Foto: Leandro Amaral
A lista de exigências de Stanley Jordan para fazer um show conta com itens incomuns que revelam um pouco sobre a sua personalidade. Os alimentos, por exemplo, devem ser cozidos no vapor. Nada de carne vermelha ou fast food. Somente carne branca e legumes. Há também o pedido de pão integral, homus, saladas variadas e frutas frescas orgânicas que não devem ser cortadas antes da chegada do artista. Cai bem, ao final do show, uma sopa quente de legumes em pedaços e com pouco tempero.
Além dos equipamentos técnicos, Jordan exige uma bacia grande o suficiente para confortavelmente submergir as mãos; uma barra de sabão suave, não alérgico à pele e não perfumado artificialmente e água quente e fria ao lado do palco dez minutos antes do espetáculo para fazer seus exercícios.
Tudo faz parte de um ritual que o musico respeita à risca. Mais do que simples capricho, as exigências revelam a preocupação com seu próprio modo de vida. Seguindo a máxima “o homem é o que come”, Jordan dá seu exemplo. Com o lançamento do CD State of Nature (2008), pode-se dizer que faz o mesmo com sua arte. Em seu mais expressivo trabalho desde Magic Touch (1985), o guitarrista centrou suas composições na preservação do meio ambiente com o discurso na mesma via.
Às vezes, uma simples resposta se transforma em um verdadeiro tratado de questões ambientais, espirituais e filosóficas, como veremos nessa entrevista exclusiva concedida ao Mannish Blog, no dia 4 de dezembro de 2008, data de sua apresentação no Teatro Coliseu, em Santos, dentro do Projeto Jazz, Bossa & Blues. O show fez parte de sua 14ª turnê pelo Brasil, que dessa vez incluiu João Pessoa (PB), Rio de Janeiro, Salvador (BA), Recife (PE), Brasília, Porto Alegre (RS), Belo Horizonte e Ponte Nova (MG), São Paulo e Santos, totalizando 13 apresentações.
Eugênio Martins: O State of Nature possui um tema central que é como lidamos, ou como poderíamos lidar, com a natureza. Gostaria que você contasse como foi a escolha desse tema.
Stanley Jordan: State of Nature é uma reflexão sobre o relacionamento dos seres humanos com o mundo natural. Quando estava trabalhando no álbum pensei sobre questões que achei importantes e usei a música para ajudar a explorá-las. As perguntas que me vieram à mente foram: como, mesmo sabendo que estamos destruindo o meio ambiente, não mudamos nossa forma de agir? Como podemos ter uma relação mais harmoniosa e espontânea com a natureza sem ter de recorrer às leis ou intimidando as pessoas? Acredito que as pessoas irão escutar a música e também lerão os comentários na capa do CD. Tudo faz parte de um conceito, uma forma que encontrei para inspirá-las a fazer melhores escolhas.
EM: Qual sua visão particular sobre o assunto?
SJ: Na minha forma de ver temos basicamente dois grupos. O que acredita no progresso, na tecnologia, na capacidade da mente humana. Nesse novo futuro conseguiríamos controlar a natureza. O outro grupo é mais romântico. Quer uma volta ao passado, com menos intromissão da tecnologia. Acha que temos muita tecnologia, muita complexidade e que uma mudança deve acontecer na mente humana no sentido de centrar nossos valores na natureza. Em minha opinião, devemos apostar em uma combinação das duas perspectivas. Desde criança acreditei no desenvolvimento, mas dependendo do progresso acho que ele pode ser uma coisa ruim. Acredito que o melhor progresso que podemos adquirir é o conhecimento sobre o meio ambiente. Isso pode nos motivar a protegê-lo cada vez mais. Portanto, uma grande parte do problema também é deixarmos de ser preguiçosos. A questão principal é pensar da seguinte forma: como as minhas ações de hoje afetam o futuro do planeta?
EM: Quanto tempo levou para gravar o State of Nature?
SJ: Cerca de dois meses. Algumas músicas são um pouco mais antigas como Ocean Breeze, de 2000, que eu guardei para lançar no tempo certo. Durante a gravação estava na estrada, por isso algumas canções foram gravadas em diferentes lugares. Isso me deu a chance de trabalhar com músicos diferentes, em Nashville (Tennesse), Austin (Texas), no Rio de Janeiro. Também gravei em Nova Iorque, no Arizona e em três estúdios diferentes na Califórnia. Acho que cada um desses lugares me influenciou de maneira diferente.
EM: Nesse CD você gravou All blues, de Miles Davis, e Insensatez, de Tom e Vinicius. Como foi escolhido o repertório?
