Quatro anos separam Great Guitars do grande álbum Blues Summit de BB King.
E por que estou citando o trabalho de BB pra falar desse de Joe Louis? Porque ambos partem da mesma premissa, reunir feras do blues num único volume em parcerias incendiárias.
E Great Guitars traz o que há de melhor da guitarra blues na época em que foi gravado: Bonnie Raitt, Litttle Charlie Baty, Clarence “Gatemouth” Brown, Steve Crooper, Buddy Guy, Robert Lockwood jr, Taj Mahal, Scooty Moore, Matt “Guitar” Murphy, Otis Rush e Ike Turner. Está bom pra você?
O prórpio Louis havia participado do disco de BB na faixa Everybody's Had The Blues.
Talvez daí veio a ideia de gravar esse grande álbum que traz Low Down Dirty Blues abrindo com um dueto com a sempre magnífica Bonnie Raitt cantando e solando. Trata-se de um balanço irresistível que muda de andamento dois pares de vezes, com um Hammond B3 goxxtoso e slide pra todos os lados.
A banda que acompanha Joe Louis nesse disco, The Bosstalkers, faz bonito com Mike Eppley (órgão, piano e voz de apoio), Tom Rose (guitarra e voz de apoio), Joe Thomas (baixo, guitarra e voz de apoio) e Curtis Nutall (bateria).
First Degree é de uma base nervosa que resgata Ike Turner que andava meio por baixo depois que sua ex, aquela “cantorazinha”, Anna Mae Bullock, denunciou o malandro por agressão e outros assédios. Vamos combinar Ike, você toca e canta pra caralho, mas foi muito cuzão por não respeitar sua parceira que acabou virando uma estrela com o próprio talento.
Todo o brilho dos The Johnny Nocturne Horns aparece em Mile-High Club e toda a elegância dos solos de Scooty Moore, Litttle Charlie Baty, Steve Crooper e Clarence “Gatemouth” Brown também. Solos e mais solos se apresentam. Mas, se liga, solos com notas soltas, elegantes, cheios de feeling, como só os coroas blueseiros sabem fazer.
Fix Our Love é um slow muito do dor de corno. Joe Louis pede pra mulher não ir embora. E que se ela fizer isso ele vai sofrer até morrer. E que se ela estiver insatisfeita, antes de ir embora, diz isso pra ele qua vai fazer de tudo pra consertar aquele amor. Perdeu mermão. Sem dor de amor não existe o blues. E de dor Otis Rush entende. Ele estiiiiiiiiiica as notas como ninguém. O Hammond também faz a sua parte nos colocando na posição de implorar por aquela mulher. O que sempre fazemos.
Every Girl I See é um tema que foi gravado por Buddy Guy algumas vezes. É um clássico do velho Buddy. Essa versão que começa com uma batida tribal e licks de guitarra, culminando com a voz de ambos cheias de expressão, dois timbres e estilos maravilhosos e distintos. Que versão foda. Buddy Guy, que colhia as glórias de Damn Right e Feels Like Rain, faz um daqueles solos cheios de notas que estava acostumado. O ponto alto do disco. Claro, na minha opinião de um mortal idiota.
O funkão Cold e Evil Night explode com os metais dos The Tower of Power Horns. Simplesmente... balançante. Blues com funk solado por Joe Louis usando um wah wah hipnótico e backings dos The Bosstalkers.
Hop on It é um shuffle, que ainda não havia apareceido em um disco de blues, o que mostra que blues não é só a velha batida de Chicago. Otis Grand e Joe Louis dominam esse tema instrumental cheios de slide e lap steel.
Nightime é um slow daqueles, com a aparição do velho Matt Guitar Murphy, mostrando como se joga as notas no ar para os nossos ouvidos pegar.
Sugar é um tema moderno misturando blues e funk cujo destaque vai para o baixo Joe Thomas, fazendo todas aquelas figuras com uma precisão impressionante. Como se fosse um relógio. Ou um motrônomo. Coisa linda de se ouvir.
Muitos blueseiros têm uma vida dupla, nas sextas e sábados nos botecos da vida e no domingo pagando a penitência na igreja. E Joe Louis correu um bom trecho fora do blues, investindo seu tempo e talento louvando Deus. Nesse Great Guitars ele convocaa a lenda Taj Mahal e sua National Steel para a pregação In God’s Hands. Um tema maravilhoso que nos eleva, mesmo sendo um adeu desgraçado como eu. Acredito na música.
Fechando essa viagem, Joe Louis chamou Robert Lockwood Jr, um dos pilares do blues, na época com 82 anos – ele morreu com 91 anos em 2006 – para apresentar o blues tradicional High Blood Pressure. Wallace Coleman aparece na gaita reforçando a base e em um solo matador.
Músicas:
1 - Everybody's Had The Blues
2 - First Degree
3 - Mile-High Club
4 - Fix Our Love
5 – Every Girl I See
6 – Cold Evil Night
7 – Hop On It
8 – Nightime
9 – Sugar
10 – In God’s Hands
11 – High Blood Pressure
Blues Summit – BB King - http://mannishblog.blogspot.com/2010/09/em-disco-de-1993-bb-king-promove.html
Entrevista Joe Louis Walker - https://mannishblog.blogspot.com/2017/09/o-blues-contemporaneo-de-joe-louis.html
Com canções escolhidas a dedo pela cantora Bia Marchese, Let Me In, seu trabalho de estreia, é um apanhado bacana de clássicos da canção norte-americana.Trata-se de seu primeiro álbum solo pelo selo Chico Blues, com músicos que orbitam a cena blueseira do ABC e São Paulo. São eles, Leo Duarte (guitarra), Luciano Leães (piano e órgão), Denilson Martins (saxofones), Humberto Zigler (bateria e percussão) e Sidmar Vieira (tormpete). As produções, musical e executiva, são assinadas por seu marido, o baixista Rodrigo Mantovani, ativo colaborador do Chico Blues desde a época em que atuava com a Igor Prado Band. O CD teve uma participação especial de Wee Willie Walker em Nobody But You de Dee Clark. Nos 14 temas, Bia desfila ao lado de nomes bem conhecidos por aqui – digo isso por causa da discografia disponível desde os anos 70 – como LaVern Baker, Fontella Bass e Big Mama Thornton. E outros nem tanto, os casos de Wynona Carr, Lil Johnson, Carol Fram, Christine Kittrell, Ann Cole, Hattie Burleson. Os caras soul também dão as caras. Mas em número menor, Pee Wee Crayton, Dee Clark, e os lendários Johnny Guitar Watson e Solomon Burke. A Bia também conta como estava sendo sua adaptação nos Estados Unidos antes da pandemia chegar na América do Norte. Logo quando mudou para Chicago com seu companheiro, o baixista Rodrigo Mantovani, quando este entrou para a banda de Nick Moss.
Eugênio Martins Júnior – Como foi a tua infância musical e quando você começou a cantar?
Bia Marchese – Minha infância foi de total contato com a música. Minha família é cheia de músicos, muitos não exerceram profissionalmente, mas a maioria sempre muito envolvida com música. As reuniões de família na minha vida eram basicamente uma roda cheia de gente, minha família é enorme (rs), fazendo um som. Todo mundo participava de alguma forma e, quem atrapalhasse falando alto ou qualquer coisa assim, levava cada bronca... (risos). Mas minha mãe é cantora e exerceu profissionalmente por muitos anos e, por incentivo dela eu canto desde sempre. Não sei dizer idade, mas desde minhas primeiras lembranças da infância. Me lembro de subir nos palcos com ela quando eu tinha uns seis anos e cantar músicas do Jackson 5. Morria de vergonha, mas amava!
EM - E o blues e o soul, quando apareceram?
BM – O soul veio primeiro pra mim. Passei um muito tempo da minha infância tentando imitar cantoras e cantores que constantemente me apaixonava. Nem sabia que aquilo era soul music, era só algo que me fascinava ouvir. Já o blues veio um tanto mais tarde. É claro que as coisas se misturam, e o blues e a soul music se mesclam em muitos pontos. Então, diria que o Blues, de forma mais consciente e num formato mais tradicional, entrou na minha vida por volta dos meus 18 anos.
EM - Você gravou um CD com alguns clássicos da soul music. Como foi a escolha desse repertório? Tem tanta coisa boa.
BM – Na verdade meu disco é uma mistura de blues, R&B , soul, ragtime e início do rock’n roll. Acho difícil dividir a música em estilos tão delineados. Como disse antes, determinados estilos musicais se misturam, modificam e influenciam um ao outro e, entre eles, existe uma conexão muito forte. Diria que o repertório do meu disco possui, na sua essência, uma unidade sonora que conecta aquilo que também pode ser separado, para funções mais didáticas, em estilos musicais. Já a escolha do repertório foi algo bem natural, sabe? Bem baseado naquilo que naquele momento eu estava conectada musicalmente. Mas, apesar de natural, não foi nada aleatória, foi muito bem pensada e, em algum nível, uma tentativa de homenagear aquilo que me desafia e me transforma musicalmente. Fora isso, pude contar com algumas maravilhosas sugestões do Rodrigo e Chico Blues na empreitada da escolha do repertório. Ah, fico feliz demais que tenha gostado do repertório.
