Texto: Eugênio Martins Jr
Fotos: Chris Monaghan
A Nick Moss Band é uma das bandas de blues mais legal dos Estados Unidos nos dias atuais. E não sou só eu que acho isso. A Blues Foudation, entidade que promove o Blues Music Awards, um dos mais importantes concursos daquele país, concedeu três premiações à banda baseada na votação dos fãs e críticos de blues: melhor álbum tradicional em 2019; melhor banda e melhor música tradicional, Lucky Guy.
Já com o baixista brasileiro Rodrigo Mantovani e o gaitista/cantor da Califórnia, Dennis Gruenling, o álbum Lucky Guy! tem Taylor Streiff nos teclados e Patrick Seals na bateria e 14 temas cheios de energia e feeling.
Segundo álbum da parceria com o super gaitista, que começou em High Cost To Low Living, Lucky Guy! foi lançado pela famosa gravadora Alligator Records, de Bruce Iglauer. Segundo o próprio Moss, a associação com o selo de Chicago colocou sua banda sob os holofotes, coroando o trabalho com as premiações da Blues Foundation, consequentemente aumentando o alcance da sua música.
Porém, não dá para apontar um disco melhor do que o outro. Ao longo dos anos, mesmo antes da atual formação da Nick Moss Band, o guitarrista vem pesquisando e gravando ritmos, da costa oeste norte americana até o bom e velho blues de Chicago.
From The Roots To The Fruits, album duplo gravado de forma independente em 2016, com seu antigo parceiro Michael Leadbetter, atesta isso. Trata-se de um álbum conceitual, com nada menos que 27 músicas divididas em dois CDs.
O CD 1 – Roots - recheado com os blues de todas as formas elétricas, com Jason Ricci aparecendo em The Woman I Love, Gordon Beadle fazendo todos os saxofones e o poderoso slow Lost and Found. O CD 2 – Fruits com temas viajantes, o suficiente para “quase” serem chamados de progressivos, o casos de Serves Me Right, Free Will (com participação de David Hidalgo) e Speak Up.
Pego em cheio pela pandemia de Covid-19, com a agenda cheia de shows marcados e no começo da temporada de festivais nos Estados Unidos, Nick Moss concedeu a primeira entrevista a um veículo brasileiro.
Não bastasse a catástrofe sanitária, os Estados Unidos vivem atualmente* grandes manifestações contra o racismo e a violência policial impulsionadas pela morte de George Floyd.
Nesse momento, várias cidades americanas estão tomadas pela guarda nacional e toques de recolher impostos pelo governo estão sendo quebrados pelo povo que ocupa as ruas em protesto.
Houve tentativas de saque e incêndio nos templos do blues de Chicago, o Buddy Guy Legends e o BLUES on Halsted e muitas pessoas estão evitando sair de suas casas pelos dois motivos, pandemia e protestos. Não por coincidência, temas que o blues já vem cantando e denunciando há mais de um século.
Essa entrevista não seria possível sem a inestimável participação do Rodrigo Mantovani, parceiro de longa data e tantas gigs. Valeu mermão!
Eugênio Martins Júnior - Se lembra quando foi a primeira vez que realmente ouviu o blues?
Nick Moss - Nasci escutando todo tipo de música. Meus pais escutavam desde a primeira fase do rock and roll, big bands, doo wop, blues e soul. Um tio nos apresentou às bandas inglesas que estavam invadindo o cenário, Led Zeppelin, Rolling Stones, Free, Blind Faith, Traffic. Crescemos escutando esse tipo de música e conhecemos o blues através deles e foi quando o meu irmão mais velho, Joe Moss, decidiu levar a sério a guitarra e descobriu que todos esses guitarristas de rock tinham como base o blues e faziam música baseados nos blueseiros antigos. Então ele descobriu os discos de blues da nossa mãe que estavam no nosso porão e a partir daí descobrimos juntos o que era blues de verdade. Tinha discos do Muddy Waters, BB King, etc.
