terça-feira, 21 de junho de 2011

Maurício Sahady traz o blues carioca na bagagem

Texto e fotos: Eugênio Martins Júnior

Em 06 de maio o guitarrista carioca Mauricio Sahady (The Sheik) e a banda do gaitista Ivan Márcio pisaram no palco do Sesc Santos em única apresentação.
Foi uma grande noite de blues, porque Maurício nunca havia tocado em Santos. Ivan e os marginais que tocam com ele já, mas na minha opinião, não valeu: Fábio Basili (baixo), Giba Byblos (guitarra), Julio Scansani (bateria) e o Ivan haviam se apresentado no Studio Rock Café para uns amigos e uma duzia de agregados. Foi um bom show, mas ficou o gostinho de quero mais.
No teatrão do Sesc Santos a coisa rolou diferente. De tarde, Ivan ministrou uma oficina sobre a gaita no blues e a noite o show durou quase duas horas. Na verdade foram dois shows. Na primeira metade a Ivan Márcio Blues Band tocou os temas dos dois CDs gravados por ele na terra de blues, Chicago Sessions Volumes 1 e 2.
Com a entrada de Maurício, os caras fizeram quase todas as músicas do CD mais recente do carioca, o Laundromat 335, e ainda alguns temas inéditos que provavelmente serão registrados em seu próximo trabalho.
Canhoto e adepto do “finger stile”, técnica de tocar a guitarra sem usar palheta, Maurício é um dos pioneiros do blues no Brasil. Começou na mesma época do Blues Etílicos e André Christovam, mas gravou muito mais tarde. Pode-se até dizer que ele é da segunda geração, assim como o Nuno Mindelis e o Big Allanbik.
A presente entrevista aconteceu minutos antes do show desses dois grandes nomes do blues brasileiro: Maurício Sahady (The Sheik) e Ivan Márcio Blues Band. No final daela, Maurício disse estar em dúvida sobre adicionar mais uma música ao seu novo trabalho. Eu, com a maior cara de pau do mundo, saquei uma letra da mochila e dei para o cara. Uma letra fácil, mas de duplo sentido. Dessas que os blueseiros gostam. O cara pegou, leu e, educadamente, guardou. Deve ter pensado que estava diante de algum biruta. Valeu Maurício, valeu Ivan Márcio Blues Band e valeu Sesc Santos por dar espaço ao blues e a diversas formas de cultura.

Eugênio Martins Júnior – Quando o blues apareceu na tua vida. Qual é a tua escola?
Maurício Sahady –
A história começou em 1979 quando vi o B.B. King pela primeira vez na televisão, a TVE que passave na integra os festivais de jazz, iam até quatro, cinco da manhã. Depois passou pra Globo e começaram a resumir a história. Mas quando vi o B.B. King com aquela big band decidi que era aquela música que eu queria tocar. Tinha uns 15 anos, na época não tinha guitarra, mas pra minha felicidade meu vizinho tinha um LP, B.B. King com Bobby Bland e ele gravou pra mim e eu ficava em casa com um violão precário tentando tirar todos aqueles licks e aqueles bends do B.B. King e não consegui, né? Meu instrumento não facilitava as coisas. Mas por outro lado quebrei muito a cabeça, não tinha vídeo naquela época. Trabalhei muito em cima desse LP dele. Em 89 conheci o Carlitos e a gente formou o Atlântico Blues. O Carlitos tinha uma loja de LPs na Djalma Ulrich, em Copacabana, no fundo de uma galeria. Fiquei facinado com o material dele, tinha sete mil LPs de blues, tinha morado cinco anos em Chicago. Ele dizia: “Pô Maurício, eu conto para as pessoas e elas não acreditam. Sou convidado todos os anos para ir ao Fesival de Chicago. Carreguei amplificador para o Big Walter Horton tocar na rua”. O Carlitos  me apresentou a galera da pesada, Albert King, Freddie King...