SJ: All blues é um pouco difícil de explicar porque a canção remete a um senso cósmico sobre a natureza, como se ela fosse um dos mistérios do universo. Um mistério da criação oferecido a todos. Insensatez tem um propósito específico. É uma canção de amor, mas também é sobre a nossa insensatez com relação à natureza. Vai direto ao ponto, cujo principal problema é a nossa falta de sensibilidade e de habilidade em lidar com isso. Por exemplo, somos incapazes de sentir compaixão pelos animais que comemos. Se sentirmos e expressarmos isso, poderemos nos tornar inconvenientes.
EM: O tema Song for my father é uma bossa nova e também uma música muito bonita. Há alguma relação com seu pai? Ele gostava de bossa nova?
SJ: Sempre fui muito atento aos diferentes sabores da black music. Acho que ela foi influenciada pela bossa nova, pela salsa. Nessa canção o propósito é mostrar o mistério da criação e co-criação e também homenagear meu pai, David Jordan. Quando eu me tornei pai, eu soube reconhecer o que ele fez por mim. E aprendi que preservar essa corrente eterna, e espero que seja eterna, é o melhor que podemos fazer.
EM: Em Shadow dance você saiu um pouco do seu estilo, a guitarra está muito mais rock do que jazz, com muita distorção. Fale um pouco sobre isso.
SJ: (risos) Bem, é um pouco do estilo que eu tocava antes de fazer jazz e também porque era sobre isso que se tratava a canção. Ela fala sobre sombras, mas sombras psicológicas. Sobre as coisas que não queremos encarar. Sobre as quais escondemos e acabamos criando neuroses. Como nossos insucessos afetam nossas vidas nos desconectando da nossa humanidade. Se pudermos aceitar isso, libertar essa sombra, também podemos levar uma vida mais harmoniosa com o mundo natural.
EM: Pra você a música é mais do que uma forma de entretenimento. Qual o efeito você acha que ela causa nas pessoas?
SJ: A música pode nos tocar em muitos níveis, porque nós podemos sentir suas vibrações. Quando ouvimos ou criamos música acontecem mudanças químicas em nosso cérebro. Acredito que ela ajuda o sistema imunológico na cura de doenças. Ela também nos ajuda emocionalmente e intelectualmente. A música nos ajuda a formar caminhos para a melhor interpretação de diferentes situações da vida.
EM: A primeira vez que você veio a Santos, em 2006, você fez uma apresentação especial para as crianças internadas na ala de oncologia na Santa Casa da cidade. Uma das músicas apresentadas foi All The children, tema de seu primeiro disco. Foi um momento emocionante, porque essa é uma bela música. Gostaria que você explicasse o significado dessa composição.
SJ: Essa é uma das razões de eu achar que a música pode ter um significado holístico. Por lidar com sentimentos os quais estamos envolvidos, a música pode ser a extensão dessa experiência. Nesse caso, a música celebra a importância de ser criança e de preservar essa infantilidade de uma maneira positiva. Mas ao mesmo tempo esse tema também possui elementos de tristeza, dor e sofrimento que muitas crianças passam no mundo atual. All the children faz essa combinação.
EM: Você já visitou o Brasil várias vezes. O que mais gosta no país e o que mais odeia?
SJ: Posso te dizer de cara o que eu mais odeio. É a hora de ir embora (risos). Oh, cara, preciso ficar mais tempo! É engraçado, porque eu me sinto em casa no Brasil. Gosto da música e das pessoas.
EM: O que você está ouvindo atualmente?
SJ: Quando estou trabalhando em um novo projeto eu fico muito focado no que estou fazendo. Na verdade não tenho muito interesse em ouvir outros músicos. Tenho mais interesse em desenvolver a música em que estou trabalhando.
EM: Qual sua relação com a música brasileira?
SJ: Como músico de jazz, fui exposto à bossa nova, que influenciou o jazz. Se você quer ser considerado um músico de jazz sério tem de aprender o que a bossa nova tem pra ensinar. Essa influência faz parte do repertório. Roberto Menescal, Tom Jobim puderam sentir essa reverência quando estiveram nos Estados Unidos.
EM: O que achou da eleição de Barack Obama?
SJ: Durante a eleição muitas pessoas que eu conheço trabalharam na campanha de Obama. Minha filha foi voluntária no dia da eleição. Todos tinham um sentimento positivo que alguma coisa boa estava para acontecer. E cada pessoa pensava: “o que eu posso fazer para ajudar Obama ganhar essa eleição?”. Eu sinto que é um momento significante. É o inicio de uma fase positiva. Temos hoje muitos problemas nos Estados Unidos na área econômica e acho que vão ficar piores antes de melhorar. Mas agora temos algo em que acreditar, por que nós sentimos que agora temos um presidente que irá nos ouvir. Nós nos sentimos muito mais envolvidos no processo de criação do nosso futuro.
PAUL ANKA
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