segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Sai Dias, o terceiro disco do Filippe

 

Filippe Dias

Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Divulgação

Em abril de 2012 estive no Rio de Janeiro de férias por uma semana e catei um lugar para curtir uns blues na cidade maravilhosa. Fui parar em Laranjeiras, no Bar do B, onde todas as segundas feiras rolava uma jam session chamada Clube do Blues, foi o primeiro que tive notícia no Brasil, com o Maurício Sahady e a cozinha etílica, o Cláudio Bedran e o Pedro Strasser (respectivamente baixista e baterista da Blues Etílicos). 
O Clube do Blues era informal, não tinha carteira de associado, não tinha mensalidade e não tinha nem músicos fixos. Mas o lugar encheu de gente, bebi boas cervejas e saí de lá com uma certeza: “Vou fazer em Santos”.
A ideia era copiar o lance do Rio, lugar pequeno, dia de poucas atrações na cidade e disponibilidade dos músicos. Conversei com o Studio Rock Café (quando a casa ainda era legal) e acertei com os donos as bases para o evento. Só faltava arrumar uma banda. 
Conheci o Filippe Dias nessa época, por intermédio de um amigo em comum. Vi que o cara gostava de blues e assim montamos uma banda exclusiva para o evento que começou com cinco músicos fixos e todas as terças-feiras
Desde então acompanho a trajetória do Filippe, vendo sua evolução, seja tocando ao ar livre na Av. Paulista ou em festivais. Acompanhei o esforço que fez para ficar conhecido no meio blueseiro e de outros estilos.
O primeiro trabalho, o EP Borderliner que, segundo Filippe foi fruto de um relacionamento tumultuado, foi lançado em 2016. Nada mais blues. Logo depois gravou o Live Sessions com a formação atual do Filippe Dias Trio.
Com o CD Dias, que acaba de ser lançado com show no Bourbon Street Music Club, em São Paulo, o guitarrista guarujaense cravou suas pegadas na estrada do blues.
O show contou com alguns dos onze temas de Dias, Don’t Bother Calling, Don’t You Hear, Brother Brother, We went To The Moon, Singularidade e Barquinho. Além de Filippe, o trio é composto por João Lopes (bateria) e Enielse (baixo).   

Eugênio Martins Júnior – Como foi a tua infância musical?
Filippe Dias – Nunca tive músico profissional na família. Quando criança meu pai estudou em conservatório e tocava piano, mas tinha preguiça do aprendizado. E não gostava que o mandassem estudar. 
Então, tínhamos um piano em casa e eu cresci com ele tocando. E desde criança a música chamava a minha atenção. Lembro de ficar olhando-o tocar. E até hoje toca as mesmas músicas. O repertório dele nunca evoluiu. Quando ele saia do piano eu sentava e começava a tocar. Tinha ouvido bom e já conseguia achar as notas que ele tocava. 
Já a minha mãe comprava muito CD. Em casa tinha Beatles, Pink Floyd, muita música brasileira. Tenho um lance emocional com o Clube da Esquina por causa da minha mãe. E um irmão da minha mãe passou um tempo na casa dos meus pais e levou dois violões. Por conta disso o meu irmão começou a fazer aulas, mas também não tinha paciência pra aprender. Ele tocava violão sentado na cama e eu sentava do lado dele e conseguia reproduzir as coisas que ele tocava. 
Nos meus dez anos quando os amigos iam em casa eu chamava pra escutar música. Já achava legal. Achava que música era algo pra se fazer. 
A guitarra eu descobri na casa de um amigo. O irmão dele tinha uma Tagima e quando o vi tocando pela primeira vez fiquei maravilhado. Passei a ir na casa dele não pra jogar bola, mas para inventar um motivo para pegar a guitarra e tocar. No Pedi uma igual de Natal para os meus pais. Tenho ela até hoje, foi o instrumento que eu me desenvolvi. Era 2001. 