EM – Mas a tua história pula de 1979 para 1989? O que aconteceu nesses dez anos?
MS
– Nesse intervalo eu trabalhei esse LP do B.B. King e ouvia muito Beatles, o álbum branco com a participação do Eric Clapton, então comecei a pesquisar o Clapton. Ele tinha muita coisa de blues e descobri algumas coisas, Johnny Winter. Aos 18 anos comecei os estudos no violão clássico, por isso que toco sem palheta. Pra minha alegria, quando tive a oportunidade de ver alguns vídeos, vi que alguns de meus ídolos tocavam sem palhetas. Confesso que quando comecei a tocar com palheta era tão burro que palhetava de baixo pra cima (risos). Depois que eu percebi que se alternasse ficava muito mais fácil. Mas foi um caminho árduo embarcar nessa de tocar sem palheta, é claro que hoje eu tiro muito proveito. Transportar para guitarra, conseguir se expressar livremente no instrumento é uma coisa que leva tempo.

EM – E a história do Atlântico blues que eu te interrompi?
MS –
No fim da década de 70 o Circo Voador era na praia do Arpoador, mas eu ainda não conhecia os caras, o Carlitos, o Paulo que era o baixista e que Deus o tenha. Na verdade conheci o Paulo por causa de um anúncio no jornal e ele me ligou. E ele me apresentou o Carlitos. Quando a gente formou a banda eu tinha um trabalho chamado Expresso Blues. Mas nós resolvemos botar Atlântico porque a banda já tinha um nome, já havia tocado na rádio Fluminense, é um nome forte. E seguimos tocando em São Paulo, fizemos o Jô Soares Onze e Meia na época que era no SBT e muitas coisas. Tocávamos de paletó, gravata, óculos escuros. Nos shows do Centro Cultural conhecemos o Fábio Zanetti que tinha o Jazz e Blues em Santo André, uma casa que ficou famosa por ter levado o Buddy Guy e mais uma galera e nos levou pra tocar lá. O Atlântico vai até 93, 94 aí eu decidi fazer trabalho solo. As pessoas estavam pensando de modo diferente. A banda dá certo quando todos estão voltados ao mesmo objetivo. O Paulo faleceu, o Carlitos parou de tocar, mas está sempre em contato, uma pena porque o Carlitos tinha uma cultura de blues fantástica. Quando fui na casa dele pela primeira vez eu pirei, nas paredes só fotos com Little Walter, Big Walter Horton, umas fotos em preto e branco, LPs de bandas que já tinham acabado e que nunca ninguém ouvira falar. O Charlie Musselwhite foi lá com a esposa e pirou. O Carlitos tinha coisa que nem eles tinham.

EM – E depois?
MS –
Aí segui com o trabalho solo. Em 1995 gravei um clip de uma música minha chamada Sirigaita na Bagagem, uma música que lá no Rio de Janeiro tenho de tocar em qualquer show, o fã clube exige. É um shuffle, como Sweet Home Chicago, só pra dar uma ideia do que é a música, a galera canta o refrão e tal. Comecei com esse trabalho solo, optei por fazer esse disco, conheci um produtora cuja área era cinema, mas que tinha a facilidade de conseguir as coisas e nós fizemos. Aí gravei o Blues Brasileiro em 2001, um trabalho autoral só com músicas em português. Fui até preterido em uns eventos por causa disso, pela galera mais ortodoxa que não gostava de blues em português.



EM – Mas o André Christovam já fazia isso nos anos 80.
MS –
A proposta do Atlântico Blues era essa, essa fase que que peguei, o primeiro show grande que nós fizemos foi abrindo para o Blues Etílicos no Circo Voador com repertório próprio em português e a galera adorou.  

EM – O Vício Valvulado é quase todo em português, não é?
MS –
Sim, só há uma faixa em inglês o resto é tudo em português. Sou muito cuidadoso com essa coisa de letra, às vezes penso nela em inglês e pego aquela melodia e tento adaptar, costumo usar esse processo. O Vício Valvulado tem até duas músicas que puxam para o lado pop, coisa assim que os produtores dizem que é “radiofônica”, quem sabe uma novela e tal (risos). Mas o Flávio Guimarães disse que eu tinha de ter um trabalho em inglês. Eu disse pra ele que não me custava nada porque eu canto bastante em inglês nos shows e eu gosto. Aí gravei com os Blues Groovers em 2007 o Laundromat 335, referência à minha guitarra Gibson 335. Esse trabalho me rendeu muita coisa boa. Acabei achando que era um trabalho que eu devia ter feito antes, em inglês. Talvez se tivesse começado em inglês e depois passado para português, teria participado de festivais e tal.