EM – Essa galera do Igor e do Rodrigo era ligada ao jump blues e ao Chicago blues, mas de uma época pra cá deram uma virada pra soul music e o teu disco foi gravado nessa época, né? Teve esse influência do momento ou era uma coisa que você já pensava em fazer?
BM – Na verdade não. Minhas escolhas musicais e de repertório não tiveram influência do som que eles faziam. Apesar de eu ser uma grande admiradora do trabalho que eles fizeram juntos e ter afinidade por grande parte das escolhas musicais deles, não foi algo que teve influência nas minhas escolhas do disco. O disco foi resultado do que fui desenvolvendo ao longo dos anos.
EM – A produção foi do Rodrigo e os músicos que tocam são aquelas figurinhas carimbadas do blues nacional. Essa parte ficou com ele ou vocês fizeram juntos?
BM – Tudo que envolveu o disco, nós fizemos juntos e em parceria com o Chico Blues, até porque, eu não conseguiria não participar da produção do meu próprio disco. (risos)
EM – Ok. A pergunta foi burra mesmo.
BM – Mas, independente disso, o Rodrigo tem uma musicalidade surreal e, como produtor, ele vê detalhes e enxerga coisas que teriam certamente passado batido por mim. Tive muita sorte e aprendi coisa demais assistindo ele, tão de perto, como produtor musical. Quanto aos músicos, eu tenho um carinho absurdo por todos que fizeram parte desse projeto. Fora a qualidade musical de cada um, são pessoas que realmente tem lugar importante na minha vida.
As minas no rolê: Bia e Kate Moss
EM – Você passou por aquela fase de transição, o teu companheiro foi contratado por uma banda que toca muito no circuito blues, a Nick Moss Band. Já dá pra falar sobre uma adaptação, já que foram pegos pela Covid-19.
BM – Não foi uma transição simples sair do Brasil, mas, ao mesmo tempo, era um movimento que a gente já planejava fazer em algum momento pela vontade de viver e desenvolver certas coisas dentro do blues e também da música de forma mais ampla. A contratação do Rodrigo pela Nick Moss Band apareceu como uma oportunidade de fazer esse movimento.
Mudamos pra Chicago um ano e alguns meses antes da COVID -19 e toda essa nova situação se instalar. Acho que foi um período bem intenso e a adaptação foi relativamente rápida. Pra mim, por ser um começo do zero, já que não fui com nenhum trabalho garantido, foi mais desafiante, mas as coisas foram fluindo e pude fazer alguns trabalhos musicais que foram incríveis pra mim. Sem contar a satisfação de toda uma vivência num contexto de tanta informação musical nova.
EM - Você acha que para a mulher é mais difícil? Quero dizer, ficar sozinha em casa enquanto o cara sai pra tocar?
BM – Na verdade isso nunca foi uma questão na minha vida e tenho esperança que, algum dia, possa não ser mais uma questão na sociedade. Estar num relacionamento é uma opção que, pra mim, não tem ligação com nenhum tipo de dependência. Somos indivíduos antes de tudo. Então, eu diria que ninguém nessa relação fica sozinho esperando o outro voltar da gig. (risos). Se ele sair pra tocar, eu certamente estarei envolvida com meus projetos individuais, assim como, se eu sair pra tocar ele certamente estará envolvido com os dele. E esses momentos são tão bons quanto os momentos que estamos envolvidos no mesmo projeto ou trabalhando juntos. A ida pros EUA não foi uma decisão tomada em função de acompanhar o Rodrigo na sua entrada na Nick Moss Band, foi uma decisão que envolveu muitas outras coisas e interesses individuais de ambos dentro das oportunidades que essa mudança poderia proporcionar.
EM – Certamente cada um terá a sua vida e seus projetos. O que eu quis dizer é que as coisas poderiam ter ficado difíceis justamente pela falta de uma atividade inicial.
Por outro lado, pode ser uma oportunidade. Você está arrumando um jeito de entrar no circuito, ou ainda é muito cedo? nTeve alguma experiência cantando na terra do blues?
BM - Olha Eugênio, eu admito que não sou uma pessoa que fica tentando entrar em circuitos, não tenho quase ímpeto nenhum de fazer propaganda de mim mesma e não faço contatos ou mantenho relações sociais pra fazer determinados trabalhos ou entrar em certos meios. Então, pra mim, entrar num circuito acontece só se for como consequência de um trabalho feito de forma mais natural, verdadeira, com uma qualidade que me traz satisfação e, no geral, com pessoas que tenho afinidade. Cada pequeno trabalho que faço tem um valor enorme pra mim e os circuitos vão acontecendo assim na minha vida. Sobre a experiência cantando na terra do Blues, sim, tive algumas bem maravilhosas, inclusive cantando no Legendary Rhythm & Blues Cruise. A convivência com Nick Moss e Kate Moss, que é também guitarrista, acabou nos fazendo conhecer muita gente do meio do Blues, o que também acelerou certas oportunidades. Eles foram sempre muito maravilhosos comigo.
Com o maridão, Rodrigo Mantovani e Dennis Gruenling
EM - Tem conseguido ir a alguns shows de blues? Nos locais legais de lá?
BM – Te falar que ir em shows de Blues foi o que eu mais fiz em Chicago, virei a louca dos shows, não perdia um. (risos)
Lá ainda tem uma cena de blues bem viva rolando e muitas opções de lugares pra ir.
EM – Tem gravação à vista? Quer dizer, pós pandemia.
BM – Tenho sim. Nunca desejei tanto ter um estúdio em casa como nesse momento de pandemia. Seria lindo passar a quarentena dentro de um estúdio, né não? (risos). Mas sim, já estou trabalhando nas ideias do próximo disco e espero, em breve, começar a agitar isso.
EM – Você gravou uma música com o Willie Walker. Ele participou ao vivo da gravação? Como foi essa parada?
BM – Sim! Amo tanto que ele tenha gravado no meu disco.
Não foi ao vivo, ele gravou num estúdio nos EUA e me enviou. Quando ouvi a gravação, pensei: “o que vou cantar depois disso?” (risos)
Ele era uma pessoa maravilhosa né? Não sei se você chegou a conhecê-lo, mas acabei ficando bem próxima, tanto do Willie quanto da esposa dele, e quando o convidei para gravar comigo essa canção, ele deu um sim com aquela risada maravilhosa e, então, gravamos.
Produzido pela Mannish Boy Produções, Prefeitura e Sesc de Santos, o objetivo do Clube do Blues é trazer a Santos os melhores músicos de blues do Brasil e do mundo, promovendo a integração entre eles e o público por meio de shows e conversas informais
Esse ano, devido à pandemia da Covid -19, o evento será on line, transmitido direto do estúdio Goiabeira, do Theo Cacello, na página do Facebook do Clube do Blues.
Será a primeira vez que o clube não apresentará ao vivo os músicos da pesada que costuma trazer todos os anos.
Na edição de 2020, os “associados” do Clube do Blues de Santos vão curtir um bate papo entre o jornalista e produtor Eugênio Martins Júnior e o maior produtor de blues do Brasil, Herbert Lucas. E shows serão com Mauro Hector Trio, Medusa Trio com Willie de Oliveira e a banda Dog Joe.
O bate papo acontece no dia 15 de setembro às 20h30. Os shows, sempre às 20h, acontecem nos dias 16, 17 e 18 de setembro, respectivamente.
Realizado desde 2008 – com a parceria fundamental do Sesc Santos e Secretária de Cultura de Santos (Secult), o Clube do Blues já trouxe à cidade Igor Prado Band, Big Chico Blues Band, Jefferson Gonçalves e Kleber Dias, Artur Menezes, Fabio Brum, Márcio Scialis e Little Will, Ivan Márcio e Roger Gutierrez, Robson Fernandes, Caviars Blues Band, Big Joe Manfra, Big Gilson, Márcio Abdo, Giba Byblos, Ari Borger, Duca Belintani e Los Breacos, além dos artistas locais Dog Joe, Muniz Crespo e Mauro Hector e chega a sua sexta edição como referência no país.
Todos os anos o Clube do Blues é realizado em abril em comemoração ao nascimento de Muddy Waters, artista revolucionário do Blues mundial e o nome que sintetizou o blues rural do Mississippi na música urbana de Chicago, influenciando milhares de músicos ao redor do mundo, inclusive no Brasil.
Por causa da pandemia da Covid-19, o festival teve sua data alterada para o mês de setembro. E, respeitando o isolamento, será transmitido direto do estúdio e depois disponibilizado no Youtube.
Esse ano o Clube do Blues será realizado com recursos de emendas parlamentares e parceria com Sesc.
Datas Clube do Blues 2020:
15 de setembro – Bate papo entre Eugênio Martins Jr e Herbert Lucas, diretor artísticos do Bourbon Street Music Club e maior produtor de blues do Brasil
Mais uma ano estamos aqui divulgando a lista dos vencedores do Living Blues Magazine Awards.