EM – E quando conheceu o Blues?
FD - A minha mãe encontrou uma escola nas páginas amarelas da lista telefônica a Escola Simonian de Música, em Santos, e comecei a ter aulas com o professor Fábio Cruz. Ele pediu pra eu mostrar o que sabia fazer no instrumento. Eu toquei I Saw Her Standing There, dos Beatles. É uma música que tem quase a estrutura do blues, com um acorde com sétima que eu sabia fazer. Ele me falou que o blues usava muito esse acorde e perguntou se eu sabia o que era o blues. Diante da minha negativa ele perguntou se eu gostaria de aprender e foi aí começou. Ele me deu um CD gravado com Roy Buchanan, Eric Clapton e Stevie Ray Vaughn. E nós começamos a tirar aquelas músicas. E ele me mostrou o improviso e quanto era divertido tocar blues, por não ficar preso a uma estrutura. E por isso que eu não sei muita teoria. Ia para a aula para improvisar em cima das bases que ele levava. Fiquei uns três anos e meio na escola. Logo após isso comecei a aprender por conta própria baixando músicas da internet. 

EM – E o que o jovem Filippe escutava nessa época?
FD – Beatles já chamava a minha atenção por causa da sonoridade que as coisas da minha época não tinham. Tinha o pensamento que se a coisa era antiga era boa. Então fazia essa associação. Dark Side Of The Moon (Pink Floyd), Clube da Esquina (Milton Nascimento e Lô Borges), etc. E havia uma coletânea que minha mãe havia comprado que era Jimmy Reed, Muddy Waters, John Lee Hooker e BB King. Lembro de  escutar e achar aquilo muito curioso. Aquela coisa pura, a carga emocional. Soava muito diferente.


EM – Nessa época o Stevie Ray era deus. Tanto que toda a geração que veio depois foi influenciada por ele. Hoje a gente tem vários clones.
FD – Sim, lembro que eu ficava na frente do espelho imitando o jeito dele. Todo mundo queria ser o Stevie Ray Vaughn. Mas logo depois eu me distanciei disso.

EM – E começou a tocar quando e onde? Lá no Guarujá mesmo?
FD – Eu não tinha amigos e nem parentes músicos, ninguém para me colocar na cena. O que aconteceu também foi por acaso. Estava no Orkut e vi alguém anunciando que haveria um session no Café Central (Bar em Santos). Lembrei, foi o Mauro Hector. E era sete da noite e eu peguei o carro da minha mãe e fui lá. Quem estava organizando era o Rodrigo Moreno, do Gaita BS, grupo de gaitistas da Baixada Santista. Então sentei bem lá na frente e surtiu resultado, porque eles me chamaram pra tocar. Depois dessa eu entrei pra turminha ali. Toda a jam session que tinha eles me chamavam. Mas não tinha cachê. Nem pensava nisso, queria tocar. 
Logo depois, me apresentaram pra o dono de um bar que havia ali na divisa de Santos com São Vicente, o Saloon Rock Bar, o Valtão. 

EM – Lembro, era um bar na “fronteira” entre Santos e São Vicente. Perto do Emissário, terra sem lei. (risos)
FD – Sim. Era bem tosco mesmo, mas era um bar de rock and roll. Ali nós fazíamos um som, o Valtão tocava bateria, mas não era profissional. Eu levei o Serginho, um baixista do Guarujá, para tocar todos os sábados. Tocávamos por cerveja, não me ligava em cachê ainda. Mas foi uma escola pelos seguintes motivos: o Valtão não era um músico exímio, então nós tínhamos de fazer o melhor som que conseguíamos para compensar isso. Então quando íamos tocar sempre havia as mesmas pessoas para escutar. O bar quando estava cheio estava com 15 pessoas. Parecia cena de trash movie.

EM – E o que aconteceu depois dessa fase drink no inferno?
FD – Não. Fui para São Paulo cursar publicidade. Meu pai sempre teve condição. Tive uma vida privilegiada, ele me deu guitarra e sempre muito mais do que eu precisava. Por isso pude escolher o caminho da música, profissão tão incerta no Brasil. Passei a tocar nas festas da faculdade e em uma delas a galera gostou e veio falar comigo e foi ali que decidi que era isso que iria fazer da vida. Decidi me formar e me auto proclamei músico.

