Foto: Flávio Hopp
Essa entrevista do gaitista Big Chico encerra a série realizada com os blueseiros brasileiros que passaram por Santos, no mês de abril, em comemoração aos 20 anos de blues no Brasil. Os shows foram os seguintes: Igor Prado Band, 01/04; Robson Fernandes, 08/04; Caviars Blues Band, 15/04 e Big Chico Blues Band, 22/04.
A realização do evento foi do Projeto Jazz Bossa & Blues, Revista Ao Vivo e Sesc Santos. E o Sesc recebeu ainda, no dia 23/04, as apresentações de André Christovam e Heraldo do Monte.
Devido à simplicidade dos músicos e a paixão com que levam a bandeira do blues, os encontros se tornaram mais um bate-papo do que entrevistas formais e com Big Chico não poderia ser diferente. O cara ama o que faz e é muito gente fina.
Ele faz parte da nova geração do blues nacional e, assim como Igor Prado e Robson Fernandes, vem realizando vôos bem sucedidos fora do Brasil, tanto em excursões, como gravando CDs. A conversa aconteceu no dia 22/04, poucos minutos antes de Big Chico abrir seu show no Sesc Santos com um tema instrumental de arrasar. Baixo, bateria guitarra, gaita e voz.
Eugênio Martins: Gostaria que você falasse um pouco sobre seu começo artístico. Como foi parar no blues?
Big Chico: Comecei a faculdade de engenharia civil em 93, foi o meu primeiro contato com a gaita, nunca tinha tocado. Um amigo meu tinha uma gaita, comprou, mas nunca tinha tocado também. Peguei emprestado dele e nunca mais devolvi. Depois de três anos já estava na estrada. Abrindo show do Flávio Guimarães, do Blues Etílicos. No fim acabei sendo músico profissional. Trabalhei com engenharia até 2001 e quando não deu mais parti pra música que é o que eu amo.
EM: Chegou a terminar a faculdade?
BC: Tranquei no terceiro ano, faltaram mais dois, acabei partindo pra música.
EM: Onde você nasceu?
BC: Eu venho de Jundiaí, mas nasci em Cananéia, no Litoral Sul, sou caiçara. (risos).
EM: Quem você ouvia quando começou a tocar gaita?
BC: Meu primeiro contato com o blues foi com o Muddy Waters, com o James Cotton na gaita e o próprio Blues Etílicos. Não tinha muito material. Não tinha nem CD era vinil.
EM: Mas nos anos 90 já existia CD.
BC: Mas eu não tinha condição de comprar. Essa época o CD estava começando a chegar. Eu tinha de gravar nas fitas cassetes e era a maior dificuldade pra estudar, tinha de ficar voltando. O grande lance aconteceu depois que eu conheci o Chico Blues que é um grande pesquisador e incentivador de São Paulo, inclusive apóia a gente com o selo de blues chamado Chico Blues Records.
EM: E quem não conhece acha que é a mesma pessoa.
BC: Nós somos amigos é uma confusão saudável. Depois que eu o conheci a evolução foi bem mais rápida, comecei a ouvi mais gente. Me identifiquei muito com o Little Walter, que é um cara que eu amo e escuto até hoje. George Smith também, esse lance da cromática blues que eu também toco bastante. Ele é o gaitista que influenciou todos os outros da Califórnia: Rod Piazza, Wilian Clarke, Kim Wilson, Rick Estrin, esse pessoal. Em Chigao é o Little Walter, gosto também do Sonny Boy II (Rice Miller); gosto bastante do James Cotton, Junior Wells, Big Walter Horton. Gosto muito da gaita amplificada.
EM: Como você classifica o teu estilo com todas essas influências?
BC: Um pouco de Chicago e bastante da Califórnia. E também o soul, que também faz parte da minha cultura musical. Motown: Stevie Wonder Barry White, Marvin Gaye, Jackson Five, e Tim Maia. Eu tenho um trabalho que é voltado só para o Tim Maia.
EM: Como é isso?