Em 2020, ano que o mundo da música encarou a face monstruosa da Covid-19.
Mas o blues nunca para. E quem não sabe, a Living Blues Magazine é a revista mais importante do Estados Unidos sobre esse estilo tradicional.
Ligada à Universidade do Mississippi, onde existe um núcleo de estudos sobre o blues, a revista completou 50 anos de existência recentemente.
Notórias figuras como Bobby Rush, Buddy Guy, Jimmy Johnson, Mavis Staples, Marcia Ball apareceram, mas também brilharam os novatos, Jontavious Willis, Christone Kingfish e Crystal Thomas. Se liga na fita.
Votação da crítica
Artista de blues do ano (Homem)
Bobby Rush
Artista de blues do ano (Mulher)
Shemekia Copeland
Cantora mais admirada
Mavis Staples
Guitarrista mais admirado
Jimmy Johnson
Gaitista mais admirado
Billy Branch
Tecladista mais admirada
Marcia Ball
Baixista mais admirado
Benny Turner
Baterista mais admira
Cedric Burnside
Sessão de metais mais admirada
The Texas Horns: Kaz Kazanoff, John Mills, and Al Gomez
Músico mais admirado
Rhiannon Giddens – Banjo
Melhor performer
Bobby Rush
O retorno do ano
Mary Lane
Artista revelação
Crystal Thomas
________________________________________ Melhores álbuns de 2019
Álbum do ano
Christone “Kingfish” Ingram
Kingfish
(Alligator)
Lançamento de blues contemporâneo
Billy Branch & The Sons of Blues - Roots and Branches: The Songs of Little Walter - (Alligator)
Lançamento/Soul sulista
Annika Chambers - Kiss My Sass - (VizzTone)
Lançamento/ Tradicional e acústico
Jontavious Willis - Spectacular Class - (Kind of Blue Music)
Realançamento pré guerra
Various Artists - “It’s the Best Stuff Yet!” - (Frog Records)
Realançamento pós guerra
Various Artists - Cadillac Baby’s Bea & Baby Records—The Definitive Collection - (Earwig Records)
Livro de blues doa ano
Up Jumped the Devil: The Real Life of Robert Johnson - By Bruce Conforth and Gayle Dean Wardlow - Chicago Review Press
Produtor do ano: lançamento - Rhiannon Giddens and Dirk Powell - Songs of Our Native Daughters - (Smithsonian Folkways)
Produtor do ano: gravação histórica - Michael Frank
Cadillac Baby’s Bea & Baby Records—The Definitive Collection - (Earwig Records)
________________________________________
Lista dos leitores
Artista de blues do ano (Homem)
Christone “Kingfish” Ingram
Artista de blues do ano (Mulher)
Mavis Staples
Guitarrista mais admirado (Guitar)
Keb’ Mo’
Gaitista mais admirado
Charlie Musselwhite
Tecladista mais admirada
Marcia Ball
Melhor performer
Buddy Guy
Cantor mais admirado
Buddy Guy
Melhor lançamento de 2019
Christone “Kingfish” Ingram – Kingfish - (Alligator)
Melhor album de 2019 – gravação histórica - Muddy Waters - The Complete Plantation Recordings: The Historic 1941–42 Library of Congress Field Recordings - (Analogue Productions)
Melhor livro de 2019
Up Jumped the Devil: The Real Life of Robert Johnson - By Bruce Conforth and Gayle Dean Wardlow – Chicago Review Press
Na manhã da sexta-feira, 31 de julho de 2020, as redes sociais bombaram a notícia sobre a morte do diretor Alan Parker. A comoção toda mostra o quanto o diretor britânico era popular. Na faixa etária dos 50, todos crescemos assistindo Alan Parker.
E a minha primeira experiência nos cinemas de Santos com o diretor foi o proibido Midnight Express (1978). Drama pesado sobre drogas e cadeia com Brad Davis, Bo Hoskins, John Hurt e roteiro de Oliver Stone. Exibido no Brasil cheio de ressalvas por causa da ditaduta. Devo ter feito alguma falcatrua pra conseguir entrar no filme essa época. Fiz váaaaarias.
Meu segundo Alan Parker foi Fame (1980), filme muito mais leve, mostrava as desventuras de jovens pretendentes à carreira artística com uma trilha sonora bem legal. A cena do intervalo na cantina, com aquela malandro com as baquetas, fica na nossa memória pra sempre.
O estrondoso The Wall (1982), todo mundo lembra, foi baseado no disco conceitual da banda Pink Floyd, uma das mais populares do mundo. É um musical que mostra a tragédia da guerra e a opressão do sistema de ensino britânico. Bob Geldof é o protagonista.
Birdy (1984), com Matthew Modine e Nicolas Cage (com atuação impecável de Cage, antes de se transformar num daqueles justiceiros das telas que os americanos adoram), conta a história de dois amigos suburbanos – quase white trash – enviados ao Vietnan para lutar por valores que eles não usufruem. Filme com atmosfera triste e perturbadora acentuada pela música de Peter Gabriel.
Meu preferido, Angel Heart (1987), mostra a procura do cantor Johnny Favorite pelo detetive Harry Angel. Contratado por Louis Cyphre (Lúcifer?), Angel mergulha no perigoso mundo das artes ocultas e da sua prórpia degradação. O pano de fundo é uma New Orleans que pouco conhecíamos até então, uma cidade com subúrbios sombrios e pobres, onde a prática do vodú suplanta seu lado musical e festivo. Super elenco com Mickey Rourke, Robert De Niro, Charlotte Rampling e a jovem Lisa Bonet. O filme traz ainda nomes do blues como Brownie McGhee, Sugar Blues, Pinetop Perkins e Lillian Boutté. A trilha sonora é de Trevor Jones, que também responde por Mississippi Burning.
Em Mississippi Burning (1988), Parker volta ao sul dos Estados Unidos pra mostrar o lado racista daquela sociedade doente. Gene Hackman e Willen Dafoe seguem o rastro de quatro ativistas de direitos civis “desaparecidos” no cafundós de um dos estados mais racistas da América.
“Os Irlandeses são os negros da Europa e os dublinenses são os negros da Irlanda”. Com essa premissa, Parker conta a história de um grupo de jovens que se reúnem para levar avante sua paixão, a música, montando uma banda de soul music em plena Irlanda. The Commitments (1991) é sobre uma viagem ao universo de Wilson Pickett, Otis Redding, Sam Cooke e outros baluartes da soul music reinam na trilha.
Parker fez outros filmes, mas nem vi. Evita, dizem, é ruim. Prefiro ficar com os legais.
Em uma das vezes que estive com o blueseiro baiano Álvaro Assmar ele me perguntou:
- “Você já ouviu meu filho tocar?. Rapaz, o garoto está num nível muito alto. Não é por que é o meu filho não, tá?”.
-Sei, “respondi”.
Dois anos depois tive a oportunidade de ouvir e ver Eric Assmar tocando de verdade, em uma gig com o próprio Álvaro, aqui no Sesc Santos.
Logo depois conheci seu primeiro álbum, o Eric Assmar Trio com temas cantados em inglês e português com a guitarra como protagonista, num conjunto em formato de power trio.
Gravado em 2011, em Salvador, no estúdio Em Transe, o CD conta com 11 temas compostos pelo prórpio Eric e apresentados por Rafael Zamaeta (baixo) e Thiago Gomes (bateria). Álvaro Assmar aparece na produção e no violão em Hanna.
Mesmo tocando blues, os ares musicais da “Roma Negra” fazem bem a qualquer artista. A matriz musical é a mesma, a África. Gosto de citar isso em várias entrevistas que faço com os gringos, orgulhoso das dezenas de ritmos espalhadas pelo continente Brasil.
Orgulhoso também em saber que meus dois livros Blues – The Backseat Music serviram como material de pesquisa para uma tese de doutorado sobre música construída por Eric Assmar.
Eis aqui mais uma entrevista. Com um dos talentos que já está na cena há um tempo, mas só agora começa a colher os frutos do trabalho, toda uma geração de blueseiros nativos que inclui, Tiago Guy, Fillipe Dias, Pedro Bara, Leo Duarte, Simi Brothers, Bia Marquese, Bidu Sous e tantos outros.
Eugênio Martins Júnior - Como foi a tua infância musical na Bahia? Com o axé e os batuques de Salvador da porta pra fora e o blues da porta da rua pra dentro.
