domingo, 1 de setembro de 2019

A tradição de super gaitistas de Chicago continua com Billy Branch

Billy Branch e o guitarrista Carl Wheatersby

Texto: Eugênio Martins Jr
Foto: Living Blues Magazine

Billy Branch nasceu em Chicago, mas passou a infância em Los Angeles nos anos hippies. Foi em 1969, quando James Cotton, Junior Wells e Carey Bell dominavam a cena que Branch retornou à afamada cidade para nunca mais sair.
Nunca poderia imaginar que anos mais tarde participaria de um disco clássico com os mestres, Harp Attack (1990), que lhe renderia fama mundial.
Ao chegar ao reduto do blues urbano, substituiu Carey Bell na banda Willie Dixon’s Chicago Blues All Stars, tocando e gravando prolificamente.
Branch tocou por lá desde o final dos anos 70, mas foi na década de 80 que despontou como uma das revelações do blues.
Juntou-se ao guitarrista Lurrie Bell, filho de um de seus mentores, Carey Bell, e a Freddie Dixon, filho do também baixista, Willie Dixon, e fundou o grupo Sons of Blues. Em 1984 gravaram Where’s My Money com as participações de Carlos Johnson (guitarra), J.W. Willians (baixo) e Mose Rutues (bateria).
Após a projeção ganha com Harp Attack, gravou em parceria com Hubert Sumlin, famoso sideman de Howlin’ Wolf, o disco Chicago Blues Sessions vol. 22, com a participação de feras do blues daquela época em Chicago: Willie Kent, John Primer, Johnny B. Moore e Carl Weathersby. The Kepping Follow Me Around (1995), aprofundou a parceria com o guitarrista Weathersby e consolidou a fama de Branch como um dos grandes nomes da harmônica. No álbum, Branch brilha em versões suas para temas de Sonny Boy Willianson, Willie Dixon e Howlin’ Wolf. E Weathersby não fica atrás com duas próprias, Should Have Been Gone e Should Have Know Better.
Como educador, Billy Branch criou o programa Blues in the Schools, cujo objetivo é ensinar aos jovens a importância do blues na tradição cultural norte-americana.
Seu trabalho mais recente com os Sons of Blues é Roots and Branches.



Eugênio Martins Júnior – Você nasceu em Chicago, mas cresceu em Los Angeles. Quando foi a primeira vez que ouviu o Blues?
Billy Branch – Acho que aos 17 ou 18. Não me lembro, mas não ouvia blues na infância. Comecei a me envolver com o blues quando cheguei em Chicago, já no ensino médio e depois na faculdade.

EM -  Sei que já deve ter falado muito sobre isso. Mas, você sabe, estamos no Brasil e sofremos com a distância e tempo. Gostaria que falasse para nós, fãs de blues brasileiros sobre o álbum Harp Attack. Como foram aquelas sessões? Vocês iam juntos ao estúdio?
BB – Sim, nos encontrávamos no estúdio. Foi estranho porque eu era o único novato. E aqueles caras só me conheciam de nome e ficavam me olhando desconfiados. Mas ao mesmo tempo, fui convidado porque já estava ficando um pouco famoso dentro do circuito. Então, para eles eu era mais uma promessa na qual estavam apostando e queriam ver o resultado.

EM – Você substituiu Carey Bell na banda All Stars de Willie Dixon. Fale sobre aquela época.
BB – Entrei no lugar de um bluesman conhecido. Ao mesmo tempo que estava radiante com isso. Tinha de mostrar que poderia ocupar aquele lugar. Ainda mais quando se está ao lado de Willie Dixon, um dos maiores nome do blues de todos os tempos. Foram bons tempos. Fiquei seis anos na banda.

EM - Dixon já era uma lenda viva da música mundial. Autor de dezenas de clássicos do blues. Como ele era pessoalmente?
BB – Ele era muito orgulhoso de poder fazer parte daquilo. Willie respirava, comia, dormia blues. Não havia um dia que ele não se envolvesse com essa música. Ele sabia da importância disso e tinha consciência da sua posição no cenário. Willie Dixon escreveu livros, compôs músicas, gravou descobriu artistas e passou a sua vida inteira dentro do blues. Dixon dominava a linguagem como poucos e deixou muitas composições clássicas que são tocadas até hoje. Veja, ele era afro-americano, mas esse termo não existia e ele sabia da importância do blues como expressão artística de nosso povo.