EM – Te conheci nessa época. Foi quando começamos o Clube do Blues de Santos. Eu fui pro Rio de Janeiro ver o Mauricio Sahady, o Cláudio Bedran e o Pedro Strasser e voltei com a ideia.
FD – O Clube do Blues foi importante. Acho que foi o movimento mais enfático em colocar o blues como uma cena em Santos. Havia o Gaita BS, mas não tinha a mesma ambição e a mesma organização. Era um festão. O Cube do Blues foi o primeiro evento sério que participei como músico profissional.

Filippe Dias e Jam For a Dime - Clube do Blues de Santos

EM – Mas também enfrentamos alguns problemas...
FD – O problema é que em Santos se reclama quando não tem esse tipo de evento, mas quando não tem não vai. Lembro que tinha dia que lotava e no outro não ia ninguém. Não fazia o menor sentido. Tivemos dias bons e ruins. Mas foi ali que tive a minha primeira banda, a Jam For a Dime. Também foi bom porque tive a oportunidade de tocar com o Giba (Byblos), que era um cara que tinha disco gravado. Assisti o Igor (Prado), com o Lynwood Slim, a Shirley King.  

EM – Desse ponto de partida resolveu voltar para São Paulo, mas agora como músico? 
FD – É, trabalhava em uma agência e saí pra ser músico. Novamente, não conhecia ninguém. A solução foi tocar em uma jam session arranjada pelo Alexandre Zéqui, que também não era profissional. Era no Gillan’s Inn. Conheci o Chico Suman e ele me convidou para tocar uma música na gig dele. Quando a Suman Brothers terminou ele me chamou pra tocar com ele em outra banda. Foi quando me inseri de vez na cena de São Paulo. 

EM – Você começou a tocar na Paulista também.
FD – Montei meu trio e parei de tocar com o Chico. Pintou a oportunidade de tocar na Paulista, mas com os Breacos, que era o Fabio Brum (guitarra), o Faísca (baixo) e o AC (bateria). Uma vez o Brum não pode ir e me chamaram. Foi do caralho, minha primeira experiência na Paulista. Um tempo depois montei o trio que está até hoje, com o Inielse (baixo) e o João (bateria). Logo depois disso eu comprei um gerador. Os meninos vestiram a camisa e a coisa decolou. Tocar na Paulista virou parte essencial da minha carreira em termos de publicidade. 

EM – Daí você partiu para a gravação do Borderliner, teu primeiro EP.
FD – É a primeira vez que vou contar essa história. O Chico Sumam tinha uma amiga que era uma aspirante a escritora. E ela queria que alguém musicasse suas letras. O Chico me passou a bola e como não tinha nada pra fazer no momento, peguei uma das letras e fiz algumas adaptações, inclusive na melodia. Tive de mexer porque não eram boas. Enviei o resultado e ela ficou emocionada com o aquilo e em pouco tempo estávamos namorando. Mas era uma pessoa muito narcisista, dizia que tinha contatos, que ia nos colocar no David Letterman, etc.



EM – É sério isso?
FD – Sim, disse que conhecia o cara que “fechava” as atrações do programa. Bom, eu estava com as músicas e consegui o telefone do Igor (Prado), achando que poderia produzir o disco, mas ele me indicou o Amleto Barboni. Entrei em contato e enviei as demos. Ele topou fazer. O certo era dividir os custos, mas como era eu que tinha a perspectiva de ser músico, acabei bancando as gravações sozinhos. Uma de muitas idiotices que fiz. Apesar de todo o meu trabalho, quando o relacionamento acabou as músicas viraram dela, entende? Mas acordamos que ambos poderiam usar a músicas. Como eu havia bancado os fonogramas, eles eram meus, mas as músicas os dois poderiam usar da forma que quisessem. 
Beleza. Só que semanas depois ela me ligou dizendo que havia registrado as músicas em uma editora e mandou eu me virar. Tive de entrar em contato com a editora, uma das piores experiências da minha vida, parecia que estava entrando em um covil de ladrões, mas contei a minha história e o dono viu que se fossemos parar na justiça com aquilo iria ser ruim pra ele. No fim o disco foi bem recebido, recebeu elogios de artistas, entre eles o Vasco Faé.