Eric Assmar – Sendo filho de um músico de blues e um fã de rock clássico, absorvi muito dessa influência ainda na infância. Meus pais se separaram quando eu ainda era muito guri, não vivi na mesma casa que o meu pai durante a infância, mas sempre estivemos juntos e tomei muito gosto pelo rock and roll, começando por Beatles, Black Sabbath, Deep Purple, Zeppelin, Hendrix, esses clássicos. A guitarra me fascinava. Via na figura do guitarrista algo como um super-herói, alguém com superpoderes. Gostava muito de músicas que traziam a guitarra como instrumento de destaque. Curtir esse tipo de rock antigo era algo um pouco "fora da curva" pra um guri soteropolitano nascido em 1988, mas acredito que o ambiente com o qual você convive regularmente tende a influenciar bastante essa coisa do gosto musical na infância (no meu caso, a família). A cultura baiana, de um modo geral, é riquíssima, com tradições ligadas a religiões de matriz africana que também são oriundas da diáspora negra africana, tal como aconteceu com o blues nos Estados Unidos. Tenho orgulho de ter nascido e crescido em Salvador, sou um apaixonado por essa cidade, que percebo como um lugar de muita diversidade. Existem "tribos" musicais muito variadas, inclusive uma história de muitos artistas de rock incríveis, que vieram de Salvador e se tornaram referências em âmbito nacional.
EM – A gente percebe que o teu pai era um blueseiro clássico e você já vai um passo além. Mais puxado pro blues rock. Gostaria que falasse sobre isso.
EA - Acho que vem por conta de um caminho que talvez seja comum a muitos músicos de blues brasileiros: tive o primeiro contato com o blues diluído em canções de rock ou em versões de clássicos blueseiros gravadas por nomes do rock. É um pouco aquela coisa de primeiro descobrir Clapton, Stones e Led Zeppelin, para depois perceber que muitas daquelas canções, na realidade, são de autoria de Robert Johnson, Muddy Waters, Willie Dixon, etc. Me tornei um grande fã do formato power trio. Me fascina a ideia de ouvir uma massa sonora gorda vindo apenas de três caras tocando. Grupos como o Cream, Jimi Hendrix Experience, Band Of Gypsys, Grand Funk Railroad, SRV & Double Trouble são referências que curto bastante e me inspiraram a formar o Eric Assmar Trio, em 2009. O grupo acabou tomando mais esse caráter "bluesrocker" por conta dessas inspirações e acredito que pela minha maneira de compor. Procuro ser o mais espontâneo possível, tocar a música que tá no coração e na mente.
EM – Você gravou dois CDs nesse formato. Gostaria que contasse a história desses álbuns e falasse um pouco sobre o trio
EA - O trio surgiu quando recebi um convite do amigo João Carlos Guia, produtor de eventos, perguntando se eu toparia montar um trabalho solo para tocar blues com a minha cara, do jeito mais espontâneo pra mim. João já tinha um contato cotidiano comigo em minha atuação como músico em bandas ou sideman, antes disso, e foi um grande incentivador desse projeto solo. Convidei meus amigos Rafael Zumaeta (baixo) e Ricardo Ubdula (bateria), começamos tocando alguns covers de blues/rock e, aos poucos, fui compondo mais e, em 2012, lançamos o "Eric Assmar Trio", já com o amigo Thiago Gomes na bateria. O Ubdula mudou-se para o Canadá nessa época. Circulamos bastante promovendo esse primeiro trabalho, que foi gravado inteiramente ao vivo em estúdio, com produção minha e do meu pai (Álvaro Assmar). Minha ideia era um disco o mais cru possível, que desse ao ouvinte a sensação de estar ouvindo uma apresentação ao vivo, sem muitos overdubs. Em 2016, já com Thiago Brandão na bateria e vocais, lançamos o Morning, que é o segundo trabalho. Nesse disco, já fui mais para a coisa das canções, deixando fluir a inspiração do momento com composições que envolvem mais elementos. Também foi uma produção minha e do meu pai e, desde que foi lançado, circulei bastante com o Trio e sou muito grato por esses dois trabalhos. No momento, sigo produzindo o terceiro.
Eric e Álvaro Assmar (Sesc Santos)
EM – Há nove anos eu perguntei pro teu pai e agora vou perguntar pra você: como vê a cena blueseira nacional aí de cima, da Bahia? O que mudou em todo esses tempo?
EA - Vejo uma cena muito fértil, são muitos artistas fazendo blues em várias partes do país, inclusive aqui na Bahia. Os festivais também são muitos e são oportunidades bem legais de congregar artistas diferentes e, também, vejo neles um ótimo potencial de formar público. O blues não é um gênero tipicamente brasileiro, mas vejo que existe um nicho grande de pessoas que gostam dessa música, e até leigos que se surpreendem positivamente ao ouvir pela primeira vez e se apaixonam. Pessoalmente, gosto da ideia de poder contar a minha história fazendo blues do meu jeito, através das canções autorais e de releituras que façam sentido pra mim em determinado momento, mas acho que a criação e o fazer musical são livres, cada músico deve fazer aquilo que o faz sentir-se bem. Nesse sentido, considero a cena do blues no Brasil bastante diversa, você tem artistas de vertentes blueseiras muito diferentes produzindo novos materiais e alguns mais focados em covers. Imagino que a demanda de mercado, mais ligada ao entretenimento, possa ter alguma influência sobre esse aspecto, mas acho que as coisas podem coexistir, perfeitamente. Acho inclusive saudável que haja essa diversidade de propostas.
EM – Você é um dos poucos músicos que compõe letras em inglês e português. O teu primeiro CD foi dividido, mas no mais recente você preferiu as letras em inglês.
EA - Isso. Tento deixar a ideia musical o mais livre possível. Quando componho, tem vezes em que as ideias vêm em inglês, enquanto em outras vezes elas vêm em português. Acredito que compor blues em português seja um pouco mais difícil, por conta da própria sonoridade do gênero não ter originalmente sido concebida na língua portuguesa, mas nós temos ótimos exemplos de grandes letras de blues ou de canções bluesy escritas em português, o que pode ser observado, por exemplo, em alguns trabalhos do André Christovam, do próprio Álvaro Assmar, além de grandes poetas do rock brasileiro como Raul Seixas, Renato Russo, Cazuza, etc. Eu gosto de exercitar as duas coisas, mas me agrada a ideia de deixar a criação o mais livre possível. Desde que me sinta representado por aquela canção e seja algo vindo do coração, o fato de ser em português ou inglês acaba sendo uma consequência com a qual não me importo muito.
EM - Você usou um dos meus livros para formular tua tese de música na faculdade. Gostaria que falasse como foi isso.
EA - Isso! Foi, na verdade, a minha tese do Doutorado em Música pela Universidade Federal da Bahia (PPGMUS/UFBA), que concluí em 2019. O trabalho é na área da Educação Musical e trata sobre o ensino da guitarra blues no Brasil, identificando perspectivas metodológicas de materiais de estudo publicados aqui no país, entre livros, videoaulas e cursos online, e propondo algumas possibilidades nesse sentido. Os depoimentos de artistas de blues brasileiros que constam em seus livros são referenciais preciosos, pois os próprios participantes dessa cena do blues nacional contam suas histórias e as maneiras como percebem esse cenário, além, claro, dos estrangeiros que estiveram por aqui. São materiais fundamentais para entender nuances do blues nacional a partir das diferentes perspectivas das próprias pessoas "de dentro" desse universo. No meu mestrado, que defendi em 2014, escrevi uma dissertação sobre a prática do blues em Salvador, identificando falas e sonoridades dessa cena a partir de entrevistas com treze participantes. Fui costurando diálogos com essas pessoas, falando do meu lugar de pesquisador, mas sendo também um músico atuante nessa mesma cena. Aprendo bastante com a escrita desses trabalhos e percebo que isso, também, me faz perceber minha própria atuação como músico de outra maneira. Sou muito grato por ter tido a oportunidade de cursar mestrado e doutorado, podendo imergir em temáticas ligadas ao blues, que é o que mais amo.
EM – Você herdou o programa do teu pai, o Educadora BLues. Como foi essa retomada?
