Fotos: Divulgação
Eu sou um cara que crio teoria pra tudo. Ou, pelo menos, para as coisas que eu acho que mereçam ser justificadas com uma teoria.
Por exemplo, porque, de uns anos pra cá, existe um crescimento das bandas de blues no Brasil? Na minha nada modesta opinião, é que a galera do rock está ficando mais velha e não tem saco para esse rock farofa que é feito hoje em dia. Então, o pessoal da minha faixa etária (mais de 40) e os que chegaram depois e realmente amam o rock das antigas, foram parar no blues, onde as guitarras continuam plugadas nos amplificadores valvulados e as letras continuam sem vergonha.
Não sei porque estou falando isso. Deve ser por que a entrevista a seguir é de um cara nascido no Rio de Janeiro nos anos 50, mas que se bandeou para Europa para ganhar a vida tocando os bons e velhos sons de Chicago e Mississippi e que hoje está na casa dos 60, mas continua mandando ver.
Em uma tarde chuvosa no Rio de Janeiro, conversei com o guitarrista Alamo Leal em uma chopperia Devassa lá em Ipanema.
Entre uma sarará, uma índia e uma ruiva, os iniciados sabem do que estou falando, foram quase duas horas de papo com o cara que tem muita história de estrada pra contar. Alamo não bebe e coube a mim a árdua tarefa de enxugar as tulipas.
Sincero, com bom astral e com uma pilha de histórias para contar (apesar de sua esposa ter acabado de sofrer um grave acidente doméstico), alguns trechos da entrevista de Alamo são marcantes pela forma crua a qual o cara expõe sua vida pessoal. Sem papas na língua, conta como a estrada devastou sua vida pessoal e a volta ao Brasil para o recomeço.
Durante mais de trinta anos no exterior, o carioca teve o privilégio de tocar com os grandes do blues de todos os tempos. A lista inclui Luther Allison, Clarence “Gatemouth” Brown, Albert Collins, Willie Kent e muitos outros. Com um excelente disco lançado em 2008, Alamo chega ao Brasil para ficar e já faz planos. Olha a entrevista aí embaixo. Exclusiva para o Mannish Blog.
Eugênio Martins Júnior – Conta como foi a sua infância no Rio de Janeiro.
Alamo Leal – Minha infância no Rio de Janeiro foi saudável, muito inocente. Nasci nos anos 50 e minha adolescência foi nos anos 60. Era praia, futebol na rua, crescendo em Copacabana, Leblon... o futebol sempre foi uma coisa importante pra mim. Comecei como atleta muito cedo. Comecei na escolinha do Botafogo com nove, dez anos. Fui atleta no período todo nos anos 60, mas engraçado que música já corria paralelamente. Antes de ficar familiarizado com Beatles e Rolling Stones, já estava conectado com Ray Charles e Fats Domino, música do sul dos Estados Unidos, New Orleans. Quer dizer o blues já era uma coisa que fazia parte de mim. Lembro vagamente que o Ray Charles tocou no Rio nos anos 60. Tem até um DVD. Não me lembro do ano exatamente. Naquele período estava muito envolvido com o esporte. Música que eu ouvia mesmo eram os Rolling Stones, que tinham aquela conexão com o blues de Chicago. McKinley Morganfield, no começo eles tocavam tudo. Quem era aquele McKinley Morganfield? Jimmy Reed, Bo Didley, Chester Burnett. Foi aí que eu comecei a ter interesse naquela conexão. Quem são esses caras? Aí eu descobri Chicago, estúdios Chess, 2120, South Michigan Avenue. E dali aquela coisa me capturou.
EM – E a guitarra, como apareceu na tua vida?
AL – A guitarra apareceu muito tarde... saí do Brasil em 1972 e me mudei para Londres. Em Londres eu tinha interesse em música, porque muitos músicos estavam morando lá naquela época. Sai numa leva, mais pela curiosidade de viajar, sair de casa. Do pessoal que eu cresci aqui no Rio de Janeiro, metade uma influência dos surfistas do Arpoador e a outra metade do pessoal do cinema e da música. Por exemplo, Caetano e Gil tinham sido exilados em Londres por causa de situações políticas. Daqui do Rio de Janeiro, alguns músicos já tinham ido para Inglaterra. Foi a minha escolha natural. Swinging London, 1969, e aquele negócio todo, festivais.