EM – Qual é o espaço que o blues, uma música com mais de cem anos e que não é nossa tem no Brasil? 
FD – Deveria haver mais espaço. Por que a riqueza musical desses sons... é como entrar em um museu e ver uma pintura que foi feita há duzentos anos e poder voltar no tempo com aquela obra de arte. Ninguém toca, porque é uma linguagem muito especializada, pura, primitiva, que tem de que tocar até meio errado pra parecer legal. Trazer a limitação como recurso estilístico. É uma crítica que eu tenho aos festivais de blues aqui no Brasil. Não tem espaço para o Delta Blues. Vi que era difícil e comecei a tocar isso para poder ser o melhor entre todos. Sabe como é garoto. Então comecei a fazer downloads de Mississippi John Hurt, Skip James, Blind Blake, que é uma bizarrice. Uma vez estava tocando no Saloon e tinha um cara chamado Kadu Abecassis, na época ele tocava com a Malu Magalhães, na plateia. No fim ele veio perguntar a minha idade e me convidou para tomar uma cerveja ali no Emissário. Ele acendeu um baseado e deu o violão na minha mão. Eu toquei um blues e devolvi pra ele. Aí ele começou a tocar um blues que ele gostava ali na minha frente usando o finger stile, aquela sonoridade velha. Aquilo me provocou. Na época me senti intimidado, mas por causa do Kadu mergulhei de cabeça nessa sonoridade do Delta. Por acaso o encontrei um tempo depois em um show seu, na Praça dos Andradas, aqui em Santos, ele e o Peter Hassell, com quem fazia dupla Mustard and Custard.  

EM – O teu disco mais recente, o Dias, levou um bom tempo pra ser produzido. Você começou antes da pandemia. Percebi um salto entre os dois trabalhos. Gostaria contasse a história desse disco.
FD – É o momento mais importante da minha trajetória. O Borderline foi lançado em 2016. Depois disso continuei amigo do Amleto Barboni, que considero um mestre na produção. Ficamos muito próximos. 
Então, após o lançamento do Borderline não queria mais parceria com ninguém. Fiquei compondo em casa, um processo doloroso. Há dois caminhos, compor igual àquilo que você gosta e a sonoridade vai te agradar. Ou você tenta fazer algo com a tua cara. O que não é fácil porque muita coisa já foi feita. Ainda mais sendo eu um cara do blues. Queria me distanciar do que os caras fazem. Por que é o que todo mundo faz aqui no Brasil. Estudei todos os discos do Igor, acho-os maravilhosos, mas não trazem nada de novo pra mim. Pro Filippe Artista. Se eu fosse por esse caminho seria mais um guitarrista de blues, mas como artista não é o que eu busco. Então coloquei todos os elementos que eu gosto e comecei a escrever algo com a minha cara. Então compus muito em casa. Nasceu Don’t Bother Calling que é um blues mais moderno. Tem um apelo para a molecada. Quero agradar quem gosta de blues e quem não conhece tanto. Ao mesmo tempo o Amleto abriu uma escola de blues lá no Mosh (estúdio em São Paulo) e me perguntou se eu não queria gravar uma música. A gente ensinava o processo de gravação para os alunos e eu ficaria com os fonogramas. Todas as músicas que compus foram sobre experiências pessoais. A primeira música era sobre ruptura, a segunda já era a partir desse ponto. E assim foi. Defini que o disco teria esse conceito temporal. De coisas que acontecem em sequência. Foi muito automático, quando vi tinha doze músicas. 

The New Blood com Jam For a Dime Gaylor (baixo), Pedro Leo (bateria) e Filippe Dias, Fábio Brum, Eduardo Elói e Beto Gonçalves (guitarras).

