sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Mundo do jazz perde dois be bopers da pesada, Lou Donaldson aos 98, e Roy Haynes, aos 99

 

Lou Donaldson (Foto: Getty Images)

Em um intervalo de três dias o mundo do jazz perdeu dois grandes jazzistas da geração dos grandes be bopers.
O saxofonista Lou Donaldson morreu em 09 de novembro aos 98 anos e o baterista Roy Haynes em 12 de novembro aos 99 anos, apenas quatro meses de completar 100 anos.
Ambos estavam em New York quando a turma de Dizzie Gilespie e Charlie Parker fundou o be bop, elevando o jazz à grande arte. 
Lou Donaldson liderou grupos com os remanescentes do bebop, entre eles, Horace Silver, Art Taylor, Art Blakey, Percy Heath, Kenny Dorham, Clifford Brow e Philly Joe Jones.
Lutou na II Guerra Mundial e também nas fileiras do The Jazz Messengers, prolífico e lendário grupo liderado pelo baterista Art Blakey, participando de um dos primeiros discos do gênero hard bop, A Night at Birdland.
Nos anos 60 deu um gás na carreira gravando bons discos no selo Blues Note. O público fora do jazz percebeu seu nome em 1967, quando gravou Ode To Billy Joe, de Bobbie Gentry, um dos maiores sucessos da época, com o jovem George Benson na guitarra.  Recomendo os álbuns Alligator Bogaloo, "Lou Donaldson at His Best e Wailing With Lou.

Roy Haynes (Foto: Jonathan Chimene)

Roy Haynes nadava com os tubarões da mítica 52 Street: Dizzie, Charlie (Bird) Parker, Miles Davis, Thelonious Monk, Sonny Rollins, Percy Health, Freddie Webster, Roy Eldridge, Max Roach, JJ Johnson e tantos outros caras importantes da época.
Enturmado, era convidado para as sessões dos caras. Participou da primeira sessão de Miles para Prestige, com Sonny Rollins no sax, Bennie Green (trombone), John Lewis (piano) e Percy Heath (baixo acústico) . Época que Miles era viciado em heroína. 
Não parou no tempo e sua versatilidade o conectou aos caras do fusion nos 70 e 80, com Chick Corea e Miroslav Vitous formou o Trio Music que gravou pela ECM alguns álbuns.

terça-feira, 12 de novembro de 2024

Dupla de virtuoses, Alessandro Penezzi e Fábio Peron, lança CD autoral em Santos na sexta, 15 de novembro

Esse grande show faz parte do Choro Patrimônio Santista, evento que o Clube do Choro de Santos promove em novembro e dezembro de 2024. Na quinta, dia 14, tem o Choro da Casa. Tudo na sede da entidade. Tudo Grátis 

Alessandro Penezzi e Fábio Peron

Alessandro Penezzi (violão 7 cordas) e Fábio Peron (bandolim 10 cordas) lançam seu primeiro CD juntos. A apresentação será na sede do Clube do Choro de Santos, no feriado do dia 15 de novembro.
Contemplado pelo Proac/2020, o disco é formado por uma fina seleção de 10 choros e valsas autorais e inéditas. 
O single Chorinho Pra Dominguinhos entrou nas plataformas digitais em 11 de fevereiro. O seguindo single Choro pro Pirajá chegou em 22 de abril. 
No primeiro semestre de 2021, Penezzi e Peron se dedicaram a compor, tocar, definir repertório e o que eles queriam contar com aquelas músicas. Segundo Fábio, isso obedece a uma ordem subjetiva “porque na música instrumental não temos uma letra com um idioma para dizer sobre o que é aquilo. Mas a gente concorda que tem uma história sendo contada com a sequência dessas músicas e sua variedade de ritmos e andamentos”. 
O repertório – totalmente inédito - é formado de choros lentos, sambados, de andamento médio, valsas rápidas e lentas. Muitas delas feitas em homenagem amigos e pessoas que eles admiram. É o caso de Chorinho pra Dominguinhos, dedicado ao lendário sanfoneiro e compositor, Choro do Pirajá (para um amigo luthier) e Mestre Miltinho (um bandolinista e cavaquinista parceiro de ambos). 

Alessandro Penezzi - Multi-instrumentista e compositor, Alessandro Penezzi está entre os principais violonistas de 7 cordas de todos os tempos no Brasil. Além de tocar violão tenor, cavaquinho, bandolim e flauta. Em 2018, venceu o 29º Prêmio da Música Brasileira na categoria melhor álbum instrumental com o disco “Quebranto”, em parceria com Yamandu Costa.
Nascido em Piracicaba (SP), é formado em violão erudito e é bacharel em Música Popular. Integrou o Regional de Carlos Poyares, Trio Quintessência e Grupo Choro Rasgado. Já formou duos com o maestro Laércio de Freitas e os clarinetistas Alexandre Ribeiro e Nailor Proveta. Tocou com Dominguinhos, Hermeto Pascoal, Beth Carvalho, Sílvio Caldas, Alaíde Costa, D. Ivone Lara e as orquestras Jazz Sinfônica de São Paulo e Sinfônica de Londres.
Apresentou-se nos Estados Unidos, Rússia, Itália, Alemanha, Dinamarca, Holanda, Argentina, Uruguai, Colômbia, Portugal, entre outros países. Abriu o show de Wayne Shorter, no 30º Skopje Jazz Festival (Macedônia). Compôs a trilha sonora de SOS Fada Manu, animação brasileira (canal Gloob), além de ter obras publicadas internacionalmente.