EM – Você foi ao festival da Ilha de Wright?
AL – Não cheguei a ir, perdi a Ilha de Wright, em 1970. O meu amigo Arnaldo Brandão foi e viu o Hendrix pela última vez. O Gil tava lá a Gal tava lá também. Nessa época o Arnaldo estava envolvido com A Bolha e envolvido com a Gal e com o Gil. Era a época do Doces Bárbaros. Eu era amigo do pessoal da Bolha, conheci Os Mutantes, todos eles estavam morando no Rio de Janeiro. Mas eu era muito garoto, 17 anos. Mas fui para a Europa e passei trinta e três anos fora.
EM – Mas e a guitarra?
AL - Apesar de ter comprado um violão acústico em 73 e aprendi as coisas básicas, três ou quatro posições...
EM – Sei, pra xavecar a mulherada.
AL – É, me lembro que naquela empolgação da viagem deixei a guitarra com um grande amigo, o baterista Chiquinho Azevedo, que faleceu uns anos atrás, e o Gilberto Gil pegou o meu violão e ficou tocando lá em Londres. Pra amaciar, vamos dizer. (risos).
Foi mais ou menos entre 78 e 80 que eu decidi pegar a guitarra e aprender. Mudei para uma cidade à oeste de Londres chamada Bristol e foi lá que meu aprendizado saiu e minha carreira profissional começou.
EM – Você vivia do que?
AL – Até então eu vivia de coisas diferentes, fazia trabalhos em obras, em restaurantes, entregas de mobílias para a Harold’s, que era uma loja lá em Londres, essas coisas todas que as pessoas fazem. Fui sobrevivendo e viajando. Quando comecei a tocar ao vivo, comecei a ganhar dinheiro e nessa época todo mundo que era bam bam bam na música tocava muito em Londres.
EM – Então você viu muito show em Londres.
AL – Vi tudo o que tinha de ver nos anos 70. Nos anos 80 também. Com exceção de Hendrix. Com exceção de Coltrane. O resto pode botar a lista na minha frente que eu vi tudo. Estava até conversando com um garoto aqui no Rio que é louco pelo Stevie Ray Vaughan e disse a ele que vi o primeiro show dele em Londres, abrindo para o ZZ Top, quando a banda do Stevie ainda era um trio. Antes de botar o Reese Wynans no Hammond. Só ele o Chris Layton e o Tommy Shannon. E já tinha visto o irmão dele, o Jimmie Vaughan, tocando com o Fabulous Thunderbirds em 1978, abrindo para o Muddy Waters and the Legend Blues Band, com o Jerry Portnoy, Luther Guitar Johnson, Calvin Jones, Pinetop Perkins, Willie “Big Eyes” Smith. Perdi as contas de quantas vezes vi o Clapton. Em tudo quanto é formato. Foi um período muito produtivo e que me ajudou muito no meu crescimento musical. Observar como os caras trabalhavam, a produção. Eu sempre gostei de ouvir tudo, gosto de country music, muita coisa de Nashville. Pessoas como Gram Parsons que foi um grande nome da country music, escreveu músicas maravilhosas. George Jones, Tammy Winette, todo aquele pessoal de Nashville. Escuto muita coisa de New Orleans, muita gente não sabe, mas o Ray Charles tocou piano para músicos de New Orleans. Antes de virar Ray Charles ele era o pianista do Lowell Fulson.
EM – Então sua carreira musical profissional começou em Bristol?
AL – Sim, naquela época a cidade era uma mina de ouro. Você podia tocar sete dias por semana.
EM – Você tocava blues no auge do punk rock?