EA - Pois é, na verdade foi uma consequência inesperada. Em dezembro de 2017, meu pai sofreu um infarto fulminante e faleceu de repente, aos 59 anos. Ninguém esperava aquilo, foi uma circunstância absolutamente traumática e dolorosa. Eu tinha tocado com ele em uma sexta em Salvador, viajei para fazer dois shows fora no fim de semana (Ilhéus-BA no sábado e São Paulo no domingo), conversei com ele por whatsapp no domingo à noite e, na segunda de manhã já havia perdido meu maior ídolo, melhor amigo e confidente. Para além da tristeza enorme, me senti estimulado a fazer o que eu pudesse para honrar a memória do artista Álvaro Assmar. Tocar adiante os projetos que ele tinha e, através da minha música, dar continuidade a tudo o que ele me ensinou, com toda gratidão pelos anos de convivência com esse grande homem. Dentre os projetos dele que estavam em andamento, finalizei a produção do álbum "Family & Friends", que lançamos no segundo semestre de 2019 (sétimo CD da discografia dele) com uma temporada de shows bem legais, que contaram com a presença do meu padrinho André Christovam, grande amigo de Álvaro. Esses shows geraram um material audiovisual que produzi em parceria com a Cortejo Filmes, que foi exibido pela TVE Bahia e consta disponível no YouTube. Também está em andamento a escrita da biografia dele, pelo jornalista João Paulo Barreto, que deve ser lançada em breve. E além desses projetos, o programa Educadora Blues também havia ficado órfão, uma vez que desde 2003 o próprio Álvaro o produzia e apresentava, trazendo sempre lançamentos de blues no Brasil e no mundo. Na época de seu falecimento, essa foi uma grande preocupação, pois esse programa era motivo de um orgulho imenso para Álvaro. Um programa semanal dedicado ao blues na rádio pública da Bahia, no ar ininterruptamente por tanto tempo! Eu nunca tinha tido uma atuação profissional no rádio, só apresentei programas pontuais como convidado, falando do lugar de artista mesmo, mas sempre pesquisei álbuns e artistas de blues, paixão que herdei do meu pai e dividia muito com ele, também. Decidi topar o desafio e propus à coordenação da rádio e à direção do IRDEB (órgão estatal que administra a Rádio Educadora FM) que eu continuasse o programa. Eles adoraram a ideia e eu, então, fiz uma imersão em estudos nesse campo do rádio. Estudei bastante a maneira como Álvaro fazia os programas, desde padrões de locução, até níveis de mixagem/masterização, montagem geral do programa, etc. Contei com a preciosa ajuda de Washington Barbosa, profissional da Educadora com mais de 40 anos de carreira, com quem muito aprendi e ainda aprendo. Logo no mês de janeiro, fiz um passeio por toda a discografia de Álvaro, prestando um tributo ao pai do programa durante todo o mês. Em fevereiro, retomei a proposta de tocar os lançamentos no Brasil e no mundo. Tive e tenho tido uma aceitação maravilhosa dos ouvintes do programa, o que me deixa muito feliz. Já são dois anos e meio conduzindo essa missão, que representa algo especialíssimo pra mim e me dá uma sensação maravilhosa, de poder contribuir também por essa via para difundir o blues contemporâneo no estado da Bahia e, claro, quebrando essa fronteira com a transmissão online.
EM – Como tem se virado nesses tempos de confinamento?
EA - Eu vinha fazendo uma tour em cidades de Minas Gerais com os meus amigos Andrade Brothers, Gustavo e Luiz Andrade, duas feras do blues mineiro, quando os rumores do agravamento da situação do Coronavírus no Brasil estavam chegando com força. Tocamos de quarta a sábado, shows muito bons e com ótima adesão de público, mas no domingo já retornaria a Salvador para tocar em praça pública, porém o evento foi cancelado e, por tabela, toda a minha agenda de shows foi, pouco a pouco, sendo cancelada. Situação comum a todos os artistas, não teve jeito e não houve tempo hábil pra ninguém se preparar. Foi de 100 a 0 da noite para o dia. Decidi intensificar minha atuação como professor de guitarra blues via Skype, continuei produzindo os programas Educadora Blues em home studio, tenho escrito e registrado muitas canções novas, passei a ser mais requisitado para gravações como guitarrista e cantor e, também, comecei a fazer lives e shows online monetizados. Tempos muito difíceis para quem trabalha com arte e eventos, de modo geral, mas pessoalmente tenho a sorte de poder trabalhar com diversas atividades dentro da música, que não somente os shows presenciais. A Internet é um meio absolutamente essencial, nesse sentido.
Eric e Álvaro Assmar (guitarra), Jê Lima (baixo) e Caio Dohogne (bateria)
(Sesc Santos 19/01/13)
EM – Gostaria que falasse sobre o momento da cultura no Brasil. Quer dizer, perdemos o Ministério da Cultura que viabilizava muitos projetos espalhados pelo país, inclusive festivais de blues e jazz. Temos uma taxa de desemprego alta e ao mesmo tempo o Governo Federal enquadra a indústria do cinema nacional que gera milhões e emprega milhares de pessoas. Em apenas uma ano e meio trocamos cinco vezes o secretário de cultura.
EA - Momento crítico e triste, sem sombra de dúvidas. Acho absolutamente lamentável que tenha ganhado tanta força um discurso reacionário, que posiciona os artistas como inimigos do povo e do poder público, quando na verdade a cultura é parte fundamental da engrenagem de qualquer sociedade e esses artistas representam esse povo, estão ali para dialogar com as pessoas. A perda do Ministério é algo deplorável e as consequências disso, infelizmente, já estão sendo sentidas por todo o setor da cultura no país, que movimenta profissionais de várias áreas e tem um peso enorme para a economia nacional, para além da questão da importância da cultura em si. Vejo essa situação com muita tristeza e torço para que os danos sejam os mínimos possíveis. Que em breve possamos ter dias melhores para a representação da cultura em âmbito estatal.
EM - A última é uma pergunta inevitável. Qual foi a principal lição que o velho blueseiro Álvaro te deixou?
EA - As lições foram várias, na verdade, mas me inspira muito a seriedade e comprometimento dele para com o blues e seus ideais. Era um cara incorruptível, de uma nobreza de caráter rara e de uma solidariedade fora do comum. Sempre estendeu a mão às pessoas e "abraçou" com toda generosidade vários artistas que estavam começando. Além de tudo isso, ele sempre falava sobre a importância de o artista "ser o seu maior fã". Essa autoestima é um componente fundamental para você guiar uma carreira musical e poder ser livre e sincero com sua expressão artística. Tenho isso como um mantra e procuro sempre pensar nesse sentido.
Autor de temas clássicos como Black Magic Woman (sim, aquela música que não é do Santana), Green Manalishi (aquela que não é do Judas Priest), Oh Well e Albatross; um dos fundadores da banda inglesa Fleetwood Mac e um dos guitarristas mais importantes do blues/rock, Peter Green, morreu ontem, dia 25 de julho.
Com um timbre suave e compositor de mão cheia, o blueseiro Peter Green foi o arquiteto do som inicial da Fleetwood Mac nos anos 60 e início dos 70.
Conheceu o baterista Mick Fleetwood em 1965, mas em 1966, como muitos guitarristas ingleses, pelo menos os importantes, ingressou na Bluesbreakers de John Mayall.
De cara colocou duas composições no seu álbum de estreia, o A Hard Road, foram The Same Way e The Supernatural.
Só em 1967 Green se juntaria a Mick e Jeremy Spencer pra fundar a lendária Fleetwood Mac, entrando para a história da música mundial.
Após anos iniciais gloriosos com a banda, Peter voltou a se apresentar com John Mayall e a viver uma vida turbulenta. Diagnosticado com esquizofrenia, entrou e saiu de clínicas onde sofreu tratamentos com eletrochoque que o deixaram e estado semi letárgico. Também apresentou um histórico de posse de armas e ameaças a profissionais que trabalhavam próximos a ele.
Retomou sua carreira formando o Splinter Group gravando bons albuns.
Após toda essa turbulência, Green morreu dormindo, em casa, aos 73 anos.
Nos últimos anos tenho reparado que alguns dos jovens artistas que apareceram no mundo do jazz e do blues são oriundos de suas igrejas. Católicas e evangélicas. É a música achando seus caminhos.
Posso citar alguns aqui, o pianista de jazz Amaro Freitas, lá da capitania de Pernambuco; os rapazes das Just Groove, que acompanham por todos os cantos o guitarrista Igor Prado; os jazzistas aqui da minha terra, André William (piano) e o Elizeu Custódio (baixo).
Do vale do rio Paraíba, região prolífica para o blues nacional, veio a Bidu Sous que, desde menina se apresenta no coral de sua igreja, em Jambeiro, a meia hora de São José dos Campos.
Do vale do Paraíba, vem toda uma geração de blueseiros, Lancaster, Flávio Naves, Marcelo Naves, Fred Barley, Danilo e Nicolas Simi (os Simi Brothers) e tantos outros.
Nesse momento Bidu está trabalhando em seu CD solo, produzido por Lancaster, um dos guitarristas mais importantes da cena, criador de bandas que estão por aí fazendo barulho até hoje, Serial Funkers e Blues Beatles. Você já deve ter ouvido falar.
E pelo que eu ouvi do disco Don't Wake Me Up Early até agora, a moça está no caminho do blues. Usa a voz a serviço da emoção e a determinação para fazer o que gosta. A banda conta com caras da pesada, Adriano Grineberg (piano), Thiago Cerveira (gaita), Maurício Gaspar (bateria) e Raoni Brascher e Lucas Espildora. os dois últimos parte de sua banda.
É assim mesmo. Quando você cisma com esse negócio de blues não há outra saída. Como dizia os irmãos Allman: “Ain’t but one way out baby, lord I just can’t out the door”.
Bidu Sous representa uma cena musical que vem se renovando sempre. E, mais do que acumulando influências, misturando, renovando e criando afluentes onde os ritmos se encontram, no Mississippi e no Paraíba.
Eugênio Martins Júnior – Como foi a tua infância musical?
Bidu Sous - Meu pai é violeiro, então eu cresci ouvindo música raíz, moda de viola. Ele sempre fazia umas rodas em casa com os amigos e sempre estava por perto. Sempre gostei de cantar. Lembro que na minha infância, uns 5 anos, nas nossas viagens de ônibus, eu ia cantando na viagem inteirinha, imaginava que a janela era um palco e ficava acenando pras pessoas na rua (risos)!