Fábio Peron - Um dos grandes expoentes da nova geração de músicos. Começou a tocar aos cinco anos de idade. Dedica-se à composição, pesquisa e arranjo de vários períodos e estilos da música do mundo. Tem como instrumento principal o bandolim de 10 cordas, mas também tem fluência em outros instrumentos como o violão de 6 e 7 cordas e cavaquinho.
Em seu currículo, shows e gravações com Paulo Vanzolini, André Mehmari, Amilton Godoy, Arismar do Espírito Santo, Thiago Espírito Santo, Lea Freire, Silvia Goes, Naylor “Proveta” Azevedo, Mestrinho, entre muitos outros. 
Lançou seu primeiro CD em 2011, Fábio Peron em Boa Companhia. 
Em 2013 gravou Roupa Na Corda, com Arismar do Espírito Santo e Léa Freire.No ano seguinte veio Alma de Músico, com Thiago Espírito Santo e Mestrinho do Acordeon. Em 2015, lançou seu segundo trabalho solo “Fábio Peron e a Confraria do Som”, que conta com as participações de Arismar do Espirito Santo, Thiago Espirito Santo, Izaías Bueno de Almeida, Alexandre Ribeiro, Ricardo Herz, Chico Pinheiro e Zé Barbeiro, entre outros. 

Serviço:
Show: Choro da Casa
Data: Quinta-feira, 14 de novembro
Show: Alessandro Penezzi e Fábio Peron
Data: Sexta-feira, 15 de novembro
Local: Clube do Choro de Santos
Endereço: Rua XV de Novembro, 68 – Centro
Horário: 20h (ambos)
Valor: gratuito

sábado, 9 de novembro de 2024

Clube do Choro de Santos realiza grande celebração musical em novembro e dezembro de 2024

O projeto Choro Patrimônio Santista reunirá mais de 40 artistas nas tradicionais rodas de choro, oficinas e shows musicais na sede do clube. Tudo grátis

Choronas

O Projeto Choro Patrimônio Santista irá realizar dezessete ações culturais gratuitas em Santos, sempre com o foco no Choro, entre elas, rodas de Choro, oficinas e shows. 
A realização deste projeto é de extrema relevância tendo-se em vista que o mesmo conflui com as recomendações para salvaguarda do Choro como patrimônio cultural do Brasil (ACAMUFEC, 2023).
Brasileiríssimo e cheio de misturas, o Choro agora é o 53º Patrimônio Cultural Imaterial do país. O pedido foi aprovado recentemente, no dia 29/02/2024, em decisão unânime do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). 
Em Santos a história é antiga, e virou manifestação cultural com nosso sotaque. Segundo Bandeira Junior, em Santos desde meados do séc. XIX os conjuntos musicais faziam serestas nas noites de lua cheia. O Diário de Santos saúda essas serestas em 1873.
O Clube do Choro de Santos, organização da sociedade civil de interesse público, teve fundamental importância como um dos principais protagonistas na contribuição do Choro, enquanto manifestação cultural para o registro, junto com o Clube do Choro de Brasília, Instituto Casa do Choro do Rio de Janeiro nas superintendências do Iphan. 
O Clube do Choro de Santos também foi a entidade responsável pela institucionalização do Dia Municipal do Choro, em Santos, do Dia Municipal do Choro, em São Paulo, e do Dia Estadual do Choro, em todo o Estado de São Paulo, iniciativas que homenageiam os patronos Pixinguinha, Antonio D’Áuria e Garoto, encaminhadas aos então parlamentares Genoísio Boquinha Aguiar, Soninha Francine e Paulo Alexandre Barbosa e que viraram Leis nas localidades citadas.

Clube do Choro de Santos - Foi fundado por um grupo de amigos ligados pela causa do choro em 23 de abril de 2002, na data em que se comemora o Dia Nacional do Choro, em homenagem a Pixinguinha.
A inauguração aconteceu nas dependências do bar e lanchonete do Sesc Santos. Marcello Laranja fez uma explanação sobre a história do choro, ao lado do conjunto Cinco Companheiros. De início, a base do clube era os membros Luiz Antonio Pires, Jorge Maciel, Obed Zelinschi e o próprio Marcello. Logo em seguida, outros companheiros vieram a integrar a diretoria, como Ademir Soares, Paulo Renato Alves, Herlinha de Souza e outros.
A primeira sede do Clube ficava nas dependências da Sociedade Humanitária, na Praça José Bonifácio. Era uma única sala que servia para encontros e reuniões. Algum tempo depois, no dia 23 de abril de 2008, foi inaugurada a nova sede no calçadão da Rua XV de Novembro, em pleno Centro Histórico. 
Todo o trabalho realizado foi feito, voluntariamente, pelos próprios companheiros de diretoria, com pouquíssimos recursos.
Lamentavelmente, três ou quatro meses após a inauguração, o Clube do Choro perdeu sua sede, pois o prédio foi vendido. A sede da Rua XV foi muito importante para todos, pois foram registrados momentos inesquecíveis, com inúmeros aniversários, encontros, shows, palestras e workshops.

Atualmente - O Clube é direcionado para admiradores do choro em geral, tanto artistas que tocam chorinho ou para o público que quer conhecer melhor o estilo musical. A idéia sempre foi agregar os conjuntos de choro da região da Baixada Santista, um pouco dispersos, e também para que o público - principalmente o jovem - possa tomar contato com o Choro, que é considerado o primeiro estilo de música popular urbana do Brasil, totalmente alijado desse processo cultural, em razão da comercialização e da banalização da música popular.