AL – O punk começou a ficar forte em 1979. Em 1982 atingiu o pico e depois apareceram os New Romantics. Duran Duran e essas coisas que eu nunca fui muito chegado. Bristol tem uma história forte. A cidade ficou como o quartel general do folk blues. Todo aquele pessoal envolvido com o folk inglês haviam se mudado para Bristol. No começo do boom britânico do blues. Muitos músicos ingleses não dão a importância necessária para a influência dos Rolling Stones no blues inglês. O blues inglês existe porque eles importaram o blues de Chicago e Mississippi para a Inglaterra.
EM – Sem dúvida eles foram os primeiros a falar nisso.
AL – Em 62, 63, o blues estava morto nos Estados Unidos. Ninguém sabia quem era Muddy Waters. Os Stones trouxeram novamente esses artistas à tona.
EM – Depois disso muitos caras como Mississippi John Hurt, Skip James, Son House, Bukka White e outros reapareceram tocando no famoso Newport Folk Festival.
AL – Esses caras vieram do country blues, mas influenciaram muito o Eric Clapton. É uma linha enorme do Mississippi, Fred McDowell, Robert Johnson. Tem também o pessoal do Mississippi que migrou para Chicago. Tenho influência do Skip James, sempre gravo alguma coisa dele. É um dos grandes artistas. Eu comecei no violão acústico. Guitarra elétrica pra mim foi muito posterior. Por isso, penso que meu estilo é como se tivesse tocando violão acústico na guitarra elétrica. Uma forma muito crua.
EM – Voltando ao roteiro da entrevista, o que aconteceu depois?
AL – Um momento muito importante foi em 1991. Fui para o Canadá a convite de um amigo meu que é um grande músico, um grande compositor, um grande blueseiro e foi uma grande influência, chamado Steve Payne. Devo muita coisa a ele, aprendi muita coisa com ele, estilo de violão acústico. No Canadá ficamos entre Toronto e Detroit. Foi quando tive a oportunidade de tocar com os músicos de Detroit. Toquei em clubes de blues com o primeiro guitarrista do John Lee Hooker chamado Louis Bo Collins. Passei oito meses fora da Inglaterra e quando voltei deslanchei. Nos anos 90 toquei direto, estava com três bandas e com carreira solo. Cheguei ao ponto de tocar 25 noites por mês. Em pubs, clubes, restaurantes, festivais. Em 1995 fiz uma turnê tocando guitarra com um guitarrista de Baton Rouge, Louisiana, chamado Larry Garner. Através dele fiz três shows como sideman do Clarence “Gatemouth” Brown. Clarence voltou para Baton Rouge e eu continuei com o Larry e de lá mudei para Paris, minha segunda casa. Tive várias moradias em Paris nos anos 80. Ficava dois meses e voltava para a Inglaterra. Em Paris cheguei a tocar com Luther Allison, Bernard Allison, Lucky Peterson, naquela época a cena de blues era muito rica. Igor Prado que o diga, ele esteve lá recentemente e nós conversamos sobre isso. Lancei um álbum na Europa em 1997 e entre 97 e 99 mais de duzentas noites ao ano eu estava na estrada. O que me custou muito caro no sentido pessoal. Meu casamento desmoronou, minha vida pessoal desmoronou. A influência de álcool e drogas em situações como essa pode ser uma coisa muito pesada. Derrapei feio. O que me custou um recesso total na minha vida particular. Em 2002 eu não estava mais em condições físicas em dar continuidade... foram sete anos, entre 95 e 2002, foram anos de estragos pesados. Depois entrei em recuperação em uma clínica. Tive de fazer um trabalho pessoal, recomeço total. E parte dessa mudança foi voltar ao meu país.
EM – Quando foi isso?
AL – Foi em setembro de 2004. Não cheguei com intenção de fazer carreira no Brasil. Desfiz um contrato com a gravadora do meu primeiro álbum, o Rythm Oil. Inspirado no livro do escritor Stanley Booth, do estado da Georgia, trabalhou muito com os Rolling Stones nos anos 60. Só que o Rythn Oil não tinha o H na frente do Y. Esse livro foi muito importante porque tinha a influência dos artistas do Mississippi, Slepy John Estes e no geral. Esse CD me levou pra estrada por muitos anos. Então, foi quando voltei ao Brasil para aprender a ser brasileiro novamente, porque trinta e três anos fora é muito tempo. As coisas foram acontecendo aqui no Rio de Janeiro. Fui conhecendo os músicos, conheci o pessoal do Big Allanbik...
