Foto: Leandro Amaral
Em visita a Santos, no ano passado, a cantora Rosa Passos só falava em jazz em nossas conversas. Tanto fazer, quanto escutar. Além de ser uma ouvinte assídua de Ella Fitzgerald, Billie Holiday e Nancy Wilson - a maior de suas divas -, ela também gosta de ouvir outros artistas do gênero.
No momento seus discos de cabeceira são os CDs de seu baixista Paulo Paulelli, que ainda não foi lançado no mercado; a mais recente gravação da cantora Nancy Wilson, Turned to blue (2006), e uma coletânea de Wilson que ganhou de um amigo norte-americano. Também gosta de Madeleine Peyroux, Michael Bublé, Stacey Kent - “Lembra a Billie”, comenta -, e sua mais recente descoberta, a baixista e cantora Esperanza Spalding.
Além do prazer que sente, ouvir música de qualidade também faz parte de seu constante aprendizado. Aos 56 anos, ela não se envergonha de dizer que está sempre estudando. Só se esquece de dizer que também tem muito a ensinar. Dona de uma voz, suingue e postura que poucas cantoras possuem, Rosa Passos forjou um estilo próprio, cantando jazz em português nas melhores casas do mundo como Carnegie Hall, Blue Note e Lincoln Center, sempre acompanhada por músicos brasileiros.
Com 20 anos de carreira, doze deles no exterior, quinze álbuns gravados, inúmeras participações em discos de artistas brasileiros e estrangeiros, Rosa Passos está em um ótimo momento da carreira. Em 2008 recebeu o título de doutora honoris causa da Berklee College of Music, em Boston (EUA), onde ministrou oficinas para alunos e professores. Para se ter idéia da importância do título, basta dizer que Rosa é a primeira musicista latina a receber tal honraria concedida a grandes nomes do jazz, entre eles: Bobby McFerrin, Sonny Rollins, Wayne Shorter, Pat Metheny, Dizzy Gillespie, Count Basie, Art Blakey, Oscar Peterson e Duke Ellington, só para citar alguns.
Em reconhecimento a tudo isso, seu mais recente álbum, Romance (2008), foi indicado ao Grammy Latino. Para a cantora teria sido outro motivo de orgulho se a categoria que o disco estivesse concorrendo fosse “Melhor álbum de jazz latino” e não “Melhor álbum de pop contemporâneo brasileiro”, como quis a organização do evento. Mas a baiana não dá importância e vai tocando os seus shows pelo mundo. Após a apresentação de Santos, em outubro, Rosa voou para Buenos Aires onde se apresentou no Teatro Coliseo de lá; cantou no Tim Festival no Rio e em São Paulo, e parou para merecido descanso.
Essa entrevista exclusiva para o Mannish Blog foi concedida literalmente em trânsito, dentro de um carro em movimento, na Rodovia dos Imigrantes, no trajeto São Paulo/Santos, um dia antes de sua apresentação no Teatro Coliseu, 16/10/2008. Às vezes a entrevista era interrompida para que Rosa e sua filha Julianna apreciassem a bela paisagem da Baixada Santista vista do alto.
Eugênio Martins: A primeira vez que você veio a Santos, em junho de 2007, foi a época em que estava querendo projetar sua carreira no Brasil. Passado esse tempo, como você avalia sua carreira no país?
Rosa Passos: Estou super contente, trabalhei no Brasil de janeiro a abril e agosto e setembro desse ano. Em maio fui aos Estados Unidos e, em junho e julho, fui à Europa. Foi um ótimo investimento. Tudo isso está acontecendo de fora para dentro, porque a repercussão do meu trabalho tem sido tão grande lá fora que as pessoas estão com curiosidade sobre Rosa Passos e estão me chamando para trabalhar no Brasil. Esperei 20 anos para participar do Tim Festival (antigo Free Jazz Festival, nos anos 1980, principal festival do gênero no país), e esse ano eu fui convidada. Participei de um programa da TV Globo em homenagem a Tom Jobim que vai ser um especial de final de ano. As atrações principais são o Milton Nascimento e eu, além das participações do grupo BR-6, Mario Adnet e da cantora Joyce. Quando me ligaram achei que era trote, mas os contatos se intensificaram e a coisa se concretizou. Gravei quatro músicas: Dindi, Retrato em branco e preto, Águas de março e Você vai ver. Foram duas coisas que nunca aconteceram comigo aqui no Brasil. Acredito que isso é o resultado do trabalho que venho fazendo.
EM: E qual é o papel do CD Romance nessa história? Como ele está ajudando?
RP: O Romance é um projeto que eu já vinha há muito tempo com vontade de fazer. Há três ou quatro anos essa idéia está na minha cabeça. Nos shows os fãs pediam: “Queria tanto que você gravasse Álibi”, “Queria tanto que você gravasse Preciso aprender a ser só”. Eu estava em uma fase de cantar baladas. Sou uma cantora jazzista. Eu sempre digo: cantar samba é fácil, mas cantar balada é muito difícil e colocar isso em um registro também. Tem que ter muita maturidade. Você tem de dar espaço para o músico solar. Há uma dinâmica toda diferente. Quando a Telarc (sua atual gravadora) me propôs gravar outra coisa após o Rosa (2006) - meu disco solo de voz e violão -, eu disse que queria fazer um disco de baladas e eles concordaram na hora, me deixaram à vontade, inclusive era para eu gravar esse CD em Nova Iorque, mas eu quis gravar em São Paulo. Fiz tudo do jeito que eu quis. O Romance está sendo recebido muito bem no exterior e eu estou surpresa porque ele tem sido muito bem aceito também aqui no Brasil. Aqui ele é distribuído pela Universal e eu recebi um telegrama deles dizendo que meu disco ficou entre os cinco mais vendidos em uma rede de lojas especializadas. Na estréia, no Lincoln Center, havia grandes músicos na platéia, como a maestrina Maria Schneider, o baixista de jazz Ron Carter e a cantora Madeleine Peyroux. Depois do show, o Wynton Marsalis foi ao meu camarim e disse: “Eu tenho planos para você. Quero escrever para você”. Uma coisa emocionante. É um disco que teve uma crítica maravilhosa nos veículos de imprensa mais importantes do Brasil. Estou muito contente com ele pela receptividade que teve.
