quarta-feira, 9 de março de 2022

O blues californiano de Chris Cain rodou São Paulo em fevereiro

 

Chris Cain

Texto e fotos: Eugênio Martins Júnior

Dia 02 de fevereiro de 2022. Há uma semana chove muito no estado de São Paulo. Cidades inteiras alagadas, encostas escorregando em cima de casas. Uma tragédia. 
O guitarrista Chris Cain passou rápido para tocar com a banda do Big Chico em quatro gigs. A primeira, na capital, perdi. 
A segunda, no Mercado das Artes em Vinhedo, a 172 quilômetros da minha casa em Santos, fui. 
Não tenho carro, então peguei duas horas de chuva de moto pra trocar uma ideia com o coroa e ouvi-lo tocar. Uns vão dizer: “Louco”. Outros, “Yeah!”
O Mercado das Artes é um lugar rústico e bacana. Alto astral. Com uma galera que gosta de blues de verdade. 
Chris estava à vontade e em grande forma. Tocou e cantou muito. Queimou uma palha, bebeu cerveja e interagiu legal com a galera. 
Com 15 álbuns gravados, o mais recente, Raisin’ Cain, pelo selo Alligator, Chris é um guitarrista com um fraseado cortante, como uma faca afiada nas mãos de um açougueiro. Porém, elegante. Uma outra linguagem dentro do blues. 
Natural de San Jose, iniciou sua carreira tocando nos clubes da Califórnia nos anos 80. Logo gravou seu álbum de estreia, Late Night City Blues, que o levou aos palcos da Europa. 
Passou um tempo na gravadora Blind Big, onde gravou bons álbuns ao longo das décadas seguintes até assinar com a Alligator e lançar seu mais recente trabalho, o já citado Raisin’ Cain.
Por duas vezes, durante essa entrevista, ele se emocionou, a primeira quando falei que seu primeiro trabalho havia completado 35 anos. Ele não havia se dado conta disso. Parou, pensou e as lágrimas escorreram e ele falou: “Já faz tanto tempo que estou na estrada?”. 
Depois quando perguntei sobre sua relação com Jimmy Johnson, morto uma semana antes. Parece que sua relação com o veterano do blues era das mais íntimas e ele demostrou estar realmente abalado. Histórias do blues. De glórias e perdas.


Eugênio Martins Júnior – Born To Play, de seu álbum mais recente, Raisin’ Cain, é uma música autobiográfica. Você conta como seus pais te influenciaram. Como foi sua infância musical? 
Chris Cain – Minha infância musical foi linda. Meu pai me levava para assistir shows do BB King, Ray Charles, não perdia um. Ele era um grande colecionador de discos e me expôs à melhor música possível. 

EM – Vocês são de Memphis?
CC – Não, meu pai era da Luisiana e na adolescência mudou para Memphis onde cresceu, na Beale Street. Mais tarde se alistou na Marinha, servindo na Califórnia, onde conheceu minha mãe. Eu sou uma mistura. (risos)   

EM – Ele chegou a falar com você sobre a Beale Street? Como era aquele ambiente? 
CC – Ele me falava sobre os teatros. A primeira vez que estive lá tive recordações das coisas que ele me falava. Era como se eu já conhecesse o lugar. O que existia em determinados locais em sua época. O Handy Park, que é um parque em homenagem a um músico, W.C. Handy, hoje é uma espécie de Hard Rock Café, ou sei lá o quê. 


EM – Aqui no Brasil nós que somos os entusiastas do blues vivemos lendo livros e vendo documentários sobre os artistas, os locais e todas essas histórias e lendas do blues. Por isso sempre faço esse tipo de pergunta.
CC – Cara, quando era criança conheci Albert King, Freddie King, Ray Charles. Meu pai me levava para conhecê-los. Eu tinha muito respeito por aqueles senhores. Tive muita sorte em estar nessa situação em que muitos gostariam. 

EM - Onde você está vivendo atualmente?
CC – Moro em Copperopolis, na Califórnia.

EM – Como é a cena de blues lá?
CC – Não é muito agitada. É uma cidade pequena, um pouco fria. Quando estou em casa prefiro as coisas mais tranquilas. 