Minha mãe ficava pedindo desculpas para os outros passageiros porque eu não parava nunca. Eles diziam: “deixa, ela tá cantando bonitinho". (risos)
Quando comecei a catequese aos oito anos de idade já entrei pro coral da igreja. Só parei de cantar na igreja com 19 anos. Saí do coral e fui cantar na noite. (rs). Mas a música sertaneja e o coral da igreja foram minha grande escola.
EM – Na adolescência você cantava temas de sertanejo raiz na igreja? Conta essa história.
BS – Eu e minhas irmãs montamos um coral gospel! Dividíamos as vozes, ficava muito bonito. E começamos a fazer paródia com os cânticos. Pegavamos uma música sertaneja famosa e colocávamos a letra das músicas da igreja. Começamos a chamar a atenção de muita gente, principalmente dos jovens e a missa começou a encher, eles gostavam de ouvir a gente. Mas aí uma das ajudantes do padre fez uma reclamação, disse que não era certo fazer aquilo com as músicas. Acabamos com o coral. Mas nossa técnica estava dando certo, levar os jovens pra igreja. (rs)
EM – E quando o blues entrou na tua vida e quando você decidiu se profissionalizar?
BS – O blues entrou na minha vida quando eu tinha uns 17 anos. Sempre gostei de conversar com pessoas mais velhas, nunca gostei do som que as pessoas da minha idade estavam ouvindo. Me lembro de ficar na marcenaria do meu avô com meus tios, ouvindo música e trocando idéia enquanto eles trabalhavam. E eles ouviam várias coisas, entre Janis Joplin, Roling Stones, Eric Clapton... e eu comecei gostar. Mas eu queria saber o que eles ouviram pra chegar naquele som, queria saber o que a Janis ouvia, o que os Stones ouviam. Foi assim que cheguei ao blues. Descobri Muddy Waters, Big Mama, entre outras coisas... e me apaixonei. Mas não sabia o que era “blues", não diferenciava o estilo musical. Pra mim era um som, uma cadência que mexia mais comigo.
EM – O Vale do Paraíba tem uma cena blues bem forte. Como isso te influenciou? Ou isso não aconteceu?
BS – É verdade. Essa cena e os músicos da região, renomados no Brasil inteiro, me influenciam, com certeza. Mas isso não aconteceu no início. Me lembro de ter visto um show da Irmandade do Blues (uma banda de SP) em São Francisco Xavier e fiquei maravilhada. Fui conversar com o guitarrista, que era o Edu Gomes, acho que ele nem lembra disso, mas fui pedir um conselho. Falei que queria cantar blues e queria saber o que eu poderia colocar no repertório. Ele me falou de Etta James, Koko Taylor, Nina Simone, Billie Holiday. Nunca cantei Nina Simone e Billie Holiday, mas ouvi bastante (rs). E mais tarde conheci o Lancaster Ferreira, um grande guitarrista de blues e produtor, que se tornou um grande amigo. Mas o gosto pelo blues já estava aqui.
EM – Você está preparando o primeiro disco. O que podemos esperar dele? Teve algum fio condutor? Pelo menos nas três músicas que ouvi percebi que está bem puxado para o blues.
BS – Podem esperar um disco de blues (rs). Quando conversei com o Lan (Lancaster, produtor do disco) que queria gravar um disco, ele me perguntou:
- Você quer fazer um disco de sucesso ou fazer um disco de blues?
- Quero fazer um disco de blues.
- Ah bom! Se me dissesse que queria fazer um disco de sucesso eu não ia topar essa empreitada, porque o sucesso é imprevisível. Mas quando a gente faz o que a gente gosta, com alma, isso já nos trás o sentimento de realização, porque acreditamos naquilo de verdade. E ainda corremos o risco de fazer sucesso. Será o primeiro disco de blues tradicional lançado por uma mulher no Brasil.
EM – Você foi pega no meio dessa produção pela pandemia de Covid-19. Como afetou esse trabalho?
BS – Isso atrasou bastante o processo, porque estamos tomando todos os cuidados necessários, evitando proximidade etc. Então não podíamos gravar no estúdio, eu não podia ir na casa do Lan nem na casa de ninguém. Pra você ter uma ideia, o Lucas Espildora gravou os arranjos de slide em duas músicas com um celular da casa dele. Não tínhamos como esperar isso passar pra depois gravar. Depois você escuta e me diz o que achou. O menino é talentoso.
Bidu Sous e Lancaster
EM – Gostaria que falasse mais sobre a parceria com o Lancaster e sobre a banda que te acompanha.
BS – Agradeço a Deus por colocar pessoas como o Lan no meu caminho. Além de ser um grande músico, é uma grande pessoa. Um cara generoso e verdadeiro. Quando conheci o trabalho dele já fiquei fã de cara. Acompanhava nas redes sociais, ouvi muito o disco “Say Goodbye to Trouble". No segundo show que assisti dele, ele já me convidou pra dar uma canja e a partir daí nos tornamos amigos. No disco, todas as músicas são autorais, compostas pelo Lan com co-autoria minha. Ele fez as letras e eu ajudei nas melodias. Mas as letras foram feitas baseadas no que ele conhece de mim. Hungry Woman, por exemplo, eu super me identifico. É que eu me alimento bem (rs). Mas esse processo de composição foi muito rápido. Quando começamos a compôr, em menos de duas semanas tinhamos todas as músicas. Foi uma conexão muito especial. Pra gravação no disco foi o Lan quem escolheu os músicos e eu fiquei muito feliz porque além de meus amigos, são pessoas que admiro muito. E por acaso, o baixista Raoni Brascher e o guitarrista Lucas Espildora, que gravou slide, fazem parte da banda que me acompanha hoje.
EM – Os festivais de blues e jazz no Brasil sobrevivem graças à Lei Rouanet e Sescs. E atualmente a cultura brasileira vem sofrendo um ataque sistemático do atual governo e essas duas frentes estão sendo muito afetadas com cortes e até uma certa marginalização. Qual a sua opinião sobre essa situação?
BS – Acho que isso é falta de informação de quem faz esse tipo de ataque. As pessoas tem preguiça de ler, de buscar a veracidade das coisas e se apegam em notas curtas e resumidas sobre muitos assuntos. O fake news que agrada é melhor que a verdade que derruba os argumentos. Ninguém vive sem arte.
EM – São tão poucas as mulheres blueseiras no Brasil. Você não escolheu um caminho fácil. Como encara isso?
BS – Já ouvi de muitas pessoas que deveria circular pelos vários estilos de música; pra não ficar presa a um rótulo; que o universo do blues é machista; que não ia durar se for só por nessa vertente; entre outras coisas. Mas é que eu só canto o que eu gosto. É assim que eu encaro. Não fico pensando em fazer um som “comercial", pra abranger um público maior. Preciso gostar, sabe? Pode ser que isso mude um dia... mas me dou esse privilégio, de fazer o que gosto e eu gosto de blues. (rs).
Morreu nessa madrugada, aos 91 anos, o compositor das trilhas sonoras de O Fascista, Por um Punhado de Dólares; O Bom, o Mau e o Feio; Era Uma Vez no Oeste; Era Uma Vez na América; Os Intocáveis; Cinema Paradiso; Bastardos Inglórios, Os Oito Odiados, A Missão, e tantas outras que estão no imaginário nos amantes da sétima arte.
Se você assistiu alguns desses filmes e teve contato com a genialidade de Ennio Morricone, saiba que você é um previlegiado. Se não assistiu, corra e preste atenção nas belas composições que acompanham as imagens desses clássicos do cinema mundial. Elas vão te transportar para dentro da trama.
Ennio Morricone nasceu em Roma, onde se projetou para o mundo compondo e arranjando trilhas sonoras marcantes para filmes italianos e mais tarde para Hollywood. Fez mais de 500.
Curiosamente, não ganhou um Oscar pelas suas trilhas até 2016, mesmo tendo sido indicado cinco vezes ao prêmio. Somente em 2007 recebeu das mãos de Clint Eastwood, protagonista de alguns filmes cuja trilha era de Morricone, um Oscar pelo conjunto da obra. E em 2016, finalmente, levou o Oscar pelos Oito Odiados.
Morricone morreu em um hospital em Roma após ficar internado por complicações de uma queda em sua casa.
Letras que nos levam aos campos floridos do interior do país (Jataí) ou aos campos de futebol, tema recorrente de suas histórias. Mas também a lugares sombrios, onde habitam os exploradores da fé e do erário público (“O mandatário perguntou quanto é que eu custo...”).
É blues, soul, sampa e protesto. Guitarra de corda de aço e gaita diatônica lado a lado com a viola caipira, o violão de nylon e a sanfona. A música de Edvaldo Santana é o amálgama de tudo isso.
Não adianta esse cara aí do poder querer nos tutelar. É ouvindo Jacob do Bandolim, Pixinguinha e Edvaldo Santana que reforçamos e reafirmamos quem somos: brasileiros.
E se a gente quer fumar um beck, a gente fuma. Se quiser tomar uma pinga a gente toma: (“Um beck, uma pinga, Jacob e Pixinga”).