EM – O Laundromat 335 é de 2007, não está na hora de lançar um trabalho novo?
MS –
Com certeza, já tenho nove músicas elencadas para um próximo trabalho. Só em inglês, sendo que cinco são composições próprias. Pesquiso muito a letra, gosto muito de Little Walter, Willie Dixon, T Bone Walker, tem umas maldades, umas coisas de duplo sentido. Não vou me atrever em compor em inglês sem ter essa manha.


EM – Claro, você não vai falar das plantações de algodão porque tu nunca colhestes algodão.
MS –
Exatamente. Vou te adiantar, hoje vou tocar uma música aqui no Sesc que se chama I'm a Bad Man, que fiz conversando com o Rick Estrin, nessa última turnê dele a gente viajou junto. Eu tinha algumas dúvidas e ele me ajudou com a letra. Tem uma música nova que vai entrar que se chama Fortune Teller, sobre uma cigana que eu penei pra terminar a letra. Tem I Wonder Why, mas essa a letra saiu fácil. Estou com cinco prontas e isso é bom porque você não precisa de liberação de direitos autorais. E tem mais quatro que são clássicos do blues. Tem uma instrumental que o Otávio (Rocha –  guitarrista do Blues Etílicos e que toca no Laundromat 335) está me pilhando pra botar.

EM – Notei que o Laundromat é um disco moderno e bem dinâmico e essa música instrumental que você acabou de tocar na passagem When the Kid Start Messin' mostra isso. Você disse que no próximo CD o Flávio deu algumas ideias e tal. Como é esse processo de escolha?
MS –
No Laundromat entrei muito na pilha dos caras (Blues Groovers) e eles até reconhecem que puxaram a sardinha pro lado deles, o que eles queriam tocar. Mas eu acho que o resultado foi bom, o CD toca em várias rádios lá fora. Mas ele acabou achando também que no próximo trabalho eles têm de entrar na minha onda (risos). Na verdade rolou as duas coisas.

EM – When the Kid Start Messin' é tão legal que quando ouço chego a imaginar a criançada fazendo a maior bagunça. Ela foi inspirada em alguma criança fazendo bagunça quando você estava estudando guitarra?
MS –
(risos) É inspirada em San Ho Zay do Freddie King. E foi exatamente em homenagem ao meu filho que estava com três anos, eu era pai pela primeira vez e tentava entender as coisas. Às vezes você está meio estressado e acaba extravasando pela música.


EM – Você sente necessidade de tocar lá fora?
MS –
Sinto. Sabe porque, eu toco muito em Búzios e você sabe que lá vai muito estrangeiro, gente do mundo inteiro que conhece blues, que frequenta festivais. Já me disseram que se eu fosse tocar em Chicago ou Texas poderia ir tranquilamente. Outra coisa que me preocupo muito é o sotaque. E  isso é muito difícil, cantar e pronunciar corretamente. O Greg Wilson me ajudou muito no Laundromat, havia algumas coisas que o incomodavam. Meu sotaque melhorou muito. Tanto é que as pessoas que vêm falar comigo, às vezes são casais de brasileiro com americana, ou vice e versa, e ficam discutindo minha nacionalidade. (risos). Então, dá uma vontade de ir lá. Esse intercâmbio de hoje, os caras vindo e a gente vendo o que eles estão tocando, eu penso que posso chegar lá e tocar. Não sou melhor do que ninguém, mas também não sou o pior. (risos).

EM – Tem músico brasileiro que passa dois três meses na gringa, Europa, Estados Unidos. O Big Gilson, o Igor Prado, o Ivan Márcio, os caras já fazem um intercâmbio.
MS –
É verdade. É que nós brasileiros crescemos ouvindo música americana, ouvimos músicas brasileiras, mas crescemos ouvindo rock e daí para o blues é um pulo. Voltando ao início da entrevista, quando ouvi o B.B. King pela primeira vez eu pirei, comecei a trabalhar em cima daquilo. Mas já tinha uma intimidade, já escutava Stones, Led, Deep Purple, Chuck Berry pelos Beatles.