Confira a programação:

Novembro

Rodas de Choro
07/11 – Roda de Choro com Aqui tem Choro
14/11 – Choro da Casa
21/11 – Tétrade
28/11 – Caros Amigos
Shows
09/11 – Show Aleh Ferreira Convida (Casa das Culturas)
15/11 – Show com Alessandro Penezzi e Fábio Peron (Clube do Choro)
Aula
21/11 – Aula José Amaral (Oficina Chorando na Garoa)

Dezembro

Rodas de Choro
05/12 – Roda de Choro
12/12 – Choro de Crina
18/12 – Choro de Breque
Show
13/12 – Choronas 
19/12 – Renan Bertho e Choro de Breque
Aulas
06/12 – Aula especial Paulo Baptista (Oficina Metais no Choro)
19/12 – Renan Bertho

Serviço:
Choro Patrimônio Santista: Rodas de Choro, oficinas e shows musicais
Endereços: 
Clube do Choro de Santos - Rua XV de Novembro, 68 – Centro
Museu do Café – Rua XV de Novembro, 95 – Centro
Casa das Culturas de Santos – Rua Sete de Setembro, 49 – Vila Nova 
Datas – Novembro e dezembro
Valor: gratuito

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Morre o prolífico Quincy Jones

 

Uma história que continha todos os elementos para ter acabado mal. A avó havia sido escravizada. A mãe internada em uma instituição para lunáticos quando ele tinha apenas sete anos. Seu pai trabalhava para os gangsteres da favela mais barra pesada de Chicago, o south side
O mesmo bairro onde milhares de homens, mulheres e crianças chegavam para ficar, fugindo da violência praticada contra eles no sul dos Estados Unidos. Também um lugar onde muito blueseiros chegados do Mississippi e da Louisiana acabaram fazendo história, após dois grandes êxodos.   
Portanto, restava ao jovem pobre e ao seu irmão uma vida no crime que, por sinal, já estava encaminhada. Mas uma mudança de cidade e o esbarrão em um velho piano mudaram o curso da história.
A vida nunca foi fácil para o músico, compositor, arranjador, produtor e regente, Quincy Jones. 
Sim, ele mesmo, amigo de Ray Charles, Frank Sinatra e Count Basie. Produtor dos melhores discos de Michael Jackson, Of The Wall e Thriller Jackson. Compositor de trilhas sonoras de dezenas de filmes para Hollywood. Responsável pela gravação de um dos maiores hits da era fonográfica, We Are The World, do projeto USA For Africa, que reuniu a nata da música pop da época: Ray Charles, Bob Dylan, Bruce Springsteen, Dionne Warwick, Diana Ross, Cindy Lauper, Kim Carnes, Daryl Hall e John Oates, Huey Lewis, Henry Belafonte, Stevie Wonder, Lionel Richie, Paul Simon, Al Jarreau, Kenny Loggins, Steve Perry, Kenny Rogers, Tina Turner, Billy Joel, Willie Nelson e o próprio Michael Jackson. Fiz questão de citar todos esses nomes porque só um cara com a moral do Quincy Jones poderia reunir todos com apenas um telefonema. 
Apesar de ter vivido a era de ouro do jazz e tocado com os gênios do estilo, Quincy não queria ser visto “só” como um nome do jazz. Nesse sentido seu temperamento era igual ao seu amigo Miles Davis – aquele outro que mudou os rumos da música mundial umas cinco vezes.
Nadou de braçada no funk nos anos 70 e alguns anos após a consagração em USA For Africa, nos 80, se associou aos rappers do momento para gravar o moderno Back on The Block, com Ice T, Kool Moe Dee, Big Daddy Kane, Siedan Garret, Chaka Khan e seu velho parca, Ray Charles. 
Quincy Jones teve uma vida prolífica, mas doente. Sofreu com vários aneurismas ao longo da vida, o que o obrigou a fazer algumas operações no cérebro, duas delas em apenas dois meses.  
Teve sete filhos de vários casamentos desfeitos, pois era um workaholic, e ainda seis netos e um bisneto.
Teve mais de 2900 músicas gravadas; mais de 300 álbuns gravados; 51 trilhas de filmes e programas de TV; mais de 1000 composições originais; 79 indicações ao Grammy, sendo 27 premiações; é um dos 18 ganhadores do E.G.O.T. (Emmy, Grammy, Oscar e Tony). Thriller foi o álbum mais vendido de todos os tempos, We are the World foi o single mais vendido de todos os tempos. 
Há alguns anos sua saúde vinha dando sinais de enfraquecimento até que aos 91 anos, no domingo, dia 03 de novembro de 2024, faleceu Quincy, em sua casa em Los Angeles.

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Rodrigo Nassif Trio e o jazz do sul

 

Rodrigo Nassif (Foto: Eugênio Martins Jr)

