segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Catarinenses do The Headcutters não abrem mão do blues tradicional

 


Texto: Eugênio Martins Júnior

Um bando de garotos que cresceu junto e compartilha desde cedo o amor pela música. Essa é a essência dos cortadores de cabeça, ou The Headcutters.
Estudavam e tocavam juntos e, após os anos passados nos ensinos fundamental e médio do rock e hard rock, graduaram-se no blues. Com especialidade em Chicago Blues.
Baseada em Itajaí, Santa Catarina, The Headcutters vem construindo sua história no blues nacional ao longo da última década, gravando CDs com convidados especiais brasileiros e estrangeiros, entre eles, Igor Prado, Silver Kings, Rip Lee Pryor, Omar Coleman, Nico Smoljan, John Atkinson.
Em 2019 lançaram o road documentário Walkin’ USA, onde contam a viagem que fizeram à terra do blues, cruzando o país de costa a costa, visitando e tocando com seus ídolos. 
Recentemente anunciaram o lançamento de um álbum gravado com uma das lendas vivas do blues, o baixista Bob Stroger. O disco será lançado pela não menos lendária Delmark Records.
Para quem não sabe, Stroger é um verdadeiro who’s who do blues. Em sua carreira de mais de 60 anos, Stroger tocou com Otis Rush, Jimmy Rogers, Eddie Taylor, Eddie King, Sunnyland Slim, Snooky Pryor, Louisiana Red, Odie Payne, Fred Below, Willie “Big Eyes” Smith, Homesick James, Mississippi Heat, entre outros. A nata do blues de Chicago. 
Com Joe Marhofer (harmônica e vocal), Ricardo Maca (guitarra e vocal), Arthur Catuto (contra-baixo acústico) e Leandro Cavera (bateria), The Headcutters, têm cinco álbuns gravados; Sweet Home Blues + DVD (2011), Shake That Thing (2013), Walkin’ USA + documentário (2015), Live at Mr. Jones (2016) e Chicago Blues Extravaganza (2020).
No Brasil eles tocaram com vários artistas que pisaram aqui por outras mãos, James Wheeler, Lorenzo Thmpson, Phil Guy, Billy Flinn, Lynwood Slim, Mich Kashmar, Mud Morganfield, Carlos Johnson e outros. 
OBS: Só para deixar registrado, 01 de novembro de 2021 é um dia histórico. Enquanto  todos estão se preparando para a retomada das atividades artísticas e esportivas, o mundo atingiu a trágica contagem de 5 milhões de mortos pela covid-19.


Eugênio Martins Júnior - Como surgiu a banda The Headcutters?
Joe Marhofer - Éramos vizinhos de bairro, praticamente mesma rua, desde criança. Surgiu em meados de 1999 a partir da ideia do Maca de montar uma banda de rock e hard rock. Então ele chamou o Cavera (bateria) e o Catuto (baixo). Depois disso houve outros integrantes que “não deram certo”  num espaço bem curto de tempo. Eu entrei na banda lá pelo ano de 2001. Entrei tocando gaita, mesmo não sabendo tocar porra nehuma! (risos)  E a partir da gaita é que veio a ideia de nos tornarmos uma banda de blues. Então começamos a nos aprofundar e tocar somente Chicago blues tradicional. Costumamos brincar dizendo que fomos picados pelo mosquito do blues... e não tem mais volta. rsrsrs

EM - The Headcutters é uma banda dedicada ao blues tradicional, especialmente o de Chicago. Gostaria que falasse sobre isso. Sobre esse caminho e essas influências.
JM - Sempre foi algo muito natural pra nós. O que mexeu realmente com a gente  foi o Chicago Blues. Muddy, Jimmy Rogers, Little Walter, Sonny Boy (Willianson), (Howlin’) Wolf entre tantos outros, são até hoje nossas influências. Gostamos muito dessa onda e é o que melhor fazemos. Até tentamos experimentar outras “ondas” em alguns momentos, mas nunca durou. Nosso blues sempre foi o traditional Chicago Blues.

EM – A cena blues no Brasil tem uma variação de estilos muito grande. Por exemplo,  o Nuno Mindelis grava discos com influências da música angolana; Jefferson Gonçalves toca harmônica de uma forma personalíssima, remetendo à tradição nordestina; Blues Etílicos mistura música regional e até berimbau com blues; e Vasco Faé e Ari Borger, de São Paulo, misturam o blues com samba. Onde The Headcutterts se encaixa na cena nacional?
JM - Acredito que nos encaixamos na linha do Blues Tradicional. Particularmente nós não gostamos de misturar Blues com outros estilos musicais, mas respeitamos e admiramos quem faz. Se você acrescentar algo que não tenha nada a ver com o estilo acaba deixando de ser tradicional. 

EM – Ao longo dos anos o Brasil tem recebido artistas dos Estados Unidos e vocês aproveitam que os caras estão aqui pra colocar nos discos da banda. O Shake That Thing, por exemplo, traz o Walace Colleman e de quebra o Igor Prado, responsável pela vinda dele ao Brasil. Gostaria que falasse sobre o lance de vocês mesmos criarem essas oportunidades.  
JM - Sim, a gente sempre tenta alinhar alguns shows  com os produtores que trazem os caras pra cá. Isso sempre foi muito importante pro nosso crescimento. Aprendemos muito com essa galera toda. Acredito que essas experiências nos moldaram bastante, afinal, o blues é dos afro-americanos do EUA e  nós aqui no Brasil não temos o blues como cultura musical nacional, então o nosso meio de chegar mais perto e aprender realmente é tocar com os verdadeiros.

