Texto: Eugênio Martins Jr
Fotos: Marcos Rodrigues
Na tarde do show que fez em Santos, em 24 de abril, Bruna Caram visitou o Centro histórico da cidade e em frente ao imponente prédio da Bolsa do Café fez uma revelação: “Lembro de ter vindo nesse prédio com a excursão da escola e não faz muito tempo”.
Opa, como assim?! Quantos anos têm Bruna Caram? Não sei, não fui deselegante em perguntar, e nem tive a curiosidade de procurar nos sites da vida. Deve ter uns vinte e poucos.
Mais tarde, ao ver o show no Teatro do Sesc de Santos, percebi que estava diante de uma artista preocupada com todas as etapas do espetáculo, ou seja, postura de quem se importa em “entregar” um bom produto final ao público. Postura de quem já é rodada, pelo menos para a idade, e no bom sentido.
Desde pequena cantando e atuando em grupos de seresta, Bruna canta, compõe e atua no palco. Dizem os numerólogos e tarólogos da crítica especializada que ela é uma das novas promessas da MPB. Ela já têm dois discos gravados - Essa Menina (2006) e Feriado Pessoal (2009). O tempo vai dizer. Por provocação, fiz essa pergunta e ela respondeu com segurança e sem muitos devaneios, aliás como em toda conversa. Bruna é boa de papo.
A seguir, entrevista exclusiva para o Mannish Blog, após o show que fez em Santos pelo projeto Voz de Mulher. Sob nossa produção e realização do Sesc Santos e Agência Urbana. Agradeço ao Marcos Rodrigues, da Agência, pela ajuda na entrevista.
Eugênio Martins Júnior – Gostaria que você falasse sobre a sua experiência nos Trovadores Mirins e depois nos Trovadores Urbanos.
Bruna Caram – Passei praticamente a minha vida inteira cantando ou fazendo serenata com os trovadores. Dos nove aos dezoito anos fiz serenata nas esquinas e o que eu acho mais bacana nisso é que eu vejo hoje, no palco, o quanto eu uso essa experiência de ficar cara a cara com o público, essa surpresa, de tentar emocionar, de ficar ligada nos músicos. Na serenata essa coisa da surpresa é muito forte e você tem de estar totalmente conectada com os músicos e com o homenageado, então hoje eu acho que isso é um diferencial no meu trabalho, essa coisa de olhar para cada um.
Marcos Rodrigues – E depois do show muita gente foi te ver, talvez por causa disso.
BC – E eu vi que a maioria não me conhecia. Não era fã. Senti isso, que a platéia não estava ganha no começo. E isso é bom, porque o show é posto a prova, se for um lixo eu vou achar um lixo. Não tem aquela aceitação, então é a primeira vez em Santos e viemos pra dar a cara pra bater. Mas o público correspondeu.
A diretora de meu show é diretora de teatro e ela tem muito esse cuidado com a imagem. Ela fala, por exemplo, que na hora de tomar água no palco o show ainda não acabou, então a gente toma água, dança, oferece à platéia, porque o show tem que continuar. Esse cuidado com o geral é a minha preocupação de não fazer um show só musical, é fazer uma grande apresentação, uma peça, um filme, visual, cênico, um espetáculo completo, de dança até. Tenho um show novo que é piano e voz, que tem literatura, tem textos falados, então, pra mim, quanto mais puder misturar as artes, melhor. Hoje se eu vou a um show que não tem direção eu já fico reclamando. Eu gostaria que o público fosse mais exigente, porque quanto mais difícil for melhor.
EM – Você é de Avaré, interior de São Paulo. Quando e como você foi parar na capital?
BC – Eu nasci em Avaré, mas sempre morei em São Paulo. Meus pais já moravam em São Paulo. O meu avô, que infelizmente não está vivo, era o médico parteiro mais famoso da cidade e eu tenho muitos primos e todos iam para Avaré para nascer. É muito raro, só dois ou três de vinte e cinco nasceram em São Paulo. No meu caso é mais engraçado ainda, porque eu nasci de sete meses e quem fez o meu parto foi meu avô.
EM – Você fez uma série de fotos no terraço do edifício Copam, muitas delas olhando para a cidade. Como a cidade influenciou a sua música, se é que isso aconteceu?