  Maurício Sahady e Ivan Márcio Blues Gang

EM – Mudando um pouco. Como era a cena de blues no Rio nos anos 80 e como é hoje? Tinha mais bandas naquela época ou agora? Eu acho que a cena lá não está se renovando como em São Paulo ou até em outras regiões como no Sul onde há bastante bandas de blues.
MS – Acho que só tinha o Blues Etílicos que começou em 1985. Eu estava começando em um circuito fora com o Expresso Blues. Agora tem a Rodica (Weitzman – também conhecida como Rodica Blues), que é uma excelente cantora, mas que também é acompanhada pelos Blues Groovers. A gente tem uma carência de baterista bom, que entenda a linguagem. Têm três bateras que entendam, uma pena. Tem o Cristiano (Crochemore), o Otávio participa do CD. É um bom guitarrista, ele tem uma voz mais velada, não é aquela coisa gritada, é uma onda bem legal. Tem o Álamo (Leal) com o Blues Groovers novamente. Mas tem uma banda chamada Beale Street, o Cesar, baixista, está vindo pro nosso lado. O Gil (Eduardo) que foi o primeiro batera do Blues Etílicos, a gente tem trabalhado junto, ele também toca com o Big Gilson. Agora, artistas novos... tem um cara lá, o Charles, um cantor.
EM – Cantor tem o Ricardo Werther? O CD dele é muito bom.
MS – Sim está se recuperando de um problema de saúde e logo estará com a gente. Há uma carência enorme de cantores. Eu canto pra me acompanhar, mas não sou cantor. O Ricardo é cantor. Tem a Rosane Correia, vamos ver se ela consegue gravar. Eu estou até fazendo um trabalho com ela. Ela é negra outra carência do blues brasileiro. Em São Paulo só há o Big Chico, não sei se tem mais alguém. 
EM – Tinha o Celso Blues Boy também.
MS – O Celso é uma história à parte. O Rock In Rio 1 foi em 1985, então você tinha o Circo Voador que era a casa do Celso, lotava. Tinha o Barão Vermelho, Kid Abelha, Paralamas do Sucesso e essa turma tocava no Circo. Todos tocaram no Rock In Rio 1, menos o Celso. Então todo mundo ficou naquela de: “Porra, porque o cara não foi convidado”. No Hollywood Rock também não. O Celso não participou de nada disso. Todo mundo era fã do Celso e ele não foi convidado pra festa. Ele trilhou esse caminho em português. Vi Aumenta que Isso Aí é Rock and Roll no Fantástico. E ele até hoje tem público. O Big Allanbik veio depois, acho que no começo da década de 90. Tem um cara no Rio, o Victor Gaspar, que era um cara que tocava com o Ugo (Perrota – baixista dos Blues Groovers), é um guitarrista muito bom.
EM - Se deixar o Ugo toca até bumbo com pastor na praça.
MS – (risos) É, ele, o Otávio e o Beto praticamente fecharam um circuito. Eles fazem um som com muita competência.
EM – Eles acompanham os gringos também. Formaram uma máfia do Blues. (risos)
MS – E todo mundo quer gravar com eles.
EM – O que é o Clube do Blues?
MS – Começou em um barzinho lá no Rio, o Bar do B, um american bar. Abre uma porta, a gente brinca que a menor casa de shows do universo, cabe umas quinze pessoas. Eu o Cláudio Bedran, o Otávio participa, o Cristiano, a gente se reúne toda segunda- feira pra tocar. Em vez de ir pra igreja nossa religião é aquilo ali. Vão professores, uns gringos, sempre pinta shows com bons cachês. Dá pra tocar descontraidamente. As pessoas de fora acham que é um negócio enorme, mas é um lugar pequeno. Quem vai gosta. Essa coisa da internet dá uma dimensão às coisas! Os caras falam que querem tocar lá, tudo bem pode tocar, será bem recebido, mas não é nada demais. A proposta não é financeira. Teve uma casa de show lá no Rio que toca mais rock do que blues e quis nivelar por baixo, mas nós preferimos reunir a galera da pesada pra tocar lá. Com todo o respeito, se os caras acham que aquilo é bom, lamento muito.
Mas olha só, o Otávio e o Beto pegaram uma terça feira, na Lapa, uma casa ótima, a Lapa Café. Pegamos uma quinta em um novo espaço que vai rolar uma vez por mês. Era uma casa de prostituição lá em Laranjeiras. E assim vai renovando o público. Só não é maior porque não circula em televisão. Tem uma professora em Teresópolis que faz um trabalho maravilhosos com os alunos de escola pública, a maioria de área carente. É um trabalho extracurricular. Eles alugam um ônibus descem pro Rio pra visitar museus e um monte de coisas, aquele centro histórico e termina sempre com um show. É muito bacana.

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