EM – Você via essa cena de blues no Brasil lá de fora?
AL – Engraçado isso. Tinha um garoto que tinha uma revista em Londres que estava muito em contato com o Helton Ribeiro, da Blues n’ Jazz, o Val Tomato. E ele fez uma entrevista comigo, sobre um K7 que eu havia lançado com uns músicos ingleses de blues. Ele mandou essa entrevista e uma crítica para o Helton e ele publicou na Blues n’ Jazz. Em 1997 o Big Gilson entrou em contato comigo, mas 96 eu já havia conhecido a banda com o Ricardo Werther, Beto Werther, Ugo Perrota e eles estavam em um pique maravilhoso. Também me levaram para ver o Blues Etílicos, foi meu primeiro contato. Voltei para a Europa sabendo que estava acontecendo alguma coisa de blues no Brasil. Alguma coisa legal. Mas deixei pra lá porque a minha carreira estava muito pegada lá. Em 2005/06 voltei a trabalhar no Brasil. Não foi uma coisa planejada, aconteceu super naturalmente.
EM – Começou aos poucos aqui no Rio?
AL – O Jefferson (Gonçalves) foi uma das primeiras pessoas que eu tive contato aqui. Ele me ajudou bastante naquele período, fiz um trabalho acústico com ele e com o Cléber Dias. Infelizmente não foi pra frente por diversas situações, o Jefferson viajando demais com a banda dele, eu tentando me adaptar. Conheci o pessoal do Blues Etílicos, o Otávio Rocha. Comecei a me envolver com os caras que na época ainda não se chamavam Blues Groovers (Ugo Perrota, Beto Werther e Otávio Rocha). Na verdade, o primeiro show como Blues Groovers foi comigo. Abrindo para a banda do Jefferson no falecido Estrela da Lapa. Até botei o Alan (Ghreen) que tocava no Big Allanbik que faleceu recentemente de forma muito triste. Foi meu debut no Rio de Janeiro.
EM – Em 2008 você lançou o CD Alamo Leal pela Delira Blues. Como aconteceu esse disco?
AL – Foi através do conhecimento do Beto Werther e do Flávio Guimarães com o dono do selo Delira Blues, o Marcelo Pêra. O Blues Etílicos havia lançado o Viva Muddy Waters, o selo lançou o disco do Flávio Guimarães solo e instrumental, o Maurício Sahady lançou lá também, o Laundromat 335 e a banda já era os Blues Groovers. Já tinha ido ao Nordeste, fiz o festival Oi Blues by Night. Com o Lancaster Ferreira, o Big Joe Manfra. Até fiquei um pouco mais lá por que a minha família é toda daquela área de Garanhuns. Então a oportunidade apareceu. O meu álbum saiu um pouco daquele blues tradicional. De lá para cá abri mais no Brasil. Toquei em São Paulo, Campinas, Ribeirão Preto, fiz o festival do Moinho da Estação no Rio Grande do Sul. Mas é aquele negócio, um passo de cada vez. O Brasil é um país tão imenso que as coisas demoram muito tempo para acontecer. Na Europa você tem vários lugares para tocar o tempo inteiro. Você consegue levantar uma carreira muito mais rápido do que aqui no Brasil.
EM – É que a música brasileira é muito forte e o blues não é nossa linguagem.