EM: Como é cantar em português para o mundo?
RP: É incrível isso que você está perguntando. É uma coisa engraçada, o Gary Giddins (especialista em jazz, autor de vários livros sobre o assunto, editor do Village Voice, um dos periódicos culturais mais importantes de Nova Iorque e que escreveu o texto da contracapa de Romance), disse que do jeito que eu canto, quem ouve não precisa entender português. Eu toco tanto no coração das pessoas com minha música que elas acabam entendendo o que eu estou falando. Não é música brasileira, é música do coração. Essa barreira da língua não existe por causa da dinâmica, da interpretação e do carinho que eu coloco em minha música. Fiz uma turnê por onze cidades da Alemanha com o baixista Paulo Paulelli, todas com lotação esgotada, e quando eu tocava O que é que a baiana tem, os alemães batiam palmas acompanhando. Um público ligado em música erudita e jazz, eles estavam curtindo. Um crítico de jornal que estava nessa apresentação disse que nunca havia visto isso, disse que o público alemão é frio, muito observador e silencioso. No Japão e nos Estados Unidos é a mesma coisa.
EM: Como você avalia a perda de Dorival Caymmi para a cultura Brasileira?
RP: Eu como Kardecista vou lhe dizer uma coisa: estava na hora dele ir. Não foi uma perda porque Caymmi já tinha 93 anos, já tinha cumprido sua missão. Ele deixou um legado que cabe a nós, compositores, cantores e intérpretes, manter. A gente não perdeu, porque ele deixou uma obra, entende? Coincidentemente, no dia em que Caymmi se foi eu ia fazer um show em Salvador, era dezesseis de agosto. Esse dia do mês também coincide com o falecimento de meu pai, fiquei muito emocionada com essas coincidências. A televisão me procurou e me perguntaram como eu me sentia chegando a Salvador, minha terra, no dia da morte de Dorival Caymmi. Eu disse que não estava triste por causa da minha espiritualidade, porque ele foi um anjo bom aqui na Terra que deixou um legado imenso. Eu mesmo tenho quatro músicas de Caymmi em meu show. Começo com Vatapá e Marina. Tem ainda O que é que a baiana tem e Vestido de bolero. No show no Lincoln Center, a maestrina Maria Schneider entrou no meu camarim cantando Marina, com aquele sotaque americano. Dorival Caymmi é um compositor universal.
EM: Quanto tempo levou para fazer Romance? Como é o teu processo de gravação?
RP: São doze faixas e algumas já estavam com os arranjos praticamente prontos, só tivemos de complementar os metais. Levamos apenas três dias ao vivo no estúdio, eu e os músicos. Eu gosto de gravar junto com os meninos, a gente se olhando, porque estamos dez anos juntos e estamos super entrosados. É uma energia muito forte. Nossos momentos eu e o Paulo fizemos ali, na hora de gravar. Ele tinha uma idéia e eu topei, não tenho medo de microfone.
EM: E quem foi responsável pelos arranjos?
Rosa Passos: Nesse disco eu não toquei. Como eu já havia feito Rosa, que é disco solo, e nesse CD eu queria um disco de baladas, não quis fazer nada. Pensei em gravar duas músicas que vinha fazendo no violão e que estavam ficando bonitinhas: eram Body and soul e Una mujer, depois eu desisti. Pensei: sabe de uma coisa, deixa para um próximo. No caso de Body and soul eu conhecia uma letra pequena, mas depois minha irmã descobriu que essa música tem várias letras mais compridas daí eu desisti de gravar. A versão que eu tinha era uma menor que eu peguei com Etta James, que eu amo, de um disco chamado Mystery Lady: Songs of Billie Holiday (1994). Os arranjos de Romance foram feitos por Paulo Paulelli, Fábio Torres e Lula Galvão. Deixei-os totalmente à vontade para fazer os arranjos. Para ficar um disco meu e deles. É um disco nosso.
EM: Aproveitando isso que você disse, nesse CD os músicos também brilham. A impressão que dá é que, apesar de você estar à frente da banda, esse é mesmo um disco de conjunto e não só da Rosa Passos. Certo ou errado?
RP: Certíssimo. O CD é um presente para mim e para eles, porque foi uma coisa feita com tanta alegria, tanta vontade, com uma energia tão boa. Teve música que a gente passou uma vez e da segunda já estava gravando. Álibi, de Djavan, por exemplo, foi uma vez só. Quer ver outra: Cadê você, que é a faixa que eu mais gosto. Eu estava tão inspirada que quando acabei de gravar chorei emocionada comigo mesma. Cadê você é uma mensagem não só de amor. Todo mundo quer saber onde está quem se ama. Seja um filho, um irmão, amigo, um namorado, um amante, uma esposa, entendeu? É uma das faixas que eu mais amo nesse disco e foi gravada em somente uma tomada. Altos e baixos também foi de uma só vez. Essa a gente faz muito nos shows em homenagem a Elis. Com o Lula foi um pouco mais demorado por causa dos solos. Ele é perfeccionista e aquele arranjo para Atrás da porta é muito diferente.
PAUL ANKA
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