sábado, 9 de fevereiro de 2019

Charlie Musselwhite, uma vida dedicada ao blues


Texto: Eugênio Martins Jr
Foto: Portal da Educativa

Musselwhite é um dos principais nomes da gaita mundial hoje. Mas sua caminhada começou com o lançamento do álbum Stand Back! Here Comes Charley Musselwhite and the Southside Band, em 1967, aos 22 anos. O "Charley" da capa foi grafado errado pela gravadora Vanguard.
Little Walter, Big Walter Horton, Junior Wells, James Cotton, Sonny Terry ainda estavam no mercado quando Musselwhite e Paul Butterfield apareceram em Chicago nos anos 60. 
Os dois álbuns, Stand Back! e Paul Butterfield’s Blues Band (1965) são festejados até hoje. A banda de Musselwhite tinha a lenda de Chicago Fred Below (bateria) e ainda Harvey Mandel (guitarra), Bob Anderson (baixo) e Barry Goldberg (teclados). Butterfield vinha com Mike Bloomfield e Elvin Bishop (guitarras), Sam Lay (baterista de Howlin’ Wolf) e Jerome Arnold (baixo). 
Big Joe Willians declarou que Musselwhite era um dos grandes gaititas de blues já naquela época. Tanto isso é verdade que Big Joe convidou o jovem Charlie para substituir na sua banda nada menos do que Sonny Boy Willianson II, após a morte deste em 1965. Para quem não sabe, Big Joe Willians foi o compositor de Shake Rattle Roll, Chains of Love, Sweet Sixteen, Honey Hush, TV Mama e Corrine Corrina. Sem ele, baby, não existiria o rock and roll. Mas essa é outra história.
Musselwhite tem grandes discos gravados ao longo desses cinquenta anos de estrada. 
Gosto muito de Tennessee Woman (1969), parceria com o pianista de jazz Skip Rose, Takin’ My Time (1974), também com Rose e os jovens Pat e Robben Ford, bateria e guitarra, respectivamente. In My Time (1993), traz duas músicas gospel ao lado dos Blind Boys of Alabama e alguns temas de jazz. Nos anos 2000 Musselwhite mandou One Night in America (2002), Sanctuary (2004) e Delta Hardware (2006) e dois excelentes álbuns com Ben Harper Get Up! (2013) e No Mercy in This Land (2018). 
Já ia esquecendo, é de Musselwhite a gaita em Mule Variations, de Tom Waits; Suicide Blonde, INXS; e do álbum Memphis Blues, de Cindy Lauper, em 2011. 
Minha história com o Charlie Musselwhite - Em janeiro de 2006, folheando a revista de sexta-feira do jornal Folha de S. Paulo, li que dois de meus ídolos viriam ao Brasil para tocar no Bourbon Street Music Club, o gaitista Charlie Musselwhite e o guitarrista Otis Rush, verdadeiros ícones do blues. Aquilo não saiu da minha cabeça e fiquei pensando em como poderia trazer os caras a Santos.
Num estalo peguei o telefone e liguei para o Bourbon e me passaram o diretor artístico da casa. O Herbert atendeu e disse que estava com viagem marcada para os Estados Unidos e que poderíamos fazer uma reunião quando voltasse.
A parada era a seguinte, o cara nem me conhecia e disse que dava pra fazer os shows aqui e já havia até agendado uma reunião. Não sou de ficar dando risada de bobeira, mas naquela semana fiquei sonhando com Rush e Musselwhite e ouvindo seus discos sem parar. 
Um mês depois, na data marcada, almoçamos num restaurante no Centro de Santos, na histórica Rua XV. Sim, os caras ainda desceram pra falar comigo. O Herbert, a Thais e o Beto, seus dois sócios em uma produtora especialista em blues e jazz. Saímos daquela reunião com um nome na cabeça, Jazz, Bossa & Blues, um projeto que rendeu muitos frutos posteriores.
Otis Rush ficou doente e não veio ao Brasil. E não lembro por qual  motivo não consegui fazer o Charlie Musselwhite aqui em Santos. Mas assisti ao show do Bourbon, com Otávio Rocha (guitarra), Ugo Perrota (baixo) e André Tandeta (bateria). Ele havia acabado de lançar o álbum Delta Hardware, um discaço. Ou seja, minha vida na produção quase começou com um show de Charlie Musselwhite.


Eugênio Martins Júnior - Gostaria que falasse sobre a primeira vez que teve contato com o blues e como decidiu ir para esse estilo musical.
Charlie Musselwhite – Não me lembro a primeira vez que ouvi o blues. Algumas de minha primeiras memórias são dos cantores de rua no centro de Memphis nos anos 50.  