AL – O blues não é popular. Não há público, quem gosta é uma minoria. Eu falo para meus amigos que eu tomei uma decisão importante quando eu voltei para o Brasil. Nunca mais depender somente de música pra viver. Eu fiz isso em 22 anos de carreira profissional da Europa. Eu me vendia em qualquer banheiro público pra ganhar uma merreca e pagar as contas. No final você fica como um robô por aquela glória de ser músico profissional. Isso pra mim não existe. Música é prazer. Se você não tem prazer tocando, se você vai sair de casa pra ganhar cinqüenta reais pra poder por um pouco de dinheiro na conta em um banco... mas sua vida pessoal está desmoronando. Desculpe, isso é coisa do passado. Para quem pode fazer é maravilhoso. Mas hoje em dia você tira um em quantos? Eu tenho uma família, filhos uma mãe que está morrendo em uma casa de saúde. Não escondo nada, não. É tudo na mesa. Se quiser editar, edita. Se quiser colocar tudo, tudo bem também. Eu dou aula de inglês. Quantas vezes eu tive de acordar às seis da manhã e ir pra Madureira e dar aula de inglês por quatro horas para não depender da música. Graças a deus eu consegui fazer uma carreira na Europa, por mais simples e humilde que seja eu sempre tenho trabalho lá. Meus álbuns vendem bem. Cada CD que eu vendo lá é quarenta e cinco reais.
EM – Como esse dobro da capa do CD apareceu na tua vida?
AL – Tive uma National (Steel) 1936 na minha mão por muito tempo na Europa. Caiu na minha mão através de contatos. Sempre tive uma paixão pela música do Delta: Fred McDowell, Son House, o pessoal todo que tocava a National Steel e comecei aprender aquele estilo de slide. E vendo pessoas tocar. Tive de vender pelo exato motivo que eu estava te falando, pagar conta. Mas jurei que teria outra. Voltei à Europa para fazer uns shows e numa cidadezinha no interior da Inglaterra, vi essa National na parede. Não é uma National original, mas foi feita pela fábrica, é uma National Country Man. Eu estava com um violão acústico Taylor e fiz uma troca. É esse instrumento que está aí na capa do disco. Várias pessoas já tocaram nele, o Otávio Rocha gravou um CD com o Flávio Guimarães. Resolvi usar muito nesse álbum, na verdade toco guitarra elétrica em duas faixas ou três. Deixei o trabalho de guitarra elétrica pro Otávio fazer. Talvez seja a razão da sonoridade desse álbum ser um pouco diferente de uma coisa elétrica.
EM – E como foi a escolha desse repertório?
AL – Foi uma combinação de algumas coisas que eu já tocava ao vivo, músicas como Dallas e Hard Working Man. Algumas foram escolhas de estúdio, sempre quis fazer Muddy Waters e fiz Look What You’ve Done de um período bem cedo na carreira dele.
EM – Algumas delas têm um tratamento bem pop, outras uma levada stoniana. Concorda?
AL – Algumas coisas eu dei um tratamento pessoal. Não foi uma coisa premeditada, foi muito natural. Foi semi ao vivo. Todas as guitarras e violões foram no primeiro take. Eu queria gravar uma balada e foi um momento que o Ricardo Werther, que estava afastado dos palcos há algum tempo, estava querendo voltar. Achei que ia cair perfeitamente e ele gravou Memphis in the Meantime, do John Hiatt, que é um compositor maravilhoso. É uma coisa meio country com Jackson Browne. Não é um álbum puro de blues.
AL – Foi através do conhecimento do Beto Werther e do Flávio Guimarães com o dono do selo Delira Blues, o Marcelo Pêra. O Blues Etílicos havia lançado o Viva Muddy Waters, o selo lançou o disco do Flávio Guimarães solo e instrumental, o Maurício Sahady lançou lá também, o Laundromat 335 e a banda já era os Blues Groovers. Já tinha ido ao Nordeste, fiz o festival Oi Blues by Night. Com o Lancaster Ferreira, o Big Joe Manfra. Até fiquei um pouco mais lá por que a minha família é toda daquela área de Garanhuns. Então a oportunidade apareceu. O meu álbum saiu um pouco daquele blues tradicional. De lá para cá abri mais no Brasil. Toquei em São Paulo, Campinas, Ribeirão Preto, fiz o festival do Moinho da Estação no Rio Grande do Sul. Mas é aquele negócio, um passo de cada vez. O Brasil é um país tão imenso que as coisas demoram muito tempo para acontecer. Na Europa você tem vários lugares para tocar o tempo inteiro. Você consegue levantar uma carreira muito mais rápido do que aqui no Brasil.