Versos abusados de quem é nascido e criado na maior cidade do Brasil, ouviu e viveu suas histórias desde jovem, lá na perifa, em São Miguel. Edvaldo Santana é de São Paulo.
A amizade com Tom Zé o aproximou nos anos 70 ao maior número de malucos beleza por metro quadrado do país. Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Tetê Espíndola, Eliete Negreiros, Vânia Bastos, Ná Ozzétti e os grupos Rumo, Premeditando o Breque, Língua de Trapo e Patife Band. Artistas geniais e fora de qualquer enquadro.
Como uma enxurrada de verão descendo a rua Teodoro Sampaio, e quem já foi pego em cheio por uma dessas sabe do que eu estou falando, a “vanguarda paulista” apareceu arrastando tudo o que via pelo caminho até parar no teatro Lira Paulistana, onde fez abrigo. Assim como no Sesc Pompéia, que mais tarde também seria o refúgio das bandas punks de São Paulo.
As grandes TVs não deram muita bola para o “movimento”. Conheci todos esses caras, inclusive o Edvaldo, por causa da TV Cultura de São Paulo, já nos anos 80.
Após participar de algumas coletâneas independentes, o álbum Lobo Solitário, primeiro solo de Edvaldo Santana, lançado em 1993 pelo selo Camerati, tornou-se um marco na carreira do bardo e da discografia nacional. Bons blues como a faixa título, com uma slide insitente, o blues dançante Consulta (“quem não tem suingue não tem nada”); Muito Prazer, um slow da pesada e outros. Além das parcerias com Tom zè, Paulo Leminski e Arnaldo Antunes.
Ao londo das décadas 1990/2000, Edvaldo vem gravando discos independentes que descrevem dois lados do mesmo Brasil, o de beleza calma e bucólica do interior e o da tumultuada e angustiante vida urbana: Tá Assustado? (1995), Edvaldo Santana (1999), Amor de Priferia (2003), Reserva da Alegria (2006), Jataí (2012) e Só Vou Chegar Mais Tarde (2016).
Essa entrevista, realizada em meio à pandemia de Covid-19, fala sobre tudo isso. Se Jesus não manda recado, Edvaldo manda.
Eugênio Martins Júnior – Como foi a tua infância musical? Edvaldo Santana – Nasci e fui criado num bairro chamado São Miguel Paulista, periferia zona leste de São Paulo, filho de pais nordestinos que vieram como a maioria dos migrantes tentar mudar a vida na grande metrópole paulistana. Minha infância foi muito interessante pra formação musical, meu pai cantava e tocava violão com os amigos em casa nas horas de folga e gostava de ouvir Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Pixinguinha, Waldir Azevedo, também trazia os livretos de literatura de cordel que ele adorava. A influência da música brasileira foi fundamental, naquele momento, nos anos 60. No radio você ouvia de tudo, Roberto Carlos, Gilberto Gil, Teixeirinha, Caetano Veloso, Altemar Dutra, Tonico e Tinoco, entre outros. A televisão estava começando e a música popular era seu carro chefe. Programas como O Fino da Bossa, de Elis Regina e Jair Rodrigues; Show em Simonal, Jovem Guarda, Tropicalia, os Festivais de Música, que possibilitavam ao público conhecer a diversidade e a beleza da nossa canção. E ainda tinha o som que vinha de fora, Woodstock, Beatles, Rolling Stones, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Santana, Ray Charles. Posso dizer que fui privilegiado na formação musical, na infância e na pré-adolescência.
EM – E quando começou a tocar profissionalmente? ES – Em São Miguel Paulista temos um grande artista que se destacou no cenário nacional, o Antonio Marcos. Todo jovem que gostava de música queria ser como ele, artista famoso que cantava na TV e no rádio, com dinheiro, mulheres, carrões, aquela ilusão da maioria do povo na periferia. Logo cedo fui aprendendo a tocar violão como auto-didata, quebrando as cordas do Gianinni do meu pai. Cantei em circo, salões de igrejas, na escola formei um grupo para participar de festivais estudantis chamado Caaxió, nessa época, com 15 anos, trabalhava numa fábrica de brinquedos chamada Mimo que ficava entre o Brás e a Mooca, acordava três e meia da manhã, pra chegar as seis no serviço. Comecei a perceber que a vida estava muito difícil e que eu podia, juntamente com os amigos, tentar viver da música que criava. Já havia ganho alguns festivais, coincidentemente o mestre Tom Zé estava precisando de uma banda para acompanhá-lo num show na cidade de Assis (SP). Foi aí que começamos a viver profissionalmente, larguei a escola, a fábrica e fomos fazer uma temporada no teatro de Arena que era dirigido por Luiz Carlos Arutin. Em 1975 fomos contratados pela gravadora Chantecler e o nome da banda virou Matéria Prima, gravamos um LP e em seguida um compacto simples. Já pela CBS, nos apresentamos na TV, nos programas Fantástico, Almoço com as Estrelas, Flávio Cavalcante, entre outros. Com vinte anos já conhecía um pouco da vida de ser artista no jet set, descobri que tudo tinha preço que aquela vida de sonho de ser pop star era apenas uma ilusão, agradeço muito os desenganos, pois entendi que precisava aprender a cantar, tocar, escrever, aprimorar os dons que me foram doados. Era necessário lapidar, depurar aquele diamante bruto pra não me tornar apenas mais um produto descartável na vitrine da indústria cultural. Os sentimentos teriam que prevalecer sobre o mercado. O pato rouco aprendeu que o bagulho é louco, que o jabá existe, e voltou pra São Miguel cantando pro Brasil com humidade e sabedoria. Afinal, a história da nossa música passa por Noel Rosa, Cartola, Raul Seixas, Chico Buarque e voce não pode deixar a peteca cair, tem que manter o alto nível para as gerações que estão chegando entender a importância da música e da arte nas nossas vidas.
EM – Poderia falar sobre o Movimento Popular de Arte que chegou a lançar um disco em 1985, auge do underground paulistano com compositores geniais. ES – O MPA - Movimento Popular de Arte foi fundado no final de 1978 e teve atividades intensas até o final de 1985. É o primeiro agrupamento de diversos artistas e interessados na cultura, criado na periferia de São Paulo. Entre seus objetivos estavam a criação de espaços no bairro que fossem utilizados na formação de novos artistas, potencializando suas inclinações, assim como a criação de público, proporcionando à população mais pobre, acesso a oficinas, palestras, debates sobre a arte e a vida diária. Assistir a peças de teatro, shows de música, espetáculo de dança, exibição de filmes, sarau de poesia. Investir em lazer e cultura para a periferia era o seu objetivo principal. Durante o tempo que durou, o MPA produziu várias atividades, ocupando praças, ruas, teatros, sindicatos, salões paroquiais. Produziu um documentário para a TV Cultura, gravou um disco LP, uma coletânea que incluía os artistas representativos de sua história, como Matéria Prima, Edvaldo Santana, Sacha Arcanjo, Raberuan, Ceciro Cordeiro, Gildo Passos, Osnofa, Eder Lima, Ligia Regina, Zulu de Arrebatá, Luiz Casé, Grupo Goró. Foi gestor e organizador do MPA Circo que proporcionava cursos e apresentações de artistas consagrados como Belchior, Walter Franco, Inezita Barroso, Língua de Trapo, Tarancón, Paulo Moura. E grupos de teatro como União e Olho Vivo, Núcleo, Periferida. De poetas, como Akira Yamasaki, Claudio Gomes, Severino do Ramo. Grupos de música étnica, como o Crisol. De dança, como o Balé Nacional do Brasil. O Movimento celebrou 40 anos de sua fundação, realizando vários eventos comemorativos no bairro, sua atuação é de muita importância para a formação e desenvolvimento de artistas e pessoas que vivem no extremo leste da cidade, influindo na criação de Casas de Cultura, Oficinas Culturais, Bibliotecas, encurtando a distância entre o conhecimento e a sabedoria, entre a arte e a vida.
EM – O Lobo Solitário já começa com uma slide poderosa e cantado em português. Mas os temas não eram aqueles que a galera do blues tradicional estava acostumada a abordar. E, naquela época, foi isso que chamou a minha atenção. Marcou muito.