EM - O documentário Walkin in USA conta a história de uma turnê pela terra do blues. Começando pela casa do Jr Watson, na Califórnia até o fim em Chicago. Foram 28 dias. Como surgiu essa ideia e como foi o planejamento?
JM - Foi a melhor experiência de nossas vidas, sem sombra de dúvidas. Foram 28 dias mágicos, percorrendo cinco estados, fazendo 14 shows, gravando um álbum e um documentário. Foram anos de trabalho até chegar na turnê. Quando nossos discos chamaram a atenção de alguns produtores, DJs e jornalistas de blues, nossas portas começaram a se abrir.Tivemos a ajuda inicial do David Mac (Blues Juction) e do produtor que nos ajudou a organizar a tour, Art Martel (Straight Up Blues Production). Além disso temos nosso grande amigo Rip Lee Pryor que nos ajudou muito na parte da turnê pelo Arkansas e Mississippi. Tivemos o privilégio de tocar com ele no King Biscuit Time Blues Festival e West-Helena, Arkansas. Foi a realização de um sonho e temos muita vontade de, quem sabe um dia, repetir esses shows.



EM – Dessa turnê saiu o álbum homônimo com o Jon Atkinson, gostaria que falasse sobre esse disco. 
JM - Jon Atkinson, também foi outro parceiro na tour. Além dele, e dos outros que já citados, nesse disco estão nossos grandes amigos, os Silver Kings (Mark Mumea e Jerry Careaga) que tambem nos ajudaram a organizar a tour . O disco foi gravado em duas etapas, metade dele com o Jon e outra metade com os Silver Kings, nos estúdios deles. O disco ficou bem bacana, tradiça total, todo gravado analógicamente com vários equipamentos vintage que eles tinham lá.

EM - Uma coisa bacana rolou recentemente. Ficamos quase dois anos com as atividades suspensas. De repente a gente recebe a boa notícia que vocês estão com uma parceria com a Delmark Records para lançar um disco gravado em 2019 com o Bob Stroger. Gostaria que contasse como aconteceram essas gravações e como foi o contato com a Delmark?
JM - Pra nós está sendo a realização de vários sonhos ao mesmo tempo! Os Deuses do Blues tem sido bom com a gente. (risos) Primeiro que é algo surreal poder lançar um disco com uma verdadeira lenda do blues, Mr Bob Stroger, que é um dos gigantes caminhando entre a gente. Nós e Bob, temos uma amizade a uns 10, 12 anos aproximadamente. Fizemos dezenas de shows aqui no Brasil e a vontade era muito grande de podermos gravar um disco juntos. Em 2019 tivemos a grande chance, estávamos com Bob em uma turnê pelo Brasil e quando tivemos um show aqui em Itajaí, no Mercado Blues Festival, aproveitamos para gravar com ele. O Maca e o Cavera tem um estúdio aqui chamado Grooveland especializado em blues tradicional e afins. Deu tudo certo, o disco ficou sensacional. Então veio a pandemia, ficamos parados sem saber o que fazer. Até que entrei em contato pessoalmente com a Julia e o Elbio da Delmark e mostrei pra eles o disco e também perguntei se eles tinham interesse em lançar pela Delmark, e eles toparam. Adoraram o disco e aí vem o segundo sonho no mesmo pacote, lançar um disco com o Bob Stroger pela Delmark records e nos tornarmos artistas Delmark. Está sendo um momento muito especial em nossas carreiras.

EM - A cena musical está voltando aos poucos após o período mais sombrio da pandemia. Como vocês estão sentindo essa retomada? 
JM - Pois é, estamos voltando aos poucos e está ficando cada vez melhor. Vários shows agendados e planos a serem executados, acho que em breve vamos estar todos juntos novamente, devidamente vacinados, curtindo muito show de blues por aí!

EM – Discos, vídeos, clipes e documentário. The Headcutters produz tudo de forma independente. Qual a vantagem e as desvantagens disso?
JM - As vantagens é que a gente só faz o que gosta, sem pressão de gravadora ou selo. Fica tudo bem natural e do nosso jeito sem ninguém dizendo o que fazer e como fazer. Já sobre as desvantagens, não consigo lhe dizer, pois o blues em si nunca foi  mainstream, sempre foi algo mais lado B. Talvez a desvantagem é que menos pessoas saibam como o blues é algo fantástico.

The Headcutters e Bob Stroger

EM – Joe, como você faz pra conseguir aquele timbrão de gaita das antigas?
JM - Ainda falta muito, sou bem autocrítico nesse sentido, mas dou o meu melhor pra sempre conseguir evoluir e tirar cada vez mais som da gaita. O aprendizado é infinito, estou sempre na busca pelo crescimento. Sou “fuçador” de sons, timbres, amps, mics e etc... Gosto muito de ouvir os grandes mestres do timbre e tentar chegar o mais próximos deles. Além de sempre praticar de uma forma saudável que me faça melhorar cada vez mais. Gosto de saber que tenho muito que aprender ainda!

EM – Vocês são de Santa Catarina, estado que mais votou em Jair Bolsonaro na eleição de 2018. Não sei se tem informação sobre isso ou se sentem a vontade com o assunto, mas qual a visão da classe artística local com relação às políticas públicas da Secretaria de Cultura, tendo em vista que a maioria dos festivais de blues e jazz no Brasil são realizados com leis de incentivo fiscal.
JM - Infelizmente temos vividos tempos sombrios nesse governo que deixa toda a classe artística sufocada e incapacitada de fazer muita coisa. A visão em geral da classe artística local aqui em Itajaí é insegurança e insatisfação. Esperamos que ano que vem as pessoas daqui e do resto do Brasil saibam votar melhor para sairmos dessa situação lamentável. É muito triste viver no estado que mais votou nele e ter que aturar esse surto coletivo. Infelizmente somos minoria aqui, mas esperamos que mude nas próximas eleições. HAVE MERCY!

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