Ao mesmo tempo, nos anos 80, outras bandas e artistas começaram a aparecer tocando música baseada no antigo blues, ZZ Top e até mesmo Stevie Ray Vaughan, e isso nos deixou muito emplogados, pois, de alguma forma, conseguimos relacionar com os blues dos anos 40 e 50 e, de certa maneira, quanto mais escutavamos SRV e Led Zeppelin conseguíamos ver o quanto eles foram influenciados e estavam atentos aos artistas afro-americanos de blues. Com isso fomos levando o blues mais a sério e mergulhamos fundo nele. Me lembro de ter ganho de Natal um disco da gravadora Alligator, era o álbum Bar Room Preacher, de Jimmy Johnson, e na sequência os discos de Albert Collins e Lonnie Mack. Mas mesmo assim nós continuamos indo mais fundo e escutando os discos antigos de blues da nossa mãe.
EM – Quando foi que você decidiu que seria músico prosissional?
NM - A razão pela qual acabei me tornando músico foi o simples fato de que eu não pude fazer o que que queria, ser esportista pela faculdade. Era um jogador talentoso de futebol americano desde a escola e achei que também teria um desempenho alto na faculdade, mas acabei ficando doente aos 18 anos e me disseram que nunca mais voltaria a praticar esportes. Quando estava no hospital me recuperando de cirurgias meu irmão ia me visitar com sua guitarra. Naquele momento eu já tocava, somente de brincadeira, e ele trouxe meu baixo para o hospital só para me dar algo para fazer porque eu estava entediado e paralisado no hospital após fazer duas cirurgias importantes nos rins. Me apaixonei pela música novamente e quando estava me recuperando, ainda no hospital, ele me levou para ver uma banda tocar e acontece que aquela banda da gravadora Alligator, a Little Charlie & the Nightcats.
Eu simplesmente me apaixonei naquela noite por tudo o que faziam, o visual, o som e a dedicação deles. Tudo me atraíu e isso me deu uma nova esperança, já que eu não poderia mais voltar a praticar esporte na escola, pela possibilidade e medo de ter complicações por esse problema médico. Tive outra coisa pela qual me interessar e olhar adiante.
EM – Já que você o citou, qual foi a influência do seu irmão, Joe Moss, na sua música?
NM - A influência do meu irmão não pode ser medida, pois desde criança eu seguia seus passos. Ele sempre liderou o caminho desde que me lembro e tudo o que ele fez eu queria fazer. Absolutamente tudo e na música foi a mesma coisa. Acontece que ele era naturalmente talentoso, e eu não. Até mesmo nos dias de hoje ainda tenho que trabalhar duro para aprender coisas novas. Não sou formalmente educado em música, tudo o que sei aprendi de ouvido ou assistindo alguém tocar, no entanto, meu irmão era como um prodígio quando ele era criança, e aprendia mais até mesmo que os seus professores até seu último professor de guitarra dizer aos meus pais que não podia mais ensiná-lo, pois Joe sabia mais do que ele. Assisti meu irmão se tornar um guitarrista muito competente desde novo e eu queria fazer o mesmo, mas não conseguia, e isso me frustrava, pois era uma das poucas coisas que eu não conseguia fazer tão bem quanto ele. Todas as outras coisas que ele fazia, como jogar futebol, beisebol eu também fazia muito bem, mas por algum motivo a música não era assim para mim, até um dia meu irmão me comprou um baixo e disse: "tente isso”. Ele comprou aquele baixo em uma venda de garagem, eu tinha 11 anos. Na verdade acho que o real motivo dele comprar um baixo para mim foi para eu parar de pegar sua guitarra emprestada. Ele foi muito esperto! Seja lá qual tenha sido o motivo, me pareceu muito natural tocar baixo e comecei realmente a tocar como baixista e com isso fui capaz de tocar com meu irmão e seus amigos. Isso me deu confiança para aprender como tocar por conta própria. O primeiro show que fiz com o Jimmy Dawkins foi porque meu irmão chamou o baixista oficial de Dawkins e disse: "Ei, você sabe que meu irmão está sem fazer nada, talvez você possa deixá-lo tocar nesse show". Com isso consegui essa gig, por causa do meu irmão. Por esses motivos não consigo mensurar e dimensionar o quão importante meu irmão foi na minha trajetória e carreira.