EM - Gravar um disco com 11 músicas é um processo longo, imagino que houve um desgaste. Quero dizer, chega uma hora que você não aguenta mais lidar com aquilo e quer lançar logo. 
FD - Consegui um preço legal e decidimos fazer no Mosh, o maior estúdio da América Latina. Gravamos de forma analógica, na fita magnética. Começamos em dezembro de 2019, mas quando chegou em fevereiro de 2020 começaram os rumores de pandemia. Quando acabei de gravar os pianos fechou tudo. Mas ninguém pensou que seria tão grave e a gente só retomou os trabalhos em janeiro de 2022. Já havíamos gravado 60% e pra mim todas as músicas já estavam prontas. Mas nesse tempo que fiquei parado, mudei todo o final do disco. Não tive depressão, mas fiquei muito mal. Espero nunca mais passar por isso. E todo isso que senti coloquei no disco, as duas músicas finais coloquei orquestra. Achava que fazia sentido. Usei uma orquestra de 32 músicos. Gastei vinte e três mil reais do meu bolso.       

EM - Gastou quatro anos da tua vida, vinte e três mil reais e compensou? Vale a pena no Brasil de hoje? 
FD – Vou ser sincero, esse investimento talvez nunca volte. Não através do disco. Como produto que vai te gerar um lucro financeiro, definitivamente não. Mas a certeza que eu tenho é que vai ficar. Não prevejo o futuro e não quero ser pretensioso, mas é um trabalho que se as pessoas escutarem daqui a dez, vinte anos, acharão um bom disco. Uma boa história contada através da música. Citei o Igor porque admiro o trabalho dele e acho que é outro que vai resistir ao tempo. 

Filippe Dias Trio - Foto Monica Quinta

EM – Hoje é difícil você ver alguém falando em disco conceitual. Pouca gente está disposta a fazer isso hoje. A moda é EP.
FD – Meus discos favoritos são discos conceituais. Pet Sounds, Sargent Peppers, enfim... Sempre quis fazer pelo menos um disco desses na minha vida. Nem que fosse um grande investimento de dinheiro, de dedicação e criatividade.

EM – É, a gente vive procurando um sentido pra vida, mas para mim aproveitar o tempo que você tem por aqui é o mais importante. Se você fizer muitas coisas e coisas boas esse tempo vai passar devagar. Você vai saborear cada momento. Se você ficar parado esse tempo vai escorrer pelas tuas mãos e quando você perceber já está perto da morte e não realizou nada. A pandemia deixou isso bem claro. Refleti muito.
Fiz toda essa introdução para entrar em um assunto capcioso. Como você vê a posição dos blueseiros brasileiros com relação à política e a situação pela qual o Brasil está passando? 
Quero dizer, o blues nasceu como música de protesto e a soul music nos anos 60 foi a trilha sonora dos movimentos de direitos civis, pelo menos nos Estados Unidos. E hoje o Brasil tem músico que apoia esse Estado proto-fascista, e é a favor desse descalabro que está acontecendo no país, inclusive na cultura. E se não é a favor do governo, é omisso em denunciar ou se posicionar. 
FD – Acho que dá até para expandir um pouco. Estamos falando de blues, obviamente, mas os grandes músicos brasileiros são omissos. Curiosamente, quem está se posicionando é a Anitta. Uma mulher, que veio da perifa e está lá com a atitude que os roqueiros não tem. E com muita coragem. Já começa que o cara que toca blues aqui no Brasil é individualista. Não há união. Há muito canibalismo. E individualismo é o que há no governo hoje. As pessoas não pensam no coletivo, no social, no bem de todos. 

EM – Só por isso? Não por ser a maioria de homens brancos que não sofreu uma fração do que grande parte da população sofre hoje?
FD – Também. A gente vem da classe média. E a gente tem de saber de onde vem as coisas que a gente está cantando. Que dor que a gente está cantando? 

EM – E nem digo falar sobre a sua dor individual. Mas quando você se cobre a noite na cama não pensa nas pessoas que estão passando frio ali debaixo da tua janela? Um artista tem o poder de falar sobre isso.
FD – Um questionamento que eu levanto é que se o artista de blues fosse menos reprodutor e mais criativo a gente não teria mais margem para essas abordagens? Inerente a isso que estamos vivendo hoje. Música sobre plantação de algodão não tem nada a ver com a gente. Esse incomodo me fez tentar compor algo diferente. Quem é mais blueseiro, o cara que grava um disco e reproduz o som de Chicago igualzinho ou o Cartola?

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