ele começou a tocar gaita. Depois que saiu da cadeia decidiu ser músico. Cara, ele tem umas histórias. Ele ainda vive nos anos 50. Ele tem arma em cima da geladeira, a casa dele é cheia de facas. Muito engraçado.
EM – Como vai ser esse disco que vocês estão gravando agora?
IP – Estamos fazendo um lance mais funqueado, pegando todas as nossas influências de coisas dançantes e estamos gravando com o quarteto em minha casa. Cada vez que o Lynwood vem traz um monte de muamba pra mim, Pro Tools, um monte de microfones. Estou com um estúdio profissional em casa. Então a gente pensou, acabamos de gravar um monte de discos de jazz e suingue, vamos gravar um disco misturando isso com um monte de coisa dançante.
EM – Nos últimos cinco anos saíram alguns dos melhores discos de blues no Brasil e vocês estiveram envolvidos. Tanto os antigos da Prado Blues Band, quanto do teu trabalho solo. Os fãs da banda não vão estranhar?
IP – Tem muita coisa de tradicional dentro do que a gente está fazendo, muito R&B e soul que os caras faziam nos anos 60, sonoridade vintage, não é coisa moderna. Estamos querendo mudar um pouco.
EM - Quando sai?
IP – Agora no primeiro semestre. Aliás, estamos lançando três discos esse ano. Vamos lançar uma coletânea só de coisas instrumentais, de suingue e, mais três músicas inéditas. Vai ter coisas do disco do Lynwood, do meu disco Upside Down, duas ou três que fizemos com a Prado, além de inéditas. E ainda um tem o que fizemos com o Flávio (Guimarães). Esse ano vai ser do caralho, temos doze shows agendados na Europa.
EM – Doze shows?! Como foi isso?
IP – Através do selo. A gente está com uma agência que vende shows na Europa. As outras vezes fui por conta própria, armando meus próprios shows, uma trabalheira danada e um desgaste absurdo.
EM – Pra você ver como produtor sofre (risos).
IP – Puta que pariu, imagina, em um lugar que você não conhece. Por outro lado a internet ajuda. Vê as ruas, metrô. E nos Estados Unidos vamos tocar no Doheni, que é o maior festival da costa oeste e no no Cajun Creole Music Festival, que é outro festival da gravadora Delta Blues, no Simi Valey, além de alguns bares. Vai ser no final de maio.
EM – Esses shows já serão pra divulgar o CD Igor Prado e Lynwood Slim?
IP – O disco sai pela Delta esse ano com outra capa, com mais três faixas. E vamos divulgar lá fora. Esse que você tem é uma coisa independente, nossa.
EM – E Como começou essa parceria com o James Wheeler?
IP – Foi em 2006. Fizemos um show com ele em São Paulo. Eu o conhecia acompanhando alguns caras tocando blues tradicional. Ai ele começou a tocar umas coisas de jazz, cantando pra caralho. Nossa! Comecei a me ligar como tem gênio desconhecido no blues. “Underrated”, como eles falam lá.
EM – Yuri, desses gringos com os quais você já tocou, qual foi o show inesquecível?
Yuri Prado – Todos os que vêm a gente fica pirado (risos). Só de estar em contato com os caras que são da verdade, do negócio do blues, pelo lado de dentro. Cada um traz uma coisa nova pra gente. Mas tem um monte de shows, a primeira vez com o James Wheeler foi uma surpresa, porque a gente não conhecia.
Yuri – Pra mim sempre é inesquecível o do B.B. King. A primeira vez que nós tocamos com o James coincidiu com a turnê do B.B. no Brasil. A hora que ele começou a cantar eu pensei: “Pô, o B.B. King está lá cantando e olha o cara que está aqui com a gente”. O mesmo talento, a mesma verdade.
EM – Qual baterista de blues fez a tua cabeça?
Yuri – Todos (risos).
EM – Muita gente fala com maldade que a cozinha de blues brasileira nunca vai ser igual a dos gringos. O que você tem a dizer sobre isso?
Yuri – Pergunta para os gringos que a gente tocou o que eles acham. Lá os caras tocam entre eles todos os dias, a gente não tem isso.
IP – É, em um bar estava o Willie Dixon, no outro lado da rua estava o Little Walter, do outro lado estava o Otis Rush. Não tem nem comparação.
Yuri – Uma coisa é você estudar e tentar chegar perto dos caras, outra é você nascer lá, crescendo no meio. Nunca a cozinha, o vocal vão ser cem por cento, porque não temos o mesmo espírito, a mesma sintonia, mas chegar perto é uma coisa que a gente busca. E talvez nem todo mundo busca isso, aí a diferença. Os caras aprendem os primeiros solos e acordes e param. Os nossos CDs são sempre diferentes um do outros por causa disso. A gente não se rotula, a gente toca jump, jazz, Chicago, tradicional R&B.
IP – Hoje a gente tem uma coisa que os caras não tinham nos anos 60 e 70, que é a internet. Se você quer ver o Little Walter, vai no computador. Se quer o disco tal, vai lá e baixa. Quero ver o show do B.B. King semana passada nos Estados Unidos, a galera filmou. Hoje a gente pega tudo.
Marcos Rodrigues – Os verdadeiros ícones do blues, os fundadores estão com idade muito avançada ou morrendo e isso é inevitável. Como vocês encaram a renovação do blues com vocês inseridos nessa cena?
IP – Temos essa consciência e é isso que motiva a gente nessa pesquisa. A história é igual a do choro, a galera que construiu está desaparecida. Do samba também, muitos já estão com idade muito avançada.