EM - Gostaria que você falasse um pouco sobre esse tempo com o lendário Jimmy Dawkins. Sabemos o que ele representa para a música, como ele era como pessoa?
NM – Foi minha primeira gig importante. Era muito jovem, tinha 18, 19 anos. Tinha acabado de fazer algumas cirurgias e estava me recuperando delas, tentando pensar no rumo da minha vida. Depois de ver Little Charlie & The Nightcats esatava pensando em seguir carreira como músico profissional em tempo integral. Então recebi a proposta para tocar com Jimmy Dawkins porque o baixista dele não podia na ocasião. Estava saindo com meu irmão e indo para um monte de bares e jams de blues quando fui convidado, e então eu pensei que não seria um problema tocar blues de 12 compassos. Assim, quando a oferta desse show apareceu, nem hesitei. E eu nem sequer compreendia naquele momento o quão valioso, importante e significativo era isso porque eu realmente não sabia muito sobre o Jimmy. Sabia que era um bluesman em Chicago, mas não sabia de toda a sua história. Pensei que era apenas uma boa oportunidade de fazer alguns shows. E então cheguei nessa banda que tocava de uma maneira extremamente solta e fluída. Tinha um baterista que tocava com propriedade, totalmente solto, dominando a linguagem de tocar nos 12 compassos, que nem sempre era o caso.
Jimmy sentia a música de uma forma única e tinha uma maneira específica de expressar e sentir cada som. Eu era apenas um garoto de 18 anos e não sabia nada daquilo. Diria que ele foi muito paciente comigo por quase um ano. Tenho certeza que em outras situações outro líder de banda já teria dito: “sai fora, você já era!" Mas finalmente quase depois de um ano ele me chamou de lado e disse: "Você sabe que eu gosto de você, você é um jovem simpático e eu pude ver que você realmente quer fazer isso e está empenhado, mas você não sabe o suficiente ainda e eu não tenho tempo para ensiná-lo agora, mas se você melhorar e entender essas coisas melhores me ligue novamente, mas eu tenho que arranjar outra pessoa". Lembro que mesmo ele fazendo e falando isso para mim da melhor maneira possível, ser demitido e deixar a banda ao ser informado que eu não era bom o suficiente foi um dos sentimentos mais horríveis que já tive na minha vida. Naquele minuto disse a mim mesmo que nunca deixaria isso acontecer comigo de novo. Que nunca deixaria alguém me dizer que eu não era bom o suficiente. Que não sei o suficiente. E fiz disso minha missão a partir desse momento, tentando aprender o máximo que pude e, quando tive a próxima oportunidade, não a perdi.
EM - Você conviveu com Mike Ledbetter enquanto ele esteve em sua banda. Todos sabemos que ele é herdeiro do talento de um dos grandes nomes do blues, Huddie Leadbelly. Claro que ele não conviveu com Leadbelly, mas ele costumava falar sobre isso? Outra coisa, sua partida foi muito prematura. Gostaria que falasse sobre esses dois assuntos.
NM – Não, Mike não falava muito de sua conexão com Leadbelly. Principalmente porque ele não queria que parecesse que estava usando isso como uma maneira de se promover e impulsionar sua carreira por conta do nome. Acredito que seu pai tenha lhe dito que Leadbelly era um parente muito distante e que realmente não valia a pena mencionar. No entanto, quanto mais Mike estava se envolvendo com o blues obviamente foi ficando curioso sobre sua conexão com Leadbelly e começou a pesquisar, perguntando para seu pai e avós um pouco mais sobre isso. Ele descibriu que Leadbelly era um primo de terceiro grau distante de um dos seus bisavós. Não me lembro exatamente se era bem isso, mas a ligação de sangue era algo assim. Novamente repito, ele não tocava no assunto em entrevistas, ao menos que alguém dissesse "Ei, seu sobrenome é o mesmo que o Leadbelly você sabe disso? E então ele diria: "Bem, sim, tenho um conexão sanguínea distante, mas nada além disso”.