BC: É um trabalho que está dando certo e é muito bacana. São oito músicos na banda que se chama Big Chico Funk Club, é um tributo ao Tim Maia, com novos arranjos e com gaita. Todo mundo gosta do Tim Maia, né? É um som pra cima, desde a fase Racional. O pessoal curte e sempre sai dançando.
EM: Na passagem de som percebi que você usa dois amplificadores. Qual é o equipamento de palco?
BC: Peguei essa influência do Rod Piazza, quando estive na Califórnia pela primeira vez. Vi o show dele em um bar e quatro ou cinco meses depois ele veio ao Brasil, ajudei na divulgação do show no Bourbon Street. Trabalhei como produtor. Ele usa dois amplificadores por causa do lance da cromática. Vem mais peso. A cromática exige que você toque com mais sutileza, por exemplo, não dá para você tirar bend da cromática, a não ser que tire as válvulas. Ela tem outra embocadura. Achei interessante dois amplificadores, um com reverb e outro com delay. Então dá essa sonoridade mais “gorda”, mais pesada. Mas não é para tocar alto, não. É pra fazer um som maior da cromática. Eu uso um Super Reverb 1971 e um Bassman que são preparados pra gaita. Microfone uso um Astatic JT-30 de cerâmica que dá um grave bacana. E a embocadura, misturo a “tongue block” com a limpa.
EM: E qual gaita que você usa?
BC: Sou endorsee da Hering. Estive recentemente na Alemanha fazendo a Musikmesse com a Hering. É uma feira que dura uma semana e foi um sucesso. Participei de um encontro que teve em Frankfurt. Mais uma jam-session em um bar de jazz e um encontro de gaitistas. Fiz três shows.
EM: E aos Estados Unidos, quantas vezes você foi pra tocar?
BC: Estive lá duas vezes. A primeira vez foi com a Hering também. E por meio do Johnny Rover, que é um grande amigo que eu conheci o Rod Piazza, o James Harman. Nessa primeira vez já rolou muita coisa bacana, toquei no bar do B.B. King, com Deacon Jones; fiz o Café Boogaloo, o Babe Rick’ Blues Bar. E na segunda, a convite do convite do batera do Rod Piazza, o Paul Fasulo, surgiu o CD Blues Dream, que foi mesmo um sonho de gravar com caras que eu tive contato em 2005, e em 2006 já estava voltando pra gravar. Foi uma benção de Deus, uma coisa que deu muito certo.
EM: Conta como foi a história do Blues Dream e do time que toca nesse CD.
BC: É um time da pesada. O Paul Fasulo, na bateria, da banda do (Rod) Piazza. E também a banda do (Willian) Clarke, com o Rick Reed, no contra-baixo; Zach Zunis e John Marx, nas guitarras e o Rob Van, no piano e (órgão) Hammond. E também o Johnny Dyer, que é um lendário bluesman do Mississipi participa em duas músicas. Ele é distribuído nos Estados Unidos pelo selo Pacific Blues e está indo muito bem, é o segundo mais vendido. E na Europa pelo selo Roots CD na Inglaterra, o pessoal que é fã de gaita já tinha o CD.
EM: O Pacific Blues está acolhendo vários artistas brasileiros, abrindo um verdadeiro canal de entrada do blues brasileiro nos Estados Unidos.
BC: Sim e quem tem feito essa distribuição com a gente é o Chico Blues. Além de mim o Robson Fernandes, a Prado Blues Band, Flávio Guimarães.
EM: Vou te fazer a mesma pergunta que fiz ao Robson Fernandes. O músico brasileiro manda bem em quase todos os gêneros e no blues não é diferente. Um dos motivos dos brasileiros irem aos Estados Unidos é pra mostrar aos gringos que nós também sabemos fazer blues, ou seja, buscar o reconhecimento?
BC: Não, faço blues porque é uma filosofia de vida. Comecei a tocar por gostar e por ser uma música de lamento, ela mexe muito com sentimento e eu tenho uma paixão pela história do blues. Depois dele veio o jazz, o rock, o soul e a black music. Fico feliz por passar por esse “teste drive”, mas não fico preso a isso, acho que a gente tem de ser feliz com o que faz e é o que eu sei fazer na minha vida. E o soul também, no meu show você vai ouvir muito blues, mas também vai ouvir Marvin Gaye, James Brown.