EM – Vi um vídeo do show de ontem no Café Society que você diz que Junior Wells foi seu grande professor. Poderia falar sobre isso? 
BB – Sim, eu disse isso. Mas foi um deles. Tive muitas influências ao longo da vida. Convivi com os grandes gaitistas de Chicago, Junior Wells, James Cotton, Carey Bell, Big Walter Horton. Você poderia colocar todos eles em um nível acima dos outros. Citei Junior Wells porque naquele momento estava tocando uma de suas músicas. 

EM - Para você, o blues tem de ser aprendido na escola? Qual a importância disso?
BB – Definitivamente. O blues é a nossa forma de arte mais antiga. E é cheia de identidade e simbolismos. Não me parece que damos a devida importância a isso. Tenho um projeto que ensina o blues nas escolas e tem dado resultados. Não no sentido que os jovens vão sair tocando o blues. Não é isso. Mas eles têm a oportunidade de conhecer a sua história. A história dessa forma de arte e como ela se desenvolveu ao longo do tempo. A sua estrutura e sua poesia.



EM - Você sabia que no Brasil existe uma verdadeira legião de gaitistas de blues influenciados por vocês de Chicago? O que você acha disso?
BB – Sim. Já estive no Brasil algumas vezes e em todas conheci artistas diferentes e o que posso dizer é que são muito bons. Não deixam nada a desejar em termos de técnica. É incrível que em um lugar com uma língua diferente da nossa e uma cultura diferente haja tantos artistas dedicados ao blues. Isso mostra a força da música. A força que ela tem de quebrar barreiras.

EM – Eles podem ser considerados the bastard sons of blues?
BB – (risos). Não sei se é isso, mas os músicos daqui fazem arte inspirados nos verdadeiros bluesman. E alguma forma isso os torna conectados. 

EM – Gostaria que falasse sobre o tempo que você começou no Blues com relação aos dias de hoje. O que mudou nesses 50 anos. De 1969 para 2019?
BB – Em termos conceituais, basicamente nada. Quero dizer, naquela época o blues teve um reconhecimento pelos jovens que buscavam uma identidade. E isso passou pelo reconhecimento artístico do blues, sua relevância. Isso foi importante, precisou uma revolução cultural de jovens brancos para que o blues fosse reconhecido como um coisa importante para a América. Mas ele sempre esteve ali e aqueles nomes que estavam sendo cultuados já estavam na cena há décadas. Hoje vivemos algo parecido, as plateias reconhecem o blues, mas ele continua ser uma música colocada em segundo plano. Vocês aqui cultuam mais o blues do que boa parte das pessoas que vivem nos Estados Unidos.     

EM - Você fala sobre política? Quero dizer, você é graduado em ciências políticas. 
BB – Sim, sem problema.

EM - O que acha do crescimento dos partidos de direita no mundo, inclusive nos Estados Unidos?
BB –  A eleição de Trump é prova disso. Mas no resto do mundo isso também vem acontecendo. Não tenho profundo conhecimento sobre o cenário político do Brasil, mas as pessoas me falam que está indo nesse sentido também. Veja, é uma coisa ruim porque o crescimento do conservadorismo é contra todas as conquistas sociais adquiridas nos últimos anos, principalmente nos Estados Unidos. Eles reconhecem as minorias como um problema, quando é exatamente o contrário. Não dá para ignorar a diversidade. Temos visto uma mudança de comportamento, inclusive mais agressivo, com relação às pessoas que eles acham diferentes.

EM – Nos Estados Unidos já existe, mas no Brasil está crescendo o culto às armas. E leis estão sendo aprovadas no sentido de legalizar porte e posse de armas para o cidadão comum, sendo que nosso país é campeão mundial em homicídios por arma de fogo.
BB – O pouco tempo que estive aqui tive conhecimento de alguns episódios de violência, como o caso de um músico negro assassinado em frente à sua família por forças policiais. É realmente assustador.

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