Inclusive, depois de muito tempo que estávamos tocando juntos, recebemos uma notificação de uma empresa de produção da Inglaterra que estava organizando um evento de tributo ao Leadbelly e perguntaram se o Mike gostaria de fazer parte disso, pois eles ouviram que Mike tinha laços sanguíneo com Leadbelly, mas Mike não queria participar porque ele não queria explorar o nome para impulsionar sua carreira e eu disse: "Você está louco! Esse evento além de tudo será no Carnegie Hall, quando você acha que será convidado novamente para tocar no Carnegie Hall!?" E então Mike sendo Mike disse que faria, mas que queria levar o chefe dele. Para nós dois fazermos isso juntos e isso é uma das coisas que vou me lembrar para sempre. Ter tocado no Carnegie Hall porque Mike Ledbetter me convidou para fazer o evento com ele. E eu disse a ele: “É melhor mesmo você se certificar que eu vou fazer isso com você seu FDP”. (risos)
Até hoje lembro que ele recusou originalmente e eu falei "você é louco?" (risos).
Na verdade ele tentou levar a banda toda para participar, mas eles não queriam pagar. Eles me conheciam, então aceitaram que fosse só eu e o Mike para fazer a participação em dupla. Foi uma noite incrível. Nós abrimos e fizemos a primeira apresentação do evento todo. Mike destruíu. Cantou muito. Foi lindo. Eu gostaria que houvesse alguns vídeos daquela noite, tem apenas um pequeno videoclipe que sua irmã gravou, porque eles não deixaram que câmeras gravassem da platéia, mas ouvi que supostamente há um vídeo por aí, mas eu nunca vi. Foi um evento maravilhoso, com Buddy Guy, Kenny Wayne Shepperd, Edgard Winter, não me lembro de todos os envolvidos que estavam lá. Acho que John Hammond estava lá também, foi uma grande programação.
Sobre o fato dele ter morrido, não sei o que dizer sobre isso, além de que ele significou muito para mim. Era mais da família do que um membro da banda para mim e você pode imaginar como é perder um membro da família. Melhor passarmos para outra pergunta.
EM - High Cost To Low Living e Lucky Guy são dois trabalhos poderosos em parceria com Dennis Gruenling. Gostaria que falasse sobre esses dois trabalhos.
NM – Sim, um grande ponto de virada na minha carreira. Minha escalada à popularidade é diretamente atribuída a esses dois trabalhos. Principalmente porque tive uma exposição e distribuição muito boa, por passar a integrar a Alligator Records, uma das mais antigas gravadoras, estritamente de blues e com uma das maiores reputações do mercado no mundo inteiro. O fato de ter o nome Alligator Records associado a você passa muita credibilidade. De fato, foi um marco ter assinado com eles depois de muitos anos lançando meus discos pela minha própria gravadora. Nossa banda foi relativamente bem sucedida com a nossa própria gravadora, mas nada comparado com as conquistas que tive fazendo parte da Alligator Records nesses últimos três anos. High Cost of Low Living teve um processo de criação muito legal e nosso recente CD, o Lucky Guy!, obviamente superou todas as expectativas. Acabamos de ganhar o Blues Music Awards em três categorias, melhor álbum tradicional do ano; melhor banda do ano; melhor música tradicional do ano, Lucky Guy. Atribuo todo esse sucesso não apenas por estar na Alligator Records, mas também ao momento em que Dennis Gruenling se juntou à banda. Foi um grande negócio. Michael (Leadbetter) fez parte da minha banda por quase sete anos e foi incrível, fizemos várias coisas incríveis, vários estilos diferentes de música e quando ele se foi eu não tinha muita certeza do que iria fazer. Se iria voltar ao Blues tradicional, que tinha feito antes de Michael ou se iria continuar num estilo mais moderno. Estava preocupado em ter que resolver essa questão e aconteceu por acaso. Naquele momento Dennis me ligou e disse: "Ei cara, recebi uma oferta de um show no Centro-Oeste, perto de você, e preciso de uma banda, você gostaria de ser minha banda de apoio?". Era um concerto beneficente e ele