Texto e fotos: Eugênio Martins Jr

Não sei explicar, mas quando ouço a música instrumental praticada no Rio Grande do Sul, ela me soa diferente de tudo o que é produzido no resto do Brasil.
Sinto que a estrada que leva ao som dos pampas não é ensolarada como a que leva ao samba jazz e a bossa jazz do Rio de Janeiro. Talvez também não seja tão pavimentada como a que leva à diversidade de São Paulo. Muito menos com tantas bifurcações da estrada que nos leva aos estados e ritmos nordestinos. 
As fronteiras com Argentina e Uruguai exercem mais atração sobre a cultura local do que os “ritmos brasileiros”. Confesso que preciso estudar mais sobre a música rio grandense.   
O fato é que o Brasil é um continente e cada estado é um país, com as próprias características. E isso, por si só, já é uma maravilha. 
Os sons criados por Renato Borghetti, Yamandu Costa, Bebe Kramer e Rodrigo Nassif conseguem explicar melhor do que eu.  
Tô puxando essa conversa porque recentemente estive com o Rodrigo Nassif aqui em Santos. Em um show que ele fez no Sesc, na esteira do lançamento de Estrada Nova, seu mais recente trabalho.
O vinil, gravado em Porto Alegre pelo Rodrigo Nassif Trio em 2020, tem Samuel Basso (baixo), Leandro Schirmer (bateria) e conta com sete temas autorais. Tanto dele quanto de seus colaboradores. O show de Santos teve outro baixista, o Juliano Pereira. 
Rodrigo migrou da estridência da guitarra elétrica para as cordas de nylon e desde então se dedica a contar histórias sem palavras. Explico. 
Muito da sua música é baseada ou influenciada pela literatura, como ele mesmo explica na entrevista abaixo. Além de Estrada Nova, título extraído da obra de Ciro Martins; encontramos Balada De Los Buendia e Cia do Caribe, homenagem ao Gabriel Garcia Marquez; Blimundiando (Saramago) e Milonga Borgeana (você sabe quem).
A discografia se completa com Todos os Dias Serão Outono (2015), Rupestre do Futuro (2017) e Janelas Abertas (2018).
Leandro Schirmer 

Eugênio Martins Júnior – Como foi a tua infância musical?
RN – Bastante música em casa. Meu pai tocou clarinete e minha mãe cantou em coral. Na família da minha mãe todos tocavam instrumentos. Mas acho que a pessoa que mais me levou para a musicalidade foi meu irmão que era um cara muito roqueiro. Ele mostrava os nomes dos instrumentistas quando eu tinha cinco ou seis anos de idade. Mostrava bandas como The Who, já era adolescente, tinha dez anos a mais do que eu. Quando eu tinha cindo ele já tinha quinze anos. Ele amava essas bandas de rock inglês. Acabou me influenciando muito. Foi um despertar, no sentido de saber como a coisa funcionava. 

EM – E você já foi para algum instrumento?
RN – Quando comecei a tocar havia muitas bandas de rock. A gente já morava em Passo Fundo, onde a minha família mora. A ideia da gente era tocar em banda de rock. Era autodidata, mas depois de um tempo senti a necessidade de estudar. 

EM – Nessa época o teu lance era guitarra elétrica?
RN – Sim, tive uma Gianini Les Paul e depois uma Fender Strato mexicana. Tenho guitarra até hoje lá em casa, mas é uma guitarrinha que ganhei de um amigo e tem um tempo que não uso. Ganhei uns instrumentos das pessoas, um baixo Fender e uma guitarra. Uma viola caipira. A gente vai aos lugares e as pessoas pedem para a gente levar o instrumento.

EM – E esse violão de corda de nylon, como entrou na tua vida? É uma tradição forte no Brasil, né?
RN – Sim, uma tradição forte no Brasil e muito no Rio Grande do Sul. Acredito que seja pela versatilidade que o instrumento te dá para tocar sozinho. É um instrumento que tem vários problemas e limitações de recursos. Não tem como fazer notas com muito sustain. Não tem como fazer notas com um determinado vibrato. Várias coisas te faltam.


Juliano Pereira

EM – É verdade. E a guitarra já te proporciona esses recursos.
RN – A guitarra e outros instrumentos de arco, por exemplo, ou o piano. Mas o violão é um instrumento muito versátil, porque ele tem uma parte muito aguda e uma parte média e alguma coisa grave. Então ele facilita a vida do cara que quer pensar em sons simultâneos. Foi o instrumento que caiu na minha mão. E um bacharelado. Consegui me inscrever, fui bolsista, tocando diversos estilos de música para poder continuar. E depois ganhei uma bolsa de estudos para estudar na Argentina. 

EM – Ia te perguntar isso. Li em uma entrevista que você cresceu em Bajé. Se escorregar você cai no Uruguai. Ali é uma região de grande profusão musical. Houve essas influências?
RN – Acredito que tem em todo o Rio Grande do Sul. Tem muita influência do rock argentino. Muita influência do (Astor) Piazolla. Do Borguetinho, por exemplo. Você ouve nos discos, como aquele que tem Barra do Ribeiro, Sétima do Pontal. Mas não só nele, em vários compositores, como Mário Barbará e nos mais contemporâneos como o Pirisca Greco. Então tem a influência do Atahualpa Yupanqui, Eduardo Faluri, Mercedes Sosa. Todas essas pessoas. O Rio Grande do Sul fica muito à vontade em receber essa influência latina.   

EM - E a Argentina onde entra? Você estudou um tempo lá, né? Passou quanto tempo?
RN – Dois anos, 2006/07. Só estudava, o dia inteiro. Além da técnica musical, foi um período ao qual cresci muito como ser humano. Ao voltar ao Brasil lancei meu primeiro disco, que foi muito bem recebido pela crítica aqui em São Paulo. Aquela extinta revista, a Violão Pro, fez uma resenha muito generosa. O disco tinha algumas homenagens ao Gabriel Garcia Marques, que eram músicas como a Balada De Los Buendia. Antes de eu integrar um grupo.



EM - Você deu uma declaração que a cidade grande o atrapalha um pouco a fazer música. Gostaria que comentasse essa declaração. 
RN – Muito. Na megalópole o cara tem de ter um suprimento extra de energia para fazer quatro ou cinco turnos no mesmo dia. Estudava, mas também dava aula, com várias tarefas no conservatório como bolsista e tentava ter uma vida social e conhecer um pouco da cidade. Era difícil tirar um tempo para dar uma caminhada, fazer uma atividade que fizesse bem para a cabeça. Frequentar uma megalópole é uma coisa necessária para quem é músico, mas não é obrigatória hoje em dia. A gente vive na região metropolitana de Porto Alegre, mas a gente consegue trabalhar no estado de São Paulo morando lá. Faz dez anos que venho para São Paulo com uma freqüência regular. O único período que não viemos foi na pandemia. 

EM – O Brasil é um continente e o estado de São Paulo é um país. O principal lugar para a música instrumental é São Paulo?
RN – Se parar para enumerar a quantidade de apresentações que a gente fez sem ser em editais de incentivo à cultura, a maioria foi em São Paulo. Já fizemos a Casa Ema Klabin, Coreto da Bovespa, Sesc Consolação, Jazzb, uma série de locais que propicia que essa música tenha uma difusão mais ampla. Já fizemos Sesc Bauru, Piracicaba, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Taubaté, Campinas, hoje em Santos e amanhã Presidente Prudente. Tenho a minha rotina lá em Porto Alegre com o meu piá, levando na escola, essas coisas, mas viajar para cá é muito legal. Onde temos muitos encontros com o público, de maneira orgânica. Um público que cresceu de forma natural. Os músicos de São Paulo não dependem de ser chancelados pelos outros estados. A cena já se basta. Só vi isso em Nova York. Se você é bom o suficiente para uma casa te chamar é porque você já está bem para fazer outros lugares.  

EM - Gostaria que falasse sobre o músico que se banca.
RN – Essa situação é no mundo todo. Ouço muita queixa também dos mais ricos (risos). Sou muito satisfeito com minha profissão. Acho que é uma coisa muito boa para a saúde mental. Acabei virando músico porque na minha adolescência mantinha a minha saúde mental. Vou te dar um exemplo. Na quinta-feira o nosso vôo estava atrasado e não sabíamos se iríamos conseguir pegar outro vôo depois. E para segurar a ansiedade o que eu fui fazer? Tocar, claro. Nem vi o tempo passar. É uma maneira de se manter saudável, e isso pra mim é importante.   

EM – Gostaria que comentasse esse novo trabalho, o álbum Estrada Nova que, em minha opinião, leva para várias estradas.
RN – O disco foi composto a partir do dia 08 de maio de 2020, quando decretaram a primeira quarentena por causa da Covid-19. Estava com a cabeça fervendo, de bobeira em casa, não queria ficar parado. Fiz um projeto chamado Live Todo Dia em uma dessas plataformas de financiamento online e prometi 60 lives consecutivas onde iria compor ao vivo. Aí foi a oficina do capeta. Nunca deveria ter prometido 60 lives. Se eu soubesse o quanto cansava, que o vizinho podia bater na porta, o gato podia derrubar o celular, enfim. Foi um troço cansativo, mas consegui compor quase todo o disco. A pandemia demorou e resolvi fazer um segundo projeto que era o de registrar as músicas. O Leandro Schirmer é o feliz proprietário do estúdio Panamá, em Porto Alegre, onde gravamos ao vivo o disco inteiro em dois dias. Fizemos em várias salas para que não houvesse o contato entre as pessoas. 
O nome Estrada Nova é por conta de um livro do Ciro Martins que eu estava lendo na época, que fala sobre o êxodo rural no Rio Grande do Sul. Um pouco a história da minha vida, né? De estar em movimento para continuar trabalhando.


EM – Então você não pode ler um livro que já quer gravar um disco?
RN – Com certeza. (risos). Nem me considero um leitor tão aficionado. Mas coloca aí na conta que eu leio 100 páginas por mês, num ano fraco dá 1.200 páginas. Durante trinta anos de leitura dá muita página.

EM - Gostaria que falasse sobre os teus dois parceiros.
RN – A parceria musical com o Schirmer tem mais de 10 anos. Comigo ele começou a tocar percussão. Fizemos algumas experiências, várias formações, mas acabamos nessa que é violão, baixo e bateria. No final do ano passado assisti outra banda lá do Rio Grande do Sul com o Juliano Pereira e o Leandro, achei que tinha o peso necessário para o nosso trio e como eles já tocavam juntos, o convite surgiu naturalmente.  

EM – Certa vez você declarou que as pessoas não vivem sem música. Durante a pandemia, público e artistas ficaram reclusos e se virando como podiam. E recentemente os artistas daquela parte do Rio Grande do Sul que foi inundada vão passar por um período sem shows até a recuperação do estado. Gostaria que falasse sobre isso.
RN – Está uma dificuldade seríssima. Mas o período da pandemia nos deixou uma lição, a de que pouca coisa na vida é intransponível. Acredito que a classe artística do Rio Grande do Sul vai saber se unir nesse momento. Nunca foi tranqüilo ser gaúcho. Na história sempre tivemos perrengue. É a primeira vez que o Rio Grande do Sul fecha cem anos sem nenhum conflito fraticida, sabia? O último conflito que houve no Rio Grande do Sul foi em 1923. Antes foi em 1875. E antes em 1835. E antes as guerras guaraníticas. Vai contando. E nenhuma teve um intervalo de três gerações. Isso explica muito a personalidade do gaúcho. Em traços gerais a cultura local carrega algumas coisas distintas, por exemplo, esse negócio aguerrido da cultura. Então acredito que a gente vai passar por essa.


quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Adriano Souza recria paisagens sonoras de Tom Jobim

 

Adriano Souza (Foto: Nando Chagas)

Texto : Eugênio Martins Júnior
Fotos: Nando Chagas

“Tom Jobim é universal. Nesse exato momento, em qualquer canto do mundo, há alguém tocando sua música, seja numa sala de concerto para centenas de pessoas ou no escurinho de uma sala noturna, para um casal de mãos dadas. Num estúdio de gravação com hora a peso de ouro, ou numa esquina, em torça de uma moeda”.
Essa afirmação está na contracapa do recentemente lançado Ouvidor do Brasil – 99 vezes Tom Jobim, livro de Ruy Castro, jornalista e especialista em bossa nova. 
Por coincidência, recebi um release do meu amigo, também jornalista e músico, Fábio Cezanne, que um pianista no Rio de Janeiro estava lançando um álbum homenageando o maestro. O trabalho se chama Adriano Souza Plays Tom Jobim. Nada mais simples. 
Por coincidência ainda maior, em uma das respostas, Adriano cita as paisagens naturais do Rio de Janeiro que tanto inspiraram a criação de Tom Jobim, assim como permeia, o livro de Ruy Castro.
Além disso tudo, fui ouvir o disco e três coisas me chamaram a atenção: 
A primeira é a leitura pessoal que o Adriano faz de temas há muito conhecidos por nós, unindo o lirismo de Jobim com o batuque do Rio. Adriano explica na entrevista que levou anos para gravar o álbum e que isso foi benéfico ao resultado final.
A segunda é que Adriano cresceu como músico dentro de uma igreja cristã. Nos últimos anos tenho conversado com excelentes músicos egressos do ambiente religioso e que têm migrado para outros estilos musicais. As igrejas há muito têm feito esse papel sócio-cultural e isso é muito bom para a música. 
E a terceira diz respeito a mim. Tentei ouvir o disco durante o dia, mas não consegui. Minha rua passa ônibus toda hora, estou cercado de prédios sempre com obras, tem um pássaro preso aqui na vizinhança e o seu canto desesperado me incomoda muito. Os sons da cidade atrapalharam a audição desse disco delicado. Estamos tão habituados ao caos urbano que só percebemos que o silêncio é necessário nessas horas. 
Além de Adriano Plays Tom Jobim (2024), sua discografia conta com Em Tempo (um álbum só com hinos religiosos de 2019); e alguns singles lançados nas plataformas digitais.

Eugênio Martins Júnior - Como foi a tua infância musical e a tua formação?
Adriano Souza – Minhas primeiras influências musicais foram dentro da igreja protestante. Sou filho de pastor da igreja batista, cresci em meio às atividades musicais de igreja. Minha primeira participação foi no coral infantil, aos 06/07 anos de idade. Mas antes já ouvia. A igreja tem essa tradição de cantar. Em 2016 gravei um álbum só com esses hinos, em piano solo. São hinos tradicionais, cristãos, a maioria norte-americanos, cujas letras eram versões.
Foram as primeiras influências. Depois, dentro da igreja mesmo, na década de 80, houve uma mudança, na forma musical mesmo. Chegaram músicas de compositores brasileiros, muitos influenciados pela música que faço hoje, pois trabalho muito com a música brasileira, MPB, Bossa Nova. Havia um grupo de compositores de São Paulo, o Sérgio Pimenta, João Alexandre, Jorge Camargo. Era uma missão chamada Vencedores por Cristo que começou a fazer um repertório grande de um cancioneiro diferente. Incluindo outros instrumentos, porque até então os instrumentos na igreja eram piano e órgão. Começou a ficar com influência mais popular. Isso me atraiu para o violão. Na igreja foi meu primeiro instrumento, aos nove anos. E já havia uma influência de rock, pop. Além de tocar na liturgia do culto também, os cânticos mais novos que iam chegando, com bateria, baixo, uma novidade. O teclado apareceu na minha vida aos 13/14 anos. Em um dos ensaios fui parar no teclado, um órgão tradicional. Comecei a passar as coisas que fazia no violão e ali nasceu meu interesse. 

EM – Isso tudo no Rio de Janeiro?
AS – Depois do ensino médio decidi vir estudar no Rio. Esse ambiente da igreja foi em Macaé, cidade do interior do estado do Rio de Janeiro onde fui criado, apesar de eu ser capixaba, de Cachoeiro do Itapemirim. Meu pai veio para o Rio estudar em um seminário teológico em 1974 e em 1978 a gente já foi para Macaé. 
Quando vim para a cidade do Rio estudar foi a minha primeira incursão pela MPB, de conhecer a música popular mais a fundo. Até então meu envolvimento com a música era mais no âmbito da música cristã. Meu irmão já trazia para casa uns discos de MBP, Guilherme Arantes, Milton (Nascimento). Já tinha uma influência. Nesse período fui estudar numa escola chamada Centro Ian Guest (CIGAM), quando também começo a ter contato com o jazz. Fui fazer uma entrevista com o Ian Guest, que era o dono da escola, um húngaro radicado no Brasil, muito importante por causa dos songbooks de vários artistas que vemos hoje. Além de ter dado aula para o Almir Chediak, que era um cara que escreveu livros importantes, como Harmonia e Improvisação. 
Lá na escola fui fazer harmonia, percepção e piano. Comecei a estudar piano com a Marisa Gandelman e depois com Rafael Vernet. E nesses estudos de harmonia, paralelo às aulas de pianos, estudei com Sérgio Nacif, Renato Alvim, depois com Domingos “Bilinho” Teixeira e depois o próprio Ian Guest. Quatro semestres diferentes de harmonia. Essas primeiras aulas aqui no Rio foram muito enriquecedoras. E dali comecei construir pontes do que seria o meu trabalho aqui no Rio. 
Comecei a dar aula em Macaé, ia e voltava toda semana. Até que por volta dos 22 anos decidi vir morar no Rio de vez, onde estou até hoje.




EM – Então houve duas fases de estudos, popular e erudito?
AS - Sempre mantive o estudo da música erudita, porque sempre vi a necessidade de uma base técnica maior. A Marisa Gandelman lá no começo já me passava alguns exercícios, coisas ligadas à técnica pianista. Era um universo que me interessava, eu gostava. Estudei com Maria Alice de Mendonça, uma professora de Juiz de Fora que veio morar no Rio. Cheguei a estudar com a Sonia Vieira, Linda Bustani, Ronal Silveira. Mais recentemente resolvi fazer o curso de bacharelado de piano na UniRio. Então sou formado em harmonia e percepção pelo CIGAM, lá atrás, nos anos 90. E sou formado em piano na classe da professora Lúcia Barrenechea, que foi uma experiência mais intensa, de vivenciar o repertório clássico de uma maneira mais abrangente. Na faculdade você tem isso, tem de cumprir todos os períodos da música. Então toquei bastante coisa, foi um período muito enriquecedor.           

EM - O álbum Adriano Souza Plays Jobim contém oito temas. Você trabalhou o lirismo em alguns e a batucada em outros.  Gostaria que falasse sobre a obra do Tom Jobim como fonte.
AS – Quando fui separar as músicas existia essa preocupação de haver o contraste. Mais lentas, de andamento médio, mais líricas, como você comentou, e outras mais ritmadas. Mas não estava tanto atento a essa coisa que acabou ficando bem clara. Do samba, da batucada, com o lirismo das músicas do Tom. Isso acabou ficando e criando esse contraste. A obra do Tom tem essa riqueza de contrastes. De fato Tom Jobim é uma fonte grande de inspiração. A gente vive em um país onde a música popular atravessa a gente desde muito tempo. O próprio Tom foi influenciado por compositores que vieram antes dele, e por seus contemporâneos, obviamente.
Compositores que ele mesmo cita, como Dorival Caymmi, Ari Barroso, Noel (Rosa). Outros menos conhecidos, como Custódio Mesquita, Valzinho, que era um violonista da Rádio Nacional. Já compunham esse estilo de música com a harmonia mais sofisticada. O Tom conseguiu fazer isso. Com essa coisa do formato da canção, com aquela quadratura na maioria das músicas. O que proporcionou aos músicos uma grande assimilação. Para poder tocar como Standards. 

EM – No formato canção e também no instrumental.
AS - Na música instrumental, isso também é uma coisa interessante. E uma obra muito variada. Você tem valsas, baladas, sambas, e tudo de uma beleza grandiosa, né? Sua música é uma obra inesgotável para todos os músicos. Como estava falando, a gente vive em um país que tem compositores incríveis, cada um com sua característica. Portanto, somos privilegiados por crescermos ouvindo artistas como Tom Jobim, Gil, Dorival, Milton, Djavan, Chico, Paulinho da Viola, só para citar alguns. Isso é de uma riqueza inesgotável. E para a gente que faz música instrumental, e no meu caso, não sou compositor... até componho, mas, confesso que curti essas coisa de pegar uma música que já existe e trabalhar em cima dela. Isso acaba virando um tesouro. Essa coisa de transformar uma canção. Digo transformar porque já passa a ser uma transformação quando você tira a letra, né? Digo, trabalhar o arranjo e a interpretação propriamente dita.


EM - A capa desse álbum é um piano cujo tampo imita as linhas sinuosas e delicadas do pão de açúcar. Eu te pergunto: Qual a necessidade de lançar um álbum com tamanha delicadeza em uma época com tanto ruído?
AS – A ideia desse álbum já existe algum tempo. Quase que 20 anos. Só que lá atrás ele se chamaria Jobim Ballads. Só com músicas mais lentas. Chegou a ser escrito na Lei Rouanet, consegui aprovação, mas não consegui captar para gravar. Algumas dessas músicas, como Modinha, Estrada Branca, Caminhos Cruzados já estavam. Não consegui captar e fui deixando, a vida foi seguindo. Obviamente trabalho em outros projetos, com outros artistas, dou aula também. Não tinha como dedicar tempo só para isso. De certa forma foi bom porque acabei amadurecendo musicalmente essas idéias. Modinha e Estrada Branca me instigaram na busca pela minha formação musical. Estudar a técnica pianística. Vi que precisava de mais coisas, além do conhecimento da harmonia, de trabalhar a sonoridade, a técnica do piano. De Certa forma o repertório que escolhi me ajudou. Em relação ao período atual da tua pergunta, não saberia responder o por quê. É o que naturalmente estou fazendo nesse momento. E como enxergo a música do Jobim.
É claro que daqui a alguns meses posso fazer algo diferente. Mas isso reflete a minha visão um pouco sobre a música de maneira geral. É como consigo me expressar. A obra do Tom também tem isso. É uma obra delicada. Procurei ficar muito atento às idéias que ele imprimiu de alguns arranjos. Ao mesmo tempo também sugerir a minha intenção. Imprimir as minhas ideias. Mas a obra do Tom é essa delicadeza que está presente na natureza. Quando você olha para o Rio, que ele tratou tão bem quando falava sobre isso. E quando escrevia. Várias de suas letras citavam a natureza do Rio, antes desse discurso entrar em evidencia e que é super importante. O Tom já falava muito sobre isso. Sobre a preservação da natureza. Recentemente fiz um clipe da música Modinha e acabei filmando tudo ali no Jardim Botânico, um lugar meio que o quintal do Tom. A delicadeza e ao mesmo tempo a força que tem a natureza. Vamos dizer, o ruído, para usar a expressão que você usou, é a obra do Tom. Esse ruído natural. Ruído no bom sentido. Que inspira a gente. Pra mim, que tenho a alegria de morar aqui no Rio, cidade com todos os seus problemas, mas uma cidade linda. E se tratando de se debruçar sobre a obra do Tom é interessante, você passa pela cidade e ao mesmo tempo vê paisagens que inspiraram o maestro, no sentido de estar aqui. Apesar de não tê-lo conhecido pessoalmente. De estar tão próximo daquilo que o inspirou.


EM - No Rio de Janeiro ainda existe aquela cena forte de jazz como em São Paulo? Quer dizer, não só um circuito. Para haver um circuito tem de haver a disposição das pessoas em pensar: “Pô, vamos naquele lugar que vai rolar um jazz”.
AS – Na década de 80 o Rio teve um período muito fértil. Muita opção de show. Além de espaços abertos com shows gratuitos. Muito importantes para a criação do público da música instrumental. Depois rolou uma escassez, acho que por conta da violência na cidade. Também com a falta dos governos, tanto estadual como municipal, a gente viveu um período de fechamento de várias dessas casas que tinham shows de música instrumental. Mas há algum tempo a tentativa de retomada. Falando de música instrumental, temos alguns lugares que têm programação semanal. Tem o Beco das Garrafas que está lutando para se manter. Nessa semana vou tocar lá. Todos os domingos rolam shows de bossa nova ou instrumental. Tem a Casa do Choro, que é um teatro muito bacana no Centro do Rio. Apesar do nome não tem só choro, rolam outras formações instrumentais diversas. Tem o Cardosão, que é um bar em Laranjeiras, onde há alguns anos toda terça-feira tem música instrumental com o pianista Luiz Otávio, Ney Conceição, José Arimatéa, Erivelton Silva, Bernardo Bosísio. Eu toco quase toda semana no Bistrô da Casa, que é um bistrô ali do lado da Igreja da Glória, junto com o Edu Neves. A gente faz de duo ali. Tem o Blue Note que voltou. Tem essas iniciativas de concertos nas casas, para um público mais reduzido, mas que é muito bacana. Os chamados house concerts. Há alguns anos tem acontecido isso aqui no Rio e tem sido muito importante para o fortalecimento da música instrumental na nossa cidade.   

EM – Do rock ao jazz, toda a música que emana do Rio de Janeiro tem a batucada no sangue. Evidenciando a cidade negra que é o Rio. Gostaria que falasse sobre isso.
AS – De fato a influência do samba no Rio é notória. Que bom. Essa proximidade física, literalmente, do morro com o asfalto, vamos chamar assim, fez muito bem à cultura musical do Rio. Essa música que normalmente faço junto com outros músicos, que é a bossa nova, o samba, tem essa mistura claramente. O que comentamos sobre o disco que gravei. Das melodias sofisticadas. Essa palavra não é tão boa, vamos dizer assim, mais trabalhadas. Não gosto de usar a palavra sofisticada porque acaba soando como se o que não fosse “daquela” maneira não seria legal. Vamos dizer mais elaboradas, né? Como citei, até esses próprios compositores como o Tom fazem coisas mais simples e é também bom demais. Acho que a gente tem esse privilégio aqui no Rio, convivi e estou convivendo com tantos músicos fantásticos. Com tantos cantores fantásticos. Acho que a minha história está muito ligada ao samba. Trabalhei com a Beth Carvalho, cheguei a tocar com o Nelson Sargento, trabalho com o Paulinho da Viola, Roberto Menescal. Essa proximidade com o samba mais de raiz acrescentou muito à minha visão da música. E o Rio de Janeiro é o lugar que a maioria dos artistas escolheu para ficar e eu agradeço a Deus por poder estar aqui e vivenciar isso de perto. Essa riqueza que o samba e o morro são para o Rio de Janeiro.

sexta-feira, 26 de julho de 2024

Com apenas 58 anos, morre em Bamako, no Mali, Toumani Diabaté

 

Toumani Diabaté (Foto: Richard Saker/The Observer)

“Eles podem seqüestrar as pessoas, podem tirar suas roupas, podem tirar seus sapatos, podem tirar seus nomes e dar outro nome, mas a única coisa que eles não podem tirar é sua cultura”. Essas são palavras de Toumani Diabaté sobre o sequestro de seu povo pelos europeus com fins escravagistas.  
Diabaté, músico e representante da tradição dos contadores de história de seu país, morreu com apenas 58 anos, em 19 de julho em Bamako, capital do Mali. Dizem que quando um jali morre toda uma biblioteca é queimada. 
Na África, jali é o guardião da história oral transmitida de geração em geração. Diabaté vem de uma tradição de 71 gerações de griots e tocadores do corá, um instrumento de cordas semelhante à harpa.
Com Salif Keita e Ali Farka Toure, Diabaté era considerado um dos principais guardiões da cultura milenar transmitida de pai para filho na África Ocidental.
Desde os anos 80 Diabaté vem gravando e difundindo suas histórias em discos na África e Europa. Ouça os álbuns Songhai vol. 1 e 2. 
Nos Estados Unidos gravou com o cantor, compositor e muilti-instrumentista Taj Mahal, fazendo a ponte cultural entre a tradição dos jalis com os history tellers do blues no álbum Kulanjan (1999). 
Na série Blues, produzida por Martin Scorsese, Diabanté aparece no episódio Feel Like Going Home – que também tem Taj Mahal - sendo entrevistado por Corey Harris, outro bluesman e pesquisador de ritmos. 
Com seu conterrâneo, Ali Farka Touré, gravou o maravilhoso In The Heart of the Moon (2005). Há ainda espaço para uma recomendação, mais um disco que faz a ponte entre África e América e que vale a pena ser ouvido, Talking Timbuktu, parceria entre Touré e Ry Cooder.