Em comum acordo com José Luiz Tahan, da Realejo Livros Edições, fiz uma série de entrevistas com o maestro Gilberto Mendes em seu próprio apartamento em Santos.
A idéia inicial era a de que essas entrevistas fossem compiladas em um livro contando a história e as histórias do velho maestro.
Quase caí de costas quando o próprio Gilberto me disse que já estava trabalhando em um livro de memórias a ser publicado em breve; pelas suas contas, até o final de 2008.
Tudo aquilo que me contava, estaria em seu livro: sua tão sonhada viagem ao Havaí; a dramática passagem por Praga, capital da Tchecoslováquia, bem na primavera das bombas russas; seu encontro com Tom Jobim no Rio de Janeiro e seus outros encontros musicais em várias cidades do mundo. Tudo.
Senti ali que meu trabalho estava terminado. Pois o que é que eu poderia contar sobre o maestro que ele mesmo não contaria muito melhor?
Com seu texto simples e direto, por isso mesmo elegante, o velho maestro começa Viver sua música – com Stravinsky em meus ouvidos, rumo à avenida Nevskiy (Edusp – Realejo Livros e Edições), lembrando suas influências recebidas dos musicais americanos, citando os standards e as canções de George Gershwin, Jerome Kern, Richard Rogers, assim como as grandes orquestras de Benny Goodman e Tommy Dorsey.
Além de apaixonado pela música popular da era de ouro do cinema, Gilberto conhece a matéria como poucos. Viver sua música… é um mar de citações cinematográficas que, às vezes, deixa o leitor um pouco tonto.
Mas é quando discorre sobre a música erudita e de vanguarda do breve século 20 – termo criado pelo historiador inglês Eric Hobsbawn, e usado de forma pertinente pelo jornalista Alessandro Atanes em sua resenha na revistapausa.blogspot.com – que o maestro entra no terreno sombrio ao gosto médio. (Já sei, podem malhar, que porra é essa de gosto médio?)
Passando um pouco da página 100 a leitura fica específica ao campo erudito. As citações passam a ser Pierre Boulez, Walter Gieseking, Wilhelm Kempf, Alfred Schnittke, Igor Kefalidi, Galina Ustvolskaya, e mais algumas dezenas de nomes. Sem esquecer os nacionais, como Marlos Nobre, Jorge Antunes, e os santistas Almeida Prado, Antonio Eduardo. Só para iniciados.
Mesmo assim, o relato de suas peripécias musicais não deixa de ser instigante. Nessa parte, Gilberto mostra como a música erudita brasileira vai bem lá fora. Aliás, melhor do que aqui, muito devido ao pouco espaço dado aos compositores e músicos que a mídia grande ama odiar.
Mais do que um livro de memórias, Viver sua música – com Stravinsky em meus ouvidos, rumo à avenida Nevskiy é a porta de entrada ao mundo da música de vanguarda conduzido por quem mais sabe desse assunto. Após lê-lo, é impossível não querer conhecer a avenida Nevskiy e toda sua música.
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