ia fazer uma homenagem a William Clark. Fazia algum tempo desde a ultima vez que havia apoiado um gaitista durante todo um show, mas eu amo esse estilo, o swing, o blues tradicional de Chicago. É onde meu coração sempre esteve. Então, imediatamente disse que sim. E quando finalmente começamos a fazer o show percebi o quanto sentia falta de tocar esse estilo de música e me lembro que durante o intervalo disse para Dennis que ele não estava mais tocando com o Doug Deming e se estaria interessado em fazer algo comigo. E ele respondeu que amava o som da minha banda e que poderia fazer parte dela. Eu disse ok, vamos ver se funciona. Fizemos a próxima turnê juntos. Mike ainda estava na banda, mas o Dennis se juntou a nós. Foi muito legal e divertido, a turnê com Dennis. Mike deixou a banda no mês seguinte, em janeiro e a transição foi fácil. Estávamos na verdade no Blues Cruise quando Mike fez seu último show conosco e o Dennis também estava no cruzeiro. Foi uma amostra de como a banda soaria sem Mike. Aliás, muitas pessoas vieram me dizer que sentiam falta de me ver tocando blues tradicional. Então foi bom voltar a isso e foi bom ver os fãs se lembrarem da minha trajetória tocando blues tradicional antes do Mike estar na banda. Dennis fazendo parte da banda, você sabe, seu entusiasmo, seu conhecimento na música, ele é um dos melhores do mundo e isso é incontestável. Ele têm uma presença de palco incontestável. É uma dessas pessoas que fazem o público querer olhar para o palco. Eu nunca fui uma dessas pessoas, nunca fui um tipo excêntrico e às vezes você precisa desse tipo de pessoa para fazer um contraste no palco. Acho que o Dennis contrasta comigo no palco, pois sou mais reservado. Escuto muitas pessoas falarem que gostam desse contraponto, essa harmonização e equilíbrio no palco. Não somente na parte musical, mas na parte cômica e esse complemento das personalidades juntas, isso é ótimo.
EM - Otis Rush, James Cotton, Magic Slim, Lonnie Brooks já se foram. Buddy Guy está com 85 anos. Como vê a cena de Chicago hoje?
NM - É verdade, todos os dias perdemos nosso passado. Mas o futuro é inevitável e sempre vai se desenvolver. Há muitos músicos na cena do Blues de Chicago que continuarão a levá-lo à próxima fase. Vai existir novamente a mesma qualidade dessa "realeza" dos bluseiros que temos aqui em Chicago, como Buddy Guy? Não sei. Acho que no país há outras pessoas que podem usar esse manto, assumir esse papel. Mas enquanto o Blues de Chicago estiver por aí eu certamente farei minha parte. Há caras da cidade que estão fazendo o que podem, Mike Wheeler é um dos caras que gosto, um pouco mais moderno, mas acho que ele é um cara que pode ganhar mais impulso e notoriedade com os fãs pois ele não agrada somente o público que gosta de blues tradicional. Há muitos caras por aí, gosto do Omar Coleman e ele ainda é jovem suficiente para ser influente fazendo música pelos próximos 15 ou 20 anos. É um grande gaitista e cantor. Temos o Corey Dennison, Gerry Hundt, esses caras estão fazendo o som deles. Existe uma banda jovem nos arredores de Chicago chamada The Kilborn Alley Blues Band, com quem eu tenho uma associação há algum tempo, que é jovem o suficiente para fazer bastante coisa. Andy Duncanson é o vocalista dessa banda. Acho que existem muitos músicos fora de Chicago também. E na verdade eu tenho ajudado lentamente a mostrar alguns jovens talentos do blues em todo o país e sinto que o futuro do blues está em boas mãos se esses esses caras continuarem. Mas nunca mais vai haver outro Buddy Guy, BB King ou outro Son House. Sempre haverá alguém que terá identidade própria e levará as coisas para a próxima grande etapa. E essa é a única coisa que podemos fazer. Olhar para frente e que as pessoas consigam ser elas mesmas e levar o blues para outro patamar, trazendo mais visibilidade e notoriedade para esse estilo musical.
EM - Como você conheceu o Rodrigo Mantovani e como surgiu o convite pra tocar na tua banda?