EM - Você estava em Memphis no olho do furacão dos anos 50, ouvindo todos os caras importantes do rock and roll e do blues. Gostaria que falasse sobre essas lembranças.
CM – Do outro lado da rua viviam Johnny e Dorsey Burnette e em alguns blocos adiante, Slim Rhodes. Ia a escola com Tommy Cash que jogava no time de basquete e estava sempre com Dewey Philips. Ia para a escola com Travis Wammack. Eu tinha o telefone de Elvis e poderia ligar a qualquer hora pra saber se ele estaria em alguma festa. Ele fazia coisa do tipo, alugar as barracas e trailers de comida e todos os hot dogs e cookies eram de graça. Ou alugar um teatro para exibir os últimos filmes do Road Runner. Isso ia da meia noite até a madrugada.    

EM - Como foi sua chegada em Chicago? Foram tempos duros aqueles, mas proporcionou o contato com os grandes artistas do blues daquela cidade e você acabou gravando Stand Back!, um álbum que é lembrado até hoje. Poderia falar sobre essa época? 
CM – Só fui para Chicago atrás de um bom emprego na fábrica. Foi quando descobri a cena de Chicago e todos os meus heróis do blues. Todos estavam lá tocando eu me tornei assíduo em todos aqueles clubes de blues. Minha frequência nesses clubes era incomum porque o blues era uma música estritamente adulta e você raramente via alguém da minha idade, seja branco ou negro. Não me incomodava em ficar em pé ou sentado. Estava feliz apenas de estar ali, ouvindo e socializando. Uma noite um garçom que eu conhecia falou para Muddy que ele tinha de me ouvir tocar. Então Muddy me chamou ao palco e isso mudou a minha vida. De repente comecei a ser convidado para várias gigs. As coisas aconteceram a partir daí. 


EM - Bom, não há fã de blues que não ame Stand Back! E eu gostaria que você falasse sobre aquelas sessões com Fred Below, Barry Goldberg e Harvey Mandel.
CM – Houve apenas uma sessão. Gravamos tudo em três horas. Foi tudo muito casual. 

EM - Como eu disse antes, você esteve na época de ouro do blues, anos 50 e 60, e está aqui agora, nos anos 2000. Gostaria que falasse sobre a importância do blues para a cultura americana, já que você é considerado um dos grandes mestres ainda na ativa.
CM – Não sei o que poderia acrescentar ao que os fãs de blues já não saibam. A não ser que poucos artistas de blues recebem um tratamento tão legal quanto os artistas de rock ou country. E algumas coisas que chamam de blues hoje jamais seriam na época em que comecei. 

EM - Você já tocou com grandes artistas, ganhou o Blues Music Awards e foi indicado ao Blues Hall of Fame, toca harmônica ininterruptamente há cinquenta anos. Existe alguma coisa em termos musicais que Charlie Musselwhite ainda não fez e gostaria de fazer?
CM – Amo experimentar e ver como posso adicionar o blues em outros estilos, como tenho feito com a música cubana e brasileira. Tenho ideias que gostaria de explorar um dia. Muitas ideias.


EM - Gostaria que falasse sobre a parceria com Ben Harper que renderam dois álbuns maravilhosos, Get Up!, e No Mercy in This Land. Quer dizer, é o encontro de duas gerações, duas visões musicais diferentes, mas que conversam entre si.
CM – Diferentes de alguma maneira, mas Ben tem uma alma nostálgica e nossas ideias musicais se complementam. Soam como uma boa mistura. Trabalharmos juntos é uma aventura musical maravilhosa.

EM - Quando jogamos gelo em um copo cheio de água, há uma troca de temperatura entre eles. Podemos dizer o mesmo sobre o encontro entre Charlie Musselwhite e Ben Harper sobre a troca de experiências? 
CM – Com certeza. Nossa experiência é semelhante com relação aos mestres do blues. E nos inspiramos multuamente.

EM - Você já veio ao Brasil algumas vezes e conhece alguns gaitistas brasileiros. Imaginava que aqui tinha uma cena de blues?
CM – Tinha conhecimento que havia interesse pelo blues no Brasil, mas fiquei agradavelmente surpreso pelo alto nível dos músicos. O Brasil é um país muito musical. Com uma cena excitante e músicos brilhantes que me nocautearam.    

EM - Qual o conselho de Charlie Musselwhite para obter um bom timbre?
CM – O timbre está lá. Todas as notas que você tocar não vão superar um bom timbre. Alguns gaitistas confiam em um microfone ou amplificador específicos para formar seu timbre, mas acredito que você tem de criá-lo antes disso. Tocando com seu coração em vez de sua cabeça.

3 comentários:

  1. Muito bom...pros amantes do blues tudo que queremos saber dos nossos ídolos.

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  2. Sensacional...que massa existir blogs assim no Brasil.

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  3. Sensacional tudo que queremos saber dos nossos ídolos e artistas consagrados.

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