EM – É que a música brasileira é muito forte e o blues não é nossa linguagem.
AL – O blues não é popular. Não há público, quem gosta é uma minoria. Eu falo para meus amigos que eu tomei uma decisão importante quando eu voltei para o Brasil. Nunca mais depender somente de música pra viver. Eu fiz isso em 22 anos de carreira profissional da Europa. Eu me vendia em qualquer banheiro público pra ganhar uma merreca e pagar as contas. No final você fica como um robô por aquela glória de ser músico profissional. Isso pra mim não existe. Música é prazer. Se você não tem prazer tocando, se você vai sair de casa pra ganhar cinqüenta reais pra poder por um pouco de dinheiro na conta em um banco... mas sua vida pessoal está desmoronando. Desculpe, isso é coisa do passado. Para quem pode fazer é maravilhoso. Mas hoje em dia você tira um em quantos? Eu tenho uma família, filhos uma mãe que está morrendo em uma casa de saúde. Não escondo nada, não. É tudo na mesa. Se quiser editar, edita. Se quiser colocar tudo, tudo bem também. Eu dou aula de inglês. Quantas vezes eu tive de acordar às seis da manhã e ir pra Madureira e dar aula de inglês por quatro horas para não depender da música. Graças a deus eu consegui fazer uma carreira na Europa, por mais simples e humilde que seja eu sempre tenho trabalho lá. Meus álbuns vendem bem. Cada CD que eu vendo lá é quarenta e cinco reais.
EM – Como esse dobro da capa do CD apareceu na tua vida?
AL – Tive uma National (Steel) 1936 na minha mão por muito tempo na Europa. Caiu na minha mão através de contatos. Sempre tive uma paixão pela música do Delta: Fred McDowell, Son House, o pessoal todo que tocava a National Steel e comecei aprender aquele estilo de slide. E vendo pessoas tocar. Tive de vender pelo exato motivo que eu estava te falando, pagar conta. Mas jurei que teria outra. Voltei à Europa para fazer uns shows e numa cidadezinha no interior da Inglaterra, vi essa National na parede. Não é uma National original, mas foi feita pela fábrica, é uma National Country Man. Eu estava com um violão acústico Taylor e fiz uma troca. É esse instrumento que está aí na capa do disco. Várias pessoas já tocaram nele, o Otávio Rocha gravou um CD com o Flávio Guimarães. Resolvi usar muito nesse álbum, na verdade toco guitarra elétrica em duas faixas ou três. Deixei o trabalho de guitarra elétrica pro Otávio fazer. Talvez seja a razão da sonoridade desse álbum ser um pouco diferente de uma coisa elétrica.
EM – E como foi a escolha desse repertório?
AL – Foi uma combinação de algumas coisas que eu já tocava ao vivo, músicas como Dallas e Hard Working Man. Algumas foram escolhas de estúdio, sempre quis fazer Muddy Waters e fiz Look What You’ve Done de um período bem cedo na carreira dele.
EM – Algumas delas têm um tratamento bem pop, outras uma levada stoniana. Concorda?
AL – Algumas coisas eu dei um tratamento pessoal. Não foi uma coisa premeditada, foi muito natural. Foi semi ao vivo. Todas as guitarras e violões foram no primeiro take. Eu queria gravar uma balada e foi um momento que o Ricardo Werther, que estava afastado dos palcos há algum tempo, estava querendo voltar. Achei que ia cair perfeitamente e ele gravou Memphis in the Meantime, do John Hiatt, que é um compositor maravilhoso. É uma coisa meio country com Jackson Browne. Não é um álbum puro de blues.
EM – E o que vem agora? Você me disse que estava gravando.