NM – Conheci o Rodrigo em uma banheira Turca e ele estava tentando tirar minha toalha. Então falei calma lá grande rapaz, deixe eu me apresentar primeiro! (risos)
Não, sério agora, conheci o jovem Rodrigo em um festival na Espanha, onde tocamos e estava muito, mas muito calor. Me lembro de estar lá com minha banda e nossos amigos, RJ Mischo e Kirk Fletcher e, tanto eu quanto eles, já tínhamos ouvido falar e conhecíamos a música da Igor Prado Band. Nós tínhamos um amigo em comum chamado Lynwood Slim, que havia falado desses caras. Então estávamos tocando naquele festival. Fiquei muito impressionado com a interpretação deles do blues tradicional, do blues de Chicago, do jump blues. Ver esses caras do Brasil tocando essas coisas e de maneira tão autêntica. Me lembro de ter ficado impressionado com Igor e sua habilidade na guitarra e vocais, mas fiquei igualmente impressionado, se não mais impressionado ainda, com a seção rítmica, porque como disse anteriormente, comecei como baixista e sempre noto a seção rítmica das bandas, e ter um guitarrista muito bom não importa se a seção rítmica da banda não for boa. Na verdade acaba não significando nada ser um guitarrista bom sem uma seção rítmica boa. Me lembro do baterista Yuri e desse baixista de cabelo cumprido chamado Rodrigo sendo apresentados a mim. Esses caras chegaram lá e arrebentaram!
Foi muito legal e me lembro que no final do festival fizemos uma espécie de bis no nosso show e chamamos esses caras no palco para tocar com a gente e colocamos nossos instrumentos neles e eles tocaram e me lembro de ficar de pé ao lado do palco olhando-os tocar e em um momento eu falei para o meu baixista na época, o Gerry Hundt: "É melhor esses caram ficarem de vez com os nossos instrumentos porquê eles tocam melhor que a gente”. (risos)
Foi uma noite muito legal e divertida e havia muito respeito e admiração mútua entre nós. Em seguida tentamos manter o contato. Não era fácil naquela época porque as mídias sociais não eram tão fortes e, ocasionalmente, ouvíamos falar um do outro ou víamos que eles tinham tocado em um festival que íramos tocar. Me lembro de estar na casa do Lynwood Slim algumas vezes e ele estar falando com o Rodrigo no Skype e eu dar um alô e falar: "Ei como você está Rodrigo?”, coisas do tipo. Em seguida fiquei sabendo que o Rodrigo trouxe o Lynwood Slim para visitar Chicago por conta do Chicago Blues Festival. O Slim havia saído do hospital, e o Rodrigo decidiu vir com ele para assistir o Chicago Blues Festival e assim fazer alguns shows uma vez que o Slim estava bem de saúde novamente. Eles ficaram na minha casa e fizemos alguns shows juntos e mais uma vez fiquei chocado com o Rodrigo tocando baixo. Na época eu tinha um baixista jovem e o fiz sentar e assistir o Rodrigo e falei para ele: "Você está vendo esse jovem do Brasil? É assim que se deve tocar e essa é a maneira de soar. Você têm que aprender com ele". Os encontros foram acontecendo, começamos a acompanhar um ao outro nas mídias sociais, enviando curtas mensagens. Seguiamos algumas postagens mútuas. Foi quando ouvi dizer que Rodrigo, Igor e Yuri tinham terminado a banda e isso aconteceu na mesma época em que eu estava procurando por outro baixista.
Nós tínhamos acabado de chegar de uma turnê na Europa e meu baixista me disse que não queria mais investir tempo na banda porque estava com muitos problemas pessoais. Vi o Rodrigo postando algo no Facebook e mandei uma mensagem para ele por estar frustrado e de certa maneira desesperado pensando em quem chamar para tocar baixo. E aconteceu como uma brincadeira que mandei a mensagem: “E aí cara, você quer se mudar para Chicago, para tocar baixo na minha banda?". Para minha surpresa, ele espondeu imediatamente: “Sim, quando?". Perguntei se ele estava falando sério, e ele me de perguntou se eu estava falando sério. O resto é história. Desde então começamos a pensar como faríamos para isso acontecer e não me arrependo de nada**
EM - From the Roots To The Fruit, como o nome diz, é um disco com muitos estilos. Mas todos eles permeados pelo blues. Gostaria que comentasse o conceito desse trabalho, um grande álbum.