BC – Quando o disco saiu muita gente me perguntou se eu queria homenagear São Paulo, a minha paixão pela cidade. O que eu sinto é como todas as pessoas que se sentem em casa. Com todos os problemas e as qualidades é minha casa. É principalmente o lugar onde recolhi aquelas músicas, todo esse caldo. Tem até esse lance de o lugar onde as pessoas ouvem mais discos é dentro de seus carros. Não é que eu quis fazer isso, era inevitável, estou inserida nesse contexto. Não conseguiria fazer um disco sobre a Bahia, sobre o nordeste, praia, mas não seria fiel. A idéia de fazer em cima do Copam era de que o cenário cinza e sujo destoasse de mim. Como se eu representasse a música desse disco.
EM – Como uma artista jovem como você consegue se posicionar em um mundo com tanta música diferente, como jazz, MPB, bossa nova?
BC – Têm dois lados essa coisa desnorteada, dessa quantidade de música e de ter acesso a tudo. De um lado é muito mais difícil você se sobrepor, porque tem muita informação ao mesmo tempo. Hoje a gente ouve música do mundo inteiro em cinco minutos que você senta na frente do computador. Por outro lado, tudo é mais fácil porque você pode gravar alguma coisa em casa. Venho e escrevo no twitter que estou aqui, e filmo, coloco foto. Vejo mais o lado bom. Acho que o que tem essência, o que tem arte de verdade, porque o mundo é povoado por artistas de mentira, acaba saltando aos olhos do público. O público sabe muito bem eleger o que é melhor quando tem acesso. Quando a música é boa a gente fica arrepiada. Pronto. O negócio é fazer o povo arrepiar. (risos)
EM – Mas quais as suas influências?
BC – Essa pergunta todo mundo faz.
MR – É mesmo clichê, mas não dá para não perguntar?
BC – É que a gente tem acesso a tanta coisa. Desde Carmem Miranda dos anos 30 até Amy Winehouse, Bjork. Gosto da Lily Allen. Têm sempre as referências de vida, que te fazem mudar a forma de cantar. A Elis Regina que é a mãe de todas as cantoras do Brasil. Conheci a carreira dela quando era adolescente e vi que cantar era muito mais do que se dizia e se achava. Então eu tinha quinze anos e nem conhecia a obra dela e li a biografia, então eu conheci o pensamento antes de conhecer o som. E quando conheci o som vi que era muito autêntico. Então, posso dizer que a Elis Regina mudou completamente a minha alma, minha cabeça, meu conceito sobre cantar e sobre ser artista em geral. Tenho uma imagem da Elis na memória, que eu vi ainda adolescente no vídeo, que é ela pintada de palhaço, pintando a boca, antes de entrar no palco. Então, uma cantora que pode se vestir de palhaço entrar no palco e ser aplaudida como cantora pode tudo. A Edit Piaf é outra cantora que eu amo.
EM – Fale um pouco sobre a banda que te acompanha.
BC – Vou falar da equipe inteira. Formar uma equipe hoje é muito difícil para qualquer artista. Pra mim a minha equipe é minha família, vou trocar todo mundo quantas vezes precisar, até eu me sentir...
Olha, quando digo no palco: “com vocês os meus irmãos de palco” - não é brincadeirinha, não é modo de dizer ou rasgação de seda a toa. Aqueles músicos são realmente meus irmãos de palco. A gente está ensaiando esse show há três meses antes de cair na estrada. Saio com a diretora, saio com os meninos e eu tenho uma relação muito próxima com eles. É preciso entrar sempre bem no palco. Mesmo que aconteça uma discussão. Ainda assim o show é maior. Tenho de ter a certeza que todos têm isso na cabeça, nada é maior do que o show. Nada é mais poderoso.
EM – O que você está escutando hoje?
BC – Uhuuum! Estou ouvindo muito Carmem Miranda, porque estou lendo a biografia dela. As músicas antigas. Norah Jones, que eu amo de paixão. Tenho um disco da Carly Simon que eu roubei da minha mãe (risos). A Camille, uma francesa, nova também, que faz uns sons malucos com a voz. Stevie Wonder, Maria Bethânia, tantas coisas misturadas. É por aí.
EM – Como é ser uma grande promessa da MPB?
BC – Ahh, é você quem está dizendo. Fico muito feliz por esse título que se dá, mas me interessa mais construir uma carreira estável e que se diga: “Já não é mais uma promessa”. Estou na fase de me descolar da promessa e conquistar um espaço mais palpável e mais seguro.