ES – Lobo Solitário é o primeiro álbum solo gravado em Santo André, produzido em parceria com o Camerati, uma experiencia extraordinaria. No final dos anos 80, quando morava no Rio de Janeiro, assinei um pré-contrato com a Warner para lançar meu primeiro álbum solo. Mas com a chegada do plano Collor esse projeto foi abortado, algumas canções que havia escrito naquele momento foram utilizadas no set list do Lobo Solitário que gravei entre 1992 e 1993. Sempre tive uma ligação com a música negra, principalmente com o jazz, o blues, a salsa, o reggae, mas adoro a música brasileira. Não teria sentido gravar um disco copiando o formato da música norte-americana, principalmente do blues, a ideia era unir essas estéticas de uma forma que fosse concebida naturalmente e principalmente cantada em português. Nós estamos na terra de grandes letristas e não sei falar inglês até hoje. Nunca fui interessado no catálogo, sou um artista fragmentado, a arte é dinâmica, não gosto de ser enquadrado de nenhuma maneira. Lobo Solitário é uma síntese desse meu jeito de viver e pensar naquele momento, tem grandes parceiros poetas que contribuíram muito: Arnaldo Antunes, Paulo Leminski, Haroldo de Campos, Tom Zé, Glauco Mattoso, Ademir Assunção. Além de músicos maravilhosos que se dispuseram a investir na obra, Luiz Waack, Bosco Fonseca, Daniel Szafran, Marcelo Farias, Bocato, Paulo Lepetit, Celmo Reis, os irmãos Beto e Rubens Nardo. A fotografia é de Milton Michida. É bom salientar que a primeira versão de Metrô Linha 743, além da gravação do grande Raulzito, foi realizada nesse trabalho é a quarta faixa desse álbum e as canções A Rússia Pegou Fogo na Sapucaí e Sabonete foram incluídas na coletânea Vanguarda da Música Brasileira, CD encartado na revista Audio News, distribuído em bancas de jornais
EM – Você tem alguns blues misturados com músicas, diria eu, bucólicas. Ou seja, um um som urbano, mas com um pé no campo. Gostaria que falasse sobre isso.
ES – O desenvolvimento da obra se dá com muita dedicação, com muito esforço. Aprendi a gostar de música sem me importar com o estilo e de onde ela vem. Se bate no coração e fica, tem sentido pra mim. Sou um paulistanóide, mas meus ancestrais são do meio rural, sou urbano/agreste e isso reflete na obra. Gosto do blues como gosto do samba, gosto do xote como gosto do jazz, gosto do rock como gosto do bolero, gosto da viola como gosto do sax, não tenho preconceito. Me dedico em inventar canções com letras, procurando originalidade nas formas e no conteúdo, acredito que quando consigo criar uma canção que satisfaça o meu sentido de observação, aguçando minha sensibilidade. Estou me aproximando da minha função de artista inventor, temos dores e alegrias, procuro expressá-las com a arte que venho desenvolvendo há muitas luas.
EM – Noto que em algumas das tuas letras você protesta contra os mercadores da fé que exploram o povo. São os casos de O Retorno do Cangaço e Domínio. Jesus não manda recado, mas o Edvaldo manda.
ES – Sim. Os temas de algumas letras passam por esse filtro de linguagem e observação. Questiono esse jeito milenar de enganar as pessoas através da fé, utilizando Jesus Cristo para vender sonhos e futilidades, prometendo a eternidade e a salvação para a humanidade. Hoje têm muito mais igrejas que escolas. Deus não intimida. Deus não deu patente nem para padre nem para pastor. Cada um sabe de si, como dizia minha saudosa mãe Judite: "Cada qual sabe onde seu calo aperta!”. Devemos deixar o ser humano escolher o seu caminho sem interferência religiosa, o estado laico é democrático, deixem a paz, a inteligência, a bondade tomar conta da gente.
EM – Alguns artistas são chamados de malditos, talvez por não frequentar a mídia musical e não badalar alguns sacos. Ouso citar alguns: Tom Zé, Jards Macalé, Itamar Assumpção, Jorge Mautner, Arrigo Barnabé. Pô, esses malandros têm as melhores letras do universo. Edvaldo Santana é maldito?
ES – Essa imposição do que é bem ou mal é pura balela mercadológica. Para excluir quem gosta de pensar, pois a arte tem o poder de influenciar a humanidade, de mudar comportamentos e atitudes. Temos que aprender a diferenciar; quem faz arte pensando apenas no produto de mercado de quem faz pelo sentimento, pelo prazer. Todos esses grandes artistas citados me fazem bem, portanto, estou fora desse xaveco, de quem é maldito ou bendito. O que importa pra mim é o que me entusiasma, não estou preocupado, com o mainstream. Vivo tocando meu barco do jeito que gosto, fazendo o que me deixa feliz, sem precisar me submeter aos marqueteiros e negociantes de plantão.
EM – Você é da época das grandes gravadoras. Passou por algumas e hoje é independente. Por um lado pode gravar o que quiser, publicar onde e como quiser. Por outro, não rola adiantamentos, lobby e tal. Como vê a cena hoje?
ES – Você pode escolher o seu caminho e é preciso coragem e desapego para seguir uma trilha independente, as dificuldades existem. Ser um artista sem grana e muitas vezes sem apoio, requer resiliência e competência para arcar com os projetos. Aprendi na estrada que era possível viver e fazer o que mais gosto, sem precisar passar pelo crivo de produtores que vem com a cartilha pronta. Conquistei muitos amigos que me ajudaram nessa trajetória, agradeço demais essas pessoas que acreditam em mim e na obra que desenvolvo. Nunca fui adepto a badalações e logo cedo entendi, que a música era um bem muito precioso e que eu precisava me dedicar incondicionalmente, aprendo com as dificuldades. Fico chateado com as manobras dos oportunistas, mas sempre lembro uma frase do grande Paulo Leminski: "Choramingando as minhas mágoas eu não vou a lugar algum".
EM – Estamos passando dias sombrios. Na política, há uma retórica anti-corrupção mentirosa, mas que muitos compraram e nos meteram em uma enrascada. E algumas de tuas letras abordam problemas que já vêm de décadas. Quer dizer, os mandatários continuam perguntando quanto a gente custa. Não evoluímos?
ES - As vezes me pego questionando: “Será que nossas canções não serviram pra nada? Será que é só com a dor que a gente lembra da paz?”. Sou ainda muito esperançoso. Acredito que houve mudanças, mas o processo de transformação é lento. Uma parcela de quem detém o poder não está interessado na melhoria do planeta. Se preocupam apenas com o seu bem estar material, o individualismo. E o consumismo desenfreado não os deixam entender que é bom pra humanidade que todos tenham acesso a liberdade, saúde, arte, alimentação, educação, moradia, qualidade de vida. Tivemos um momento muito bom na gestão do Lula, mas não foi suficiente, pra desbancar os picaretas que mamam nas tetas desse país maravilhoso e rico há muitos anos.
EM – E na saúde, com a chegada na Covid-19, os músicos estão sem fonte de renda. Como você está se virando e como vê o futuro da cultura no Brasil após a pandemia?
ES – Claro que está muito dificil para todos, temos uma doença que já matou mais de cinquenta mil pessoas, o desemprego, a falta de perspectiva e a incerteza são prementes, nas nossas vidas. Estou muito triste pois tem vários amigos que não encontrarei depois que a tempestade passar. Por outro lado, estou aprendendo a lidar com esse confinamento inédito. Estou escrevendo muito e compondo as canções que farão parte do novo álbum, finalizando um livro sobre São Miguel. As despesas da casa estão por conta da aposentadoria da minha companheira Sueli, que trabalhou 30 anos na área da saúde pública como psicóloga, mas como vivo na corda bamba sempre, não me desespero e agradeço os desenganos. Nestes momentos a gente fica mais forte mais solidário mais humilde e também mais astuto.
EM - E como vê o atual governo? Com essa política estimulando a violência, o desmonte na educação, cultura e ciência?
ES – Vou completar 65 anos e já vi esse filme em outras situações. Passei pela ditadura ainda adolescente, sofri muito com a perseguição política que meu pai, Felix, sofria. Sem emprego, sem perspectiva, passei pela era Collor que foi também bastante destrutível para a cultura, para os trabalhadores para o Brasil. O governo que aí está cumpre o seu papel a serviço do capital especulativo, propagando o ódio, a miséria, a morte, o desprezo, a falta de consideração e de humanidade. Não me surpreende. Cabe a nós continuar espalhando o amor, a paz, a luz, a liberdade, a solidariedade, pois maluco beleza não se dá por vencido. A metamorfose ambulante está entre eu e você.
•Entrevista publicada em 23/06/2020. O Brasil enfrenta a pandemia de Covid-19 há três meses. Há um mês sem ministro da saúde. Com 50 mil mortos e mais de um milhão de infectados. Sem ministro da educação. E o governo Bolsonaro enfrentando diversas denúncias de corrupção, improbidade administrativa, fake news, etc.
Aqui o assunto é música - todos os gêneros - e alguma literatura. Não vejo sentido em reproduzir o que já foi colocado na rede, por isso, produzo meu material. Produzo shows, entrevisto artistas e escritores e garimpo notícias e quando não tenho o que dizer, não digo nada. As postagens não obedecem uma periodicidade. O Nome Mannish Blog foi tirado da música Mannish Boy, de Muddy Waters, blueseiro do Mississippi considerado o elo entre o blues rural e o blues moderno. Espero que gostem do espaço e colaborem enviando informações.
Todas as despesas desse blog são custeadas pelo meu trabalho. Se você acha que deve pagar por essas informações, deposite qualquer quantia em: Banco Itaú - AG: 0268 CC: 31501-7 CNPJ: 14.240.073/0001-65. Obrigado e abraço.
Produtor cultural, criador dos Projetos Jazz, Bossa & Blues, Clube do Blues de Santos e Jazztimes. Jornalista formado em Comunicação Social pela Universidade Católica de Santos. MTB - 33.533
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