EM - Gostaria que falasse sobre Late Night City Blues que está completando 35 anos.
CC – Já faz trinta e cinco anos desde que gravei esse disco? Eu emprestei dinheiro para fazê-lo. (Nessa hora o cara começou a chorar). Fiz o disco porque precisava apresentar nos clubes para arranjar algum trabalho. E ele foi indicado para alguns prêmios. Só queria gravar um disco para arrumar algumas datas e ele acabou me levando a um festival na Europa. Sempre digo que tive sorte. Só queria gravar um disco.  

EM – São mais de quarenta anos viajando e tocando.  Você ainda se diverte tocando guitarra após todos esses anos?
CC – Me divirto mais do que nunca. Sinto menos pressão. Me preocupava com a banda, com o que as pessoas iam pensar sobre mim. E isso é uma loucura. Hoje faço o que tenho de fazer. Tenho a oportunidade de tocar com muita gente e conhecer muitos músicos.

Big Chico

EM - Por exemplo, vir ao Brasil e saber que aqui tem uma cena de blues ajuda a continuar fazendo o que faz?
CC – É inacreditável. Acabei de passar seis dias na Argentina e vi os garotos tocando blues. E eles vinham me ver. Isso vem acontecendo ao longo dos anos. Amo a vida de músico por causa disso.   

EM - Em Down on the Ground você fala sobre os problemas do mundo atual, as pessoas não se entendem mais. Uma música de protesto. Nos Estados Unidos e no Brasil governos neofascistas foram eleitos legitimamente. Como vê esse retrocesso. 
CC – Quando escrevi essa música parecia que ela havia sido escrita para as pessoas que moram na rua. Mas não era isso que eu estava pensando. Era sobre como o tratamento entre as pessoas não me parece certo. Mas você trouxe outro ponto de vista e eu adoro ouvir isso. Pode ser um monte de coisas. Estou feliz por você ter me perguntado sobre essa canção. Ela fala sobre o relacionamento humano.

EM – Sim e sobre como estamos nos tratando mal.
CC – Concordo, obrigado. 

EM - Como está a volta de shows com a pandemia ainda em curso?
CC – Comecei a tocar novamente e ver as pessoas e estou me sentindo bem por isso. Foi a mesma emoção que senti ao tocar pela primeira vez. Sentia falta do contato humano. Foi diferente. Estou agradecido porquê que isso está passando.  


EM – Você soube da morte de Jimmy Johnson? Gostaria que falasse sobre ele e sobre a importância para o blues. (mais uma vez nesse momento Chris Cain não se contém e chora copiosamente e eu tenho de parar a entrevista).
CC – Eu não o conhecia, mas já sabia de sua importância. Então eu estava em um Blues Cruiser* e fiquei sabendo que Jimmy Johnson estava naquele navio. E ele já não viajava muito naquela época. Eu acordei um dia e o encontrei e ele estava tomando um sorvete. Ele me chamou pelo nome e eu fiquei em choque ao saber que ele me conhecia. E
Era uma pessoa maravilhosa. Ele brincou comigo dizendo que ele tocava guitarra em três posições e eu tocava em seis. Ficamos juntos quando o navio ancorou em Porto Rico e ele me contou aquele monte de histórias. Em outra noite quando nos encontramos e estávamos pronto para uma jam ele percebeu que eu havia bebido demais e me chamou a atenção. Era como um pai chamando a atenção de um filho. Nos últimos tempos ele tocava nas tardes de sábado em sua casa com a esposa e quando eu aparecia em alguma mensagem ele dizia: “Hey brother Chris!”. Sempre me tratou com muita gentileza, era como um segundo pai pra mim.    

EM – Quem hoje te chama a atenção na cena do blues?
CC – Dos caras que já vi tocar Nick Moss é um deles. E Christone Kingfish, que é muito jovem, mas está levando a coisa adiante. 

EM – O baixista do Nick Moss, o Rodrigo Mantovani é brasileiro aqui de São Paulo. 
CC – Sim. O conheci no Brasil. Um ótimo baixista e uma grande pessoa.  

*Blues Cruiser é um cruzeiro tradicional só com artistas de blues que acontece há mais de trinta anos nos Estados Unidos e Caribe.


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