NM - Estou muito lisonjeado e honrado por você ter gostado muito deste disco. Foi muito legal tê-lo gravado. O conceito é exatamente esse que você imagina: o blues é a raiz e todo o resto são seus frutos. Isso significa que a maioria das músicas modernas vieram diretamente do blues e queríamos mostrar isso. E também mostrar o fato de que no último ano que o Mike ficaria na banda – aliás meu baterista estava comigo há quase nove anos naquela época – aquela formação estava aprendendo a tocar o blues de uma maneira melhor. Tocávamos muito blues tradicional misturado com coisas contemporâneas e queríamos mostrar às pessoas que uma banda não precisa ter apenas um estilo. Se a banda for bem educada, preparada e bem-intencionada. Tentamos mostrar a correlação entre o blues da velha guarda e a música moderna das bandas de blues-rock e soul jam, e acho que fomos bem-sucedidos nisso. Dessa forma, a maioria das músicas eram originais e foi muito divertido fazer esse disco. Foi um empreendimento ambicioso, mas conseguimos realizar. Tem 27 músicas nesse disco.
EM – Outra coisa que gostaria que você falasse é que, apesar de ser um músico de Chicago, você tem uma forte influência do west coast, não é verdade?
NM - Sim, tenho muito respeito pelo blues da costa oeste, pelos músicos modernos de blues. E a razão disso é que quando estava no começo dos meus 20 anos não haviam muitas bandas de jovens brancos tocando o blues tradicional de Chicago. Nessa época eu comecei a ouvir Fabulous Thunderbirds, Little Charlie & The Nightcats, William Clarke, Rod Piazza e, não foi o fato deles tocarem swing que me chamou a atenção, mas sim as versões dos clássicos do blues de Chicago. Eu me questionava por que não haviam mais bandas tocando aquele velho estilo de Chicago, especialmente caras da minha idade. Realmente parecia que naquela época eram mais músicos da Costa Oeste fazendo essa música, e essa foi uma das razões pelas quais comecei a trazer de volta esse blues aqui para Chicago. Queria ser o cara em Chicago que pudesse trazer de volta o “tradicional Chicago Blues”. Adoro o swing, o velho som do BB King, o Little Walter na sua fase mais jump blues, amo o T- Bone Walker e o Pee Wee Crayton. E haviam tantas músicas lançadas como R&B e jump feitas em Chicago por artistas como Willie Mabon e até mesmo Muddy Waters, coisas do Howling Wolf sendo lançados nesse estilo também pela Sun Records, enfim... amo todos esses estilos. O que realmente me chamou atenção foi o fato de ter muitos músicos da minha idade na Costa Oeste fazendo esse tipo de música. Eu podia ver ao vivo esse Blues tradicional de Chicago sendo tocado mais por lá do que até mesmo por aqui em Chicago. Músicas do Muddy Waters e Little Walter. Nós simplesmente não tínhamos mais essa cena por aqui. Era mais acessível ver o Rod Piazza e William Clarke quando eles vinham para tocar aqui e eles tinham muito respeito por essa música de Chicago.
EM - Você sabe que o Brasil tem uma cena de blues com muitas bandas? Faz planos para vir pra cá. Rodrigo poderia facilitar isso.
NM - Não tenho planos atualmente de visitar o Brasil e atualmente nem de sair da minha própria casa devido a essa pandemia. Adoraria visitar o Brasil um dia. É um país muito bonito que eu sempre quis visitar, até mesmo antes de ser músico. Um país lindo com pessoas lindas, com uma comida incrível e uma cultura incrível. Agora que tenho meu amigo Rodrigo, talvez algum dia isso possa ajudar a abrir algumas portas. Talvez esta entrevista possa ajudar a abrir algumas portas aí no Brasil, e talvez um dia, quando todos estivermos protegidos contra vírus que nos mantêm trancados em nossas casas acabar, eu possa vir a visitar esse lindo país e tocar para essas pessoas lindas.
*Essa matéria foi escrita em 01 de junho de 2020
** Em nota, Rodrigo Mantovani diz que também não, e isso virou piada entre ambos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário