Texto: Eugênio Martins Júnior
Foto: Leandro Marques
Janete Clair e Dias Gomes são os responsáveis por consolidar umas das linguagens artísticas mais populares no Brasil, a dramaturgia das telenovelas. Enquanto os intelectuais torciam o nariz, o povo adorava.
A partir dos anos 70, o brasileiro, que sempre leu pouco, se encantou com os personagens criados por esses dois autores icônicos. Unidos na forma, mas diferentes no conteúdo.
Janete era mestra em criar dramas cotidianos e personagens que podiam ser os nossos vizinhos, que passavam as mesmas dificuldades que a gente. Nos víamos e nos identificávamos com eles: João, Jerônimo e Duda em Os Irmãos Coragem (1970); Cristiano e Fernanda, em Selva de Pedra, que lhe rendeu problemas com a censura (1972); Herculano Quintanilha e Salomão Hayalla em O Astro (1977).
Por seu lado, Dias Gomes criou uma série de histórias que mostravam os Brasis, folclórico, malandro e fantástico: Roque Santeiro, O Bem Amado e Saramandaia.
Mas eles também fizeram o Alfredo. Nascido no Rio de Janeiro, Alfredo Dias Gomes estreou profissionalmente na música instrumental aos 18 anos, tocando na banda de Hermeto Pascoal, com quem gravou o disco Cérebro Magnético. Também tocou e gravou com Márcio Montarroyos, Ricardo Silveira, Arthur Maia, Nico Assumpção, Ivan Lins e muitos outros, além de participar da primeira formação do grupo Heróis da Resistência.
Em 2021, um ano após o lançamento de Jazz Standards, Alfredo Dias Gomes reaquece a cena instrumental brasileira com seu 13º disco solo, Metrópole.
Gravado em seu próprio estúdio, na Lagoa, com o engenheiro de som Thiago Kropf, o disco já se encontra nas plataformas digitais - download e streaming no iTunes, Spotify, Deezer, Amazon e YouTube Music. “No final do ano passado comecei a compor para o novo disco e mantive o estilo jazzístico do último trabalho, sendo que em “Metrópole” também toco os teclados, além da bateria”, comenta Dias Gomes, que iniciou a gravação das bases com o baixista Jefferson Lescowitch em fevereiro.
Com a piora da pandemia no Brasil, Alfredo optou por gravar os metais remotamente, convidando o trompetista Jessé Sadoc e o saxofonista Widor Santiago, que gravaram de suas casas e enviaram os áudios via internet. A masterização foi realizada no icônico Abbey Road Studios pelo mesmo engenheiro de som, Andy Walter, dos discos de David Bowie, Jimmy Page, Coldplay, The Who, The Beatles, dentre outros.
Com temas curtos, “Metrópole” traz em sua concepção o enfoque no improviso, que se desenvolve, especialmente, dentro da forma da composição, característica dos discos de jazz. Abrindo o disco, a faixa-título “Metrópole” é classicamente jazzística (walking bass), com acordes peculiares esquentando os solos de trompete e sax.
Dedicada à memória do irmão Marcos (1965-1968), a balada jazzística “Saudade” ressalta uma melodia emotiva, com destaque para os solos de baixo e de flugelhorn, ambos de extrema sensibilidade.
O jazz-fusion “Cidade da Meia-Noite” faz prevalecer o suingue, com melodia incisiva de metais e solos de baixo, trompete e sax - este lembrando o lendário saxofonista Michael Brecker. Já “Grand Prix”, outro jazz fusion, tem andamento rápido e solos vibrantes de trompete e sax, com bateria livre explorando os pratos.
Ao longo dos anos mais recentes, Alfredo Dias Gomes vêm construindo uma obra consitente, lançando um disco por ano desde quando lançou Looking Back (2015). São eles: Atmosfera - 20th Anniversary Special Edition (2016), Pulse (2016), Tribute To Don Alias (2017), Jam (2018), Solar (2019), Jazz Standards (2020), Vou Deitar e Rolar - Single (2020), Metrópole (2021).
Eugênio Martins Júnior – Como foi a tua infância musical com Janete Clair e Dias Gomes?
Alfredo Dias Gomes - A música esteve muito presente na minha infância, por influência dos meus irmãos, que tocavam instrumentos e participavam de bandas. Mas meus pais incentivaram muito, assim como minha avó, mãe do meu pai, que sempre fez questão que os netos estudassem piano.
EM – Já pensou em gravar um disco com temas inspirados no mundo de Saramandaia, Roque Santeiro ou O Bem Amado? Ou até mesmo releituras instrumentais sobre a trilha sonora dessas novelas, que eram bem legais naquela época.
ADG - Já pensei sim. Inclusive ano que vem é o centenário do meu pai, seria uma maneira de homenageá-lo. Mas é um universo muito diferente dos meus discos e das minhas composições. Eu teria que fazer um disco completamente diferente de tudo que já fiz. Ainda vou pensar melhor sobre isso.
EM – Desde 2015 você tem mantido uma regularidade em gravar e lançar pelo menos um disco por ano. Trabalhando sem parar. Ter um estúdio em casa facilita colocar as ideias em prática? Gostaria que falasse sobre isso.
ADG - Facilita muito. Não só na parte financeira como na criação. Eu tenho à minha disposição todas as ferramentas para criar e gravar a qualquer momento. Mas nada disso adianta se você não tem a vontade e a perseverança em produzir e realizar.
EM – Os músicos brasileiros no geral já nascem sob a influência de uma tempestade de ritmos brasileiros e os jazzistas ainda carregam a influência do jazz norte-americano. Podemos dizer que o Jazz Standards, que traz Giant Steps, Cherokee, A Night in Tunisia e outros, mistura o jazz tradicional com o jeitinho brasileiro de tocar?
ADG - É exatamente isso. O álbum “Jazz Standards” não é um disco de standards de jazz abrasileirado, são as músicas como elas são, mas com a impressão, sotaque e a bagagem de músicos brasileiros.
EM – O teu disco mais recente, o Metrópole, foi gravado por partes. Com você e o baixista Jefferson Lescowitch construindo as bases, os metais inseridos depois e a masterização feita no Abbey Road com o Andy Walter. Gostaria que explicasse esse processo.
ADG - Os discos de jazz normalmente são gravados com todos os músicos juntos, interagindo ao mesmo tempo. Já em outros estilos, é normal ser gravado primeiramente as bases e depois o restante dos instrumentos.
Para mim isso é muito normal e quando gravo a minha bateria, já toco imaginando o que entrará depois. Como também sou o produtor dos meus discos, e conheço muito bem os músicos que tocam comigo, consigo ter uma visão geral do todo, e de como o álbum vai soar no final.
Quanto à masterização no Abbey Road, esse foi meu quarto disco masterizado lá, esse último, masterizado pelo engenheiro de som Andy Walter.
EM – Aproveitando, em 2020/21, anos de pandemia do corona vírus, você lançou dois álbuns com inéditas. É um bom volume de trabalho enquanto todos estavam retraídos. Gostaria que falasse sobre isso.
ADG - Não fui o único a produzir na pandemia, muita gente produziu, na medida do possível, se adaptando assim como eu. O “Jazz Standards” eu lancei em março de 2020, foi o início da pandemia, então não afetou na produção. Já o “Metrópole”, lancei em maio de 2021, no auge da pandemia, esse sim, tive que me adaptar para finalizar o disco.
Continuar produzindo na pandemia me ajudou a ficar com a mente sã em meio a toda essa loucura.
EM – Antigamente os artistas pensavam em lançar um “álbum”, que era um trabalho com uma certa unidade. Hoje a principal forma de apresentar um trabalho novo é lançando nas plataformas digitais e você fez isso com os teus trabalhos recentes. Quais as vantagens e desvantagens desse formato?
ADG - Eu continuo fazendo álbuns com uma unidade e com concepção definida. A diferença é que não faço mais CDs e distribuo somente nas plataformas digitais. Como artista independente eu só vejo vantagens, não tenho mais o custo da fabricação dos CDs e a distribuição digital é para o mundo todo.
EM – Como estão e os espaços para a música instrumental no Rio de Janeiro?
ADG - Em 2020, eu ia fazer show de lançamento do “Jazz Standards” mas por motivos óbvios foi cancelado. Desde então, não sei como estão as coisas, parece que alguns espaços ainda não reabriram e outros fecharam de vez. Mas tenho esperança que aos poucos as coisas voltem ao normal.
EM - Como vê a política cultural do atual governo do Brasil?
ADG - Esse governo não tem política cultural. Não tem nenhum interesse na cultura, nem na educação, nem na ciência, na vida das pessoas, nas florestas...
A política desse governo é somente se manter no poder.
EM – Gostaria que falasse sobre o time que te acompanha.
ADG - O trompetista Jessé Sadoc e o baixista Jefferson Lescowich gravaram meus dois últimos álbuns. Já o saxofonista Widor Santiago está comigo desde os anos 1990, ele praticamente gravou em todos os meus discos. É um privilégio ter esses grandes músicos tocando comigo.
EM – Vai ter trabalho novo em 2022?
ADG - Provavelmente sim. Ainda não comecei a pensar no próximo disco, ainda estou envolvido na divulgação do “Metrópole”. Mas pretendo continuar mantendo a meta de gravar um disco por ano.
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