quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Nelson Sargento representa a tradição do samba



Foto: divulgação

A aparência frágil entrega a idade avançada. Mas as aparências enganam. O senhorzinho de quase oitenta e cinco anos que está sentado à minha frente está em plena atividade física e intelectual. Compositor, cantor, ator, artista plástico e escritor, pode-se dizer que ele é um artista “multimídia”.
O termo ainda não existia quando o carioca Nelson Mattos foi morar no Morro da Mangueira com sua mãe, empregada doméstica e cozinheira. Aos 19 anos, com parceria e sob proteção de Alfredo Português, compôs o samba enredo Primavera, também chamado de As quatro estações do ano, considerado um dos mais belos de todos os tempos. Alcunhado Nelson Sargento, serviu o exército, pintou paredes e compôs sambas inesquecíveis, entre eles, Agoniza mas não morre.
Sargento integrou o conjunto A Voz do Morro, ao lado de Paulinho da Viola, Zé Kéti, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, José da Cruz e Anescarzinho. Entre seus parceiros de composição musical, estão Cartola, Carlos Cachaça, Darcy da Mangueira, João de Aquino, Pedro Amorim, Daniel Gonzaga, Rô Fonseca e o mais recente Agenor de Oliveira.
Em passagem por Santos para divulgação de seu mais recente trabalho musical, o CD Vesátil, Nelson Sargento concedeu uma entrevista exclusiva ao Mannish Blog pouco antes de entrar no palco do Sesc Santos.

Eugênio Martins: Qual a sua primeira lembrança do samba?
Nelson Sargento: Quando eu fui pra Mangueira, fui pra casa do Alfredo Português e lá freqüentava Cartola, Carlos Cachaça, Aluisio Dias, Geraldo Pereira, a nata do samba da Mangueira, e foi ali que eu fui tomando conhecimento do samba e outras coisas mais.

EM: O senhor criou onze filhos. Algum deles enveredou por lado artístico?
NS: Sete filhos naturais e quatro adotados. Tenho um filho artista plástico e o outro é ritmista. São os dois que estão ligados à arte. O músico é do conjunto DNA do Samba, composto com filhos de compositores. Tem o neto da Ivone (Lara), do Martinho (da Vila), neto do Joca da Portela, esse é o DNA do Samba.

EM: O nome é ótimo.
NS: É, condiz (risos).

EM: Como a pintura entrou na sua vida? Quando foi que o senhor percebeu que também tinha esse talento?
NS: Eu era pintor de construção civil. Quer dizer, pular da parede pra tela foi um negócio fácil, porque a tela é muito menor do que a parede (risos). Eu não tinha segredo com tintas. Já lidava com tintas de várias qualidades. Fiz um quadro de massa plástica e mostrei ao (jornalista) Sérgio Cabral e ele disse que estava muito bom e que eu continuasse fazendo e eu estou fazendo até hoje. Foi em 1973.

EM: Nas suas telas tem o carnaval, tem a baiana, ou seja, o mesmo universo de personagens de seus sambas. A música já não é mais suficiente para o senhor como forma de expressão?
NS: Realmente eu boto na pintura o universo do samba que sai do meu subconsciente, mas eu não vejo a coisa por esse prisma. Quando eu comecei a pintar o tema já estava na minha cabeça. Por exemplo, eu fui favelado, então a favela já estava no meu subconsciente. Qual é a coisa importante na favela? O Samba. E quais são as coisas importantes do samba? A pastora, a baiana, o ritmista, o passista.

EM: Atualmente, qual das duas artes toma mais a sua atenção, pintar ou compor?
NS: Faço os dois com muita tranqüilidade. (risos).

EM: No seu CD, Versátil, há algumas parcerias. Gostaria que o senhor falasse sobre elas.
NS: Há dois parceiros que nesse disco já são falecidos. Há um parceiro bem vivo é o Agenor de Oliveira, estamos com cinco músicas nesse disco.