AL – Tenho dois projetos. Vou gravar um álbum elétrico esse ano. Tenho mais ou menos um projeto de blues de raiz, estou pretendendo gravar entre Rio e São Paulo. Mas primeiro na agenda, vou gravar esse álbum de blues de raiz com o Flávio Guimarães. National, violão acústico e gaita. Tive a oportunidade de fazer uns shows com o Flávio ano passado e já ensaiamos algumas coisas. O Flávio é um dos maiores profissionais com o qual pude trabalhar. Tenho muito respeito pelo trabalho do Flávio. As coisas que ele fez com o Igor Prado. E não somente, tive e oportunidade de trabalhar e gravar com muito gaitistas na Europa, em Chicago, e o Flávio tem uma posição como gaitista em nível global que não dá pra falar. Pra mim. Sempre o reconheci como um dos grandes. Tocar com ele é uma honra.
EM – Serão músicas suas?
AL – Não, serão covers. Sempre achei que o repertório de blues de raiz é infinito. A escolha do material pra mim é a cosia mais importante para as bandas de blues no Brasil. Há tantas músicas que poderiam ser escolhidas e que não são. Talvez por conta do desconhecimento desse vasto material. Meus anos na Europa deram esse conhecimento. Se tiver que fazer três shows a partir de hoje a noite, posso fazer duas horas em cada show e todos os shows vão ser diferentes da noite anterior.
EM – E o álbum elétrico? Você vai pegar uns músicos em São Paulo?
AL – Vou pegar em São Paulo e Rio de Janeiro, vou colocar as peças juntas e vai ser uma coisa bem Chicago. Aquele lance do Muddy, Little Walter, Wolf. E no outro lado vou usar sopro. Umas coisas mais suingue, mais balançadas, Memphis.
EM – Quais foram os melhores momentos dessa caminhada?
AL – Estar com Clarence “Gatemouth” Brown no palco foi muito importante.
EM – Ele é meio chato, não é?
AL – Nós fizemos um ensaio numa tarde e ele teve muito problema com o baterista da banda que não conseguia pegar algumas coisas. Teve um momento engraçado que ele mandou o baterista sair que ele ia tomar o lugar dele e mostrar como se fazia. Ele sentou na bateria e fez. O primeiro show que nós fizemos foi em Paris, mais de duas mil pessoas em um ginásio e teve John Lee Hooker, Billy Branch e nós fechamos. Esse foi um show muito emocional pra mim. Tive a oportunidade de dividir o palco com o Luther Allison em Paris. Também foi uma emoção enorme. Recentemente fiz o festival do Moinho da Estação e tive no palco o Rick Estrin and the Nightcats. Tocar com o Darryl Jones dos Rolling Stones. Não só tocar, mas gravar. Passamos com ele cinco dias e cinco noites, eu na National e ele no baixo. E ele tocando violão também porque ele nasceu em Chicago. Conversamos sobre a maneira como os Rolling Stones trabalham. Tocamos blues. Momentos maravilhosos. Toquei com um cara que é pioneiro em National Steel, Kent DuChayne. Ele viajou muito com o Johnny Shines que por sua vez foi companheiro de Robert Johnson. Kent acompanhou o Johnny até a morte dele. A minha influência de delta blues vem dessa área. Eu coordenava uma jam no House of Blues In Paris, no mercado das pulgas. Era sempre ás segundas-feiras e não era fora do normal aparecer o Luther Allison e o Bernard Allison. Em uma dessas noites eles levaram o Lucky Peterson. O Albert Collins entrou e tocou. A lista é enorme. Toda segunda havia um americano que estava passando por Paris que terminava na nossa blues jam.
FUI COLEGA DE JOSÉ LEAL na equipe de "O CRUZEIRO": nos anos 50 foi pai, pelo casamento com Eunice Leal, de um filho (único) a quem deu, por sugestão do fotógrafo José Medeiros, o nome de ALAMO LEAL ao recém nascido: é você?
ResponderExcluirSou Flávio Damm, então companheiro/colega de equipe dos dois citados no "O CRUZEIRO".
Meu endereço eletrônico é flavio.maragato@gmail.com
Em caso SIM, faça contato, quero te contar porque te chamas Alamo...eu estava presente no momento em que teu nome de batismo surgiu.
Gostaria de fazer contato com Flávio Damm, pois Zé Leal me é familiar e já escrevi algo sobre ele. Meu e-mail: pdnasc441009@gmail.com
ResponderExcluirResido em J. Pessoa-PB