EM: O teu blues é meio funkeado mesmo.
BC: Tem bastante coisa de Maceo Parker, saxofonista que trabalhou com James Brown. Gosto muito de Fred Wesley, gosto de J.B.s (banda do James Brown), e Tim Maia na veia. Gosto também de acid jazz, do Soulive, Grant Green, Booker T. Também gosto muito do som do (órgão) Hammond.
EM: Tem público no Brasil para esse tipo de música?
BC: Acho que tem, mas a gente precisa mais espaço. Lá fora também não é fácil. Acho que a gente tem de cavar. Eu faço até casamento (risos).
Quanto mais você for polivalente mais mercado vai ter. O meu blues é um blues contemporâneo, que tem essa influência sem querer misturar com outro tipo de música que eu sei que não vai dar certo. Sem se prostituir. Não vou misturar feijoada com maionese.
EM: Algumas gravações da gravadora Alligator, de Chicago, são bem funkeadas. E atualmente o blues tem também essa cara.
BC: É claro, o Albert Collins, o Junior Wells, já fazia também.
EM: James Cotton, Lonnie Brooks.
BC: Sim, a música negra tem essa possibilidade. Cresci nessa cultura dos bailes que era o Chic Show. Gostava de Jimmy Smith e Wes Montgomery cantando Got My Mojo Working.
EM: Eles chegaram a graver um disco juntos.
BC: É e tudo são clássicos do jazz, da música negra, e a gente curtia sem saber. E hoje influencia na minha música. A gente toca Let’s Get It On (Marvin Gaye) e bota uma pilha no show, a galera pilha. É isso que dá o diferencial pra ganhar espaço. O trabalhador tem de trabalhar.
EM: E qual o tipo de música que você não gosta?
BC: (pensativo) Acho que a música mal feita (risos).
EM: Pô, que político.
BC: (risos) Acho que música artificial. Música sem emoção. Essa semana eu estava vendo na TV Cultura dois caras tocando uma música caipira, não lembro o nome, era uma moda de viola, a história do campo e tal. Isso me emociona pra caramba. Adoro a música brasileira, samba, bossa-nova. O samba verdadeiro, que veio do gueto. Não gosto de música apelativa, que faz mal às crianças, de pornografia. Acho que música mal feita traz negatividade.
EM: depois de tudo isso que você citou, o que você está escutando hoje?
BC: Em casa tenho curtido muito Little Walter, Tim Maia, Jimmy Smith, e da Califórnia Rod Piazza, Willian Clarke. Mas o que eu escuto muito é Little Walter. Ele era muito avançado pra época dele. Foi um revolucionário do blues, foi o primeiro cara a usar amplificador.
EM: Mas na época dele todo mundo era revolucionário: Muddy Waters, Howlin’ Wolf, Buddy Guy, Earl Hooker, Willie Dixon, Elmore James, T. Bone Walker e outros tantos.
BC: Todos eles eram desbravadores. Pavimentaram a estrada que a gente anda hoje.
EM: Você compra CD ou baixa na internet.
BC: Eu compro. Não tenho paciência pra baixar e acho uma falta de respeito com o artista. Sou artista e dependo disso pra viver, não recebo nada de direito autoral. É legal comprar o CD e ter o encarte e tal.
EM: E uma pergunta que eu faço pra todos os blueseiros. Existe uma cena de blues no Brasil?
BC: Existe, principalmente a gaita. Hoje nós temos duas fábricas de gaita no Brasil, a Hering e a Bends, temos ótimos gaitistas. Muito mais que alguns anos atrás e têm muitas bandas boas, o exemplo são as bandas que participam desse festival e dos festivais espalhados pelo Brasil e que o público aprecia. Não podemos dizer que estamos numa fase que está todo mundo indo, porque não é verdade, mas a gente vai conseguir chegar a um nível compatível ao público lá de fora.
PAUL ANKA
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