EM: Como são elaboradas essas composições em parceria?
NS: Não há uma fórmula. Se eu tenho alguma coisa eu digo: “Olha, eu tenho uma parte aqui”. E ele (Agenor) responde: “Tá bom, manda pra mim e vamos ver, ou eu vou aí e ma gente senta e ouve”. Normalmente, quando eu dou a primeira parte pra ele com música, ele me devolve a segunda com música.

EM: E pra você Agenor, como vê a parceria?
Agenor de Oliveira: Ele faz várias maldades comigo. Ele me dá a segunda parte de um samba pra eu poder fazer primeira parte. Às vezes ele me dá um pedaço de letra, ás vezes me dá uma letra inteira. Mas a coisa mais interessante não é nem a forma. O mais importante é a sintonia que a gente tem. É uma coisa que não dá pra explicar muito. Por que é uma coisa da sensibilidade, da identidade, da correspondência de sentimento e de intenção. Eu acho que parceria é mais difícil que um casamento, porque parceria você não mora junto, não depende um do outro, mas tudo que você faz tem de ser feito de uma forma que as pessoas saibam distinguir quem fez a letra ou quem fez a música. E o Nelson me deu essa oportunidade de trabalhar com ele, que também é um aprendizado.

EM: Com o passar do tempo a parceria vai ficando mais fácil ou é sempre difícil?
Agenor de Oliveira: A parceria tem um pré-suposto. Quer dizer, antes de você fazer música, já tem de haver uma parceria espiritual, vamos dizer assim. Tem que haver uma afinidade, se não houver você não faz música. Você pode pegar um excelente compositor, um excelente músico e às vezes não combina. A parceria pré-supõe um identidade. A gente viveu realidades e aprendizados diferentes, mas a gente tem alguma coisa na alma que sintoniza. Esse é o barato.

EM: O nome Sargento vem de sua época de soldado. Como era conciliar disciplina do quartel com a malandragem do samba?
NS: Servi de 1945 a 1949. No 1º Batalhão de Carros de Combate, do Exército, e nesse período eu fui soldado, cabo e sargento. Fui licenciado em 1949 e passei pra reserva no posto de 3º sargento. Reserva não remunerada. Ganhei uma repreensão porque entrei no quartel carregando um violão. No dia seguinte o boletim dizia: “O Sargento número 66, Nelson Mattos, por passar pelo portão das armas sobraçando um violão, fica repreendido”. (risos).

EM: Ficou na sua ficha?
NS: Ficou. Qualquer dia vou ver se consigo esse boletim (risos).

EM: Porque um espaço tão grande entre uma gravação e outra? É tão difícil gravar um disco pro senhor?
NS: Não, gravar é fácil. O difícil é tocar. Agora, fazer disco independente tem vantagens e desvantagens. Você faz um disco diferente, faz como você quer, como você deseja. Depois você tem um negócio que é o seguinte: prensagem e a distribuição. Aí a coisa começa a pegar. O Agenor é produtor fonográfico e ainda não ficou remediado (risos). Ele tem um selo, pô! Mais de sete títulos comerciais. Então a hora que eu fui fazer um disco, a idéia partiu dele de fazer um disco pela lei Rouanet. Aí conseguimos fazer.

EM: O que o Senhor acha desse pagode moderno? Eles têm espaço à vontade na mídia e gravam bem?
NS: Olha, partindo da premissa que música é linguagem universal, você tem de esbarrar com essas coisas. Porque há pessoas que querem ser diferentes e na hora da diferença ele mutila as coisas que já existem. E faz um marketing pra aparecer e aparece. É o que está acontecendo.

EM: Quer dizer, é uma diluição?
NS: Tem um compositor de Brasília que fez um samba que diz assim: “Quem não sabe tocar violão nem tambor, toca surdo, porque nesse mundo tem bobo pra tudo” (risos).

Um comentário:

  1. Caro, Eugênio!

    Muito bom sentir e vivenciar um pouco de seu espaço aqui. Gostei da proposta, gostei da forma como estrutura seus textos e, claro, não é a toa que é Jornalista.

    Sou Publicitário graduado e graduando em Jornalismo, por isso tudo isso aqui me define.

    Volto mais vezes, encontrei hoje seu universo, porém já te sigo! um abraço!

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